LIVRO DE DEFESA CIVIL Caderno_GIRD10__ PDF
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Summary
This technical document, GIRD+10, details integrated risk and disaster management, focusing on the concepts, methodologies, and strategies for reducing risks and disasters, including the contribution of nature-based solutions to resilient cities.
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2021 Ministério do Desenvolvimento Regional Esta obra é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial – Compartilhamento pela mesma licença 4.0 Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total desta...
2021 Ministério do Desenvolvimento Regional Esta obra é disponibilizada nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial – Compartilhamento pela mesma licença 4.0 Internacional. É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. A versão digital do caderno técnico pode ser acessada, na íntegra, na Biblioteca Virtual da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil em: https://www.gov.br/mdr/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/protecao-e-defesa-civil-sedec e em Publicações do Instituto SIADES em:. Tiragem: 1ª edição – 2021 – versão impressa Elaboração, distribuição e informações MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil Departamento de Articulação e Gestão Gabinete Endereço: Esplanada dos Ministérios, Bloco E, 7. Andar, sala 714 CEP: 70067-901 Site: https://www.gov.br/mdr/pt-br/composicao/secretarias-nacionais/protecao- e-defesa-civil E-mail: [email protected] Parceria: Instituto SIADES - Sistema de Informações Ambientais para o Desenvolvimento Sustentável Universidade Federal do ABC - UFABC Laboratório de Gestão de Riscos (LabGRis-UFABC) Universidade Metodista de São Paulo - UMESP Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social (PósCom) - UMESP Este material foi elaborado no âmbito de Cooperação Técnica Internacional BRA /12/017 - Projeto Fortalecimento da Cultura de Gestão de Riscos de Desastres no Brasil entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD Brasil e o Ministério do Desenvolvimento Regional, por meio da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil - SEDEC. EQUIPE FICHA TÉCNICA Ministério do Desenvolvimento Regional Coordenação e Redação Técnica Secretaria Nacional de Proteção e Defesa civil - Samia Nascimento Sulaiman (UFABC) SEDEC Alexandre Lucas Alves – Secretário Nacional de Gerência e Redação Técnica Proteção e Defesa Civil Sonia Maria Viggiani Coutinho (IEA/USP) Karine da Silva Lopes – Diretora do Departamento de Articulação e Gestão Supervisão e redação técnica Reinaldo Soares Estelles - Coordenador-geral de Cilene Victor (UMESP) Articulação do Sinpdec e Coordenador do PCTI Fernando Rocha Nogueira (UFABC) BRA/12/017 Katia Canil (UFABC) Luís Felipe Lopes de Lima Lins - Assessor Técnico do Departamento de Articulação e Gestão Redação técnica Loiane Ferreira de Souza – Assistente Técnica da Amanda Silveira Carbone (IEA/USP) Coordenação de Articulação do Sinpdec Antonio Roberto Chiachiri Filho (UMESP) Cyntia Da Silva Oliveira - Consultora Técnica-SEDEC/ Celso Santos Carvalho (UFABC) Pnud Fabio Di Santis Campos (UFABC) Marília Leite (UFABC) Programa das Nações Unidas para o Pedro Roberto Jacobi (IEE-IEA/USP) Desenvolvimento – PNUD Brasil Rodolfo Baesso Moura (UFABC) Katyna Argueta - Representante Residente Ronaldo Malheiros Figueira (UFABC) Carlos Arboleda - Representante Residente Adjunto Maristela Baioni - Representante Residente Assistente Colaboração e Redação Técnica para Programas Ana Paula M. A. Cunha (Cemaden/MCTI) Moema Freire - Coordenadora da Unidade de Claudio Ferreira (IG) Governança e Justiça para o Desenvolvimento Fernanda Cunha Pirillo Inojosa (Ibama) Lídia Botelho - Gerente de Projeto Keila Ferreira (CODECIR/Recife) Graziela Silveira - Assistente de Programa Margareth Alheiros (UFPE) Patrícia Mie Mitsuo (USP) Rachel Trajber (Cemaden/MCTI) FICHA CATALOGRÁFICA Rafael Pereira Machado (SEDEC/MDR) Revisão técnica Debora Olivato (Cemaden/MCTI) Leonardo Andrade de Souza (UFABC) Margareth Alheiros (UFPE) Victor Marchezini (Cemaden/MCTI) Apoio Técnico - Informação e Comunicação Gilvani Molletta (UMESP) Leonardo Santos Salles Varallo (UFABC) Samella da Silva Marinho (SIADES) Projeto Gráfico | Guilherme Conti Design Editora de texto/Copidesque | Diana Salles Revisão de texto Ivana L. T Gomes/Samia N. Sulaiman SUMÁRIO CAPÍTULO 1 Perspectivas sobre a Gestão de Riscos e Desastres 1.1 Da teoria à prática: Como evoluíram as visões e as aplicações sobre a Gestão de Riscos e Desastres....................................................................................................................... 10 1.2 Avanços e desafios: A organização da sociedade brasileira para a Gestão de Riscos e Desastres.................................................................................................................................. 28 CAPÍTULO 2 Visão de futuro e cenários de riscos no Brasil 2.1 Dinâmicas e causalidades dos riscos: Uma proposta de análise a partir da perspectiva de cenários de risco.......................................................................................................... 40 2.2 Cenários de risco no Brasil: Um panorama atualizado da diversidade nacional...................................................................................................................................................... 52 CAPÍTULO 3 Redução de riscos e desastres 3.1 Mapeamento de riscos: Instrumentos e estratégias para reduzir riscos e desastres........................................................................................................................................................... 90 3.2 Cidades resilientes: A contribuição das Soluções Baseadas na Natureza........................................................................................................................................................................ 108 CAPÍTULO 4 Ações integradas e colaboração na gestão de riscos 4.1 Envolvimento e parceria: Entendendo a governança e a participação social na Gestão de Riscos e Desastres........................................................................................ 122 4.2 Para além da informação: Modelos e recursos para a comunicação de riscos............................................................................................................................................... 134 4.3 Educação e engajamento social: Um caminho estratégico para a construção de comunidades e cidades resilientes......................................................................................... 143 Veja o Web Story de apresentação do Caderno Técnico GIRD+10 INTRODUÇÃO Novos paradigmas relacionados à Gestão de Riscos e Desastres estão em processo de construção, consolidação e institucionalização, alinhados em direção à prevenção, à sustentabilidade e à participação social. No Brasil, a Lei n° 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC, avança nesse sentido e demanda conhecimentos, estratégias e ferramentas que apoiem ações para reduzir os riscos e a ocorrência de desastres no contexto brasileiro. Este caderno técnico, GIRD+10 Gestão Integrada de Riscos e Desastres, foi elaborado de modo a contribuir para a formação e capacitação de gestores públicos, prefeitos (as), representantes de secretarias municipais, agentes de Proteção e Defesa Civil, professores, educadores sociais, lideranças comunitárias, estudantes, pesquisadores, profissionais e todas as pessoas interessadas em apoiar a construção de comunidades e cidades resilientes. Os conteúdos apresentados neste Caderno Técnico são o resultado de um trabalho coletivo de especialistas do Instituto Siades, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), com a supervisão técnica da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC), do Ministério do Desenvolvimento Regional, dentro do Projeto de Cooperação Técnica Internacional BRA/12/017 - Fortalecimento da Cultura de Gestão de Riscos de Desastres no Brasil, firmado entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), por meio da SEDEC. Este material está organizado em quatro capítulos. O primeiro aborda as visões e as aplicações sobre Gestão de Riscos e Desastres e faz uma análise sobre os avanços e desafios no contexto brasileiro. O segundo traz um panorama atualizado da diversidade de cenários de risco no Brasil e o contexto das mudanças climáticas. No terceiro, discutem-se os instrumentos e estratégias de redução de riscos e desastres, como o mapeamento de riscos e a contribuição das Soluções Baseadas na Natureza para a construção de cidades resilientes. Por fim, o quarto capítulo mostra como governança, comunicação e educação para uma cultura de prevenção são elementos- chave para ações integradas de gestão de riscos no país. Convidamos à leitura e ao envolvimento nesse processo, para ampliarmos a cultura de prevenção no nosso município, no nosso bairro, no nosso dia a dia, contribuindo para o fortalecimento do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec). Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC) INTRODUÇÃO O primeiro capítulo que abre este Caderno Técnico introduz o tema da Gestão Integrada de Riscos e Desastres (GRD). Na Seção 1.1, apresentamos referenciais teóricos e metodológicos e marcos internacionais que demonstram a evolução das visões e aplicações sobre GRD. Na Seção 1.2 fazemos uma análise sobre os avanços e desafios no contexto brasileiro e dos novos paradigmas apontados pela Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, Lei nº 12.608/2012. Boa leitura! 1.1. DA TEORIA À PRÁTICA Como evoluíram as visões e as aplicações sobre a Gestão de Riscos e Desastres Autores: Samia N. Sulaiman, Fernando R. Nogueira, Celso S. Carvalho, Sonia M. V. Coutinho, Marilia de A. B. Leite, Rodolfo B. Moura Pode-se definir Gestão de Riscos e Desastres (GRD) como um processo social permanente e contínuo, apoiado por estruturas institucionais e comunitárias, com o objetivo de enfrentar vulnerabilidades e ameaças presentes no território. Quando falamos em riscos relacionados a desastres, nos referimos à potencialidade de ocorrer algo nocivo, danoso para a sociedade no futuro. Por isso, gerir riscos significa propor ações antecipatórias que possam reduzir a possibilidade de danos e perdas, ou pelo menos amenizar suas consequências. Para gerir riscos, os primeiros e indispensáveis passos são: identificar perigos; delimitar as áreas de origem e as que possam ser afetadas; entender as fragilidades do meio físico e social e antecipar as consequências. Essas são etapas fundamentais para que a GRD possa ser efetiva. Algumas ações essenciais para a GRD envolvem: A formulação de políticas públicas e instrumentos legais; Intervenções estruturais (obras e serviços, da engenharia tradicional e/ou de medidas não convencionais); Intervenções não estruturais (ações contingenciais, educação para prevenção e resiliência, comunicação de risco, medidas de redução das vulnerabilidades); Planejamento e preparação para o manejo dos desastres e para a reconstrução após os desastres. De uma maneira clara e precisa, a geógrafa francesa Yvette Veyret (2007) considera que o risco é um objeto social. Isso quer dizer que, para que o risco exista, “Ameaça” é um fenômeno ou é preciso que um indivíduo, ou uma coletividade, tenha a percepção de que existe processo natural uma ameaça, um perigo ou a possibilidade de um desastre. ou antrópico com Perceber a existência do risco é fundamental para analisar a situação, potencialidade de causar um dano. compreender sua gravidade e alcance e para que sejam adotadas práticas específicas “Perigo” é uma para enfrentá-lo (a nossa gestão de riscos). condição na qual Para quem não reconhece a existência do perigo e é surpreendido por existe potencial de “fatalidades”, “forças imprevisíveis da natureza” ou justificativas do gênero, só dano a ser causado por ameaça afetando restam o desastre e a tentativa improvisada de buscar caminhos para recuperar-se o meio exposto. das perdas e danos resultantes. Importante também é reconhecer a natureza dos riscos. Cada vez mais entendemos que os riscos que identificamos na vida do século XXI têm causas muito mais complexas do que apenas uma chuva intensa que deflagra deslizamentos e inundações ou, em outro exemplo, o descaso técnico que conduz à ruptura de uma barragem de rejeitos. 10 Gradativamente, firma-se o entendimento de que riscos (e sua materialização em desastres) não são naturais, são construídos pela forma com que a sociedade modifica o ambiente, apropria-se de seus recursos e organiza suas atividades no território. Em geral, os riscos são resultado de baixo desenvolvimento socioeconômico ou de “problemas não resolvidos do desenvolvimento” (ROMERO; MASKREY, 1993). As ameaças podem ser resultados de processos naturais, socioambientais ou tecnológicos, mas o risco sempre é resultado da relação do desenvolvimento sociopolítico, cultural e econômico nos territórios suscetíveis a tais ameaças. Dessa forma, tem-se buscado constituir entendimentos e ações mais amplos na GRD. Neste livro, vamos trabalhar com uma proposta de GRD baseada em processos (NARVÁEZ; LAVELL; ORTEGA, 2009), considerando três eixos estruturantes e estratégicos: 1) conhecimento dos riscos; 2) prevenção e redução dos riscos; 3) manejo dos desastres e emergências. DE QUE RISCOS ESTAMOS FALANDO? As primeiras definições de risco derivam das ciências naturais e das geociências, nas quais o risco era entendido como a probabilidade de ocorrência de um processo físico danoso, com ênfase no perigo, na ameaça ou no evento físico desencadeador do desastre — como a chuva intensa sendo a única causa de inundações e deslizamentos, por exemplo (MACEDO; BRESSANI, 2013). Para simplificar o que não é simples, consolidou-se a expressão matemática, em que risco de desastres (R) é a relação entre a potencialidade (P) de ocorrência de um processo físico que gera danos (acidentes) e as consequências (C) de seu impacto na vida de pessoas ou comunidades (como a perda de vidas humanas e os Como exemplos de danos de infraestrutura, como equipamentos públicos, vias e habitações). processos físicos que geram danos (acidentes), podemos Riscos (de desastres) Consequências citar movimentos R= Px C em perdas e danos sociais ou econômicos de massa (deslizamentos); inundações; secas; epidemias; ventos Potencialidade de ocorrer um fortes; furacões; acidente ou evento físico que gere tsunamis; terremotos; consequências erupções vulcânicas; rompimentos de barragens; Porém, o foco nas consequências, e não nas causas, deixa de considerar derramamentos o contexto socioambiental no qual ocorrem os desastres e a vulnerabilidade de de óleo; incêndios; explosões de plantas pessoas, bens e infraestrutura atingidos. Entender essa dimensão “é fundamental industriais; entre para identificar quais opções temos para reduzir tragédias que já estão anunciadas” outros tantos. (MARCHEZINI, 2015, p. 84). Trazer a vulnerabilidade como ponto de partida para a análise dos riscos e desastres permitiu entender por que os mesmos processos físicos causam danos mais amplos e consequências mais profundas nos territórios mais pobres e menos organizados socialmente. Não há exemplo mais dramático do que a difícil e longa recuperação do Haiti após o terremoto que destruiu o país em 2010. Essa compreensão coloca o risco como resultado da interação entre a possibilidade de ocorrência de um processo físico danoso (Ameaça) e a fragilidade das pessoas ou bens em risco (Vulnerabilidade): Risco = Ameaça x Vulnerabilidade 11 MAS DE QUE VULNERABILIDADE(S) ESTAMOS FALANDO? Os trabalhos de Wisner, Blaikie, Cannon e Davis (2004) apontam diferentes escalas, tempos e espaços que explicam a progressão da vulnerabilidade diante das ameaças (Quadro 1): 1) Causas profundas: o modelo de organização social e as ideologias políticas e econômicas de desenvolvimento que produziram e reproduzem desigualdades estruturais (como pobreza, racismo) 2) Pressões dinâmicas: os processos que produziram o cenário de risco (como a falta de controle do uso e ocupação do solo, de investimento em habitação social, saneamento); 3) Condições inseguras: os elementos concretos (como moradias em áreas de risco). Quadro 1. Modelo de progressão da vulnerabilidade na composição de riscos e desastres. PROGRESSÃO DA VULNERABILIDADE Causas Pressões Condições 1 Profundas 2 Dinâmicas 3 Inseguras Ideologia Falta de Ambiente Físico Frágil Crescimento econômico Política de aumento real do Habitações precárias com exclusão social salário mínimo Desigualdades de classe, Investimentos em ensino Alta densidade populacional gênero e raça e pesquisa Número elevado de moradores Valores culturais Participação social Frágil Economia Local (personalismo, fatalismo, Desemprego, subemprego e Macroforças racismo) informalidade Urbanização periférica Ocupação irregular Baixa renda Déficit habitacional Ações Públicas Falta de saneameamento básico Crescimento populacional Política habitacional Degradação ambiental insuficiente Corrupção Política assistencial insuficiente Inexistência de Defesa Civil municipal Falta de plano de contingência Fonte: Adaptado de Wisner, Blaikie, Cannon e Davis (2004). Elaboração própria. Contribuindo para essa abordagem sobre o processo de produção social da vulnerabilidade, Wilches-Chaux (1993) desenvolveu o conceito de “vulnerabilidade global” (Quadro 2), entendendo que determinado sistema humano pode enfrentar muitos tipos de vulnerabilidade que podem aumentar a magnitude de um desastre. 12 Quadro 2. Vulnerabilidade global e variáveis relacionadas a desastres. Dimensões da Variáveis para Construção de Indicadores de Vulnerabilidade Vulnerabilidade Social a Desastres (IVSD) Condições de acesso e uso da Característica construtiva frágil ou infraestrutura e serviços urbanos inadequada frente a processos específicos Física (por exemplo, casas em madeira frente Localização da edificação em relação ao a riscos de incêndios, deslizamentos, percurso de deslocamento/atingimento do vendavais) processo perigoso Desmatamento, seca, indisponibilidade de água Ocupação urbana em áreas degradadas Ambiental Adensamento habitacional excessivo, (áreas de empréstimo, áreas de lançamento impermeabilização do solo, obstrução de de resíduos, etc) drenagens superficiais Baixa renda e desemprego Dependência econômica Econômica Falta de acesso ao crédito Falta de orçamento para ações de prevenção e mitigação Perfil do chefe de família Incapacidade ( da comunidade, da família, do indivíduo ) de enfrentar o risco por limitação de saúde Social Falta de coesão ou organização social (da comunidade, da família) para Grupos especiais (idosos, crianças, jovens, enfrentar o risco grávidas, pessoas com deficiência) Ausência de escolaridade que debilita práticas de precauções e antecipação Falta de práticas educacionais que Educacional estimulem o protagonismo social Falta de informação adequada Falta de participação social em atividades Falta de cultura antecipatória dos gestores de prevenção e mitigação de riscos públicos frente aos riscos e desastres Acomodação da comunidade frente a Falta de práticas educacionais que Cultural problemas e conflitos e transferência total estimulem o protagonismo social de responsabilidade para os governos Falta de atividades de comunicação para Baixa percepção de risco redução de riscos e desastres Transferência da causa dos desastres, a Ideológica fatalidades (como a chuva, as vítimas) Percepção fatalista sobre desastres Falta de organização comunitária Falta de liderança capacitada para para atuar em redução de riscos trabalhos de prevenção e redução de riscos Organizacional Falta de mobilização e organização Falta de capacidade para elaborar planos coletiva em ações de prevenção e e projetos para a redução de riscos e mitigação de riscos ações de contingência Nível de confiança nas instituições Ações clientelistas que dificultam a Política responsáveis em ações de Proteção e organização coletiva na comunidade Defesa Civil Falta de Proteção e Defesa Civil estruturada dentro da comunidade (Nupdec) Falta de atuação do Poder Público na Institucional comunidade com ações de redução de Inconsolidação/alternância de políticas riscos e desastres públicas locais, de grupos técnicos e de relação entre governo e sociedade Ausência de estudos, diagnósticos e mapas de riscos Técnicas inadequadas de execução ou implantação de obras e de infraestrutura Ausência de Planos Municipais de Redução Técnica de Risco, Planos Preventivos de Defesa Civil, Planos de Contingência Ausência de corpo técnico capacitado Ausência de monitoramento, fiscalização para ações de Proteção e Defesa Civil na e controle comunidade Fonte: Wilches-Chaux (1993), adaptado por Dutra (2011). Readequação própria. 13 Entretanto, a partir do reconhecimento de uma ameaça e das vulnerabilidades, podem ser desenvolvidas a disposição e a capacidade do governo local e das comunidades em risco de agirem em relação ao problema. Assim, necessário o entendimento de que há uma relação simultânea e interconectada (de concomitância e condicionamento mútuo) de variáveis que também consideram a capacidade de enfrentamento ou resiliência, como expresso na fórmula a seguir (NOGUEIRA, 2002): O conceito de “resiliência” recebe Consequências danosas às pessoas e/ou definições variadas Probabilidade de aos bens em função da vulnerabilidade do de acordo com a área ocorrência futura de meio exposto à ameaça de conhecimento. determinado processo No contexto da do meio físico que Ameaça GRD, a resiliência representa ameça relaciona-se à capacidade de um sistema, comunidade R = P (f A) * C (f V) Vulnerabilidade ou sociedade, expostos a uma ameaça, de resistir, g absorver, adaptar- se, transformar-se, Riscos (de desastres) recuperar-se diante dos impactos de Capacidade de gerenciamento do problema ou de processos e eventos resiliência diante de ameaça, seja do governo local, extremos por meio seja dos indivíduos, seja da comunidade exposta da gestão de risco (UNISDR, 2016). A fórmula permite analisar integralmente uma condição de risco em determinado contexto temporal e espacial. Caso já tenham ocorrido processos destrutivos anteriormente, eles poderão ser considerados na análise da probabilidade de novas ocorrências, levando em conta as características, o grau de perigo e o alcance do processo, além da análise das possíveis consequências. A capacidade de enfrentamento e gerenciamento pode ser avaliada por meio de diversos parâmetros, como: apoio dos governos locais às comunidades em situação de risco; recursos financeiros adequados às atividades de redução dos riscos e manejo dos desastres; avaliações periódicas das situações de risco por meio de mapeamentos; promoção de políticas de uso e ocupação do solo e de planejamento para habitação e infraestruturas seguras; realização de treinamentos e exercícios simulados de preparação para desastres com a população; promoção de programas de educação e conscientização sobre riscos e desastres; apoio a iniciativas comunitárias de enfrentamento de situações de risco; monitoramento e manutenção de sistemas de alerta e alarme; elaboração de planos de contingência; desenvolvimento de pesquisas técnico-científicas; medidas estruturais de redução de riscos. (UNISDR, 2012) 14 PARA ENTENDER OS PARADIGMAS DOS DESASTRES Paradigmas são modelos de resolução de problemas dentro do campo da ciência. São modelos ou padrões a seguir, moldes de práticas e ações adotadas em certas situações. Tomas Kuhn (2005), físico que contribuiu significativamente para o desenvolvimento da ciência, afirma no livro Estrutura das Revoluções Científicas que os paradigmas são modelos nos quais os indivíduos de determinada comunidade do meio científico podem se espelhar, se orientar e partilhar em pesquisas futuras. Ao longo dos séculos XX e XXI, diferentes correntes do pensamento científico mostraram distintas formas de entendimento, análise e ação em relação aos desastres. Podemos chamá-las de os quatro paradigmas dos desastres: 1) o tecnocêntrico ou da engenharia; 2) o comportamental; 3) o da vulnerabilidade ou estrutural, ou ainda do desenvolvimento; e 4) o paradigma da complexidade (WARNER et al., 2002; SMITH; PETLEY, 2009; SULAIMAN et al., 2019). Paradigma tecnocêntrico Paradigma comportamental: ou da engenharia: De acordo com este paradigma, os desastres são Sob uma outra ótica, o geógrafo americano resultados da ação da natureza, independentes Gilbert White (1945) introduz a problemática da ação humana, (HEWIT, 1983), cabendo ao do processo de ocupação humana de um homem tentar explicar, prever e controlar esses território e a relevância da adaptação humana processos geomorfológicos (como deslizamentos), ao ambiente no entendimento dos desastres. climatológicos (como furacões) e/ou hidrológicos O autor afirma que “por definição, não existe (como inundações). ameaça natural isolada do ajuste do homem Enfatiza os processos de monitoramento de a ela. Ela sempre envolve iniciativa e escolha campo e explicação científica dos processos humanas” (WHITE, 1974, p. 3X). Integrando físicos: a natureza ser monitorada e controlada geografia e sociologia constitui-se, assim, o por obras de engenharia. paradigma comportamental. Paradigma da vulnerabilidade: Paradigma da complexidade: Ampliando o entendimento das causas dos Ampliando essa compreensão, as teorias desastres, a partir da década de 1990, cientistas sistêmicas, integradoras ou holísticas sociais estudaram as características locais contribuíram, no que se pode chamar paradigma que tornavam as populações vulneráveis e da complexidade, para conceber e explicar os como os impactos e a recuperação eram desastres a partir da sinergia entre dimensões diferentes dependendo das características da físicas, biológicas, ecológicas, econômicas, sociedade atingida (WISNER et al., 2004 ), sociais, culturais, políticas, históricas e formulando o que se chamou de paradigma da institucionais (CARDONA, 2001). Essa perspectiva vulnerabilidade, também chamado de estrutural, sistêmica envolve: a responsabilidade humana ou do desenvolvimento. no desenvolvimento de um mundo insustentável e, portanto, vulnerável; a limitação da tecnologia para a construção de um mundo seguro; e a relevância de se reconhecer as forças sociais nesse processo (MILETI, 1999). 15 Como define Ulrich Beck (1992), vivemos em uma “sociedade de risco”, na qual os riscos são um dos componentes básicos de sua estruturação e são onipresentes para o indivíduo. Os riscos são construídos socialmente, como resultado do próprio processo de modernização e desenvolvimento científico, o que tornou complexos os sistemas desta sociedade (sistemas urbanos, de transportes, sobreposição de redes de água, de eletricidade, de telefonia etc.). Reconhecer os paradigmas que baseiam o entendimento em relação aos riscos é importante para entender que as medidas que foram, e têm sido, tomadas em relação aos desastres se baseiam em diferentes concepções e atitudes sociais perante o risco: medidas curativas pós-desastre e pré-desastre e medidas preventivas (Quadro 3). Quadro 3. Políticas frente aos desastres, segundo distintas atitudes sociais perante o risco. POLÍTICAS FRENTE AOS DESASTRES Medidas curativas Medidas curativas Medidas pós-desastre pré-desastre preventivas Atitudes sociais frente ao Atitudes sociais frente ao Atitudes sociais frente risco com foco no ambiente risco que entendem a ruptura ao risco que reconhecem (meio físico) e sua dinâmica e da dinâmica natural por a degradação ambiental na adaptação do ser humano parte do ser humano e sua causada pelo ser humano e de suas atividades às superioridade e controle e, a partir da racionalidade condições da natureza sobre a natureza científica, buscam adotar medidas de redução dos riscos e desastres compatíveis com o ambiente, como medidas de ordenamento de uso e ocupação do solo, sistemas de alerta antecipado, medidas de redução da vulnerabilidade social, entre outras Fonte: Adaptado de Olcina e Ayala-Carcedo (2002). Elaboração própria. Pelo menos do ponto de vista dos conceitos, temos caminhado das medidas curativas pós-desastre para as medidas preventivas. Essa tendência também tem se expressado nos marcos internacionais sobre o tema, que serão apresentados a seguir. MARCOS INTERNACIONAIS Na década de 1990, a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou a Década Internacional para a Redução de Desastres Naturais (1990-1999) e, ao final da década, foi criada a Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (ISDR, na sigla em inglês). O enfrentamento dos desastres entrou na agenda internacional com foco na redução dos desastres considerados naturais. No entanto, quatro anos depois, em 1994, na 1ª Conferência Mundial sobre Redução de Desastres Naturais, em Yokohama, no Japão, avaliou-se que havia uma limitação do entendimento e tratamento dos desastres: uma abordagem restrita às ciências naturais e aplicadas, como o foco centrado nos aspectos técnicos e científicos. Foi, então, apontada a importância dos aspectos socioeconômicos (UNISDR, 1994), abrindo espaço para que cientistas e pesquisadores pudessem afirmar que “os desastres não são naturais”. Em 2005, a 2ª Conferência Mundial sobre Redução de Desastres, em Kobe, 16 Hyogo, no Japão, apontou como meta criar uma cultura de segurança e resiliência para melhorar a capacidade de as sociedades fazerem frente aos eventos extremos. O resultado foi o “Marco de Ação de Hyogo 2005-2015: Aumento da resiliência das nações e das comunidades frente aos desastres” (UNISDR, 2005), com cinco prioridades de ação: 1) priorizar a redução dos riscos em nível nacional e local; 2) conhecer o risco e tomar medidas; 3) desenvolver maior compreensão e conscientização; 4) reduzir o risco; 5) estar preparado e pronto para atuar. Em diálogo com o Marco Ação de Hyogo, foi criada a Campanha Global 2010- 2015 “Construindo Cidades Resilientes – Minha cidade está se preparando”, um guia de 10 passos direcionado aos municípios, aos prefeitos e aos gestores públicos locais (UNISDR, 2012). Também em 2012 ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, chamada de Rio+20, cujo texto final foi intitulado “O Futuro Que Queremos”, considerando a redução do risco de desastres e a resiliência no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, como apresentado no trecho a seguir: 188. Ressaltamos a importância de fortalecer a relação entre as medidas de redução de riscos de desastres e de recuperação e os planos de desenvolvimento em longo prazo, e solicitamos estratégias mais coordenadas e abrangentes que integrem as considerações ligadas à redução do risco de desastres e a adaptação às alterações climáticas nos investimentos públicos e privados, nas tomadas de decisão e no planejamento das ações humanitárias e de desenvolvimento, a fim de reduzir os riscos, aumentar a resiliência e proporcionar uma transição mais suave entre as operações de socorro e o desenvolvimento. Nesse sentido, reconhecemos também a necessidade de integrar uma perspectiva de gênero na concepção e implementação de todas as fases da gestão de risco de desastres. (Declaração final da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (RIO + 20). Disponível em:. Acesso em: 16/08/2020). Após dez anos do Marco de Ação de Hyogo, que apresentou ”o que fazer” para a redução do risco de desastres, surge o Marco de Ação de Sendai apontando “como fazer”. O Marco de Sendai foi resultado da 3ª Conferência Mundial sobre Redução do Risco de Desastres, realizada em 2015, em Sendai, no Japão (UNISDR, 2015). Ele deu visibilidade aos fatores subjacentes que causam vulnerabilidades, tanto nas análises e diagnósticos quanto nas medidas práticas, apontando quatro áreas prioritárias, com Como fatores subjacentes foco na governança e participação social. que causam O Marco de Sendai indica quatro áreas prioritárias para a redução do risco de vulnerabilidades desastres: podemos citar pobreza, mudanças demográficas, 1) compreensão do risco de desastres; arranjos institucionais, 2) fortalecimento da governança para gerenciar riscos e desastres; políticas mal formuladas e 3) investimento na redução do risco de desastres para a resiliência; aquecimento global. 4) melhoria na preparação para desastres a fim de providenciar uma resposta eficaz e para reconstruir melhor em recuperação, reabilitação e reconstrução. 17 Durante a Conferência de Sendai, um dos temas de destaque foi a urgência de De acordo com o políticas públicas atentas e voltadas para a proteção da pessoa com deficiência nos Censo Demográfico cenários de riscos e de desastres. de 2010, realizado Em 30 anos, de 1990 a 2020, percebe-se uma mudança de enfoque em relação pelo Instituto Brasileiro de aos desastres. Inicialmente eram considerados naturais, demandando ações com base Geografia e em aspectos técnicos e científicos, depois passaram a ser entendidos como processos Estatística (IBGE), socioambientais relacionados à vulnerabilidade e aos problemas decorrentes do aproximadamente 24% da população desenvolvimento. Em virtude disso, os esforços foram direcionados para uma cultura declarou possuir de prevenção e resiliência, considerando maior participação social e o envolvimento alguma deficiência, de diferentes pessoas, profissionais e instituições (governança). o que corresponde A chamada Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a quase 46 milhões de brasileiros. (ODS) reforçam a atualidade e relevância do tema. O ODS 11, “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”, aponta A Agenda 2030 é um a necessidade de reduzir significativamente o número de mortes e o número de acordo internacional pessoas afetadas por catástrofes, com foco em proteger os pobres e as pessoas em firmado em 2015 por situação de vulnerabilidade. E também enfatiza a importância do desenvolvimento 193 países-membros da Organização e da implementação do gerenciamento do risco de desastres em todos os níveis, das Nações Unidas. seguindo diretrizes semelhantes às do Marco de Sendai. Teve como ponto de Esse contexto é ainda mais complexo e crítico se considerarmos que as partida o documento mudanças climáticas e desastres têm contribuído para uma crise humanitária. Em 2016, “O Futuro Que Queremos”, da durante a Primeira Cúpula Mundial Humanitária, realizada na Turquia, o secretário- Rio+20 (1992). Reúne geral das Nações Unidas na época, Ban Ki-moon, chamou a atenção do mundo para 17 Objetivos de o que ele considerava ser a maior crise humanitária desde o final da Segunda Guerra Desenvolvimento Sustentável (ODS) Mundial, envolvendo: insegurança alimentar e inanição, deslocamentos por conflitos, e 169 metas criadas guerras, instabilidade política e econômica, mudanças climáticas e desastres. para atingi-los. As estatísticas de deslocamentos internos por desastres (migrações forçadas que ocorrem dentro dos países) superam em até três vezes os provocados por conflitos e guerras e são um grande desafio para a gestão de riscos. Somente em 2019, de acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos (IDMC, na sigla em inglês), foram registrados 33,4 milhões de novos deslocamentos internos. Desses, 8,5 milhões foram motivados por conflitos e guerras, atingindo 50 países. Enquanto 24,9 milhões ocorreram por causa de desastres, distribuídos em 140 países (o mais alto já registrado desde 2012). Desse total, o Brasil registrou 295 mil novos deslocamentos internos por desastres (IDMC, 2019). Ouça o Podcast A GRD tem papel fundamental para garantir a efetividade das políticas públicas Deslocamentos que resultem em soluções para o enfrentamento desse problema (como as remoções por desastres da Série “Perspectivas de pessoas em áreas de risco) por parte da população internamente deslocada (IDP, sobre a Gestão de na sigla em inglês) e acompanhada pelo Poder Público. Risco e Desastre Outra questão relacionada a esses processos é a subnotificação dos dados no Brasil” e das informações pelos países. A ausência de governança dificulta a criação de um banco de dados com recursos de inteligência artificial e programas que acompanhem o ciclo de vida desses deslocamentos. População Acompanhar o ciclo de vida das pessoas removidas ou forçadas a se internamente deslocarem pode inibir a incidência da ocupação de setores de riscos pela população deslocada compreende grupo internamente deslocada por desastres (IDP). de pessoas que Vemos muitos progressos no campo da Gestão de Riscos e Desastres, mas foram desalojadas, também outros novos e complexos desafios para garantir ações de segurança e desabrigadas ou deslocadas, no caso proteção com justiça social, inclusão, resiliência e sustentabilidade. Dessa forma, específico, por causa propomos contribuir para o aprimoramento das ações de redução de riscos e desastres de um desastre, por meio de uma Gestão de Riscos e Desastres baseada em processos. mas continuam dentro de seu país, diferentemente de refugiados e imigrantes (VICTOR, 2020). 18 A GESTÃO DE RISCOS E DESASTRES BASEADA EM PROCESSOS O geógrafo Allan Lavell (que recebeu o Prêmio Sasakawa das Nações Unidas na Conferência Mundial sobre a Redução do Risco de Desastres de Sendai) propõe, junto com Narváez e Ortega, uma gestão de riscos e desastres baseada em processos. De acordo com essa proposta, cada uma das partes que compõem a GRD deve atuar de Assista à forma articulada e integrada, como um todo — afinal, são interdependentes e podem animação Melhor prevenir que ser afetadas de maneira recíproca, numa perspectiva sistêmica. aborda, de forma Diferentemente da gestão baseada em funções (Quadro 4), na gestão baseada lúdica e ilustrada, informações em processos as unidades atuam como um todo, de maneira integrada e não isolada, e visões sobre assim podem compreender suas inter-relações com as outras unidades e colaborar riscos e desastres de maneira sistêmica para alcançar resultados esperados e objetivos comuns. e sobre como podemos avançar para uma cultura Quadro 4. Diferenças entre a gestão baseada em funções e a baseada em processos no de prevenção. contexto da Gestão de Riscos e Desastres. A gestão de riscos e desastres baseada em processos foi GESTÃO DE RISCOS E DESASTRES: incorporada na política nacional DA ABORDAGEM FUNCIONAL PARA A de gestão de risco da Colômbia PERSPECTIVA SISTÊMICA BASEADA EM (COLÔMBIA, 2012) e da cidade de Medellín PROCESSOS (QUINTERO, 2007). Gestão baseada em “funções” Gestão baseada em “processos” Define áreas de trabalho com várias Buscar identificar as conexões entre as unidades organizacionais ou entidades distintas unidades organizacionais ou (atores) especializadas, separadas (isoladas) entidades (atores) especializadas por meio de e hierarquizadas com diferentes atividades processos, ou sequências de atividades que específicas, que geram fragmentação devem ser realizadas em conjunto, enfocando e impedem visualizar e gerenciar a interdependências para cumprir uma missão complexidade do problema. ou objetivo compartilhado. Fonte: Adaptado de Narváez, Lavell e Ortega (2009). Elaboração própria. A Gestão de Riscos e Desastres baseada em processos considera três eixos estruturantes estratégicos: 1) conhecimento dos riscos; 2) prevenção e redução dos riscos; 3) manejo dos desastres e emergências (Figura 1). 19 EIXOS ESTRUTURANTES Conhecimento Prevenção e redução Manejo dos desastres dos Riscos dos Riscos e emergências Conhecimento do território — identificação Intervenções preventivas Planejamento/preparação dos cenários de risco Mapas de suscetibilidade; Cartas de aptidão à urbanização; Mitigação: intervenções Atendimento Mapas de risco para redução do risco de emergência (identificação e análise dos perigos e das vulnerabilidades) Transferência de informação Transferência de riscos Resposta a desastres — coprodução do (como seguros, fundos de conhecimento; emergência, resseguros) Comunicação de risco; Educação ambiental, educação para a prevenção Recuperação Figura 1. Fluxograma dos eixos estratégicos da gestão de riscos e desastres baseada em processos. Fonte: Adaptado de Narváez, Lavell e Ortega (2009). Elaboração própria. O eixo estratégico do conhecimento dos riscos é fundamental, pois não há como enfrentar um risco sem conhecê-lo. Por isso, o primeiro e indispensável processo é identificar as principais ameaças presentes no território; entender suas causalidades e dinâmica de evolução temporal e espacial; delimitar espaços de origem e atingimento dos processos; e avaliar as vulnerabilidades e a capacidade de resiliência das instituições públicas e população em perigo. O conhecimento do risco envolve ainda compartilhar esse conhecimento para que seja apropriado por toda a sociedade, pelos tomadores de decisão e pelos agentes públicos, setor privado e comunidades responsáveis pela GRD. Envolve, portanto, mecanismos e estratégias de transferência de informação com base em processos de educação e comunicação que apoiem os eixos de redução dos riscos e manejo dos desastres. O eixo estratégico de prevenção e redução dos riscos (Quadro 5) envolve medidas (estruturais e não estruturais) e atividades tanto para evitar a instalação do risco quanto para reduzir ou evitar as consequências do risco instalado. No Brasil, é atribuição do município a responsabilidade em muitas ações, tais como: ordenamento territorial e controle da expansão urbana; proteção dos serviços ecossistêmicos; fiscalização de normas construtivas e de atividades industriais; saneamento ambiental e provisão de água de qualidade. Ações essas que contribuem para prevenção e redução de riscos. 20 Também cabe aos municípios a elaboração dos Planos Municipais de Redução de Risco (PMRR). O eixo estratégico contempla ainda a criação de mecanismos para a transferência dos riscos, que aqui na realidade brasileira se pode traduzir na constituição de fundos municipais para utilização em situações de emergência. O Plano Municipal de Redução de Risco (PMRR) tem por objetivo a construção de referenciais técnicos e gerenciais que possibilitem às prefeituras implementar intervenções estruturais e ações não estruturais (Quadro 5) para controle, redução e erradicação de situações de riscos associados a processos de instabilização de taludes (deslizamentos e processos correlatos) em encostas, solapamentos de margens de córregos e inundações. Quadro 5. Medidas e intervenções para prevenção e redução de risco. EIXO ESTRATÉGICO DE PREVENÇÃO E REDUÇÃO DE RISCOS Tipos de medidas Medidas estruturais Medidas não estruturais Obras de estabilização de taludes e controle Políticas de ordenamento territorial, políticas de erosão, sistemas de drenagem superficial e assistenciais, legislação, planos de defesa civil, profunda, obras de proteção superficial e obras mapeamentos, promoção social, informação de contenção, tanto da engenharia tradicional, pública, treinamento, pesquisa e educação quanto de medidas não convencionais (engenharia natural, Soluções baseadas na Natureza, entre outras) Tipos de intervenção Intervenções prospectivas Intervenções corretivas de prevenção de mitigação Impedir a instalação de situações geradoras, por Reduzir e controlar fatores de riscos já meio de controle do uso e ocupação, fiscalização instalados e controle de processos tecnológicos, normas legais, planos diretores, etc. Fonte: Elaboração própria. A indicação de remoção de moradias em risco deve ser tratada sempre como uma última alternativa para garantir a segurança dos moradores e deve acontecer somente quando não há outras medidas estruturais e de gerenciamento do risco viáveis. Os impactos do deslocamento forçado são frequentemente dramáticos para as pessoas removidas, que perdem seus referenciais de vizinhança e, muitas vezes, o próprio meio de sobrevivência, quando não as lança em outras situações de risco muito mais graves. Sobre o tema, devemos seguir o que orienta a Lei n° 12.608, de 2012: 21 Art. 22. A Lei n° 12.340, de 1° de dezembro de 2010, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 3° -A, 3° -B e 5° -A: (...) Art. 3°-B. Verificada a existência de ocupações em áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, o município adotará as providências para redução do risco, dentre as quais a execução de plano de contingência e de obras de segurança e, quando necessário, a remoção de edificações e o reassentamento dos ocupantes em local seguro. § 1° A efetivação da remoção somente se dará mediante a prévia observância dos seguintes procedimentos: I - realização de vistoria no local e elaboração de laudo técnico que demonstre os riscos da ocupação para a integridade física dos ocupantes ou de terceiros; e II - notificação da remoção aos ocupantes acompanhada de cópia do laudo técnico e, quando for o caso, de informações sobre as alternativas oferecidas pelo Poder Público para assegurar seu direito à moradia. § 2° Na hipótese de remoção de edificações, deverão ser adotadas medidas que impeçam a reocupação da área. § 3° Aqueles que tiverem suas moradias removidas deverão ser abrigados, quando necessário, e cadastrados pelo Município para garantia de atendimento habitacional em caráter definitivo, de acordo com os critérios dos programas públicos de habitação de interesse social. Mesmo atuando na prevenção e mitigação dos riscos de desastres, é fundamental estar preparado para desastres e emergências. O objetivo do eixo estratégico de manejo dos desastres e emergências é qualificar o pronto-atendimento de emergências e o atendimento de desastres. Isso pode ser feito por meio do planejamento de operações para cada tipo de ameaça, de treinamentos e exercícios simulados de preparação para desastres e da organização de recursos e estruturas operacionais. A implementação desses três eixos estratégicos está intimamente ligada à organização de uma estrutura de execução integrada como processos (Figura 2), com atribuições de responsabilidades e recursos para os diversos órgãos, secretarias e departamentos das prefeituras, e também para fóruns de avaliação sistemática dos resultados e dificuldades. PROCESSOS DE GESTÃO E SUPORTE Desenvolver Planejar e Acompanhamento, Procurar Informar regulamentação e organizar a avaliação e recursos e educar suporte institucional intervenção controle Processos-chave 1. Gerar conhecimento 2. Previnir o risco futuro sobre risco de desastres 3. Reduzir o risco existente Sociedade em suas diferentes áreas 4. Preparar a resposta 5. Responder e reabilitar 6. Recuperar e reconstruir Figura 2. Mapa de processos da GRD. Fonte: Adaptado de: Narváez, Lavell e Ortega (2009). Elaboração própria. 22 A perspectiva da GRD como um processo, dessa forma, envolve: 1) gerar conhecimentos e informações; 2) planejar atribuições, procedimentos e recursos; 3) organizar espaços institucionais e comunitários de decisão e controle (governança). Vamos conhecer como essas propostas têm saído da teoria e ganhado espaço na prática, com a constituição de políticas nacionais com foco na Gestão de Riscos e Desastres, voltando nosso olhar para a América do Sul, especialmente o Brasil. A REALIDADE DA GRD NA AMÉRICA DO SUL E NO BRASIL A Gestão de Riscos e Desastres como um processo vem sendo discutida e implementada em diversos países da América Sul, especialmente nos países andinos, bem como no Brasil, tanto em nível regional quanto nacional. Podemos destacar a estratégia Andina para la Gestión del Riesgo de Desastres (EAGRD), implementada em 2017. Trata-se de uma norma supranacional do Comité Andino de Prevención y Atención de Desastres (Caprade), do qual participam Bolívia, Peru, Colômbia e Equador. A EAGRD apoia-se em quatro eixos temáticos em nível nacional e sub-regional, como foco no processo de conhecimento do risco de desastres, no fortalecimento da governança e de investimentos públicos e privados (incluindo transferências de risco) por meio de medidas estruturais e não estruturais, na preparação para desastres a fim de obter uma resposta eficaz, além de “reconstruir melhor”. Também tem relevância citarmos a Política Nacional de Gestão de Risco de Desastres da Colômbia, que estabeleceu a Gestão de Riscos e Desastres como uma política de desenvolvimento. Em 2016, foi adotado o Plan Nacional de Gestión del Riesgo de Desastres 2015-2025, como uma estratégia que convoca os diferentes atores do Sistema Nacional de Gestão de Riscos de Desastres, para implementar ações conjuntas de modo a fortalecer a governança, a educação e a comunicação social na gestão de riscos com um enfoque diferencial, de gênero e diversidade cultural. La gestión del riesgo se constituye en una política de desarrollo indispensable para asegurar la sostenibilidad, la seguridad territorial, los derechos e intereses colectivos, mejorar la calidad de vida de las poblaciones y las comunidades en riesgo y, por lo tanto, está intrínsecamente asociada con la planificación del desarrollo seguro, con la gestión ambiental territorial sostenible, en todos los niveles de gobierno y la efectiva participación de la población. Ley 1523/2012, Parágrafo 1°. (COLOMBIA, 2012). No Peru, o Centro Nacional de Estimación, Prevención y Reducción del Riesgo de Desastres (CENEPRED) é o organismo público executor, pertencente ao Sistema Nacional de Gestión del Riesgo de Desastres, sendo responsável técnico pela implementação da Política Nacional de Gestión del Riesgo de Desastres (2012) e do Plan Nacional de Gestión del Riesgo de Desastres 2014-2021, além do Instituto Nacional de Defensa Civil, que apoia os processos de GRD da política peruana. No Equador, o Plan Específico de Reducción de Riesgos 2019/2030, de 2019, traz como inovação a GRD no Plano de Desenvolvimento e Ordenamento Territorial 23 articulado com o desenvolvimento sustentável e com a gestão de risco tanto corretiva (para reduzir o risco existente/instalado) quanto prospectiva (para evitar a instalação de novos riscos). O Uruguai, mais recentemente, com sua Política Nacional de Gestión Integral del Riesgo de Emergencias y Desastres, de 2020, avança adicionando, à gestão de risco corretiva e prospectiva, a gestão compensatória, indicando ações necessárias para a gestão de riscos residual que não podem ser efetivamente reduzidos pelo gerenciamento corretivo. Adiciona-se ainda a implementação de mecanismos reativos, como créditos orçamentários setoriais, recursos de reserva do orçamento nacional, linhas de crédito contingentes e outros instrumentos de retenção, bem como instrumentos de transferência de risco (seguro) de bens e serviços públicos (SINAE, s/d). No Brasil, a Lei n ° 12.608, de 2012, institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC); dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC) e sobre o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil (CONPDEC), assim como autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres. Avança indicando a integração da PNPDEC com políticas de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia, com foco na promoção do desenvolvimento sustentável. O QUE VIMOS ATÉ AGORA? Apresentamos nesta seção a Gestão de Riscos e Desastres como um conjunto de ações e processos, do conhecimento do perigo à tomada de decisão, com vistas ao enfrentamento de situações adversas com potencial de causar danos sociais, ambientais e econômicos. Vimos que a conceituação do risco de desastres passou por reformulações e superação de paradigmas que apontam para o tratamento amplo do risco, dando a importância devida à ameaça e à vulnerabilidade, entendendo sua complexidade e sua fundamentação como um produto social. Dessa forma, buscamos tensionar o imaginário comum que entende os desastres como processos da natureza, externos à sociedade humana e às decisões de desenvolvimento adotadas e que aposta apenas nas soluções técnicas para reduzi-los por meio do “controle da natureza”. Nesse sentido, os avanços e as mudanças de foco propostas pela ONU, que influenciam as políticas de GRD de maneira global, também trilharam o caminho em direção à redução do risco de desastres e à necessidade de articulação baseada na governança. Avanço que ainda precisa contribuir para o enfrentamento de um grande desafio para a GRD, que são os deslocamentos forçados por desastres ou por ações e programas que resultam em remoções de famílias das chamadas áreas de riscos. Apontando para uma perspectiva sistêmica, abordamos a GRD como processo com base em três eixos estruturantes: 1) conhecimento dos riscos; 2) prevenção e redução dos riscos; e 3) manejo dos desastres e emergências, que auxilia na divisão de responsabilidades e compreende essa temática como um processo articulado e integrado. Por fim, destacamos como esse processo, que busca gerar conhecimentos e informações, planejar e organizar ações que promovam decisões compartilhadas, se organiza em países da América do Sul, incluindo o Brasil. Com todo o repertório teórico e legal sobre a GRD, passamos agora a olhar com detalhamento e profundidade o contexto brasileiro e o histórico nacional sobre o tema. 24 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECK, Ulrich. 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O caso da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) exemplifica bem essa dinâmica. Construída a partir do desastre na região Serrana do Rio de Janeiro em 2011, trouxe um grande avanço ao integrar políticas públicas federais com vistas ao desenvolvimento sustentável e à prevenção, à mitigação, à preparação, à resposta e à recuperação voltadas para proteção e defesa civil. Proteção e defesa civil é o conjunto Ao longo deste texto apresentaremos diferentes atores que atuam nos de ações de eixos estruturantes sobre o tema, a saber: conhecimento dos riscos; prevenção e prevenção, mitigação, redução dos riscos; e manejo de desastres e emergências. Mostraremos ainda que o preparação, resposta país conta, no campo técnico-científico, com instituições de pesquisa e ensino com e recuperação destinadas a: a) evitar enorme capacidade de produzir conhecimento qualificado para a GRD, mesmo que ou minimizar os os principais grupos de pesquisa ainda estejam distribuídos de maneira desigual efeitos decorrentes de pelo território nacional. desastre; b) preservar o moral da população; Conhecer a história e os instrumentos disponíveis para a GRD no Brasil é c) restabelecer fundamental para reconhecer os avanços, identificar fragilidades e buscar caminhos a normalidade para melhorias. social e torná-la resiliente (Decreto n°10.593/2020). OS PRIMEIROS PASSOS DA GRD NO PAÍS A primeira estrutura governamental de resposta aos desastres surgiu no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mas a Defesa Civil só ganhou corpo e presença efetiva nos estados no final dos anos 1960. No final da década de 1980, a temática dos riscos e desastres começou a atrair estudos acadêmicos, principalmente na área de geociências e sua aplicação em atividades de apoio a administrações municipais e estaduais. Destacamos nesse contexto instituições em São Paulo, como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Instituto Geológico (IG); no Rio de Janeiro, como a Geo-Rio e o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (COPPE- UFRJ); e em Pernambuco, a Universidade Federal de Pernambuco e o Instituto de Tecnologia de Pernambuco. Outro importante passo para o desenvolvimento das ações de Proteção e Defesa Civil foi a criação do Sistema Nacional de Defesa Civil (Decreto n° 97.274/1988). Já na década de 1990 programas de caráter preventivo começaram a ser implementados pelos governos estaduais de São Paulo, na Serra do Mar, e de Pernambuco, na Região Metropolitana de Recife, e por governos municipais em várias cidades, como São Paulo, Santos, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Recife, Olinda, testando metodologias e validando práticas de GRD baseadas em mapeamentos e planos de contingência. Nos anos 2000, o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil se expande pelos estados e municípios, ganhando importante suporte legal. Assim, as políticas de GRD começam a ter expressão nacional, integradas às políticas urbanas. Alguns desastres ocorridos na virada da década de 2000 para os anos 2010 impõem uma importante mudança nas ações, legislações e estruturas de GRD no 28 país. Mas, ainda assim, a capacidade de ação continua permanentemente sujeita às variações orçamentárias e às políticas públicas pouco consolidadas. É forçoso, entretanto, reconhecer que a cultura de precaução e prevenção no Brasil ainda é frágil, e cada um desses avanços relatados ocorreu de forma reativa a grandes desastres. Foram desastres de grande porte que mobilizaram a opinião pública e a mídia, pressionando para que o assunto entrasse nas agendas governamentais e fossem produzidas políticas, leis, planos e medidas de GRD. No entanto, é necessário superar o esvaziamento da presença da GRD nas agendas dos tomadores de decisão e da sociedade, quando passam as emoções e as ações causadas pela comoção dos desastres. A PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL E A GRD A Defesa Civil brasileira foi criada no contexto da Segunda Guerra Mundial de forma mais figurativa do que concreta. Em 1942, instituiu-se o Serviço de Defesa Passiva Antiaérea, que passou a se chamar Serviço de Defesa Civil em 1943 e que, posteriormente, foi extinto em 1946. No final da década de 1960 e começo dos anos 1970, a Defesa Civil começou a ganhar corpo efetivo por meio da estruturação das Coordenadorias Estaduais de Defesa Civil (Cedecs), em torno do “gerenciamento da emergência e da resposta aos desastres” (NOGUEIRA; CANIL, 2018). Em 1966, é produzido o Primeiro Plano Diretor de Defesa Civil do Estado da Guanabara, que instituiu diretrizes para a estruturação estadual, inclusive a criação da Coordenadoria de Defesa Civil. A iniciativa serviu de paradigma para a criação da Defesa Civil em outros estados. Outro momento importante foi a criação do Fundo Especial para Calamidades Públicas (Funcap) em 1969, assim como a criação da Secretaria Especial de Defesa Civil em 1979, fazendo parte da estrutura do Ministério do Interior (Decreto n° 83.839/1979) (BRASIL, 1979). No final dos anos 1980, ocorreu um avanço importante na criação de instrumentos de planejamento para a ação da Defesa Civil do Estado de São Paulo. No Rio de Janeiro, a Geo-Rio - Fundação Instituto de Geotécnica começou a implantar nos morros cariocas equipamentos de monitoramento pluviométrico para alertas antecipados, que se ampliaram em capacidade de cobertura e tecnologia (D’ORSI; FEIJÓ; PAES, 2004; D’ORSI, 2012) e evoluíram, desde 1996, para o sistema Alerta-Rio. Como instrumento de planejamento, vale ressaltar o trabalho conjunto entre o IPT, o IG e a Defesa Civil do Estado de São Paulo para implementar o Plano Preventivo de Defesa Civil (PPDC) para riscos de deslizamentos na região do pólo industrial de Cubatão, instalado no sopé das encostas da Serra do Mar (CERRI et al., 1990; CAVALCANTE NETO, 2008). Essa operação se expandiu para quase duas centenas de cidades e permanece ativa até hoje. Também no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 há registros de várias experiências locais pioneiras de GRD, principalmente associadas a deslizamentos de encostas, em cidades como Recife, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Santos. Ações integrando a Defesa Civil com equipes técnicas das administrações públicas locais, universidades e institutos de pesquisa — oscilando com descontinuidades em função de mudanças políticas. É também nesse período que essa temática começa a ser incluída em eventos técnico-científicos, como o Primeiro Simpósio Latino- Americano sobre Risco Geológico Urbano (São Paulo, 1990); e a Conferência sobre Defesa Civil, enfocando principalmente as grandes cidades, durante o primeiro seminário internacional sobre problemas ambientais em centros urbanos - ECO- URBs 92 (NOGUEIRA, 2008). Além da resposta aos desastres, as alterações climáticas e os riscos atrelados a elas entram na agenda de políticas públicas no Brasil para cumprir os compromissos e as obrigações assumidos. No final dos anos 1990 e ao longo da década de 2000, a Secretaria Nacional de 29 Defesa Civil avançou, juntamente com as Coordenadorias Estaduais, na constituição e Os Núcleos na capacitação de grande parte das Coordenadorias Municipais de Defesa Civil, hoje Comunitários de existentes no território brasileiro. Além disso, a montagem de Planos de Contingência, Proteção e Defesa que orientam as ações de preparação e resposta para uma condição de desastre, e a Civil (NUPDEC) são formados por criação dos atualmente denominados Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa cidadãos de cada Civil (NUPDEC) trouxeram resultados localmente animadores, a exemplo de Santos, comunidade que São Bernardo, Recife, Jaboatão dos Guararapes e Belo Horizonte. contribuem com ações preventivas Destacam-se nesse período a criação do Sistema Nacional de Defesa Civil nas áreas de risco (SINDEC), do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (CENAD), e socorristas a redação da Política Nacional de Defesa Civil (BRASIL, 2007), a conceituação básica em situações de e a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade) (BRASIL, 2012c), calamidade e emergência. bem como a elaboração de diretrizes, metas e do Plano Diretor de Defesa Civil, considerando a prevenção, a preparação, a resposta e a recuperação frente aos desastres. Uma sequência de grandes desastres, com ampla repercussão nas mídias nacionais, aconteceu entre 2008 e 2010 e exigiu qualificar a GRD no país. No ano de 2008, deslizamentos e inundações resultaram em 151 mortes nos municípios do Vale do Itajaí, em Santa Catarina (Figura 1). Foram mais de 5 mil pessoas feridas e A criação do Centro Nacional de 100 mil desabrigadas e desalojadas nos 74 municípios, que decretaram Situação Gerenciamento de de Emergência ou Estado de Calamidade Pública. Aproximadamente 1,5 milhão de Riscos e