Introdução ao Direito Administrativo PDF
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Centro Universitário de Brasília, UniCEUB
2023
Renato Marba Jane
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Summary
Este documento é uma introdução ao Direito Administrativo, da 3ª edição de 2023. Discute os conceitos e as diferentes abordagens sobre o Direito Administrativo, abordando assuntos como o conceito do Direito Administrativo, o seu objeto, os sistemas administrativos, fontes de Direito Administrativo, mutações e tendências.
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INTRODUÇÃO AO DIREITO ADMINISTRATIVO 3a EDIÇÃO/2023 1. CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO CRITÉRIO LEGALISTA ou EXEGÉTICO ou FRANCÊS ou EMPÍRICO ou CAÓTICO CRITÉRIO DO SERVIÇO PÚBLICO CRITÉRIO DO PODER EXECUTIVO CRITÉRIO TELEOLÓGICO ou FINALÍSTICO CRITÉRIO NEGATIVISTA ou RESIDUAL CRITÉRIO DA ADMINIS...
INTRODUÇÃO AO DIREITO ADMINISTRATIVO 3a EDIÇÃO/2023 1. CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO CRITÉRIO LEGALISTA ou EXEGÉTICO ou FRANCÊS ou EMPÍRICO ou CAÓTICO CRITÉRIO DO SERVIÇO PÚBLICO CRITÉRIO DO PODER EXECUTIVO CRITÉRIO TELEOLÓGICO ou FINALÍSTICO CRITÉRIO NEGATIVISTA ou RESIDUAL CRITÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CRITÉRIO DAS ATIVIDADES JURÍDICAS E SOCIAIS DO ESTADO ESCOLA DA PUISSANCE PUBLIQUE OU POTESTADE PÚBLICA ou ESCOLA DE TOULOUSE CRITÉRIO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS CRITÉRIO DA HIERARQUIA 2 2 2 2 2 3 3 3 3 3 4 4 2. OBJETO DO DIREITO ADMINISTRATIVO: ABRANGÊNCIA 4 3. SISTEMAS ADMINISTRATIVOS - CONTROLE JURISDICIONAL DA ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA 5 4. FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO 7 5. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO 8 6. MUTAÇÕES E TENDÊNCIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO 8 CONSTITUCIONALIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE RELATIVIZAÇÃO DE FORMALIDADES E ÊNFASE NO RESULTADO ELASTICIDADE DO DIREITO ADMINISTRATIVO CONSENSUALIDADE E PARTICIPAÇÃO DEMOCRATIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PROCESSUALIZAÇÃO E CONTRATUALIZAÇÃO DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA ADMINISTRAÇÃO DIALÓGICA PUBLICIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E A PRIVATIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO APROXIMAÇÃO ENTRE A CIVIL LAW E A COMMON LAW 7. DIREITO ADMINISTRATIVO EMERGENCIAL 9 9 9 9 9 10 10 10 10 10 1 1. CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO1 Inicialmente, cumpre destacar que o Direito Administrativo está intimamente relacionado à ideia de Estado de Direito, surgindo com os ideais iluministas e com a criação do Estado Moderno. Segundo Fillipe Augusto dos Santos Nascimento, o Direito Administrativo possui natureza jurídica de ramo do Direito Público e seu objeto consiste na organização e exercício das atividades internas da Administração Pública. Ademais, possui como princípios norteadores de sua atuação a: I) supremacia do interesse público sobre o privado, a II) indisponibilidade do interesse público e a III) legalidade. Dito isso, passa-se a análise do conceito deste ramo do Direito a partir das visões de variados autores elaboradas por meio de diferentes critérios. Nesse sentido, confira-se a tabela a seguir: Gérando e Macarel. Direito administrativo é o conjunto de leis administrativas (leis, decretos, regulamentos). CRITÉRIO LEGALISTA ou EXEGÉTICO ou FRANCÊS ou EMPÍRICO ou CAÓTICO 🔔 Crítica: “o critério exegético é reducionista. De um lado, porque transfere ao legislador (que não é técnico) a tarefa de delimitar o objeto do Direito Administrativo; de outro, desconsidera a existência dos princípios implícitos e das demais fontes normativas reconhecidas pelo ordenamento, como a doutrina, a jurisprudência e os costumes. Evidentemente, o Direito Administrativo não se esgota nas leis e regulamentos administrativos2” Duguit, Gaston Jèze e Bonnard. Direito administrativo é o ramo do direito que estuda a gestão dos serviços públicos. Segundo essa teoria, o serviço público pode ser entendido em sentido amplo e sentido estrito. O primeiro compreende qualquer atividade prestada pelo Estado, já o segundo compreende CRITÉRIO DO SERVIÇO PÚBLICO somente as atividades estatais exercidas para a satisfação das necessidades coletivas, em regime de direito público. 🔔 Crítica: nem todas as atividades estatais se resumem em serviço público, como o poder de polícia. Ademais, é possível, com a ampliação das atividades estatais, o exercício de atividade econômica, que, para muitos, não se confunde com serviço público. Meucci e Ranelletti CRITÉRIO DO PODER EXECUTIVO Direito administrativo se esgota nos atos praticados pelo Poder Executivo. 1 2 ROSSI, Licínia Manual de direito administrativo / Licinia Rossi. – 6. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020. MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (12th edição). Editora Saraiva, 2022. 2 🔔 Crítica: Exclui os atos do Poder Legislativo e do Judiciário no exercício de atividade administrativa, restringindo, sobremaneira, o direito administrativo ao âmbito do Poder Executivo. Essa teoria não considera a função política exercida pelo Poder Executivo, que não se confunde com a função administrativa. Orlando Direito Administrativo é o conjunto de normas e princípios que CRITÉRIO TELEOLÓGICO ou FINALÍSTICO norteiam a atuação do Estado para atingir seus fins. Segundo Rossi, é aceito no direito brasileiro, mas carece de complementação. 🔔 Crítica: Segundo Mazza “o critério é evidentemente inconclusivo em razão da dificuldade em definir quais são os fins do Estado.” Orlando, Fleiner e Velasco Direito Administrativo é o “ramo do direito que disciplina toda a atividade estatal que não seja a legislativa e a jurisdicional.” (ROSSI, 2020, pag. 52). Critério que usa a exclusão. CRITÉRIO NEGATIVISTA ou RESIDUAL 🔔 Crítica: Segundo Mazza “toda conceituação baseada em critério residual é, por natureza, insatisfatória. Imagine, por exemplo, definir a função administrativa como o conjunto de atividades estatais, excetuando a legislação e a jurisdição. Nada é dito objetivamente sobre a função administrativa em si. Na tentativa de revelar o que o Direito Administrativo é, o critério residual limita-se a indicar o que ele não é.” CRITÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO Conjunto de normas e princípios que regem a Administração Pública. PÚBLICA CRITÉRIO DAS ATIVIDADES JURÍDICAS E SOCIAIS DO ESTADO O Direito Administrativo é o conjunto dos princípios que regulam a atividade jurídica não contenciosa do Estado, além da constituição dos órgãos e meios de sua atuação em geral. Maurice Hauriou Há distinção entre atividades de autoridade (atos de império) e atividades ESCOLA DA PUISSANCE PUBLIQUE OU POTESTADE PÚBLICA ou ESCOLA DE TOULOUSE de gestão (atos de gestão). a) Atividades de autoridade (atos de império): o Estado atua com autoridade sobre os particulares, com poder de império, por meio de prerrogativas da Administração Pública; b) Atividades de gestão (atos de gestão): o Estado atua em posição de igualdade com os cidadãos, regendo-se pelo direito privado. 3 Leon Duguit, adepto da Escola do Serviço Público, era um “opositor” da Teoria da Potestade Pública, pois, para a Escola do Serviço Público, não havia distinção entre atos de império e atos de gestão. Laferrière e Otto Mayer O Direito Administrativo é o conjunto de normas que regem as relações entre a administração e os administrados. 🔔 Crítica: “a insuficiência do critério é clara, em primeiro lugar, porque todos CRITÉRIO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS os ramos de Direito Público possuem relações jurídicas semelhantes entre o Poder Público e particulares, tornando-se impossível distinguir, só com base neste critério, qual relação jurídica pertence ao Direito Administrativo ou ao Constitucional, ao Processo Civil, ao Direito Penal etc. Além disso, muitas atuações administrativas são unilaterais não se enquadrando no padrão de um vínculo intersubjetivo, como é o caso da expedição de atos normativos e da gestão de bens públicos. Ademais, são frequentes os casos de situações subjetivas ativas ou passivas não relacionais3”. Segundo Alexandre Mazza, “entende que cabe ao Direito Administrativo o estudo dos órgãos públicos inferiores (destituídos de autonomia e dotados de atribuições meramente executórias) ao passo que o Direito Constitucional estudaria os órgãos públicos superiores (autônomos ou CRITÉRIO DA HIERARQUIA independentes, dotados de atribuições decisórias).4” 🔔 Crítica: “falha ao deixar de fora do conceito de Direito Administrativo toda a estrutura estatal descentralizada (como autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista etc.) cuja autonomia escapa da verticalização hierárquica comum na Administração centralizada.” 2. OBJETO DO DIREITO ADMINISTRATIVO: ABRANGÊNCIA Localizar o Direito Administrativo como ramo do direito público não significa dizer que o seu objeto se restringe a esse campo, isso porque a Administração Pública atua em vários setores, dentre eles o setor privado, como agente econômico. Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente pontuam que “o direito administrativo tem como objeto: (a) as relações internas à administração pública - entre os órgãos e entidades administrativas, uns com os outros, e entre a administração e seus agentes, estatutários e celetistas; (b) as relações entre a administração e os administrados, regidas predominantemente pelo direito público ou pelo direito privado; e (c) as atividades de administração pública 3 4 MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (12th edição). Editora Saraiva, 2022. MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (12th edição). Editora Saraiva, 2022. 4 em sentido material exercidas por particulares sob regime predominante de direito público, tais como a prestação de serviços públicos mediante contratos de concessão ou de permissão.”5 Convém acrescentar neste ponto que a função administrativa, objeto do Direito Administrativo, não se confunde com a função de governo, objeto do Direito Constitucional, isso porque aquela repousa precipuamente na execução das políticas públicas fixadas por esta. Nas palavras de Marcelo Alexandrino e Paulo Vicente “a noção de governo está relacionada com a função política de comando, de coordenação, de direção e de estipulação de planos e diretrizes de atuação do Estado (as denominadas políticas públicas). Não se confunde com o conceito de administração pública em sentido estrito, que vem a ser, conforme veremos adiante, o aparelhamento de que dispõe o Estado para a mera execução das políticas públicas estabelecidas pelos órgãos de governo.”6 🚨 JÁ CAIU Na prova do MPE-SC (Ano: 2016, Banca: MPE-SC), foi considerada errada a seguinte afirmação: Sinônimo de função de governo para a doutrina brasileira, a função administrativa consiste primordialmente na defesa dos interesses públicos, atendendo às necessidades da população, inclusive mediante intervenção na economia. 3. SISTEMAS ADMINISTRATIVOS ADMINISTRATIVA - CONTROLE JURISDICIONAL DA ATUAÇÃO Os sistemas administrativos consistem no modelo adotado por um Estado para exercer o controle jurisdicional da atividade administrativa. Dois sistemas são conhecidos: o sistema inglês ou de jurisdição única e o sistema francês ou da dualidade da jurisdição ou do contencioso administrativo. Na tabela a seguir, os conceitos de tais sistemas serão melhor analisados. De origem francesa, segundo Rafael Rezende7, “o sistema consagra duas ordens de jurisdição: SISTEMA DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO ou SISTEMA FRANCÊS ou DUALIDADE DE JURISDIÇÃO ou JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA a) Ordinária ou comum: exercida pelo Judiciário sobre os atos dos particulares em geral; b) Administrativa: exercida por juízes e Tribunais administrativos, que tem na cúpula o denominado Conselho de Estado, dotado de forte independência em relação ao Poder Executivo.” Assim, para esse sistema, o controle dos atos administrativos é exercido somente por tribunais administrativos, vedando-se a apreciação desses atos pelo Poder Judiciário. SISTEMA JUDICIÁRIO ou SISTEMA De origem inglesa e norte-americana, segundo Rafael Rezende, esse INGLÊS ou SISTEMA DE CONTROLE “sistema confere ao Poder Judiciário a prerrogativa de decidir de JUDICIAL ou JURISDIÇÃO ÚNICA 5 6 7 ALEXANDRINO, Marcelo e VICENTE, Paulo. Direito Administrativo Descomplicado. 29ª Edição, Editora Método, 2021, p. 04. ALEXANDRINO, Marcelo e VICENTE, Paulo. Direito Administrativo Descomplicado. 29ª Edição, Editora Método, 2021, p. 60-61. OLIVEIRA, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (10th edição). Grupo GEN, 2022.p. 04. 5 maneira definitiva sobre a juridicidade de todos os atos praticados por particulares ou pela Administração Pública” É o sistema adotado no Brasil - art. 5º, XXXV da CF/88 (princípio da inafastabilidade da jurisdição). HIPÓTESES DE EXCEÇÃO AO SISTEMA INGLÊS ■ Justiça Desportiva Conforme art. 217, CF/88, o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, a qual terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. ■ Súmula 2 do STJ Enunciado da Súmula: Não cabe habeas data (CF, art. 5º, LXXII, letra a) se não houver recusa de informações por parte da autoridade administrativa. ■ Reclamação (para assegurar aplicação de Súmula Vinculante) A Lei n. 11.417, de 2006, que regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal, estabeleceu que contra omissão ou ato da administração pública o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas. ■ Mandado de Segurança (quando houver recurso administrativo com efeito suspensivo) A Lei n. 12.016, de 2009, previu que não cabe o mandado de segurança quando “cabe recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução” (art. 5º, I). ■ Concessão de Benefícios Previdenciários: o STF, no RE 631240, entendeu que “a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.” Mas, pontuou que “A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado”. 6 ⚠️IMPORTANTE: vale ressaltar que essas exceções são aparentes, porque não afastam a apreciação do Poder Judiciário, apenas a transferem para momento posterior. 4. FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO As fontes do Direito Administrativo consistem na Lei, Jurisprudência, Doutrina, Costumes e Princípios Gerais do Direito, podendo ser divididas em primárias e secundárias. Nesse sentido, veja-se suas respectivas conceituações na tabela abaixo: FONTES PRIMÁRIAS FONTES SECUNDÁRIAS ■ Lei: trata-se de regra geral, abstrata e impessoal. Em ■ Doutrina: Segundo Rezende (2022,p. 20) “é o sentido amplo, cuida-se infraconstitucionais, da medidas Constituição e provisórias, leis resultado do trabalho especializado dos estudiosos que leis analisam e interpretam o sistema normativo delegadas, etc). A Administração Pública deve atuar resolvendo contradições encontradas e formulando orientada pela lei. definições e classificações para melhor compreensão do sistema normativo.” na classificação de fonte dentro do conceito de Lei. ■ Jurisprudência: decisões reiteradas e uniformes, 📌 OBSERVAÇÃO: Os tratados internacionais entram proferidas pelo Poder Judiciário. No ponto, lembra-se que a Súmula Vinculante obriga também a Administração Pública. Costumes: práticas reiteradas administrativa capazes de ■ da autoridade estabelecer obrigatórios de comportamento. padrões São formados por dois elementos: o uso (elemento objetivo) e noção geral de que é obrigatório (cogência). Não podem ser usados contra a lei. ⚠️ IMPORTANTE: os costumes não se confundem com a praxe administrativa. Segundo Diogo de Figueiredo de Moreira Neto, a última consiste em uma prática burocrática rotineira adotada por conveniência procedimental, desprovida do reconhecimento de sua indispensabilidade. De modo geral, não é considerada fonte do direito administrativo, mas pode ser utilizada como meio útil para solucionar casos novos, 7 desde que não contrarie alguma regra ou garantia formalmente estabelecida. ■ Princípios gerais do direito: postulados gerais que informam e orientam a aplicação do Direito, podendo estar implícitos ou explícitos no ordenamento jurídico. 5. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO A ideia de constitucionalização do Direito, conforme Luís Roberto Barroso, “está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. (...)” Especificamente, em relação ao Direito Administrativo, o autor segue dizendo: “no tocante à Administração Pública, além de igualmente (i) limitar-lhe a discricionariedade e (ii) impor a ela deveres de atuação, ainda (iii) fornece fundamento de validade para a prática de atos de aplicação direta e imediata da Constituição, independentemente da interposição do legislador ordinário”8. Assim, percebe-se que no fenômeno da constitucionalização do Direito, a Constituição se configura como real vetor de interpretação e aplicação do sistema normativo, o que se estende para o Direito Administrativo, moldando a atuação deste conforme os valores constitucionais. Rafael Carvalho Rezende (2022, p. 4) pontua que “o fenômeno da constitucionalização do ordenamento jurídico abalou alguns dos mais tradicionais dogmas do Direito Administrativo, a saber: a) a redefinição da ideia de supremacia do interesse público sobre o privado e a ascensão do princípio da ponderação de direitos fundamentais; b) a superação da concepção do princípio da legalidade como vinculação positiva do administrador à lei e a consagração da vinculação direta à Constituição; c) a possibilidade de controle judicial da discricionariedade a partir dos princípios constitucionais, deixando-se de lado o paradigma da insindicabilidade do mérito administrativo; d) a releitura da legitimidade democrática da Administração, com a previsão de instrumentos de participação dos cidadãos na tomada de decisões administrativas (consensualidade na Administração)”. 6. MUTAÇÕES E TENDÊNCIAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO9 Como sabido, ao longo do tempo, o substrato epistemológico e/ou teórico dos ramos do Direitos e de seus institutos sofrem alterações. Nesse sentido, destaca-se algumas mudanças e tendências observadas no Direito Administrativo: BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Disponível em: https://luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2017/09/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf. 9 OLIVEIRA, Rafael Carvalho R. Curso de Direito Administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (10th edição). Grupo GEN, 2022. p. 14. 8 8 A constitucionalização do Direito Administrativo e o efeito expansivo das normas constitucionais acarretou o reconhecimento da CONSTITUCIONALIZAÇÃO E O PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE normatividade primária dos princípios constitucionais (princípio da juridicidade), de forma que “atuação da Administração Pública deve nortear-se pela efetividade da Constituição e deve pautar-se pelos parâmetros da legalidade e da legitimidade, intrínsecos ao Estado Democrático de Direito”. A busca pela eficiência administrativa, compreendida como a efetivação dos direitos fundamentais, tem justificado a relativização RELATIVIZAÇÃO DE FORMALIDADES E ÊNFASE NO RESULTADO de formalidades desproporcionais, o que evidencia a substituição da Administração Pública burocrática e formalista por uma Administração Pública gerencial e de resultados. Diálogo com outras disciplinas jurídicas e não jurídicas, bem como a ELASTICIDADE DO DIREITO constatação de que a sua aplicação não está restrita ao seio do ADMINISTRATIVO Estado, incidindo, também, sobre os atores privados que exercem atividades de relevância pública (ex.: Terceiro Setor). Ao invés da atuação unilateral e impositiva da vontade administrativa, a decisão estatal deve ser construída, na medida do possível, a partir CONSENSUALIDADE E PARTICIPAÇÃO do consenso (exs.: mediação, acordos, parcerias) e da participação social (exs.: consultas e audiências públicas), o que garante maior legitimidade democrática à Administração. Segundo Maria Sylvia, acontece pelo “fortalecimento da democracia participativa, com a previsão de inúmeros instrumentos de participação do cidadão no controle e na gestão de atividades da Administração Pública, o que nem sempre se efetiva na prática. É inerente ao conceito de Estado Democrático de Direito a ideia de participação do cidadão na gestão e no controle da Administração Pública, no processo político, econômico, social e cultural; essa ideia DEMOCRATIZAÇÃO DA está incorporada na Constituição não só pela introdução da fórmula ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA do Estado Democrático de Direito – permitindo falar em democracia participativa –, como também pela previsão de vários instrumentos de participação, podendo-se mencionar, exemplificativamente, o direito à informação (art. 5º, XXXIII), o direito de denunciar irregularidades perante o Tribunal de Contas (art. 74, § 2º), a gestão democrática da seguridade social (art. 194, VII), da saúde (art. 198, III), do ensino público (art. 206, VI), sem falar em inúmeras normas contidas na legislação ordinária prevendo também essa participação, como ocorre 9 na Lei Geral de Telecomunicações, na Lei de Licitações e Contratos, na Lei de Processo Administrativo.10” O ato administrativo, que representa a vontade unilateral da PROCESSUALIZAÇÃO E Administração, perde seu papel de protagonista para o processo e os CONTRATUALIZAÇÃO DA ATIVIDADE negócios jurídicos, que viabilizam a participação do destinatário na ADMINISTRATIVA formação da vontade estatal, o que garante maior legitimidade e eficiência à atuação administrativa. Consiste na “abertura de diálogo com os administrados, permitindo ADMINISTRAÇÃO DIALÓGICA que eles colaborem para o aperfeiçoamento ou a legitimação da atividade administrativa.”11 A tradicional linha divisória entre o Direito Público e o Direito Privado, típica do Estado Liberal de Direito, é mitigada com a publicização do Direito Civil (exs.: aplicação horizontal dos direitos fundamentais, boa-fé objetiva, socialização e eticidade) e a privatização do Direito PUBLICIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E A Administrativo, com a “fuga para o Direito Privado” por meio da PRIVATIZAÇÃO DO DIREITO instituição de pessoas jurídicas de direito privado (exs.: empresas ADMINISTRATIVO públicas, sociedades de economia mista e fundações estatais de direito privado), da celebração de parcerias com entidades privadas (ex.: concessões e permissões de serviços públicos, parcerias com o Terceiro Setor) e da formalização de instrumentos jurídicos privados (ex.: contratos). Apesar da origem francesa, de tradição romano-germânica (Civil Law), APROXIMAÇÃO ENTRE A CIVIL LAW E o Direito Administrativo brasileiro tem sofrido fortes influências de A COMMON LAW países da tradição anglo-saxônica (Common Law), especialmente a partir da globalização econômica e jurídica. 7. DIREITO ADMINISTRATIVO EMERGENCIAL A pandemia do coronavírus provocou a edição de inúmeros atos normativos para instituir um regime extraordinário, fiscal e financeiro no Estado Brasileiro a fim de lidar com os efeitos da COVID-19 e algumas dessas medidas, embora temporárias, interessam ao Direito Administrativo, mais especificamente no que se denominou de direito administrativo emergencial. Segundo Maria Sylvia, uma das principais medidas foi o Decreto Legislativo nº 6, de 20 março de 2020, que produziu efeitos até 31 de dezembro de 2020 e reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública, 10 11 PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (35th edição). Grupo GEN, 2022. TORRES, Ronny Charles Lopes de. Direito Administrativo. Coleção Sinopses para Concursos. p. 48. 10 notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no artigo 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o artigo 9º da Lei Complementar nº 101.12 Além do referido decreto, a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 tratou das medidas de enfrentamento à situação de emergência, traçando as diretrizes gerais que orientaram o Poder Público e os cidadãos sobre as principais medidas emergenciais que os entes governamentais de todos os níveis, dentro de sua esfera de competência, poderiam adotar no combate à pandemia.13 As medidas previstas na lei, tais quais a imposição de isolamento, a quarentena e a vacinação, em grande medida, inseriram-se no conceito de poder de polícia do Estado, pois restringiram o exercício de direitos individuais em benefício do interesse coletivo. Segundo D. Pietro: “Trata-se de medidas que, previstas em lei (portanto com observância do princípio da legalidade) podem ser adotadas pelas autoridades públicas, mediante atos administrativos dotados do atributo da autoexecutoriedade, ou seja, da possibilidade de serem impostos independentemente de autorização judicial. Como todos os atos dotados desse atributo, as medidas invertem o ônus de acesso ao Judiciário. A pessoa que se sentir lesada em seus direitos ou ameaçada de lesão é que deve opor-se, seja pela via administrativa, seja pela via judicial. O princípio da legalidade exige que as medidas tenham previsão legal, salvo em situações de emergência que, se não atendidas de imediato, possam acarretar dano maior à segurança, à integridade, à vida das pessoas.”14 Quanto aos serviços públicos, o Decreto nº 10.282, de 20 março de 2020, regulamentou a Lei nº 13.979 definindo quais serviços públicos e as atividades eram essenciais, aplicando-se em todas esferas de governo, aos entes privados e às pessoas físicas. Dentre as atividades essenciais incluíam-se a produção, distribuição, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de saúde, higiene, limpeza, alimentos, bebidas e materiais de construção; serviços de pagamento, de crédito e de saque e aporte prestados pelas instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil; serviços de comercialização, reparo e manutenção de partes e peças novas e usadas e de pneumáticos novos e remoldados.15 Ainda segundo Maria Sylvia: “Outra medida relevante foi a promulgação da Lei nº 14.125, de 10-3-21, que estabelece normas sobre a responsabilidade civil relativas a eventos adversos pós-vacinação contra a Covid-19 e sobre a aquisição e distribuição de vacinas por pessoas jurídicas de direito privado. Logo no artigo 1º, a Lei autoriza todos os entes federativos a adquirirem vacinas e a assumirem os riscos referentes à responsabilidade civil, nos termos do instrumento de aquisição ou fornecimento de vacinas celebrado, em relação a eventos adversos pós-vacinação, desde que a Anvisa tenha concedido o respectivo registro ou autorização temporária de uso emergencial. A medida só é autorizada enquanto perdurar a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin), declarada em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (SAR-S-CoV-2). A lei ainda estabelece normas sobre constituição de garantias ou seguro privado para cobertura dos riscos previstos no artigo 1º, e sobre a aquisição de vacinas por pessoas jurídicas de direito privado.”16 PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (35th edição). Grupo GEN, 2022, p. 91. PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (35th edição). Grupo GEN, 2022, p. 91. PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (35th edição). Grupo GEN, 2022, p. 93. 15 PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (35th edição). Grupo GEN, 2022, p. 93. 16 PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Disponível em: Minha Biblioteca, (35th edição). Grupo GEN, 2022, p. 93. 12 13 14 11 É válido acrescentar, neste ponto, que houve intenso trabalho do Poder Judiciário na contenção do caos gerado pela pandemia. Dentre os julgados originários da época com maior pico de contaminação, destacamos as orientações jurisprudenciais do STJ (178 a 181) sobre COVID 19, muitas delas em matérias diversas do Direito Administrativo, mas com claro uso do poder de polícia, in verbis: Durante a pandemia da covid-19, faculta ao credor indicar, no juízo da execução de alimentos, se pretende que a prisão civil seja cumprida no regime domiciliar ou se prefere diferir o seu cumprimento. É possível a penhora de bens do devedor de alimentos, sem que haja a conversão do rito da prisão para o da constrição patrimonial, enquanto durar a suspensão de todas as ordens de prisão civil, em decorrência da pandemia da covid-19. O risco de contaminação pelo coronavírus (covid-19) em casa de acolhimento (abrigo) pode justificar a manutenção da criança com a família substituta. Não é cabível a impetração de habeas corpus na hipótese de suspensão temporária do direito de visita presencial de genitor ao filho menor causada pela pandemia da covid-19, pois o isolamento social não configura ameaça real ao direito de ir e vir do menor. Não é cabível habeas corpus para impugnar ato normativo que fixa medidas restritivas para prevenir a disseminação da covid-19, por não constituir via própria para o controle abstrato da validade de leis e atos normativos em geral. Não é cabível mandado de segurança para impugnar ato normativo que fixa medidas restritivas para prevenir a disseminação da covid-19, por não constituir via própria para questionar lei em tese. A suspensão dos prazos processuais, determinada pelas resoluções editadas pelo Conselho Nacional de Justiça em virtude da pandemia da covid-19, prescinde de comprovação. A suspensão dos prazos processuais, no tribunal de origem, fora dos períodos mencionados nas resoluções editadas pelo CNJ em razão da pandemia da covid19, deve ser comprovada no momento da interposição do recurso. Incabível a devolução de prazo recursal com base na alusão genérica à pandemia da covid-19 e à necessidade de isolamento social, sem indicação de situação concreta e específica capaz de configurar justa causa para inobservância do prazo recursal. A pandemia da covid-19 não é, por si só, motivo suficiente para determinar a suspensão de processo em que se pleiteia reparação ou recomposição civil indenizatória contra companhia aérea, uma vez que tal circunstância se reflete para toda sociedade e o contraditório e a ampla defesa ficam assegurados. Não é possível a intervenção do Poder Judiciário em ato discricionário do Poder Executivo estadual na hipótese de implantação de plano regional de classificação de risco para enfrentamento à propagação da pandemia da covid-19 em que não evidenciada violação a direito líquido e certo da parte impetrante. A suspensão da vigência dos prazos processuais determinada pelas Resoluções STJ/GP n. 5, 6 e 9 não atinge as publicações dos atos processuais, bem como sua eficácia. A suspensão da vigência dos prazos processuais determinada pela Resolução n. 313/2020 do CNJ não atinge as publicações dos atos processuais, bem como sua eficácia. A mera impossibilidade de distribuição de memoriais e/ou de reunião presencial com os ministros durante a pandemia da covid-19, por si só, não configura cerceamento do direito de defesa. 12 Não se verifica ilegalidade na realização de audiências e atos processuais, por meio de videoconferência, devidamente justificados em razão da atual situação causada pela pandemia da covid-19. A não realização da audiência de custódia como medida de prevenção à propagação da covid-19, com fundamento no art. 8º da Recomendação n. 62/2020 do CNJ, não acarreta ilegalidade do decreto prisional preventivo. No intuito de prevenir a proliferação do contágio pela pandemia da covid-19, é cabível a suspensão temporária do direito de visitas presenciais de familiares aos presos. Não há ilegalidade na decisão que determina a suspensão de saídas temporárias de presos, com o intuito de prevenir a proliferação do contágio pela pandemia da covid-19. Não há ilegalidade na transferência de preso entre estabelecimentos prisionais, motivada por critérios técnicos, para assegurar o controle da pandemia da covid-19 no âmbito penitenciário. Os benefícios previstos, em razão da pandemia da covid-19, nos arts. 4º e 5º da Recomendação n. 62/2020 do CNJ não se aplicam aos condenados por crime equiparado a hediondo. Em razão da pandemia da covid-19, foi concedida, em habeas corpus coletivo, ordem para soltura de todos os presos a quem foi deferida liberdade provisória condicionada ao pagamento de fiança e que ainda se encontravam em prisão cautelar em razão do não pagamento do valor. A Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ não prescreve a substituição da prisão cautelar pela domiciliar de forma automática, sendo indispensável a demonstração: do enquadramento do preso no grupo de vulneráveis à covid-19; da impossibilidade de receber tratamento médico na unidade carcerária em que se encontra e da exposição a maior risco de contaminação no estabelecimento prisional do que no ambiente social. A Recomendação n. 62/2020 do CNJ não implica automática substituição da prisão preventiva por outras medidas cautelares alternativas. A Recomendação n. 62/2020 do CNJ não é aplicável ao acusado em situação regular no exterior, sem risco de ser extraditado para o Brasil, pois não se trata de pessoa privada de liberdade no sistema penal brasileiro. A incidência da circunstância agravante da calamidade pública, prevista no art. 61, II, j, do Código Penal, exige demonstração concreta de que o agente se valeu do contexto da pandemia da covid-19 para a prática do crime. A urgência e a excepcionalidade geradas pela pandemia da covid-19 afastam a nulidade decorrente da ausência de prévia oitiva do Ministério Público acerca da concessão de benefícios na execução da pena - art. 67 da Lei de Execução Penal. A contratação temporária de profissionais da área de saúde em decorrência da pandemia da covid-19, por si só, não configura preterição de candidato aprovado, em concurso público, para cadastro reserva. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar demanda declaratória que objetiva o reconhecimento da existência de força maior para fins de redução do depósito da multa de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, em decorrência da pandemia da covid-19, nos termos do art. 18, § 2º, da Lei n. 8.036/1990. 13 Na situação excepcional da pandemia da covid-19, é imprescindível, para a concessão de efeito suspensivo a recurso especial, a demonstração do periculum in mora e a caracterização do fumus boni juris, observado o princípio da igualdade entre as partes. A pandemia da covid-19, por si só, não se caracteriza como situação excepcional apta a afastar o direito subjetivo à nomeação de candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previstas no edital. É faculdade do autor a escolha do local de impetração de mandado de segurança contra autarquias federais objetivando o recebimento de auxílio emergencial implantado em razão da pandemia da covid-19. Por se tratar de verba destinada a garantir a subsistência do beneficiário no período da pandemia da covid-19, é impenhorável o auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal, salvo para o pagamento de prestação alimentícia (art. 833, IV e § 2º, do CPC). A declaração de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, das leis estaduais que determinaram descontos obrigatórios nos valores de mensalidades da rede de ensino privada em decorrência da pandemia da covid-19, por si só, não implica perda do objeto de ações civis públicas. A propositura de múltiplas ações civis públicas, em diversas comarcas, com a finalidade de reduzir o valor das mensalidades na rede privada de ensino, em decorrência dos atos oficiais de autoridades públicas em combate a pandemia da covid-19, implica a prevenção do juízo em que fora proposta a primeira ação, nos termos do art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 7.347/1995. Compete à Justiça comum processar e julgar ações que envolvam interesses funcionais de servidores públicos estatutários, nas quais se pleiteia adoção de medidas sanitárias no ambiente de trabalho, em razão da pandemia da covid-19, afastando-se a incidência da Súmula n. 736/STF. A Recomendação n. 62/2020 do CNJ não enseja a automática colocação do menor infrator em meio aberto, sob pena de violação aos direitos dos adolescentes em conflito com a lei que, pelas suas condições psicossociais, demandam a administração de tratamento pedagógico, psicológico e psiquiátrico em meio fechado. O período de suspensão do dever de apresentação mensal em juízo, em razão da pandemia da covid-19 (Recomendação n. 62/2020 do CNJ), deve ser computado como pena efetivamente adimplida se cumpridas as demais condições impostas ao regime aberto pelo apenado. A concessão do benefício de suspensão temporária da execução de penas restritivas de direitos, em razão da pandemia da covid-19 (Recomendação n. 62/2020 do CNJ), não dá ensejo ao reconhecimento de cumprimento ficto da pena. O excesso de prazo para formação da culpa, decorrente da suspensão dos atos processuais pela superveniência da pandemia da covid-19, não configura constrangimento ilegal. Habeas corpus coletivo não é a via adequada para a concessão de prisão domiciliar a todos os indivíduos privados de liberdade que se enquadram no grupo de risco da covid-19, pois se faz necessário o exame individual da situação de cada paciente. 14