Direito das Sucessões - Resumos PDF

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Universidade de Lisboa

Mirela Gomes

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Direito das Sucessões Direito Civil heranças legislação portuguesa

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Este documento contém resumos sobre Direito das Sucessões, focando diferentes sistemas sucessórios (individualista, familiar e socialista), e os princípios gerais do Direito das Sucessões em Portugal. Aborda temas como a liberdade de testar, a proteção da família e a autonomia privada.

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lOMoARcPSD|31716547 Direito DAS Sucessões - Resumos Regência Menezes Leitão Direito das Sucessões (Universidade de Lisboa) Verifica para abrir em Studocu A Studocu não é patrocinada ou en...

lOMoARcPSD|31716547 Direito DAS Sucessões - Resumos Regência Menezes Leitão Direito das Sucessões (Universidade de Lisboa) Verifica para abrir em Studocu A Studocu não é patrocinada ou endossada por alguma faculdade ou universidade Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 DIREITO DAS SUCESSÕES – PROF.º MENEZES LEITÃO CAPÍTULO I – DIREITO DAS SUCESSÕES 1. Objeto e características do Direito das Sucessões O Direito das Sucessões, visa regular o fenómeno da sucessão por morte e a transmissão das situações jurídicas resultantes dela. Abrange as várias fases desse processo: a abertura da sucessão, a vocação ou chamamento dos sucessíveis, a jacência da herança, a aceitação ou repúdio, a administração da herança, e a sua liquidação ou partilha, sendo normalmente ape- nas com a partilha que se pode considerar encerrado o fenómeno sucessório, em virtude da confusão dos bens que eram do de cuius com os dos sucessores. Não está neste ramo do Direito em causa a estrutura dos direitos subjetivos (este tem uma base institucional e não estrutural), como sucede com os direitos de crédito e os direitos reais, responsáveis pela autonomização do Direito das obrigações e do Direito das coisas. No Direito das sucessões a autonomização das normas verifica-se em torno da instituição sucessão por morte, e embora seja correto afirmar que, ao contrário dos outros ramos de direito, estamos perante um fenómeno dinâmico, uma vicissitude das situações jurídicas, tem que se reconhe- cer razão aos que afirma que esta evidência formal pouco esclarece sobre a essência do fenó- meno jurídico. 2. Os diversos sistemas sucessórios Sistema individualista ou capitalista (V.g.: países do common law (UK e EUA)) Este sistema é baseado na propriedade privada e na autonomia individual, reconhece uma ampla liberdade de disposição de bens por morte, podendo o autor da sucessão escolher li- vremente os seus sucessores, mesmo em prejuízo dos seus familiares mais próximos. O objeti- vo que preside a este sistema é o de permitir ao proprietário dos bens escolher livremente os seus sucessores, mesmo em prejuízo dos seus familiares mais próximos. O objetivo deste sistema é permitir ao proprietário dos bens escolher livremente os suces- sores em melhores condições de continuar a sua exploração ou aproveitamento. No âmbito deste sistema, caso o autor da sucessão tenha decidido não fazer testamento, os bens são atribuídos aos seus familiares, só os recebendo o Estado numa posição recuada depois do cônjuge e dos parentes. Pretende-se aqui assegurar a manutenção dos bens na esfe- ra privada, evitando que eles sejam adquiridos pela coletividade. Sistema familiar Neste sistema valoriza-se a ideia de um património familiar, limitando em benefício dos familiares mais próximos a liberdade de o autor da sucessão dispor dos seus bens por morte, uma vez que uma parte do património é reservada aos herdeiros legitimários. Origem do sistema familiar: p. 19 ML. Sistema socialista Defende a primazia da propriedade coletiva, procurar assegurar a aquisição pelo Estado de grande parte do património do autor da sucessão, seja através do reconhecimento do próprio Estado como herdeiro, seja através do estabelecimento de uma elevada tributação em causa de aquisição de bens por via hereditária. Os antigos direitos socialistas nunca chegaram ao ponto de abolir a sucessão por morte, apesar do dogma marxista que o defendia, acabando 1 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 por isso por reconhecer a possibilidade de sucessão na propriedade familiar, ainda que limita- da aos familiares mais próximos e a certas categorias de bens ou valores. A manutenção da sucessão por morte em regimes tão hostis à propriedade privada tem si- do explicada pelo facto de essa sucessão libertar o Estado do oneroso dever de promover uma ajuda social imediata aos familiares das pessoas falecidas, consolidar a união familiar, desem- penhar uma função educativa e de não discriminar os nacionais relativamente aos estrangei- ros, cujas leis pessoais lhe reconheciam direitos sucessórios. O sistema português Portugal possui um sistema sucessório individualista ainda que com algumas concessões aos sistemas familiar e socialista. A preponderância do sistema individualista reside no facto de o direito português admitir uma ampla liberdade de testar, sempre que não existam herdeiros legitimários, tendo recen- temente essa liberdade de testar até sido incrementada com a consagração da possibilidade de renúncia do cônjuge à condição de herdeiro legitimário na convenção antenupcial (Art.º 1707º-A). Já no caso de existência de herdeiros legitimários, a liberdade de testar é restringida, ainda que o testador mantenha nesse caso a possibilidade de dispor por morte de uma parte significativa dos seus bens. A relevância do sistema familiar no ordenamento jurídico português resulta da reserva de uma parte considerável da herança em benefício dos herdeiros legitimários (cônjuge, descen- dentes e ascendentes) a qual não pode ser afetada pelo autor da sucessão através da disposi- ção dos seus bens em vida ou por morte (Art.º 2156 e ss.), o que constitui uma forte limitação à liberdade de testar. O autor da sucessão está assim sujeito a que os seus bens venham com a sua morte a ser em grande parte adquiridos pelos seus familiares mais próximos, independentemente de ter uma boa ou má relação com eles, sendo extremamente reduzidas as possibilidades de impedir a vocação sucessória legitimária, o que só pode ocorrer através dos institutos da indignidade (Art.º 2034º) e da deserdação (Art.º 2166º). A conceção da família protegida tem sofrido, no entanto, algumas alterações, desde logo com a posição sucessória privilegiada atribuída ao cônjuge sobrevivo com a Reforma de 1977 (Decreto-Lei 496/77), que só veio ser algo mitigada em 2018 com a consagração dos pactos renunciativos recíprocos na convenção antenupcial (Lei 40/2018). A concessão ao sistema socialista resulta da existência de um imposto de selo em caso de sucessão por morte, ainda que em montante bastante menos gravoso do que o anterior im- porto sobre sucessões e doações, para cuja abolição foi necessário alterar a Constituição. Da mesma forma, o Estado é considerado como sucessível, logo a seguir aos colaterais até o quar- to grau (Art.º 2133º/1 e)). Embora a atribuição ao Estado da qualidade de sucessível seja expli- cada pela necessidade de encontrar sempre um sucessor para evitar a colocação de bens no abandono, a verdade é que o Estado adquire muitos bens por essa via, pois a limitação da su- cessão legítima aos parentes de grau mais próximo, aliada à recusa de muitas pessoas em fazer testamento, determina que grande parte das sucessões lhe seja atribuída. CAPÍTULO II – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DAS SUCESSÕES P. 23 e ss do manual. 2 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 CAPÍTULO III – PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO DAS SUCESSÕES 1. Princípio da propriedade privada A função do Direito Administrativo é, efetivamente, a de permitir a manutenção dos bens na esfera dos privados, evitando a extinção desses direitos ou a sua apropriação pelo Estado em caso de falecimento do seu titular. Daí a inclusão do princípio sucessório na tutela consti- tucional da propriedade, já que o Art.º 62º/1, CRP, não apenas garante a propriedade privada, mas também a sua transmissão por morte. Como refere Carvalho Fernandes, a função da propriedade privada, como direito perpétuo (Art.º 1307º/2) só é assegurada plenamente, nomeadamente enquanto pressuposto da digni- dade humana – a que corresponde a sua função individual –, se for acompanhada da sua transmissibilidade em vida e por morte. 2. O princípio da proteção da instituição familiar A família é objeto de proteção pela CRP (Art.º 36º e 67º). Uma das formas através do qual o Estado assegura essa proteção é pela instituição da sucessão legal, através do qual os bens que pertenciam ao de cuius são atribuídos aos seus familiares, com preferência por aqueles que tenham um grau mais próximo (Art.º 2133º). A proteção da instituição familiar é especifi- camente assegurada por virtude da instituição da legítima (Art.º 2156º), que permite reservar uma parte da herança aos herdeiros legitimários, limitando consequentemente a liberdade de disposição do autor da sucessão em relação aos seus bens. As profundas alterações da instituição familiar, com o maior releva dado às pequenas famí- lias, produziram uma sobrevalorização da posição sucessória do cônjuge sobrevivo, elevado a herdeiro legítimo e legitimário. Da mesma forma, a maior relevância das famílias constituídas fora do casamento justificou não só que se passasse a considerar idênticas as posições suces- sórias dos filhos nascidos dentro e fora do casamento, como também que se atribuísse relevo sucessório, ainda que limitado, à união de facto. Como refere ML, o regime legal da tutela sucessória da instituição familiar parece estar em grande desconformidade com a realidade social. Perante a enorme transitoriedade dos casa- mentos e a facilidade com que os mesos são dissolvidos, parece bastante controversa a posi- ção privilegiada co cônjuge enquanto herdeiro legítimo e legitimário, especialmente se se con- siderar que a mesma é independente do relacionamento do cônjuge com o de cuius (não há, p.e, qualquer impedimento à sucessão do cônjuge em virtude da existência de separação de facto com o de cuius) e da duração do casamento (como afirma JDP, o cônjuge que estava casado com o de cuius há um dia tem tantos direitos quanto aquele que estivesse casado há 50 anos). 3. Princípio da autonomia privada No nosso caso, a autonomia privada reconduz-se à possibilidade de celebrar negócios ju- rídicos mortis causa, que apenas produzem efeitos por morte do doador. Esses NJ podem ser unilaterais, como o testamento, ou bilaterais, como os pactos sucessórios. Em princípio, a autonomia privada é assegurada pelo testamento, negócio unilateral e re- vogável (2179º), e por isso pode ser sempre modificado ou revogado em vida do autor da su- cessão. Já os pactos sucessórios, uma vez que excluem a possibilidade de revogação apenas não admitidos nos casos previstos na lei, sendo nulos quando a lei não os preveja (Art.º 2028º). O princípio da autonomia privada veio até a ser reforçado pela Lei 48/2018, ao ter indo a admitir a renúncia dos direitos sucessórios por parte dos cônjuges, dilatando assim conside- ravelmente o elenco dos pactos sucessórios renunciativos. 3 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 CAPÍTULO 4 – CONCEITO DE SUCESSÃO 1. O conceito jurídico de sucessão Direito das Sucessões não é direito da Família1, pois nem sempre há relações familiares, embora existam conexões. A sucessão não opera exclusivamente em benefício de familiares do de cuius2: Basta ha- ver testamento para pessoa fora da família; Basta o Estado poder vir a herdar; O Direito da Família ocupa-se das ligações pessoais e patrimoniais que se estabelecem entre pessoas vivas, enquanto as Sucessões preocupa-se com o destino do património de uma pessoa que faleceu. O Direito das Sucessões, enquanto ramo do Direito Civil, é identificado como o conjunto de normas que regulam a instituição sucessão. Tem como finalidade descobrir quem será o titular das situações jurídicas patrimoniais que ficaram sem sujeito, por morte deste. A sucessão por morte em direitos é uma liberalidade3 à custa do património do de cuius – logo, não tem cará- ter sucessório o art. 2018º, 2020º e atribuição do seguro de vida – pois fundam-se na necessi- dade dos sobrevivos e em contratos onerosos e não na intenção (presumida ou conjetural) de generosidade ou espontaneidade do de cujus. De acordo com o artigo 2024º, consiste no chamamento de uma ou mais pessoas à titula- ridade das relações de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam. Assim, a sucessão tem por causa a morte de uma pessoa e respeita a situações jurídicas patrimoniais. A definição tem vindo a ser criticada: ML: por restringir o conceito de sucessão à sucessão por morte, o que a torna restrita às pessoas singulares. Efetivamente, a pessoas coletivas não é “falecida”, apenas se extinguindo. Mas mesmo no âmbito de pessoas singulares, existem várias hipóteses de sucessão para além da sucessão por morte. O CC admite várias referências a hipóteses de sucessão em vida, como seja a sucessão singular nas dívidas (Art.º 595º e ss), a sucessão na posição jurídica de senho- rio (Art.º 1058º) ou a acessão na posse em consequência de uma sucessão por título diverso da sucessão por morte, a qual é assim exclusiva das pessoas singulares. Para além disso, o Art.º 2024º apenas se refere a um aspeto da sucessão por morte – a vocação sucessória, dei- xando de fora outras, como veremos de seguida. JDP e ML: Não se limita a direitos sobre os bens pois compreende-se todo o património da pessoa falecida (ativo e passivo), excluindo-se apenas as situações jurídicas que devam ex- tinguir-se por morte do respetivo titular. O Art.º 2068º é expresso no sentido de que o patri- mónio da herança inclui as dívidas do falecido, estabelecendo o Art.º 2070º a responsabilidade do herdeiro pelos encargos da herança A sucessão por morte, que vem referida no artigo 2024º, comporta várias fases (a que o artigo não se reporta): i. Abertura da sucessão: no momento da morte da pessoa que era titular de situações jurídicas (2031º); 1 JDP ≠ Leite de Campos 2 Aquele de que a sucessão se trata 3 Direito das Sucessões é o Direito das liberalidades – só uma das partes produz uma atribuição pa- trimonial. 4 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 ii. Vocação: tende a coincidir com a altura da abertura da sucessão e consiste na atribui- ção do direito de suceder, de aceitar ou repudiar a sucessão aberta. iii. Pendência da sucessão ou herança jacente: é o período em que o sucessível ainda não exerceu a faculdade de aceitar ou repudiar a sucessão (artigo 2046º); iv. Aquisição da sucessão: ocorre quando o sucessível declara aceitar (artigo 2050º/1). De notar, ainda, que a sucessão não se restringe a bens, abrangendo também dividas (en- quanto encargos). Nos termos do artigo 2026º, há três títulos de vocação sucessória: significa, assim, que a sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato. A sucessão legal (artigo 2027º) comporta duas espécies – a legítima ou legitimária, conforme possa ou não ser afastada pelo autor. A sucessão deferida por testamento identifica-se com a sucessão testamentária. E a sucessão deferida por contrato identifica-se com a sucessão contratual, que tem caráter excecional (ar- tigo 2028º/2). 2. Sucessão e transmissão Questão controvertida: A sucessão reconduz-se ou não a um fenómeno de transmissão de bens? Pires de Lima e A. Varela: é a que o Art.º 2024º distingue claramente os conceitos de su- cessão e transmissão, uma vez que ao se referir a “um ato de chamamento do sucessor (seja ele herdeiro ou legatário do finado)” afasta a ideia de que a sucessão hereditária seja conside- rada pelo Direito como uma simples transmissão ou transferência dos bens de uma pessoa (falecida) para outro (que leh sobrevive). ≠ G. Telles: defendeu a qualificação da sucessão como uma forma de transmissão, posição que manteria no seu ensino. Ele não contrapõe sucessão e transmissão, por considerar que quando alguém falece, todos os seus direitos e obrigações, que não sejam intransmissíveis por morte, se transferem a uma ou mais pessoas. Para ele não é possível sustentar que em certos casos uma pessoa toma a posição de outra de tal maneira que fica com os seus direitos como se fora ela própria, sem verdadeiramente os adquirir, sem se interpor um fenómeno de trans- missão. ≠ Esta posição não teve grande seguimento na Escola de Lisboa, já que O. Ascensão defen- deu uma conceção autonomista de sucessão, distinguindo-a da transmissão de direitos. A seu ver, na aquisição singular existiria um título novo, que provocaria alterações na situação jurídi- ca adquirida, enquanto na sucessão essa alteração não se verificaria. Entende, porém, que a sucessão estaria reservada aos herdeiros, uma vez que em relação aos legatários ocorreria uma verdadeira transmissão. P. Corte-Real e JDP sustentam que a sucessão é necessariamente uma forma de transmis- são, entendida esta como aquisição derivada translativa, uma vez que através da sucessão podem-se verificar casos de aquisição derivada constitutiva, como no legado de usufruto de um bem que era da propriedade plena do testador, no legado válido de coisa não pertencente ao património do testador e no perdão de dívidas por cláusula testamentária. = Daniel Mo- rais veio sustentar que o conceito de sucessão possui uma dupla vertente, podendo corres- ponder tanto a uma sucessão translativa como a sucessão constitutiva. 5 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 ML concorda com esta posição, uma vez que há que reconhecer que a sucessão não cor- responde necessariamente a uma forma de transmissão, já que esta implica a inexistência de alterações ao direito transmitido, e em muitos casos a posição jurídica do sucessor não corres- ponde àquela que o de cuius possuía. A regência prefere considerar a sucessão como uma mera situação de aquisição derivada, que não corresponde por isso, necessariamente, a uma forma de transmissão. 3. A sucessão em vida e a sucessão por morte Sucessão em vida (ou inter vivos): o fenómeno sucessório resulta de um ato jurídico, normalmente um NJ, realizado em vida do autor da sucessão e que constitui a causa jurídica da aquisição. Sucessão por morte (ou mortis causa): os efeitos jurídicos apenas se produzem por morte do autor da sucessão, sendo assim a morte a causa jurídica da aquisição. Tal não impe- de que seja celebrado em vida do autor da sucessão um NJ, como o testamento ou o pacto sucessório, nos casos em que este é admitido, mas esse negócio não produz efeitos em vida do autor da sucessão, apenas se verificando os mesmos com a sua morte. A distinção é especialmente relevante em virtude da limitação existente aos NJ mortis cau- sa, dado que o Art.º 946º proíbe a doação por morte, admitindo unicamente a sua conversão em testamento, caso tiverem sido observadas as respetivas formalidades. 4. Alguns casos duvidosos No Direito das Sucessões, para a sucessão por porte, ou mortis causa, tudo tem origem no facto morte: a morte é a causa da aquisição de situações jurídicas. Tendo por base o já enunciado a respeito do Direito das Sucessões, não se afigura ha- ver sucessão nos casos de doação com reserva de usufruto, doação com reserva de direito de dispor, de venda com reserva de propriedade e de doação cum moriar. A doação com reserva de usufruto (Art.º 958º): A reserva de usufruto corresponde a uma cláusula acessória da doação, que limita o seu objeto à nua propriedade, permitindo ao doador reservar o usufruto, quer a favor de si pró- prio, quer a favor de terceiro. A reserva de usufruto tem que ser estipulada, nos termos gerais, presumindo a lei, todavia, a sua estipulação no caso da doação a nascituros (Art.º 952º/2). Essa reserva de usufruto a favor do doador não dispensa, porém, o donatário do ónus de aceitar a doação da nua propriedade, o que tem que fazer em vida do doador, nos termos gerais (Art.º 945º/1). No caso da reserva de usufruto a favor de terceiro, quer o nu proprietário, quer o usufrutuário, terão que aceitar a doação em vida do doador, sem o que não adquirirão os res- petivos direitos. No Art.º 958º/2, exige-se que os donatários-usufrutuários, simultâneos ou sucessivos, exis- tam ao tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efetivo, o que exclui a possi- bilidade de atribuição destes usufrutos a favor de nascituros. Para além disso, se o usufruto for instituído conjuntamente a favor de várias pessoas, só se consolida com a propriedade por morte da última que sobreviver. Há, assim, um direito de acrescer entre os usufrutuários, que implica que extinto o direito de um, seja reforçada a posição dos outros, apenas se verificando a aquisição plena da propriedade com a extinção do último usufruto. Uma vez que o usufruto pode ser vitalício (Art.º 1443º), a realização da doação com serva de usufruto nessas condições vai implicar que a propriedade plena seja só adquirida pelo do- natário com a morte do doador, caso em que se extingue o usufruto (Art.º 1476º/1 a)) e a pro- priedade plena se consolida. Apesar disso, esta situação não constitui um negócio mortis cau- 6 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 sa na medida em que se verifica a aquisição em vida da nua propriedade, e o usufruto, en- quanto direito temporário, tem sempre um prazo de duração limitado. A doação com reserva do direito de dispor (Art.º 959º): O doador pode reservar-se a faculdade de dispor por ato inter vivos ou post mortem de qualquer objeto compreendido na doação ou de qualquer quantia sobre os bens doados, ou seja, de uma parte específica do complexo material que constitui o objeto da doação. Neste caso, o doador conserva uma faculdade potestativa de disposição, que lhe permite restringir o objeto da doação. A lei exige, porém, a determinação do objeto da reserva de disposição, seja através da individualização da coisa, seja através da limitação da quantia, pelo que será nula a cláusula que a estabeleça em termos indeterminados (qualquer coisa ou qualquer quantia). Essa faculdade não se transmite aos herdeiros, pelo que caduca com a morte do doador (Art.º 959º/2). Tal compreende-se na medida em que nos negócios de liberalidade deve aten- der-se especialmente à vontade do seu autor, para além de que a reserva institui uma situação de incerteza sobre a titularidade dos bens doados, que não convém que seja prorrogada ex- cessivamente. Para além disso, a reserva, quando respeite a coisas imóveis ou móveis, sujeitos a registo, carece de ser registada (Art.º 959º/2). A consequência da falta de registo parece ser, nos ter- mos gerais, a ineficácia da reserva perante terceiros, não impedindo o seu exercício entre as partes. Não sendo o bem sujeito a registo, parece que o exercício da reserva pode ser livre- mente oponível a terceiros, dado que, no caso contrário, a reserva perderia qualquer efeito prático. A natureza dessa cláusula parece variar consoante esteja em causa do direito de dispor de coisa determinada ou o direito a certa quantia sobre os bens doados. No primeiro caso, a situ- ação assemelha-se a uma condição resolutiva potestativa. A reserva, embora não impeça o donatário de alienar à coisa reservada. No segundo caso, a formulação é mais complexa pois a faculdade de disposição faz surgir uma obrigação a cargo do donatário de pagar a referida quantia, parecendo, por isso, que neste caso há antes lugar à instituição de um encargo (Art.º 963º/1) sujeito à condição suspensiva potestativa de exercício da faculdade de disposição. Daí que o donatário não seja, de acordo com as regras gerais, obrigado a satisfazer o encargo se- não nos limites do direito doado (Art.º 963º/2). A regência entende que não é negócio mortis causa. A doação cum moriar: Trata-se da celebração de uma doação em vida, mas em que os seus efeitos são subordi- nados a um termo suspensivo, consistente na morte do doador, só nesse momento sendo entregues os bens ao donatário. A regência entende que é um tipo de doação proibido pelo artigo 946º (apesar de não ser pacto sucessório – 2028º), o que acontece no caso de a doação ser subordinada ao termo incerto suspensivo da morte, uma vez que nesse caso os seus efeitos só se produzem a partir desse momento (Art.º 278º). Esta deve então ser nula, apenas se po- dendo converter em disposição testamentária se tiverem sido observadas as formalidades dos testamentos. A restante doutrina parece aceitar a admissibilidade deste tipo de doação. A doação si praemoriar: Constitui igualmente uma doação sujeita ao termo suspensivo da morte do doador, mas nesse caso é ainda acrescida de uma condição suspensiva relativa à circunstância de a morte do doador ocorrer antes da do donatário. 7 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 A maioria da doutrina defende a validade desta doação, considerando que a mesma não constitui um pacto sucessório, uma vez que produz os seus efeitos em vida do doador (Pereira Coelho, Capelo de Sousa, …). Pires de Lima e A. Varela consideram ser esta doação também proibida pelo Art.º 946º, já que se abriria uma porta à fraude, se apenas se proibissem as doações que fossem simultane- amente contratos sucessórios. Bastaria, para legalizar estes contratos, que o doador se expri- misse por esta ou outra forma ou equivalente: “Se eu morrer antes de B, doo-lhe os meus bens”. Tratando-se de uma doação condicional, podia o donatário, desde logo, alienar como condicional o seu direito. Mas, para as previsões dos interessados, os dois atos equiparar-se- iam. Foram estas as razões que levaram o legislador a considerar, no nº 2 do Art.º 1755º, como pactos sucessórios, todas as doações por morte para casamento. A regência entende que o Art.º 946º não proíbe apenas as doações mortis causa, mas todas as doações que hajam de produzir os seus efeitos por morte do doador, pelo que a doação si praemoriar não pode igualmente ser considerada válida. A partilha em vida (Art.º 2029º): Trata-se de um caso específico de doação a um presumido herdeiro legitimário, em que este assume o encargo de pagar aos outros presumidos herdeiros legitimários, com o acordo destes, o valor em dinheiro correspondente à parte que lhes caberia. Esse encargo abrange inclusivamente os herdeiros legitimários futuros ou posteriormente descobertos, uma vez que o nº2 estabelece que “se sobrevier ou se tornar conhecido outro presumido herdeiro legitimá- rio, pode este exigir que lhe seja composta em dinheiro pode ser realizado logo na altura da doação ou posteriormente, impondo o Art.º 2029º/3, que neste último caso seja realizada a atualização pecuniária correspondente. Conforme resulta da expressa qualificação legal, a partilha em visa não é considerada um pacto sucessório, sendo dessa forma qualificada pelo legislador como uma modalidade especí- fica de doação entre vivos, especificidade essa que lhe advém de ser feita a um presumido herdeiro legitimário, com encargos estabelecidos a favor dos outros presumidos herdeiros legitimários. Há, no entanto, uma clara função sucessória do negócio que consiste em, por via da reali- zação dessa doação a favor de algum dos presumidos herdeiros e de encargos a favor dos res- tantes, se pretender já instituir em vida uma reparação da herança do doador, em termos que não difeririam dos que ocorreriam se a sua morte se tivesse já verificado. Por esse motivo, esta doação entre vivos adquire algumas características especiais. Assim, em primeiro lugar, ela pressupõe o consentimento não apenas do donatário, mas também dos outros presumidos herdeiros legitimários, o que não se exigiria numa comum doação com encargos, em que os beneficiários do encargo não necessitam de o aceitar para que a doação produza os seus efei- tos. Ver p. 61 e ss. 8 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 CAPÍTULO 5 – A MORTE COMO PRESSUPOSTO DA SUCESSÃO 1. A morte como pressuposto da sucessão A morte é o momento decisivo, a causa geradora do fenómeno sucessório, sendo esta que desencadeia a abertura da sucessão (Art.º 2031º). A morte constitui um facto jurídico stricto sensu, que extingue a personalidade jurídica do de cuius (Art.º. 68º) e, consequentemente, a suscetibilidade de ele ser titular de situações jurí- dicas (Art.º 67º), o que normalmente transmite por via sucessória as situações jurídicas de que ele era titular (Art.º 2024º), mas que em certos casos determina mesmo a sua extinção (Art.º 2025º). A morte tem então de ser demonstrada, normalmente através da descoberta ou reco- nhecimento do cadáver do falecido. A lei permite, no entanto, dispensar essa descoberta ou reconhecimento quando o desaparecimento da pessoa se tiver dado em circunstâncias que não permitam duvidar da morte dela (Art.º 68º/3). V.g.: pessoas desaparecidas em naufrágio no alto mar ou durante um incêndio. No caso do pretenso morto reaparecer → Art.º 116º e ss. 2. A declaração de morte presumida e as curadorias provisória e definitiva p. 66 e ss. 9 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 CAPÍTULO 6 – O OBJETO DA SUCESSÃO 1. Direitos abrangidos pela sucessão p. 69 2. Direitos excluídos da sucessão Não são, em princípio, objeto de sucessão as situações jurídicas de cariz pessoal, uma vez que estas respeitam à pessoa do autor da sucessão, extinguindo-se, consequentemente, por morte deste. É assim que o Art.º 2025º estabelece que não constituem objeto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do seu titular, em razão da sua natureza ou por força da lei. Entre os direitos que não são objeto de sucessão pro força da sua natureza, estão os direi- tos pessoais, que se encontram ligados à pessoa do de cuius. V.g.: os direitos de personalida- de, dado que a personalidade cessa com a morte (Art.º 78º). A lei admite, no entanto, a prote- ção post mortem dos direitos de personalidade (Art.º 71º/1), atribuindo legitimidade aos seus herdeiros para requererem as providências necessárias à tutela desses direitos (Art.º 71º/2/3, 73º, 75º/2, 76º/2, 77º e 79º/1). Essa proteção não representa, porém, um fenómeno de transmissão por morte desses mesmos direitos, mas antes uma forma jurídica de tutela da memória da pessoa falecida, para efeitos da qual se reconhece legitimidade aos herdeiros para exercer as ações que a esta caberiam. Os direitos de personalidade, enquanto direitos pesso- ais, são intransmissíveis. O mesmo acontece com o direito pessoal de autor (Art.º 57º/1). Incluem-se igualmente entre os direitos insuscetíveis de sucessão aqueles que correspon- dem a funções legalmente atribuídas ao de cuius como os direitos relativos a cargos públicos ou de administração de uma sociedade, as responsabilidades parentais, a tutela e a curatela. Também da mesma forma nos Direitos consagrados no Art.º 1862º, 1825º e 1844º. Aqui o que se verifica é apenas uma extensão da legitimidade processual aos herdeiros do falecido por um curto período após a sua morte. Já relativamente aos direitos em que a hereditariedade é excluída por força da lei, há, efe- tivamente vários casos em relação aos quais a lei exclui, expressamente, a hereditabilidade de certos direitos. V.g.: usufruto (1476º/1 a)), o uso e a habitação (Art.º 1489º e 1490º) e a tes- tamentaria (Art.º 2334º). A lei não admite, em princípio, a exclusão da hereditabilidade por via negocial, uma vez que tal implicaria a renúncia à sucessão, a qual é em princípio vedada pelo Art.º 2028º/1. Exce- tua-se, porém, a situação dos direitos renunciáveis, uma vez que, como estes se podem extin- guir por vontade do respetivo titular, admite-se que o mesmo determine a sua extinção com a sua morte (Art.º 2025º/2). Nesse caso, ocorre uma inereditabilidade estabelecida negocial- mente, como no exemplo de o testador renunciar a um direito que se possa extinguir pela renúncia, como o direito de servidão (Art.º 1569º, 1 d)). Fora destas situações, a regra é a de que todos os direitos são objeto de sucessão. 3. Exame de alguns casos duvidosos A indemnização por morte da vítima. A “querela” em torno do dano-morte (Doutrinas a favor e contra o Dano-morte) Antunes Varela e Oliveira Ascensão, contestam que o direito à vida possa ser indemnizável a favor do lesado. Não vale afirmar que a morte é computada no sofrimento dos terceiros, porque isso seria um dano próprio destes. MC e ML discordam. Argumentos: 10 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 Contra: A favor: 1. Com a morte cessa a personalidade (Art.º 1. Se a morte não é ressarcível, então 68º/1) ; logo, não se pode constituir um direito em a vida não é um direito subjetivo; isso algo que já não existe; consequentemente, o direi- representaria um enorme retrocesso na to de indemnização não podia ser transmitido aos defesa da dignidade humana, alcançada herdeiros, uma vez que não tinha sido adquirido nas últimas décadas. sequer pelo falecido. 2. Os trabalhos preparatórios mos- 2. Os trabalhos preparatórios e o cuidado pos- tram apenas a intenção de que, de resto, to (por Antunes Varela) em contraditar as iniciati- nem logrou assento final no Código; vas originais de Vaz Serra, favoráveis ao dano- 3. O art.º 496 não esgota o universo morte, mostraria que a lei não consagraria tal solu- a que se aplica; a seu lado funcionam os ção: artigos 70º/1, 483º/1, 2024º do CC. 3. O artigo 496º esgota o Universo dos danos indemnizáveis e dos seus beneficiários. Antunes Varela; Oliveira Ascensão Menezes Cordeiro, Galvão Telles, Almeida Costa, Leite de Campos e Mene- zes Leitão. Outros argumentos (a favor), que vão para além das indemnizações arbitradas por via do artigo 496º. Há outras indemnizações ainda por danos morais e pela supressão morais e pela supressão do direito à vida, do próprio lesado e seguem, depois, por via hereditária: 1. Não faz sentido descobrir “direitos” e, depois, negar-lhes o regime; se existe um “direi- to à vida”, então há que dotá-lo da competente tutela aquiliana, logicamente a favor do seu titular… ou será um direito de terceiros. 2. A atual responsabilidade civil tem funções retributivas e preventivas; ora tais funções perder-se-ão quando se admitam direitos que desapareçam logo que violados. 3. A mera aplicação do art.º 496/2 tem de estar articulado com o restante ordenamento jurídico português, pois caso contrário traria resultados inaceitáveis: se não houver nenhum dos familiares aí referidos, não há indemnização? Nesta ótica seria este o resultado: o agente responsável deve indemnizar o lesado ferido, mas se conseguir matá-lo, nada paga. 4. As indemnizações arbitradas pelos nossos tribunais são insatisfatórias: 60000€/80000€ pela vida de uma pessoa não é dinheiro, mesmo tendo em conta o atraso económico do País: M. Cordeiro afirma que esta situação deve ser corrigida. A jurisprudência manteve-se largamente convicta de que a morte é um dano indemnizável. Todavia, o facto de as indemnizações terem vindo a aumentar, embora demasiado pouco, conduziu a ovas pressões sobre os julgadores, no sentido da sua redução. Por isso, surgiram algumas brechas, ainda que na sua maioria, ela se mantenha no bom caminho. Assim, referin- do apenas arestos do último ano, são favoráveis a um dano-morte, com uma indemnização transmissível iure hereditário. A ver de ML: é igualmente hereditável, nos termos gerais, o direito de indemnização por morte da vítima (2024º). Ao contrário do que alguma doutrina tem defendido (Daniel Morais), não constitui nenhum regime particular de sucessão a disposição do Art.º 496º, uma vez que essa disposição não prevê uma hipótese de sucessão por morte, mas antes a atribuição de indemnização por danos próprios sofridos pelos familiares próximos do lesado, em caso de morte deste. A hereditabilidade dos danos resultantes da perda d avida do lesado processa-se nos termos gerais do Art.º 2133º. 11 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 Já relativamente aos danos atribuídos diretamente às pessoas que socorreram o lesado (Art.º 495º/1/2), aos titulares do direito a alimentos ou que recebiam alimentos do lesado (Art.º 496º/2/3/4), os mesmos nascem diretamente na esfera jurídica dos seus titulares, pelo que não resultam de qualquer espécie de sucessão. A transmissão por morte do arrendamento para a habitação Referidos nos Art.º 1106º e 57º NRAU. Esta não constitui uma verdadeira sucessão, uma vez que o direito do novo arrendatário depende do preenchimento de determinados requisitos como a residência no locado, o que implica a interposição de um título novo entre o arrendatário falecido e o novo, sendo esse título que legitima a aquisição do direito ao arrendamento. Diferentemente, já parece ocorrer uma situação de verdadeira sucessão no caso da trans- missão por morte do arrendamento não habitacional, prevista no Art.º 1113º, dado que a transmissão por morte não depende de qualquer requisito adicional, havendo apenas um re- gime especial de renúncia à transmissão, que tem de ser comunicada no prazo de 3 meses. Já no âmbito da NRAU a transmissão por morte do arrendamento depende igualmente de requi- sitos especiais, como o exercício em comum com o arrendatário de profissão liberal ou de ex- ploração de estabelecimento comercial no locado há mais de 3 anos (Art.º 58º NRAU), o que também implica a interposição de um título novo do qual depende a aquisição do direito. O seguro de vida Não constitui objeto de sucessão o seguro de vida, caso em que os beneficiários recebem determinada prestação em caso de morte da pessoa segura. Neste caso, não existe qualquer transmissão para o segurado, resultando o direito diretamente de um contrato a favor de ter- ceiro celebrado entre a companhia de seguros e o de cuius. Embora a lei considere que só no momento da morte se adquire o direito à prestação (Art.º 451º), a mesma tem sempre a sua fonte no contrato a favor de terceiro celebrado, que constitui um título distinto da sucessão por morte. Por esse motivo, apenas em relação às contribuições feitas pelo de cujus à companhia de seguros, é aplicável o regime de colação, redução e imputação das doações e impugnação pauliana (Art.º 450º), só nessa medida se considerando haver doações em vida efetuadas ao beneficiário. Já a quantia que este recebe da companhia de seguros se considera atribuída por virtude do contrato, surgindo, por isso, diretamente na sua esfera jurídica. 12 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 CAPÍTULO 7 – CATEGORIAS DE SUCESSÕES 1. Espécies de sucessão → Sucessão Legal – em função de relações familiares, vem da lei: Sucessão Legítima (2132º e 2133º) – opera na ausência da vontade válida eficaz do de cuius e tem como beneficiários o cônjuge, parentes próximos do falecido e supletivamente o Estado. Sucessão Legitimária (2156º, 2157º, 2179º) – reserva porção de bens de que o de cuius não pode dispor ao cônjuge e aos parentes na linha reta do falecido. → Sucessão voluntária – em função da vontade do de cuius: Sucessão Testamentária – espaço da autonomia da vontade do de cuius no domínio su- cessório. ▪ Testamento é um ato unilateral (art. 2179º/1), pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte e a título gratuito, do seu património. Sucessão contratual 2. Espécies de sucessores: a distinção entre herdeiro e legatário Distinção mediante o Art.º 2030º/2 CC: Legatário: é o que sucede em bens ou valores determinados. V.g.: deixa uma casa a A. Herdeiro: é o que sucede na totalidade ou numa quota do património do de cuius. V.g.: deixo tudo a C; deixo 1/3 do meu património a B. não aqui bens específicos, mas abstratos. A lei, no entanto, não é clara relativamente aos casos em que o testador procede à repar- tição do património hereditário não de uma forma aritmética, mas antes tomando em consi- deração a natureza dos bens, caso em que estes ficam determinados, falando-se então em herança ex re certa. Um exemplo será a situação de o testador deixar a um dos herdeiros os seus bens móveis e a outro os seus imóveis. A maioria da doutrina pronuncia-se pela admissi- bilidade daquela figura, apesar de G. Telles, no seu anteprojeto ter afastado expressamente essa figura. ML, assim como JDP, Daniel Morais, etc., admite a herança ex re certa, uma vez que a re- partição do património hereditário com base na natureza dos bens adequa-se muito melhor à instituição de herdeiro do que à nomeação de legatário. A situação já é diferente, porém, se, em lugar de efetuar essa repartição, o testador atribu- ísse todos os seus bens imóveis ou todos os seus bens móveis a alguém, sem referir o destino dos bens sobrantes. Aqui já não há repartição do património por quotas, mas antes uma atri- buição limitada de certos bens, o que implica estar-se perante um legado e não perante uma herança4. Apesar de a lei fazer referência a que só é legatário aquele que sucede em bens ou valores determinados, parece claro que a determinação é apenas exigida para a individualização do bem, não sendo necessário a sua especificação concreta. Assim, constituem legados a atribuição de universalidades de facto (Art.º 206º), como um rebanho de ovelhas ou a biblioteca do testador (ou “deixo a A um dos meus livros”), não sendo necessário especificar concretamente as ovelhas do rebanho ou os livros que integram a bibli- 4 Uma simples deixa de todos os imóveis, sem qualquer repartição do património, constitui uma atribuição de bens determinados, semelhante à deixa dos imóveis que o autor da sucessão tem numa rua,p.e. 13 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 oteca. A lei prevê, aliás, expressamente o legado de coisa genérica no Art.º 2253º, assim como o legado alternativo no Art.º 2267º, onde não se verifica a especificação concreta dos bens legados, tendo a mesma que ser concretizada por via de escolha, após a aceitação. Da mesma forma, constituem legados a atribuição de universalidades de direito, como a herança ou o estabelecimento comercial. No caso de o testador atribuir a alguém por morte a totalidade ou uma quota não partilhada de uma herança que recebeu ou dispor igualmente por morte de um estabelecimento comercial de que é titular, existe uma individualização dos bens que atribui e não apenas de uma quota do seu património, pelo que estamos, neste caso, perante legados e não perante herança. Pelo mesmo motivo, deve considerar-se como legado a deixa da meação de bens comum, que a lei permite ao cônjuge dispor por morte (1685º/1), atento o caráter circunscrito e exclusivo desses bens. A lei estabelece que “o usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do património, é havido como legatário” (Art.º 2030º/4). Esta disposição tem sido justificada pelo facto de o usufruto5 constituir um direito determinado mesmo quando incide sobre toda a herança, pelo que não se justificaria a atribuição a usufrutuário do estatuto de herdeiro. Críticas: independentemente de a herança ser recebida em propriedade plena ou usufruto, con- tinua a ocorrer uma sucessão numa universalidade, pelo que a qualificação correta do usufru- tuário de uma herança é a de herdeiro, instituindo o Art.º 2030º/4 apenas uma ficção jurídica. Só que dessa ficção nem sequer se retiram consequências de regime, dado que o Art.º 2072º estabelece a responsabilidade do usufrutuário de uma quota ou da totalidade da herança pe- los encargos da mesma, em termos semelhantes aos herdeiros (Art.º 2071º). Por esse motivo, deve entender-se que o usufrutuário tem, da mesma forma que os herdeiros, o direito de acei- tar a deixa a benefício de inventário (2052º) ou exigir partilha (Art.º 2101º/1), podendo a exi- gência de inventário ser feita pelo Ministério Público, em caso de menoridade, incapacidade de facto permanente ou ausência em parte incerta (Art.º 2102º/2 b) e Art.º 1085º/1 b) CPC Podem concorrer à sucessão tanta herdeiros como legatários, ou apenas herdeiros, se não se verificar atribuição de bens determinados a ninguém, ou apenas legatários no caso de a herança ser toda distribuída em legados. Neste caso, referido no Art.º 2277º, não existe qual- quer herdeiro, pelo que se considera dissolvida a herança enquanto universalidade global, passando a existir apenas uma pluralidade de legados que receberam, considera G. Telles que se constituem “novas universalidades menores, tantas quantos os legatários, correspondendo a ‘patrimónios autónomos’, já que os bens atribuídos a cada um consideram-se afetos prefe- rencial e limitadamente a uma correspondente quota nas responsabilidades totais”. Afirma, por isso, o autor, que neste caso “o esquema da herança como que se repete, em miniatura, relativamente a cada herdeiro depois da partilha se os encargos da herança não tiverem sido integralmente satisfeitos”. Apesar disso, o autor mantém que “não há ali herança porque esta é única, expressando post mortem do universsum ius, também único. Há sim uma pluralidade de legados. 5 Num usufruto, estamos perante um direito real de gozo, ainda que temporário, que confere ao respetivo titu- lar os poderes de uso, fruição e administração e em relação aos quais a lei impõe como único limite que o titular conserve a sua forma, a sua substância e o seu destino económico. Na relação proprietário/usufrutuário, é ao usufrutuário que cabe discutir o uso e fruição da coisa, podendo in- clusivamente ceder a sua utilização a outrem (gratuita ou onerosamente) nos mesmos termos em que ele a podia usar, sem que caiba ao titular da nua propriedade sequer o direito de reivindicar a coisa do detentor. 14 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 A lei esclarece desnecessariamente o que está referido no Art.º 2030º/5. Efetivamente, se o testador declarar instituir alguém como seu herdeiro, mas do testamento resultar que ape- nas lhe deixa um prédio, a qualificação do sucessor será a de legatário e não a de herdeiro. 3. Diferenças de estatuto entre herdeiro e legatário É tradicional dizer-se que o estatuto de herdeiro é muito diferente do do legatário (P. Li- ma/A. Varela; Capelo de Sousa, JDP). ML não parece concordar com esta afirmação, justificando que os herdeiros e legatários correspondem a categorias de sucessores, participando ambos do fenómeno jurídico sucessó- rio e, por isso, ambos estão sujeitos ao mesmo regime de aceitação e repúdio (Art.º 2050º e 2049º) Há, no entanto, certos efeitos que apenas ocorrem em relação ao herdeiro e que justifi- quem que o seu estatuto seja diferenciado em relação ao legatário. Esses efeitos passam pela faculdade que os herdeiros têm de exigir partilha e requerer inventário, pelo regime das provi- dências relativas à memória do falecido, pela responsabilidade pelos encargos da herança. Pelo regime das vocações indiretas, e pela aposição de termo ou pelo direito de preferência. O direito de exigir partilha e requerer inventário Nos termos do Art.º 2101º, apenas o co-herdeiro tem direito de exigir partilha da herança. O legatário não tem o direito de exigir partilha da herança pois sabe exatamente quais são os bens que lhe estão atribuídos, independentemente da forma como a herança venha a ser par- tilhada. Ainda que tenha sucedido num bem em conjunto com outro legatário, não tem o direi- to de exigir partilha, podendo apenas recorrer à ação de divisão da coisa comum (Art.º 1412º). Porém, esta distinção não é absoluta, já que há casos de legatários que podem exigir parti- lha, como o usufrutuário de uma quota de herança, e há herdeiros que não têm essa faculda- de, como o herdeiro universal, o herdeiro remanescente quanto a herança é toda distribuída em legados, e o herdeiro de uma herança ex re certa. Uma vez que não podem exigir partilha, com exceção do usufrutuário da totalidade ou de quota da herança, os legatários não podem requerer inventário, nem nele intervir como partes principais, dado que não são interessados diretos na partilha (Art.º 1085º/1 CPC), apenas po- dendo intervir nas questões relativas ao cálculo e determinação da legítima e redução das liberalidades (Art.º 1085º/2 a) CPC) ou nas questões relativas à verificação e satisfação dos seus direitos (Art.º 1085º/2 b) CPC). Em virtude de não serem considerados interessados diretos na partilha, os legatários têm uma intervenção no inventário muito limitada. Efetivamente, apenas os herdeiros podem: → deduzir oposição ao inventário; → impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros; → impugnar a competência do cabeça-de-casal ou as indicações constantes das suas declarações; → apresentar reclamação à relação de bens; → impugnar os créditos e as dívidas da herança (Art.º 1104º CPC). Pelo contrário, os legatários, só no caso de haver herdeiros legitimários, são admitidos a deduzir impugnação relativamente às questões que possam afetar os seus direitos (Art.º 1104º/3 CPC). Em consequência, a partilha só pode ser anulada por falta de intervenção de algum dos co- herdeiros (Art.º 1127º CPC) e apenas o herdeiro preterido pode requerer no processo de in- ventário que seja convocada a conferência de interessados para se determinar o montante do seu quinhão (Art.º 1128º CPC). 15 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 A responsabilidades pelos encargos da herança (Art.º 2068º) Esta é apenas, em princípio, atribuída aos herdeiros (Art.º 2071º, 2097º, 2098º), não abrangendo então os legatários. Pelo contrário, o cumprimento dos legados é considerado um encargo da herança (Art.º 2068º), cujo cumprimento incumbe aos herdeiros (2265º). Casos em que os legatários podem ser obrigados a suportar os encargos da herança: no caso de a herança ser insuficiente para cumprimento dos legados, em que estes são pagos rateadamente com exceção dos legados remuneratórios, que são considerados como dívida da herança (Art.º 2277º). Da mesma forma, no caso do legado de usufruto, o usufrutuário pode adiantar as importâncias necessárias para os encargos relativos aos bens que usufrui (Art.º 2072º). Nestes casos, não há, no entanto, uma responsabilidade direta dos legatários perante terceiros, mas apenas um rateio de direitos ou uma obrigação de adiantar importâncias aos herdeiros, que serão satisfeitas a final. Há, porém, dois casos em que a responsabilidade pelos encargos é atribuída ao legatário: → se houver indicação do testador nesse sentido (Art.º 2276º); ou, mesmo sem essa indi- cação, pelo Art.º 2073º nº 1 e 2. Daqui resultará a controversa opção de a lei qualificar o usu- frutuário da totalidade ou de uma quota da herança como legatário. → No caso de a herança ser toda distribuída em legados, o Art.º 2077º estabelece que os encargos dela são suportados por todos os legatários. Caso os bens da herança não cheguem para pagamento dos encargos: → Art.º 2078º. Sucessão na posse A lei não estabelece qualquer distinção entre herdeiro e legatário, em termos de sucessão na posse, limitando-se o Art.º 1255º a referir que, por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores, desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa. O. Ascensão interpreta esse Art.º restritivamente: “sucessores” nessa disposição apenas abrangem os herdeiros. Em relação aos legatários, o autor considera que nem após a aceitação do legado, os mesmos adquirem a posse, apenas ocorrente essa aquisição quando os herdei- ros cumprem o legado, nos termos do Art.º 2270º. Também MC entende que não é possível, al legatário, “suceder” numa posse, quando ele terá que dar um específico acordo, à assunção dos ónus possessórios. ≠ ML não concorda: “resulta do Art.º 2030º/1, que os sucessores tanto podem ser herdeiros como legatários, estando ambos sujeitos ao mesmo de aceitação e repúdio (Art.º 2050º e ss. E 2249º), pelo que ambos estarão sujeitos ao mesmo regime de sucessão na posse, nos termos do Art.º 1255º. Outros aspetos de distinção – p. 83 CONCLUSÃO DE ML SOBRE A EXISTÊNCIA DE UMA DIFERENÇA DE NATUREZA ENTRE A POSIÇÃO DO HERDEIRO E DO LEGATÁRIO; A SUA POSIÇÃO. O. Ascensão procura distinguir entre herdeiros e legatários, considerando o primeiro como um sucessor pessoal do de cuius e o segundo um mero beneficiário de uma atribuição patri- monial. Ver p. 84. ≠ PCR e JDP criticam-no fortemente: tanto o herdeiro como o legatário são adquirentes pa- trimoniais mortis causa, sendo que o Art.º 2030º, para além de os qualificar a ambos como sucessores, estabelece essa distinção com base na configuração da respetiva atribuição patri- monial e não na qualidade pessoa do sucessível. = ML concorda com esta posição (é apenas uma distinção de regime e não de natureza). 16 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 Em síntese: O artigo 2030º estabelece a distinção entre herdeiro e legatário: Herdeiro que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido; Legatário: que sucede em bens ou valores determinados. Usufrutuário: é havido como legatário – no entanto, o seu estatuto, quando se trate de usu- frutuário da totalidade ou de quota da herança é próximo do estatuto típico do herdeiro. Note-se, que é aceitável um legado (deixa de um legatário) sem especificação, conforme resulta do artigo 2253º: poderá ter como objeto bens meramente determináveis, através do critério género (o que importa é que sejam determináveis no momento da sucessão). Na se- quência do que foi já enunciado, a classificação resulta da lei e não é atribuível ou determiná- vel pelo autor. A doutrina clássica tendia a entender que só o herdeiro era um verdadeiro sucessor (um sucessor pessoal do de cujus), enquanto o legatário é um mero beneficiário de uma atribuição patrimonial; no entanto, a lei parece estabelecer uma equiparação entre as duas figuras – o regime de aceitação e repúdio é igual. Ainda assim, existem diferenças de regime: 1. Direito de exigir partilha e de requerer inventário (2101º): ao herdeiro é reconhecido este direito; ao legatário não é. Exceções: ▪ Há herdeiros que não dispõem deste direito: herdeiro universal, o herdeiro rema- nescente, quando o resto do património tiver sido distribuído por legados, nem o designado a suceder por herança ex re certa. ▪ Há legatários que podem exercer o direito: é o caso do usufrutuário. 2. Responsabilidade externa pelos encargos da herança: incumbe ao herdeiro (artigos 2068ºm 2071º, 2098º/1), incluindo o cumprimento dos legados (2065º/1). Exceção: → Responsabilidade dos legatários quando a herança é totalmente repartida por legados (artigo 2277º), exatamente pela falta de herdeiros; → quando a herança é insufi- ciente para o cumprimento dos legados; → O legado do usufrutuário (artigo 2071º); → Quan- do o testador assim o exija (artigos 2072º e 2073º). 3. Direito de acrescer: assiste unicamente aos herdeiros (artigo 2137º, 2301º a 2307º, 2058º) 4. Sujeição a termo: é possível sujeitar a termo a nomeação do legatário, mas não a no- meação do herdeiro (2243º). 5. Direito de preferência na venda ou dação em cumprimento do quinhão hereditário e providências preventivas ou atenuantes da ofensa à memória do familiar falecido: apenas os herdeiros dispõem destes direitos. (2130º e 71º e ss.). 6. Sucessão na posse – artigo 1255º: de acordo com a interpretação da maioria da dou- trina, só abrange herdeiros. ▪ Regência: abrange herdeiros e legatários, pelo que não se afigura como uma dife- rença de regime. 7. Estatuto de cabeça de casal: não poderá ser atribuído aos legatários, exceto se a he- rança por toda atribuída em legados. 8. Transmissão do direito de suceder: apenas atribuível a herdeiros. 9. Sanções por sonegação da herança: apenas aplicável a herdeiros (2096º). 10. Redução por inoficiosidade: as liberalidades testamentarias que foram feitas aos her- deiros são reduzidas antes das baixas testamentárias a título de legado (2171º). Quanto à posição da regência a propósito da distinção entre herdeiros e legatários: a distinção entre herdeiro e legatário existe apenas no regime, ambos são verdadeiros sucesso- res do de cujus. 17 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 18 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 CAPÍTULO 8 – A DESIGNAÇÃO SUCESSÓRIA 1. Conceito de designação sucessória A designação consiste na operação feita em vida do de cujus mediante a qual se indicam as pessoas que podem vir a suceder-lhe, a indicação de alguém como possível sucessor de outrem, por morte dele – ocorre antes da abertura da sucessão. As pessoas designadas são os sucessíveis. Os sucessíveis designados são assim denomina- dos quando ainda não se verificou a abertura da sucessão; e são sucessíveis chamados quando em relação aos mesmos já se verificou o chamamento, em consequência da morte do de cuius. Sucessor é a pessoa que foi chamada à sucessão e aceitou a herança ou o legado. 2. Factos designativos OS factos designativos (Art.º 2026º) são as circunstâncias que atribuem a alguém a quali- dade de sucessível. ML critica a formulação do Art.º já que o testamento e o contrato não são títulos de vocação, por ser negócios jurídicos que atribuem a qualidade de sucessível antes da morte do de cuius, enquanto a vocação apenas ocorre no momento da abertura da sucessão. Para além disso, a lei não é um facto designativo, tendo de ocorrer sempre um fato que de- termina a sua aplicação, como o parentesco ou o casamento, ou até um NJ. Efetivamente, mesmo nos casos de testamento ou pacto sucessório, a sua eficácia designativa resulta igual- mente da própria lei. Os factos designativos podem ser: negociais: o testamento e o pacto sucessório, que dão origem à sucessão testamentária e à sucessão contratual. não negociais: são as relações jurídicas familiares (casamento, parentesco e adoção), as relações parafamiliares de união de facto e convivência em economia comum e o vínculo da cidadania portuguesa, na base da sucessão legitimária e da sucessão legítima. Os factos designativos, que resultam da designação sucessória, não atribuem uma quali- dade sucessora definitiva: essa qualidade só surge no momento da abertura da sucessão, po- dendo alterar-se até lá. 3. Hierarquia dos factos designativos A hierarquia das designações sucessórias resulta da forma como a lei estabelece a relevân- cia dos factos designativos, permitindo assim determinar qual deles prevalecerá no momento da morte do autor da sucessão. 1º → Sucessão legitimária: em relação à qual o Art.º 2027º estabelece que não pode ser afastada pela vontade do autor da sucessão, prevalecendo consequentemente sobre as suces- sões contratual e testamentária. A lei reserva injuntivamente uma parte da herança, denomi- nada de legítima (ou quota indisponível), aos herdeiros legitimários, a qual o autor da suces- são não pode dispor (Art.º 2156º), seja por testamento, seja por doações mortis causa, seja mesmo por doações em vida. Caso o autor da sucessão tenha efetuado uma disposição que afete a legítima, os herdeiros podem proceder à sua redução através do instituto da redução por inoficiosidade (Art.º 2168º e ss). A sucessão legítima não pode, assim, ser afastada por nenhum outro facto designativo. 2º → Sucessão contratual: O autor da sucessão não pode afetar a posição do donatário após a sua aceitação (Art.º 1701º/1 e 1705º/1), como seria o caso se fizesse testamento a fa- vor de um terceiro. Prevalece sobre a testamentária, porque os pactos sucessórios são irrevo- gáveis e, nos termos do artigo 1700, apenas permitidos na convenção antenupcial. 19 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 3º → Sucessão testamentária: (2179º e ss). Prevalece sobre a sucessão legítima dado que, nos termos do Art.º 2131º, a mesma só tem lugar se o autor da sucessão não tiver dis- posto dos seus bens por morte. A forma mais comum de o fazer é por testamento (Art.º 2179º), através do qual o autor da sucessão pode proceder à instituição de herdeiro ou à no- meação de legatário por morte. Deve referir-se, no entanto, que a designação testamentária é frágil, uma vez que o testamento é eminentemente revogável (Art.º 2179º/1 e 2311º e ss). Assim, a todo o tempo a designação testamentária pode ser revogada. 4º → Sucessão legítima: (Art.º 2131º) só atua quando não haja manifestação da vontade do autor, sendo que este tipo de sucessão é afetada por qualquer disposição efetuada pelo autor da sucessão, seja ela contratual ou testamentária, exigindo-se, no entanto, que a mesma seja válida e eficazmente celebrada. As normas que a consagram são supletivas e só se aplicam quando o autor da sucessão não exerceu a sua liberdade dispositiva mortis causa, por testa- mento ou pacto sucessório, quando este seja permitido. Assim, a sucessão legítima abre-se quando não existam herdeiros legitimários ou, mesmo que estes existam, quando já tenham sido compostas as duas legítimas e o autor da sucessão não tenha disposto por morte da tota- lidade ou de parte dos bens de que podia dispor. 4. A sucessão jurídica dos sucessíveis designados em vida do autor da sucessão Questão controvertida: Qual a posição jurídica dos herdeiros legitimários em relação à he- rança durante a vida do de cuius, atendendo às limitações das possibilidades que este tem de pôr em causa a sua legítima, quer através de disposições mortis causa, quer através de doa- ções em vida? A lei reconhece aos herdeiros legitimários a possibilidade de reagir em vido do autor da sucessão contra os atos deste que possam prejudicar o seu património. Efetivamente, em caso de ausência, os herdeiros podem requerer a instituição da curadoria provisória (Art.º 91º) ou definitiva (Art.º 99º e 100º), sendo que, neste último caso, têm mesmo direito a receber os bens do ausente (Art.º 103º). Em caso de incapacidade os herdeiros podem mesmo requerer o acompanhamento do seu familiar, com a sua autorização (Art.º 141º/2). No caso dos herdeiros legitimários, estes têm mesmo legitimidade para arguir a nulidade por simulação dos negócios gratuitos e onerosos celebrados em vida do autor da sucessão com o intuito de os prejudicar (Art.º 242º/2). E, precisamente para evitar a simulação, em relação aos descendentes, a lei exige o consentimento, ainda que suscetível de suprimento legal, para a venda a outros des- cendentes (Art.º 877º). Da mesma forma, exige-se o consentimento dos presumidos herdeiros legitimários para a partilha em vida (Art.º 2029º/1), podendo os que sobrevierem ou se torna- rem conhecidos posteriormente exigir a composição em dinheiro da parte correspondente (Art.º 2029º/2). Em virtude destas faculdades, Paulo Cunha sustentou a existência, ainda em vida do autor da sucessão, de um verdadeiro direito subjetivo dos seus herdeiros legitimários à sucessão, o que permitiria falar num “direito ao direito de suceder”. Para o autor, embora em vida do au- tor da sucessão, os herdeiros legitimários não tenham qualquer direito sobre os bens deste, o facto de poderem reagir contra os atos do autor da sucessão destinados a prejudicá-los implica ter que se reconhecer-lhes, durante a vida do de cuius, um verdadeiro direito que teria por objeto a proteção da sua futura sucessão, sendo assim um direito ao direito de suceder. ML e a restante da doutrina contesta esse entendimento. Efetivamente, apenas com a abertura da sucessão, no momento da sua morte, se consolida a designação sucessória com o chamamento dos sucessíveis, podendo até lá ocorrer inúmeras alterações, que afetam a de- 20 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 signação sucessória, designadamente a morte dos sucessíveis designados ou o surgimento de novos herdeiros legitimários. Precisamente por esse motivo, a lei determina que é apenas com a abertura da sucessão que se adquire o domínio e a posse dos bens da herança (Art.º 2050º), pertencendo os mesmos até lá ao autor da sucessão. Por outro lado, se o autor da sucessão mão pode afetar a legítima através de doações em vida, não está impedido de celebrar negó- cios de alienação onerosos e gastar o dinheiro assim adquirido em consumos pessoais. Da mesma forma, pode contrair dívidas, caso em que os bens do seu património serão destinados primordialmente ao pagamento das mesmas. Nesses casos são muito limitadas as possibilida- des de os herdeiros reagirem contra esses atos do autor da sucessão, uma vez que apenas poderão requerer medidas de acompanhamento, verificados os respetivos pressupostos (Art.º 138º e ss). Por isso, a maioria da doutrina entende que, em relação aos herdeiros legitimários, o que existe é apenas uma expetativa juridicamente tutelada de virem a suceder, o que lhes permite exercer as faculdades acima referidas. Questão controvertida: A situação dos sucessíveis contratualmente designados, como no caso das doações mortis causa, que constituem pactos sucessórios e por isso não podem ser unilateralmente modificados ou revogados pelo autor da sucessão, uma vez que o princípio da estabilidade das convenções, previsto no Art.º 406º/1 só admite a sua alteração ou extinção nos casos expressamente previstos na lei. Os pactos sucessórios feitos na convenção antenupcial não podem ser unilateralmente re- vogados depois da aceitação, nem pode o doador prejudicar o donatário por atos gratuitos de disposição (Art.º 1701º/1 e 1705º/1) a menos que, nas doações dos esposados a favor de ter- ceiro, tenha sido expressamente reservada essa faculdade (Art.º 1705º/2). E mesmo a aliena- ção onerosa dos bens exige autorização do donatário ou o respetivo suprimento judicial, só sendo admissível nos casos de grave necessidade, própria ou dos membros da família a cargo do doador (Art.º 1701º/2). Nas doações para casamento é por outro lado excluída a revogação por ingratidão do donatário (Art.º 975º a)). Apesar disso, a designação contratual não é imutável, podendo ser em vários casos afeta- da. É assim que a lei prevê que as doações mortis causa podem caducar se o donatário vier a falecer antes do doador (Art.º 1703º e 1705º/4). Da mesma forma, a designação na convenção antenupcial como herdeiro ou legatário de um terceiro que intervenha no ato como aceitante fica sem efeito se a convenção caducar (Art.º 1705º/1), o que ocorre nos casos previsto no Art.º 1716º. Também se forem estabelecidas na convenção antenupcial disposições por morte a favor de terceiros com caráter correspetivo, a invalidade ou revogação de uma das disposi- ções produz a ineficácia da outra. Daí que também na sucessão contratual se deva considerar que os sucessíveis não possu- em em vida do autor da sucessão nenhum direito subjetivo à sua sucessão, mas apenas uma expetativa juridicamente tutelada. Apesar do disposto no Art.º 2179º e 2311º, existe ainda alguma proteção conferida em vi- da do autor da sucessão aos sucessíveis testamentários, que consiste na possibilidade de re- quererem em vida a curadoria provisória ou definitiva dos bens do ausente e de serem nome- ados curadores provisórios ou definitivos (Art.º 91º, 92º, 100º a 104º). Esses sucessíveis são interessados para decretar a nulidade ou anulabilidade do testamento, iniciando-se o prazo a partir do momento em que têm conhecimento do testamento e da causa de nulidade e, por- tanto, ainda em vida do autor da sucessão (Art.º 2308º). 21 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 Essa proteção não parece, porém, suficiente para se considerar que existe alguma posição jurídica atribuída ao sucessível testamentário antes da abertura da sucessão. Na sucessão tes- tamentária a designação sucessória não confere qualquer direito subjetivo à sucessão, nem sequer uma expetativa jurídica. A mais frágil de todas é a sucessão legítima – 2131º/1. 22 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 CAPÍTULO 9 – A ABERTURA DA SUCESSÃO A abertura da sucessão é o momento inicial do fenómeno jurídico sucessório, em que se verifica a extinção do autor da sucessão – inicia-se, assim, o processo que permite atribuir as situações jurídicas às pessoas determinadas como sucessíveis, terminando o processo com a aceitação por parte destas e partilha, ainda que estas venham a retroagir à abertura da suces- são (Art.º 2050º/2 e 2119º). Nos termos do artigo 2031º, abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do seu último domicílio. 1. O momento da abertura da sucessão Nos termos do Art.º 2031º a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor, coinci- dindo assim com o seu falecimento. A determinação do momento da abertura da sucessão é decisiva, uma vez que da sua fixa- ção precisa depende a determinação dos sucessíveis que podem ser chamados à herança. As- sim, p.e, se morrer num acidente um casal sem filhos, mas em que ambos os cônjuges tenha sobrinhos, se o marido falecer em primeiro lugar, a mulher herdará dele, pelo que apenas os sobrinhos desta receberão as duas heranças. Pelo contrário, se a mulher tiver falecido antes do marido, serão os sobrinhos do marido que adquirirão as duas heranças, nada recebendo os sobrinhos da mulher. Uma vez que a sucessão depende da determinação do momento da mor- te de ambos, o mesmo deverá ser apurado judicialmente, podendo ser utilizados para o efeito todos os meios de prova legalmente admissíveis. No entanto, em certos casos a determinação de quem sucedeu primeiro pode ser de prova difícil. Por isso, estabelece-se no Art.º 68º/2, a denominada presunção de comoriência ou de morte simultânea. Por esta forma se evita qualquer transmissão sucessória prévia entre os comorientes, apurando-se os sucessíveis como se nenhum dos falecidos tivesse sobrevivido ao outro. Assim, é no momento da abertura da sucessão que se concretiza a designação sucessória e que tem lugar consequentemente a vocação sucessória. É assim que o Art.º 2032º/1, determi- na que, aberta a sucessão serão chamados à titularidade das situações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham necessária capacidade. A mesma situação ocorrer no caso de a vocação sucessória ser subsequente, já que o Art.º 2032º/2, determina que a devolução a favor dos sucessíveis subsequentes retroage ao momento da abertura da sucessão. A verificação da condição aposta a uma disposição testamentária retroage ao momento da abertura da sucessão (Art.º 2242º/1). Da mesma forma, a aceitação e repúdio da herança e legado retroagem ao momento da abertura da sucessão (Art.º 2050º/2, 2062º e 2249º). Tam- bém a partilha retroage ao momento de abertura da sucessão (Art.º 2119º). O momento da abertura da sucessão é ainda relevante para a determinação do valor dos bens sujeitos a colação (Art.º 2109º/1), bem como para o cálculo da legítima (Art.º 2162º/1) e eventual redução por inoficiosidade (Art.º 2168º). 2. O lugar da abertura da sucessão O lugar da abertura da sucessão corresponde ao sítio onde a lei considera que a mesma se verificou, e que funciona assim como elemento de conexão para a aplicação das regras de competência territorial. Relativamente a ele, dispõe o Art.º 2031º que este corresponde ao último domicílio do au- tor da sucessão, não coincidindo assim com o lugar da morte do autor. Trata-se, neste caso, 23 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 do domicílio voluntário geral, previsto no Art.º 82º. Não relevando para este caso nem o domi- cílio profissional (83º) ou o eletivo (84º). O último domicílio do autor da sucessão corresponde ao da sua residência habitual, sendo que se tiver residência alternada em diversos lugares, considerar-se-á domiciliado em qualquer deles. Não tendo o de cuius residência habitual, considerar-se-á domiciliado no lugar de uma residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar em vida. CAPÍTULO 10 – VOCAÇÃO SUCESSÓRIA 1. Vocação e devolução A vocação consiste na atribuição do direito de suceder ao de cuius. O direito de suceder, que é um direito subjetivo potestativo que se esgota no seu exercício, é o direito de aceitar ou repudiar a herança. Alienar o direito de suceder não é possível; na verdade, o que faz é alienar (ou transmitir) a herança. Diferença entre vocação e devolução; querela. Pires de Lima e Gomes da Silva: Tese da autonomia dos dois conceitos – GS distinguia a devolução da vocação, considerando a devolução como a escolha de entre os sucessíveis de- signados, o que ou os que devem efetivamente suceder, considerando que só após “escolhidos um ou mais sucessíveis, pela devolução, estes têm que ser citados pela lei, que lhes atribui o direito de suceder, traduzível num poder potestativo, na faculdade jurídica de adquirir a he- rança. É exatamente este fenómeno de atribuir a alguém o direito de aceitar a herança que se chama vocação. Galvão Telles e PCR: Tese da identidade entre os dois conceitos – são sinónimos. PCR considera que ambas consistem numa fase intermédia do fenómeno jurídico-sucessório, em que, estando aberta a sucessão, não se verificou ainda o exercício positivo do jus delationis por parte dos sucessíveis chamados. JDP: Tese de que os dois conceitos exprimem diferentes perspetivas da mesma realidade: a vocação corresponde a uma perspetiva subjetiva do fenómeno, correspondente a atribuição dos sucessíveis designados do direito de suceder, enquanto quer a devolução corresponderia a uma perspetiva objetiva, correspondente à atribuição aos sucessores dos bens que integram a sucessão. Haveria, assim, apenas uma diferença de perspetiva, já que enquanto a vocação apenas se refere ao chamamento de pessoas, a devolução toma por base a aquisição de situa- ções jurídicas. OA: Tese da diferenciação em função dos sucessores: para o autor a vocação é a atribui- ção do direito de suceder e significa o mesmo que chamamento. Devolução é a fase que se verifica em princípio em benefício de quem tem título de herdeiro, quando se dá a colocação dos bens à disposição do chamado. Tal explica-se por o autor considerar que a transmissão da posse para os sucessores prevista no Art.º 1255º apenas se aplicaria aos herdeiros, o que ex- plicaria a inexistência de devolução a favor dos legatários, que adquiririam a posse a partir dos herdeiros. 24 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 ML: considera não existir diferenciação relativamente à aquisição da posse por herdeiros e por legatários, a ambos se aplicando o Art.º 1255º, não podendo aceitar a tesa da diferencia- ção de acordo com os sucessores. Já relativamente à tese que defende a autonomia dos con- ceitos, o Art.º 2024º parece autonomizar a vocação da devolução uma vez que apresenta a devolução dos bens como uma consequência da vocação da devolução, uma vez que apresen- ta a devolução dos bens como uma consequência da vocação. Mas noutras disposições legais, como nos Art.º 2032º/2, 2037º/1, 2055º, 2125º/2, 2293 e 2294º, a devolução aparece identifi- cada com a vocação. Não vemos, por isso, que haja justificação para estabelecer a uma sepa- ração entre os dois conceitos, mas também não nos parece que sustenta serem apenas dois prismas apresentados para descrever a mesma realidade. Efetivamente, quer a situação seja apresentada de forma subjetiva como o chamamento dos sucessíveis, quer de forma objetiva como a devolução dos bem que pertenciam ao autor da sucessão, o efeito é o mesmo, dado que é sempre necessária a aceitação da herança ou legado para permitir a sua aquisição (Art.º 2050º). Conclusão: A vocação é suscetível de ser encarada através de duas vertentes: a vertente pessoal, através da determinação das pessoas que têm o direito de suceder (chamamento) e a vertente patrimonial, através da atribuição das correspondentes situações jurídicas patri- moniais (devolução), a ambas se referindo o Art.º 2024º. A vocação ocorre normalmente no momento da abertura da sucessão, mas pode surgir posteriormente. Efetivamente, se for chamado à sucessão um nascituro, uma vez que a voca- ção fica dependente do seu nascimento (Art.º 66º/2), só nesse momento se concretiza a voca- ção. 2. Pressupostos da vocação PCR e JDP consideram os seguintes pressupostos: 1. Existência do chamado: desdobra-se em sobrevivência (ter atenção à comoriência e à morte presumida, antes do autor da sucessão) ao de cuius e ter personalidade jurídica (há exceções – 2033º e 2040º, nascituros) 2. Titularidade da designação prevalecente: aqueles que gozam de prioridade na hierar- quia dos sucessíveis – sucessíveis prioritários. 3. Capacidade: idoneidade para se ser chamado a suceder como herdeiro ou legatário de toda e qualquer pessoa e para se ser chamado a se suceder como herdeiro ou legatário de certa pessoa. ▪ Possíveis impedimentos de legitimidade: indignidade (2034º) e deserdação (2166º). ML dispensa aquilo que considera uma dualidade constituída em relação ao conceito de personalidade jurídica, quanto ao acrescento da existência do chamado. Assim: i. Personalidade jurídica (suscetibilidade de ser titular de situações jurídicas); ii. Capacidade sucessória; iii. Titularidade de designação prevalecente. i. Personalidade jurídica O primeiro pressuposto da vocação é a personalidade jurídica do chamado. Enquanto que a designação sucessória, uma vez que não traduz a atribuição de direitos, não pressupõe a personalidade jurídica do designado, já a vocação não se pode concretizar sem que o chamado 25 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 possua personalidade jurídica. Para ser chamado é necessário que o sucessível tenha adquirido personalidade jurídica e que não tenha perdido essa personalidade. Duas vertentes, assim, para este requisito: – a personalidade ter-se-á desse constituir, normalmente antes da abertura da sucessão; – que a mesma não se tenha perdido entretanto, em caso de não sobrevivência do suces- sível não designado em relação ao de cuius. Aquisição da personalidade jurídica A regra do Art.º 2033º/1 é a de que a personalidade jurídica deve ter sido já adquirida no momento da abertura da sucessão. Essa regra é, no entanto, alargada em relação aos nascitu- ros já concebidos, ainda que, nos termos do Art.º 66º/2, a aquisição desse direito dependa do seu nascimento. Já no caso da sucessão testamentária ou contratual, os nascituros não têm sequer que estar concebidos no momento da abertura da sucessão, podendo ser contempla- dos desde que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão (Art.º 2033º/2 a)) ainda que naturalmente também a aquisição do direito dependa do seu nascimento (66º/2). Capelo de Sousa: independentemente de o nascituro estar ou não concebido, beneficia sempre da vocação ainda que a mesma fique dependente da conditio iuris do seu nascimento. Pereira Coelho e Cristina Araújo Dias: restringem a existência de vocação em relação aos nascituros já concebidos, entendendo que os mesmos beneficiam de uma personalidade jurí- dica reduzida, que permite que sejam chamados à sucessão ainda antes do nascimento. Leite de Campos: considera que a PJ surge no momento da conceção, pelo que entende que o nascituro já concebido é chamado à sucessão e que os bens se transmitem para os seus herdeiros, mesmo que ele não chegue a nascer vivo. Carvalho Fernandes: a vocação a favor dos nascituros, ainda que retroaja ao momento da abertura da sucessão apenas se concretiza no seu nascimento, existindo até essa altura uma situação de direitos sem sujeito. ML: uma vez que a aquisição da PJ depende do nascimento completo e com vida, apenas nesse momento se concretiza a vocação, ainda que esta retroaja ao momento da abertura da sucessão. Posições em Teoria Geral do Direito Civil: ▪ Clássica: a PJ da pessoa inicia se com o nascimento completo e com vida. Os autores: todas as vicissitudes que ocorram aqui designadamente doações ou posições testamentarias ou legados não levam ao que se considere que a o nascituro tenha PJ. O 66/2 não contraria o 66/1. O nº 2 diz que todas as situações jurídicas atribuídas aos nascituros so se tornam eficazes depois do nascimento completo e com vida. Uma doação que tenha sido feita antes desse nascimento completo e com vida so se torna eficaz perante um nascimento completo e com vida sem que exista eficácia retroativa. Eficácia “ex nunc”. Todos os direitos atribuídos a eles não foram na verdade ao nascituro, mas há pessoa que nasceu. ▪ Teoria M.C: a vida intrauterina já é vida e o nascituro já é pessoa e se se considerar que ele já é titular de direitos incluindo DP (direito á vida, integridade física). O art 2003 e 952/2 atribui aos nascituros esses direitos por exemplo. Os pais representam os filhos ainda que nascituros (o nascituro já é titular de situações jurídicas). A única forma de lidar com este preceito. Quando se dá o nascimento completo e com vida temos PJ e ninguém discorda. Se houver a atribuição de atos q mim 25 e 50 o nascimento completo e com vida. Mas se tiver existido algum dos factos anteriores atras a PJ 26 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 retroage ao momento da prática daqueles atos – verdadeira condição suspensiva. A quem foi feita um legado e ele nunca nasceu (se não se verifica a condição o ato nunca produz efeitos). No caso de nascer completo e com vida tem PJ para a frente e tem tbm PJ á data ou reportada a data da prática do ato para não termos direitos sem sujeitos que encabece esses direitos. Se não nascer nunca teve nada (vamos chegar a mesma conclusão de que chegaríamos na teoria clássica; se nunca nascer nunca teve PJ). ▪ Versão do PPV: Para ele temos uma solução mais conservadora no sentido que tutela ainda mais a vida intrauterina. Desde o dia 1 da conceção que o nascituro tem PJ. Não há re- troatividades. É por isso q a lei permite que enquanto nascituro lhe seja permitido fazer doa- ções etc. reconhece se aqui que ele tem PJ. O nascimento? Quando se da ele completo e com vida temos apenas uma continuidade face aquilo que era a sua PJ já existente: o nascimento em si não representa nenhum marco para a PJ mas sim para a capacidade de gozo que deixa de ser limitada e agora referida à sua condição extrauterina. Questão diferente é de saber e se não nascer? Se não nascer entra aqui a condição resolutiva. A PJ dos nascituros é atribuída resolutivamente. Começa no dia 1 mas se chegarmos a fase do suposto nascimento que não acontece então destrói se a PJ que foi atribuída (não há para a frente e nunca houve para trás). Retroativamente vamos destruis a PJ que foi atribuída desde o início. ▪ A diferença entre as teorias: se tivermos uma doação no primeiro só produz efeitos do nascimento completo e com vida e nunca retroage. Na segunda produz se efeitos á data da formalização (em que ia produzir efeitos porque retroage). Para o PPV a doação considera se desde o início. Na primeira é muito difícil de justificar a posição. No 952/2 diz nos que a doação produz efeitos no nascituro. ▪ Dá se o nascimento completo e com vida e o bebé morre 1 dia depois: Para PPV tem PJ desde a conceção até esse termo. ▪ O bebé morre antes de nascer: para a primeira nunca produziu efeitos. Para a segunda era necessário nascer. Para a terceira foi destruído retroativamente. A procriação artificial após a abertura da sucessão P. 104 e 105 A atribuição a herança ou legado a favor de nascituro não concebido A atribuição de uma herança ou legado a favor de nascituro não concebido implica a sujei- ção a administração por parte da pessoa viva de quem este seria filho ou, no caso de esta ser incapaz do seu representante legal (Art.º 2240º/1). Já no caso de o nascituro estar concebido, a herança é administrada por quem administraria os seus bens, caso ele já tivesse nascido (Art.º 2240º/2), normalmente ambos os seus progenitores. Questão controversa: como é a forma de realizar a partilha quando entre os interessados se encontram nascituros não concebidos (concepturo)? No caso dos nascituros já concebidos, o Art.º 1092º/1 c) CPC, prevê a suspensão da ins- tância no processo de inventário até ao nascimento do interessado, mas esta disposição difi- cilmente se pode aplicar aos nascituros ainda não concebidos, não sendo, por isso, clara qual a solução a adotar para a partilha da herança no caso de os mesmos terem sido contemplados em testamento ou pacto sucessório. → Tese da comunhão temporária obrigatória (PCR): a partilha não se pode fazer senão a partir do momento em que haja a certeza de que não surgem mais filhos, pelo que os bens devem ficar em comunhão indivisa até estar excluída a possibilidade de surgirem mais interes- sados. Até esse momento a herança seria colocada sob administração, podendo os adminis- tradores ser os herdeiros já nascidos, a seu requerimento e mediante a prestação de caução. 27 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 Argumenta-se o facto de a lei equiparar as deixas a nascituros às deixas sob condição suspen- siva e que o interesse dos concepturos não fica acautelado com uma partilha apenas entre os já nascidos, uma vez que estes poderiam dissipar os bens e cair posteriormente em situação de insolvência, prejudicando assim os direitos dos futuros interessados. → Tese da partilha aproximativa (Cunha Gonçalves): a partilha deve fazer-se entre nasci- dos e nascituros, devendo calcular-se os concepturos que se espera que venham a existir, efe- tuando-se a partilha de acordo com essa expetativa, e fazendo-se posteriormente a necessária correção, quando se tiver a certeza de que não existem mais filhos, ou quando surgirem filhos acima do esperado. → Tese da partilha sob condição resolutiva (Pereira Coelho): a partilha pode fazer-se logo após a abertura da sucessão, ficando, porém, obrigatoriamente sujeita a uma condição resolu- tiva, no caso de ocorrer o nascimento completo e com vida. → Tese da atribuição de um direito a tornas (JDP): a partilha pode fazer-se imediatamen- te, havendo, em caso de nascimento posterior, lugar à aplicação analógica do Art.º 2029º/2: a quota do herdeiro superveniente é composta em dinheiro. ML: A teoria da comunhão forçada obrigatória afeta profundamente os restantes herdei- ros (opção inviável). A teoria da partilha aproximativa abre as portas ao arbítrio, uma vez que é puramente es- peculativo o cálculo dos futuros herdeiros. A teoria da partilha sob condição resolutiva implica a constituição sob condição de todos os direitos de propriedade dos herdeiros (Art.º 1037º), com todos os inconvenientes que isso acarreta, quanto à disponibilidade dos bens (Art.º 274º), a benefício de um futuro herdeiro, cujo eventual surgimento é meramente especulativo. Conclusão: para ele a última teoria resolve a questão, julgando que se encontra estipulado nos Art.º 1127º e 1128º CPC , que só admite anulação da partilha por preterição de um dos herdeiros em caso de dolo ou má-fé dos outros, devendo nas restantes situações o herdeiro preterido requerer a composição do seu quinhão em dinheiro. A personalidade jurídica das pessoas coletivas: p. 108. A sobrevivência em relação ao de cuius Uma vez que a personalidade jurídica tem que existir à data da abertura da sucessão, a mesma não pode ter cessado, antes desta data, podendo falar-se, por isso, na exigência da sobrevivência do sucessível não pode ter falecido (ou se extinguindo , no caso das pessoas coletivas) antes ou ao mesmo tempo que a abertura da sucessão. ii. Capacidade sucessória Art.º 2033º: estabelece que têm capacidade sucessória, além do Estado, todas as pessoas nascidas e concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não excetuadas por lei. Aqui a capacidade sucessória adquire-se logo com a conceção (ao contrário da atribuição da PJ), ainda que a aquisição pelo nascituro fique dependente do seu nascimento (Art.º 66º/2). Em certos cassos, a capacidade sucessória é limitada em função da fonte de designação. É o que sucede no Art.º 2033º/2, onde é atribuída capacidade sucessória aos nascituros não concebidos que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão, assim como às pessoas coletivas e às sociedades. 28 Descarregado por Mirela Gomes ([email protected]) lOMoARcPSD|31716547 A capacidade sucessória pode ser entendida em sentido amplo (capacidade para suceder a toda e qualquer pessoa) ou sentido restrito (toma-se em consideração a idoneidade para su- ceder a certa e determinada pessoa). Neste último caso a capacidade sucessória, aproxima-se do conceito de legitimidade: é o que acontece com a indignidade e deserdação, que revestem caráter relativo, só impedindo o chamamento em relação à sucessão de uma determinada pessoa, permanecendo o visado como capaz em relação a toda e qualquer outra sucessão. presunção de pruminencia Indi

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