Direito Constitucional 1.º Ano - 1.ª Frequência/Exame B - 2016 - PDF
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Universidade Lusíada – Norte (Porto)
2016
UNIVERSIDADE LUSÍADA – NORTE (PORTO)
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This is a past paper for Constitutional Law from Universidade Lusíada – Norte (Porto). The exam was held in June 2016, and included questions on key concepts of constitutional law such as power of the constitution, and constitutional law in different levels and the principle of the laicity of the state in the CRP. The paper included several case studies.
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UNIVERSIDADE LUSÍADA – NORTE (PORTO) Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2015/2016) Direito Constitucional – 1.º ano 1.ª Frequência /Exame B (2016.06.16.) Duração da prova: 2 horas (15h-17h) I. Defina sucintame...
UNIVERSIDADE LUSÍADA – NORTE (PORTO) Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2015/2016) Direito Constitucional – 1.º ano 1.ª Frequência /Exame B (2016.06.16.) Duração da prova: 2 horas (15h-17h) I. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (5 valores): 1. Poder constituinte. É o poder de fazer a constituição, que emite a constituição e que assim “constitui” (ou reconstitui) juridicamente o Estado e os poderes públicos. É um poder originário, pré-constitucional e em princípio ilimitado. O poder constituinte democrático é exercido diretamente pelo povo (referendo) ou pelos seus representantes (assembleia constituinte); o poder constituinte autocrático é exercido diretamente pelos titulares do poder político (monarcas, juntas revolucionárias, etc.). É essencial a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos, visto que aquele é um poder originário, enquanto os segundos são poderes derivados, criados pela constituição e subordinados à constituição. O próprio poder de revisão constitucional é um poder derivado, e não uma renovação do poder constituinte, sendo previsto e regulado no próprio texto constitucional. 2. “Constitucionalismo em vários níveis”. Consiste na existência de vários níveis sobrepostos de constitucionalismo. Há duas formas típicas: a) Constitucionalismo federal - Ao sobrepor a constituição federal às constituições estaduais, a Constituição dos Estados Unidos criou um fenómeno de pluralismo constitucional vertical, ou seja, de dois níveis de constitucionalidade: o nível federal e o nível estadual, cada um deles com a sua própria constituição. Por outro lado, o constitucionalismo federal coloca também o problema de supraordenação (e infraordenação) de constituições, visto que as constituições das unidades federadas devem respeitar necessariamente a constituição federal. b) Constitucionalismo supranacional - um fenómeno novo de “constitucionalismo em vários níveis” (pluri-level constitutionalism) com semelhanças com o constitucionalismo federal tem a ver com a leitura da integração europeia em termos federais e constitucionais, que coabita com a subsistência da identidade constitucional e da soberania (ainda que comprimida) dos Estados-membros, visto que aí as constituições nacionais se manterão como expressão da respetiva soberania nacional, se bem que naturalmente subordinadas à “constituição” da UE, apesar de esta não absorver inteiramente a soberania dos Estados-membros. Não falta quem entenda que, apesar de não ter uma constituição propriamente dita, a União Europeia não pode deixar de ser interpretada em termos constitucionais, sobretudo depois do Tratado de Maastricht (1992), que ampliou substancialmente as atribuições da União e criou a cidadania europeia, da aprovação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Nice 2000), que antecipa a dotação da União de um bill of rights, de recorte genuinamente constitucional, e por último do Tratado de Lisboa, que ampliou as tarefas da União e tornou regra geral o procedimento legislativo de tipo federal. Ao contrário do federalismo propriamente dito (ver o caso dos EUA), o “federalismo supranacional” não supõe a supressão da soberania dos Estados integrados. Mas tampouco pode coabitar com a sua plena soberania. 3. Reserva de lei. Designa as situações em que, segundo a Constituição, certas matérias só podem ser reguladas por via de lei e não por regulamento – reserva de ato legislativo. Tal é caso dos crimes e penas (CRP, arts. 27º, 28º e 29º), dos impostos (CRP, art. 103º) e das restrições aos direitos, liberdades e garantias (CRP, art. 18º-2). Nessas matérias não pode haver regulamentos, nem a lei pode remeter para regulamentos. Tem de ser o legislador a definir todas as normas sobre essas matérias. Em geral, a reserva de lei supõe também a reserva parlamentar de lei (reserva de competência legislativa da AR), mas não exclui a autorização legislativa ao Governo [cfr. CRP, art. 165º-1, als. b) e i)]. Quando não há reserva de lei, as leis podem ser complementadas por regulamentos. 4. Lei de bases. As leis de bases são leis que se limitam a definir as opções político-legislativas fundamentais, cujo desenvolvimento legislativo será deixado ao Governo e às assembleias legislativas regionais. Consagram os princípios vetores de um regime jurídico: o parlamento traça a moldura, dentro da qual o Governo vai exercer os seus poderes legislativos, mediante decretos-leis de desenvolvimento (e as assembleias legislativas regionais, mediante decretos legislativos regionais de desenvolvimento). Em vários casos a reserva de competência legislativa da AR limita-se às bases gerais – por exemplo, art. 164, al. i), e 165º, als. f) e g). As leis de bases gozam de poder legislativo reforçado, nos termos do art. 112º-3 da CRP, sendo ilegais os decretos-leis ou decretos legislativos regionais que as infrinjam. 5. Independência dos juízes. A independência dos tribunais constitui um dos elementos clássicos da teoria da separação de poderes e da ideia do Estado de direito, que a CRP garante em termos exigentes (arts. 202º. e segs., em particular, o art. 203.º), sendo um dos pressupostos da própria ideia de justiça e de garantia dos direitos dos cidadãos ante os poderes públicos. A independência dos juízes compreende nomeadamente um método objetivo de recrutamento, o mandato de duração predefinida (nomeadamente mandato vitalício), a inamovibilidade, a irresponsabilidade e a exclusividade de funções (CRP, arts. 215º e 216º). 6. Mutação constitucional. As “mutações constitucionais” resultam em modificações da Constituição sem revisão do texto constitucional, por efeito de evolução interpretativa ou da formação de costumes ou “convenções” constitucionais (o costume não pode derrogar normas constitucionais, mas pode mudar a sua interpretação ou criar novas normas constitucionais). O texto da Constituição mantém-se inalterado, mas o seu sentido muda. II. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores): 1. Princípio da laicidade na CRP. Os principais corolários lógico-materiais da laicidade do Estado (noção que deve ser distinguida do laicismo ideológico) surgem plasmados inequivocamente na Constituição, não somente no princípio nuclear da separação entre o Estado e as igrejas (art. 41.º-4), mas também na não confessionalidade do ensino público (art. 43.º-3) ou na proibição de beneficiar ou prejudicar alguém por causa das suas convicções ou das suas crenças ou práticas religiosas, ou falta delas (arts. 13º-2 e 41.º-2). Dimensões concretas: (i) não identificação do Estado com nenhuma religião; (ii) liberdade e igualdade religiosa; (iii) separação e neutralidade do Estado perante as Igrejas; (iv) não confessionalidade do ensino público. A laicidade constitui um dos limites matérias de revisão constitucional [CRP, art. 288º, al. c)]. A secularização do poder político e das instituições do Estado é uma das componentes mais eminentes da herança cultural do princípio republicano entre nós. Todavia, embora associado tradicionalmente ao princípio republicano, o princípio da laicidade reveste um interesse constitucional a se, e não somente como dimensão constitutiva do princípio republicano. 2. Poder legislativo das regiões autónomas: âmbito e limites. O poder legislativo é um dos traços essenciais da autonomia político-administrativa das regiões autónomas, permitindo a criação de uma ordem jurídica regional, a par da ordem jurídica nacional. O atual quadro da autonomia legislativa regional provém da revisão constitucional de 2004, que a ampliou sobremaneira, eliminando a submissão da legislação regional aos “princípios gerais das leis gerais da República” e a invocação de um “interesse específico regional”, como anteriormente. Os poderes legislativos são, portanto, os seguintes: (i) legislar sobre as matérias de competência legislativa regional especificamente enunciadas no art. 227º da CRP [als. i), l), n), p) e q)]; (ii) legislar sobre todas as matérias enunciadas nos estatutos regionais, salvo se estiverem reservadas à competência legislativa da República [al. a) do art. 227.º-1]; (iii) legislar, mediante autorização da Assembleia da República, sobre as matérias de reserva de competência legislativa relativamente reservada da AR, com algumas ressalvas [al. b) do art. 227.º-1]; (iv) desenvolver legislativamente as leis de bases da AR [al. c) do art. 227.º-1]; (v) transpor as diretivas da UE em matérias da sua competência legislativa própria (CRP, art. 112º-8). O poder legislativo regional cabe às ALRs, sem possibilidade de autorização legislativa aos governos regionais. No entanto, os governos regionais têm competência legislativa exclusiva no que respeita à sua própria organização e funcionamento (art. 231º-6), o que replica igual poder do Governo da República. As regiões autónomas possuem também o poder de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República [art. 227º-1, al. f)], o que lhes dá a possibilidade de influenciar a legislação da República em matérias de competência exclusiva da Assembleia da República, em que as regiões não têm autonomia legislativa. O poder de iniciativa legislativa cabe também às ALRs, não aos governos regionais. O poder legislativo regional está submetido à Constituição e ao estatuto político-administrativo da respetiva região, nos termos vistos acima, bem como às leis de autorização legislativa, leis de bases e leis-quadro da República, quando for caso disso. A fiscalização da respetiva conformidade (constitucionalidade ou legalidade) cabe sempre ao Tribunal Constitucional (arts. 280.º-2 e 281.º-1). A legislação regional afasta a legislação da República nos respetivos territórios. Se e enquanto as regiões autónomas não exercerem a sua competência legislativa própria, aplicam-se as leis da República (CRP, art. 228º-2). III. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às respetivas questões (10 valores): Suponha que, para fazer face à crise orçamental, o Primeiro-ministro e o Ministro das Finanças aprovam um diploma que cria um imposto sobre sucessões e doações feitas em favor de estrangeiros, que é enviado ao Presidente da República para promulgação. A – Suponha que o Presidente da República decide submeter o diploma à consideração do Tribunal Constitucional: 1. Caracterize o tipo de controlo de constitucionalidade que, neste momento, pode ser movido. Fiscalização preventiva – feita a priori, antes de o diploma entrar no ordenamento jurídico –, abstrata – fiscaliza-se a constitucionalidade da norma em si, independentemente da sua aplicação a um qualquer caso concreto –, concentrada – a competência de decisão cabe em exclusivo ao TC, excluindo quaisquer outras instâncias jurisdicionais –, a título principal – o objeto do processo é a fiscalização da constitucionalidade da norma (alguns autores entendem que pode ser a título incidental, na medida em que surge como incidente do procedimento legislativo em curso). 2. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades em causa. Tratando-se de matéria de criação de impostos [art. 165º, al. i) CRP] o Governo só poderia legislar e aprovar o diploma - em Conselho de Ministros [CRP, art. 200º- 1 als. c) e d) ] -, se tivesse a devida autorização legislativa da AR. Como nada indica que a tenha obtido, estamos perante uma dupla inconstitucionalidade orgânica, carecendo o Primeiro-ministro e o Ministro das Finanças de competência para aprovar decretos-leis e carecendo o Governo de competência para aprovar um diploma que cria um imposto sobre sucessões e doações. Além disso, ao limitar a aplicação de tal imposto às sucessões e doações feitas em favor de estrangeiros, tudo leva a crer que poderia estar a violar-se um princípio fundamental da CRP, o princípio da igualdade (arts. 13º e 15º CRP), e consequentemente o diploma estaria ferido de uma inconstitucionalidade material. 3. O que sucede se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade do diploma? Mediante uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do TC e a sua devolução ao PR, este fica obrigado a vetar o diploma (veto jurídico ou por inconstitucionalidade) e a devolvê-lo ao órgão que o aprovou (art. 279º, n.º 1 CRP), remetendo a fundamentação do veto para o acórdão do TC. Sendo o Governo o órgão promanante, não pode haver confirmação do diploma, que está reservada à AR (art. 279º-2). Havendo uma inconstitucionalidade orgânica, o Governo também não pode corrigir a inconstitucionalidade ou reformular o diploma. Resta ao Governo enviar o diploma como proposta de lei (aprovada em Conselho de Ministros) para a AR (art. 167º, n.º 1), iniciando-se um novo procedimento legislativo (ora, parlamentar), ou pedir uma autorização legislativa (CRP, art. 165º). Sanada a inconstitucionalidade orgânica, se o novo decreto a ser enviado ao PR para ser promulgado como lei ou decreto-lei autorizado não sanar a referida inconstitucionalidade material, poderá haver nova apreciação preventiva da constitucionalidade, suscitada pelo PR. B – Suponha agora que o Presidente da República promulga o decreto-lei sem o submeter a fiscalização da constitucionalidade: 4. Pode o mesmo Presidente da República suscitar depois a fiscalização da sua constitucionalidade? Pode. O pedido de fiscalização preventiva por parte do PR é facultativo e nada obsta a que, não exercendo esse poder a priori, o venha fazer a posteriori, em qualquer momento, a título de fiscalização sucessiva abstrata (por força do art. 281º, n.º 2, al. a) CRP). 5. Se e em que condições pode uma pessoa prejudicada pelo imposto suscitar a fiscalização da sua constitucionalidade? O nosso ordenamento constitucional não confere aos particulares o acesso direto à justiça constitucional para impugnara uma norma ou um ato inconstitucional, não prevendo nada de semelhante ao recurso de amparo (Espanha) ou de recurso de constitucionalidade (Alemanha). Portanto, uma pessoa prejudicada por uma norma inconstitucional não pode impugná-la diretamente num tribunal. Uma pessoa prejudicada pelo imposto só pode suscitar a fiscalização da constitucionalidade no âmbito de um controlo judicial concreto, numa causa sujeita a julgamento (art. 280º CRP). Mas para isso tem de esperar que a lei lhe seja aplicada pelo Estado mediante cobrança do imposto, podendo então impugnar judicialmente o ato de liquidação do imposto no tribunal competente e invocar a sua inconstitucionalidade como motivo da invalidade do ato. De forma indireta, poderia ainda uma pessoa em particular, prejudicada por tal imposto, fazer chegar a questão de inconstitucionalidade ao TC através de uma petição ao Provedor de Justiça ou a qualquer outra das autoridades com poder de suscitar a fiscalização sucessiva abstrata. Uma vez que os cidadãos podem apresentar queixas contra ações ou omissões dos poderes públicos em especial junto do Provedor de Justiça (art. 23º), sendo este uma das entidades com legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstrata da constitucionalidade (art. 281º, n.º 2, al. d) CRP), esta poderia ser uma forma mais célere, económica e eficaz de uma pessoa prejudicada pelo dito imposto suscitar de forma indireta a fiscalização abstrata da constitucionalidade, com efeitos gerais e retroativos, o que satisfaria os seus interesses. De forma indireta, sublinhe-se, porque a legitimidade é exclusivamente adjudicada pela CRP ao Provedor de Justiça (e outras autoridades) e não aos próprios cidadãos. NOTA: Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas). UNIVERSIDADE LUSÍADA – NORTE (PORTO) Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2016/2017) Direito Constitucional – 1.º ano de Direito. 1.ª Frequência /Exame B (2017.06.21) Duração da prova: 2 horas (15h-17h) I. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (5 valores): 1. Constituição não escrita. Constituição não escrita é o conjunto não codificado de normas sobre o poder político, umas escritas outras consuetudinárias, existentes antes da implementação do constitucionalismo moderno, pela Revolução americana (1776), pela Revolução Francesa (1789) e, em Portugal, pela Revolução Liberal de 24 de agosto de 1820. Trata-se de constituições materiais que regulam o poder (por exemplo, a sucessão dinástica, a convocação das cortes), bem como as relações entre o poder e os membros da comunidade, impondo direitos e deveres para ambas as partes. Não raro, o Reino Unido é apontado como paradigma da Constituição não escrita, por não ter aderido ao movimento codificador dos séculos XVIII-XIX, dispensando a solenização dos seus dispositivos sobre o poder político e seus limites num único documento constitucional formal, a ser aprovado em assembleia constituinte. O seu substrato constitucional radica em costumes ancestrais e diversos textos escritos de essência constitucional, desde a Magna Charta Libertatum até várias leis de conteúdo constitucional aprovadas ao longo dos séculos. 2. Judicial review. Judicial review quer dizer verificação judicial da constitucionalidade e designa o poder de controlo dos tribunais sobre a validade constitucional da legislação aplicável aos casos sujeitos ao seu julgamento, permitindo-lhes ou impondo-lhes a desaplicação das disposições legais que contradigam as normas e os princípios constitucionais (fiscalização da constitucionalidade pelos órgãos judiciais). Este instituto do controlo judicial da constitucionalidade, que viria mais tarde a ser consagrado também por outros sistemas constitucionais, teve a sua origem nos Estados Unidos da América, na célebre decisão Marbury versus Madison (1803). Foi introduzido em Portugal (e na Europa) pela Constituição republicana de 1911. 3. Poder constituinte. É o poder de fazer a constituição, que emite a constituição e que assim “constitui” (ou reconstitui) juridicamente o Estado e os poderes públicos. É um poder originário, pré-constitucional e em princípio ilimitado. O poder constituinte democrático é exercido diretamente pelo povo (referendo) ou pelos seus representantes (assembleia constituinte); o poder constituinte autocrático é exercido diretamente pelos titulares do poder político (monarcas, juntas revolucionárias, etc.). O poder constituinte é normalmente em situações de rutura da ordem constitucional (revoluções, golpes de Estado), que põem fim à ordem constitucional preexistente. É essencial a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos, visto que aquele é um poder originário, enquanto os segundos são poderes derivados, criados pela constituição e subordinados à constituição. O próprio poder de revisão constitucional é um poder derivado, e não uma renovação do poder constituinte, sendo previsto e regulado no próprio texto constitucional. 4. Lei orgânica A categoria das leis orgânicas foi introduzida na Constituição com a revisão de 1989. São leis ordinárias de regime especial (logo, não são leis constitucionais). Só existem em matérias de competência exclusiva da Assembleia da República e estão vinculadas ao princípio da tipicidade, isto é, só o são aquelas que a Constituição considera como tais (166.º, n.º 2). A Constituição delimita o seu universo por intermédio de dois critérios: matéria e procedimento. As matérias sujeitas a lei orgânica são em geral de importância político-institucional especialmente relevante (166.º, n.º 2). O procedimento legislativo parlamentar de elaboração e aprovação das leis orgânicas apresenta algumas especificidades importantes relativamente ao procedimento normal: (i) a votação na especialidade da maior parte das leis orgânicas é feita no plenário e não em comissão (168.º-4); (ii) as leis orgânicas têm de ser aprovadas por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (168.º- 5), e em alguns casos, mesmo por maioria de 2/3 (art. 168.º-6); (iii) a sua confirmação após eventual veto presidencial carece da maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (136.º-3); (iv) a fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis orgânicas pode ser pedida não só pelo Presidente da República mas também pelo Primeiro-Ministro ou um quinto dos deputados em efetividade de funções (278.º- 4). Sendo leis reforçadas (art. 112º-3), as leis orgânicas têm de ser respeitadas por outras leis, sob pena de “ilegalidade reforçada”, cujo regime de fiscalização judicial se aproxima do regime da fiscalização da constitucionalidade (CRP. arts. 280º-282) 5. Independência dos juízes. A independência dos tribunais constitui um dos elementos clássicos da teoria da separação de poderes e da ideia do Estado de direito, que a CRP garante em termos exigentes (arts. 202º. e segs., em particular, o art. 203.º), sendo um dos pressupostos da própria ideia de justiça e de garantia dos direitos dos cidadãos ante os poderes públicos. A independência dos juízes compreende nomeadamente um método objetivo de recrutamento, o mandato de duração predefinida (nomeadamente mandato vitalício), a inamovibilidade, a irresponsabilidade e a exclusividade de funções (CRP, arts. 215º e 216º). 6. Limites temporais à revisão constitucional. A CRP só pode ser revista a título ordinário decorridos cinco anos sobre a última revisão ordinária (art. 284º, n.º 1), sem prejuízo da ocorrência de revisões extraordinárias desencadeadas por decisão de uma maioria superqualificada de 4/5 dos deputados em efetividade de funções (art. 284º, n.º 2). As revisões extraordinárias não interrompem a contagem do quinquénio necessário para a retoma do poder de revisão ordinária. Em qualquer caso, passados cinco anos sobre a última revisão ordinário ou uma vez deliberada a assunção de podres de revisão extraordinária, o procedimento de revisão constitucional é aberto pela apresentação de qualquer projeto de revisão, devendo os demais ser apresentados no prazo de 30 dias. Não existe prazo para a conclusão do procedimento, mas o procedimento caduca com o termo da legislatura (cfr. art. 167º, nº 5). II. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores): 1. Constitucionalismo monárquico português. A resposta deve contemplar os seguintes tópicos: a) Tentativa de implantar o constitucionalismo em Portugal: o "grupo francês" e a “Súplica da Constituição” de 1808. b) Identificar os limites temporais do constitucionalismo monárquico português: 1820 - Revolução Liberal; 1910 - Implantação da República. c) A influências das revoluções americana (1776) e francesa (1789) e da experiência constitucional espanhola na origem do constitucionalismo monárquico português. Outros fatores, v. g., sinédrio, invasões francesas, afrancesados, retirada da família real para o Brasil, conspiração republicana de 1817... d) Identificar os três textos constitucionais deste período, que vai desde 1820 a 1910(C. 1822, CC 1826 e C. 1838); e) Período de vigência de cada um dos textos: C. 1822 (1822-1823 e 1836-1838); CC 1826 (1826-1828, 1834-1836 e 1842-1910); C. 1838 (1838-1842). A CC 1826 foi o texto constitucional que, até hoje, mais tempo se manteve em vigor (c. 72 anos). f) Caracterizar de forma sumária cada um desses textos, nomeadamente: condicionantes que lhe deram origem, organização do poder político (separação de poderes), direitos fundamentais, revisão constitucional. g) As duas grandes linhagens políticas do constitucionalismo monárquico: (i) linha “vintista-setembrista” e “linha cartista”: diferenças. 2. Afinidades e diferenças entre a lei de bases e a lei de autorização legislativa. Afinidades: (i) Nenhuma delas esgota a regulamentação legislativa da matéria, carecendo da legislação complementária; (ii) Ambas delimitam e condicionam a área de intervenção legislativa do Governo e das Assembleias Legislativas; (iii) Ambas são o “pressuposto normativo necessário de outras leis” (art. 112º, n.º3). Diferenças: (i) a LAL não é de aplicação imediata / a LB é de aplicação imediata, ainda que a sua exequibilidade dependa de decreto de desenvolvimento; (ii) a LAL não incide sobre situações da vida, intervindo atenuadamente na Ordem Jurídica / a LB pode incidir sobre situações de vida – alterando a Ordem Jurídica; (iii) a LAL não revoga diplomas sobre matéria de autorização / a LB revoga lei anterior contrária (seja ou não outra lei de bases); (iv) se o sentido da LAL for modificado, só produzirá efeitos para o futuro / se a LB for modificada e o decreto de desenvolvimento não, verificar-se-á ilegalidade superveniente; (v) os decretos autorizados estão sujeitos a prazos (caducidade da lei de autorização) / o decreto de desenvolvimento não está sujeito a prazos; (vi) a autorização legislativa habilita o Governo a legislar uma só vez (princípio da irrepetibilidade) / Pode haver sucessivos desenvolvimentos da lei de bases; (vii) a inconstitucionalidade da lei de autorização implica a inconstitucionalidade (consequente) do decreto-lei autorizado / a inconstitucionalidade da lei de bases apenas determina a inconstitucionalidade do decreto de desenvolvimento quando verse matéria reservada à AR, não quando se trate de matéria concorrencial; (viii) só existem LAL em matérias de reserva relativa (165º) / a LB surge em qualquer domínio legislativo. III. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às respetivas questões (10 valores): O Governo enviou ao Presidente da República um diploma para ser promulgado como decreto-lei onde se definem os crimes relacionados com atentados terroristas, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos. No preceito «X» do dito decreto permite-se que, em caso de suspeita fundada, o Ministério Público possa ordenar o acesso imediato às «telecomunicações e demais meios de comunicação» de quaisquer suspeitos. A - Suponha que o Presidente da República requer ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma: 1. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades em causa. Tratando-se de matéria de "definição de crimes, penas, medidas de segurança e respetivos pressupostos" (art. 165º, n.º 1/c) o Governo só poderia legislar se, previamente, tivesse obtido a devida autorização legislativa da AR. Como nada indica que a tenha obtido, estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica (incompetência). Além disso, o preceito «X» está em desconformidade com o preceituado no artigo 34º, n.º 4 da CRP, que proíbe, expressamente, "a ingerência das autoridades públicas (...) nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal", a qual só poder ser determinada por um juiz, como determina o art. 32º, nº 4), e não pelo Ministério Público. Pelo que, ao violar uma norma de fundo da CRP, o diploma enferma também de uma inconstitucionalidade material (quanto ao conteúdo). 2. Quais os efeitos de uma eventual pronúncia de inconstitucionalidade? Mediante uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do TC e a sua devolução ao PR, este fica obrigado a vetar o diploma (veto jurídico ou por inconstitucionalidade) e a devolvê-lo ao órgão que o aprovou (art. 279º, n.º 1 CRP), remetendo a fundamentação do veto para o acórdão do TC. Sendo o Governo o órgão promanante, não pode haver confirmação do diploma por maioria qualificada, que está reservada à AR (art. 279º, n.º 2). Havendo uma inconstitucionalidade orgânica, o Governo também não pode reformular o diploma para corrigir a inconstitucionalidade material. Resta ao Governo enviar o diploma como proposta de lei para a AR (art. 167º, n.º 1), iniciando-se um novo procedimento legislativo (ora, parlamentar), ou pedir uma autorização legislativa (art. 165º). Sanada a inconstitucionalidade orgânica, se o novo decreto a ser enviado ao PR para ser promulgado como lei ou decreto-lei autorizado não corrigir a referida inconstitucionalidade material, poderá haver nova apreciação preventiva da constitucionalidade, suscitada pelo PR. 3. Poderia o Tribunal Constitucional pronunciar-se pela inconstitucionalidade do preceito «X», mesmo que tal não lhe tivesse sido requerido pelo P.R.? Não, o TC não se poderia pronunciar pela inconstitucionalidade específica desse preceito, se tal lhe não tivesse sido expressamente requerido. O pedido deve indicar as normas cuja inconstitucionalidade se deseja fiscalizar, bem como as normas ou princípios constitucionais alegadamente violados por elas (51º LTC). O TC pode conhecer de outros vícios de inconstitucionalidade de que padeçam as normas cuja apreciação lhe é requerida, diferentes dos invocados no pedido, mas não pode apreciar a constitucionalidade de outras normas por sua própria iniciativa. O TC só pode apreciar as normas cuja apreciação lhe tiver sido requerida (principio do pedido), não tendo poder de conhecimento oficioso. “O Tribunal Constitucional só pode declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de normas cuja apreciação tenha sido requerida, mas pode fazê-lo com fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada” (art. 51º, n.º 5 da LTC). B – Suponha agora que o Presidente da República promulga o decreto-lei sem o submeter a fiscalização preventiva da constitucionalidade e que vinte e três (23) deputados resolveram suscitar a sua inconstitucionalidade perante o TC: 4. Caracterize o tipo de controlo de constitucionalidade em causa. Trata-se de fiscalização de constitucionalidade prevista no art. 281º da CRP. É uma fiscalização sucessiva – feita a posteriori, depois de o diploma ter entrado no ordenamento jurídico –, abstrata – fiscaliza-se a constitucionalidade da norma em si, independentemente da sua aplicação a um qualquer caso concreto –, concentrada – a competência de decisão cabe em exclusivo ao TC, excluindo quaisquer outras instâncias jurisdicionais –, a título principal – o objeto do processo é a fiscalização da constitucionalidade da norma. Só pode ser desencadeada pelas entidades enunciadas no art. 281-2 da CRP. Distingue-se da outra modalidade de fiscalização sucessiva, que é a fiscalização concreta (CRP, arts. 204º e 281º), que incumbe a todos os tribunais (fiscalização desconcentrada ou difusa) e só pode ter lugar a propósito de uma causa sujeita a julgamento (a título incidental). Pode ser desencadeada oficiosamente pelo juiz ou por iniciativa das partes no processo. O TC só intervém a título de recurso (CRP, art. 280º). 5. Quais os efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade por parte do TC? E se alguém já tiver sido definitivamente condenado ao abrigo desse diploma? Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, previstos no art. 282º, nº 1, da CRP, são (i) gerais (“força obrigatória geral”) - eliminação das normas inconstitucionais, que são expurgadas da ordem jurídica; (ii) retroativos - apaga os efeitos produzidos pelas normas declaradas inconstitucionais e pretende refazer a situação como se essas normas não tivessem existido; e (iii) repristinatórios - recoloca em vigor as disposições jurídicas que a norma inconstitucional haja afastado (art. 282º, n.º 1). No entanto, ao abrigo do nº 4 do referido preceito, o TC pode restringir estes efeitos, nomeadamente quanto ao efeito retroativo e quanto ao efeito repristinatório, ressalvando os efeitos produzidos pela norma em causa até à declaração de inconstitucionalidade. O TC já chegou a manter em vigor normas declaradas inconstitucionais para além da data da sua decisão, retirando qualquer efeito prático à declaração de inconstitucionalidade. Em princípio, os casos julgados ficam ressalvados do efeito retroativo da declaração de inconstitucionalidade (282º, n.º 3), por força do princípio da segurança jurídica. No entanto, esta ressalva não se aplicaria ao caso sub judice (nos termos da segunda parte desse preceito), porque a norma em causa diz respeito a matéria penal e tudo indica ser de conteúdo menos favorável ao arguido. Por isso, o TC pode/deve mandar rever os casos julgados para efeito de afastamento das referidas normas. NOTA: Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas). UNIVERSIDADE LUSÍADA – NORTE (PORTO) Faculdade de Direito (1.º Ciclo – 2016/2017) Direito Constitucional – 1.º ano de Direito. Exame 2.ª Época (2017.07.17) Duração da prova: 2 horas (15h-17h) NOTA: Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas). Mencione sempre os preceitos constitucionais respeitantes a cada questão. I. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (5 valores): 1. Poder constituinte autocrático. Ao invés do procedimento constituinte democrático (em que a constituição é feita por uma assembleia constituinte eleita), no procedimento constituinte autocrático ou autoritário, as constituições são decretadas diretamente pelo poder político estabelecido (caso da Carta Constitucional de 1826, que foi outorgada por D. Pedro IV), ou são aprovadas em plebiscitos autoritários, sem verdadeiro debate democrático (caso da Constituição de 1933). 2. Princípio da laicidade. Os principais corolários lógico-materiais da laicidade do Estado (noção que deve ser distinguida do laicismo ideológico) surgem plasmados inequivocamente na Constituição, não somente no princípio nuclear da separação entre o Estado e as igrejas (art. 41.º-4), mas também na não confessionalidade do ensino público (art. 43.º-3) ou na proibição de beneficiar ou prejudicar alguém por causa das suas convicções ou das suas crenças ou práticas religiosas, ou falta delas (art. 41.º-2). A laicidade do Estado não tem a ver somente com a autonomia e neutralidade do Estado face às religiões, mas sim em relação a qualquer sistema de mundividências de natureza filosófica ou ideológica. Parafraseando a proclamação lapidar do art. 43º, a propósito da liberdade de educação, o Estado laico é aquele que «não pode programar a educação e cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas». A laicidade do Estado é tanto uma garantia básica da liberdade religiosa como da própria liberdade de consciência, na medida em que impede a existência de posições oficiais em matéria de religião ou de convicções filosóficas, ideológicas ou doutrinárias. Dimensões do princípio da laicidade: (i) A não identificação do Estado com nenhuma religião; (ii) Liberdade e igualdade religiosa; (iii) Separação e neutralidade do Estado perante as Igrejas; (iv) Não confessionalidade do ensino público. 3. Atribuições e competências. Não se deve confundir atribuições com competências (embora por vezes se utilize o termo “competências” em sentido genérico para designar também as atribuições: assim se fala por exemplo nas “competências da União Europeia”). Aquelas pertencem às entidades, estas aos respetivos órgãos. Em certos casos, a Constituição enuncia em bloco as competências ou poderes conferidos à entidade para desempenhar as suas atribuições, procedendo só depois à sua repartição pelos vários órgãos da mesma entidade. É o caso das regiões autónomas (arts. 227.º e 232.º). As competências servem as atribuições. Os órgãos só podem usar as suas competências para desempenho das atribuições da respetiva entidade. Chama-se a isso princípio da especialidade. Usar poderes de um órgão fora das atribuições do respetivo ente traduz-se num “desvio de poder” (ultra vires), que não é uma figura exclusiva do direito administrativo. A repartição e articulação de competências entre os vários órgãos da mesma entidade constituem o cerne da separação dos poderes: cada órgão com poderes específicos. A prática de atos fora dos poderes do respetivo órgão gera a incompetência, levando a invalidade do ato em causa. 4. Leis de autorização legislativa. As leis de autorização legislativa são leis através das quais a Assembleia da República delega competências legislativas da sua reserva relativa (art. 165º) a outro órgão, passando este a ter competência legislativa para emanar atos normativos com força de lei. No nosso ordenamento constitucional, há dois tipos de leis de autorização: (i) as leis de autorização ao Governo (autorização legislativa horizontal); (ii) as leis de autorização às assembleias legislativas regionais (autorização legislativa vertical). Ao conceder a autorização para legislar sobre certas matérias, a AR não perde o poder de legislar sobre as mesmas, podendo a todo o tempo revogar, tácita ou expressamente, a autorização legislativa concedida. A concessão da autorização legislativa limita-se às matérias de reserva relativa da competência legislativa da AR (art. 165º), nunca podendo ser concedida no âmbito de reserva absoluta da competência legislativa da AR (art. 164º) - sob pena de uma inconstitucionalidade orgânica - e sendo totalmente desnecessária em matérias concorrentes, em que o Governo possuí competência legislativa originária (art. 198º, n.º1, al. a)). 5. Sistema austríaco de controlo da constitucionalidade. O sistema austríaco ou europeu de controlo da constitucionalidade pressupõe a criação de um tribunal especial, um tribunal constitucional, para se ocupar em exclusivo das questões de constitucionalidade, quer a pedido de determinadas autoridades públicas, quer por reenvio por parte dos demais tribunais, quanto às questões de constitucionalidade neles suscitadas em casos submetidos ao seu julgamento. O primeiro TC foi criado na Áustria, sob impulso de Hans Kelsen, na década de 20 do século passado. Por isso, este modelo ficou conhecido como modelo austríaco, por contraposição ao modelo norte-americano ou judicial review. As características essenciais do sistema austríaco são as seguintes: (i) Competência exclusiva do tribunal constitucional, não tendo os demais tribunais competência para decidirem questões de constitucionalidade por si mesmos; (ii) Fiscalização de tipo abstrato, destacada de qualquer questão concreta de constitucionalidade, visto que, mesmo no caso de reenvio por parte de outros tribunais, o TC vai apreciar a questão em abstrato; (iii) Força obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade, ou seja, a norma é declarada nula, não podendo ser aplicada no futuro por nenhum tribunal ou autoridade. O sistema austríaco generalizou-se após a II guerra mundial, com a Constituição italiana de 1947 e a Constituição alemã de 1949, visto que ambas criaram um Tribunal Constitucional. No sistema constitucional português (sistema misto) encontra repercussão no âmbito da fiscalização sucessiva em abstrato da constitucionalidade (arts. 281º-282º): fiscalização sucessiva, concentrada, em abstrato, a título principal e com força obrigatória geral. 6. Limites materiais à revisão constitucional. Trata-se de um núcleo de 14 matérias elencadas no artigo 288º da CRP, que formam o núcleo identitário da Constituição, não podendo, em princípio, ser alteradas pelo poder de revisão constitucional. Existem, no entanto, três teses fundamentais quanto à possível alteração desses limites materiais: tese da revisibilidade, da irrevisibilidade e da dupla revisibilidade. Pode haver limites expressos que, manifestamente, não revelam a consistência de limites inerentes, por não se mostrarem identificadores da Constituição, isto é, por carecerem de “identidade reflexiva” (“excesso” de limites materiais expressos). A possibilidade de revisão dos limites materiais de revisão que não sejam de considerar essenciais é tanto mais de admitir, quanto mais numerosos eles forem e quanto mais se valorizar a ideia de que a “geração constituinte” não pode vincular excessivamente ad eternum as gerações vindouras. Ao abrigo deste entendimento foi possível que, pela revisão constitucional de 1989, um dos limites materiais de revisão originário fosse eliminado e dois outros fossem modificados. II. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores): 1. Organização do poder político na Carta Constitucional de 1826 e na Constituição de 1976. Carta Constitucional de 1826: No intuito de recuperar o poder perdido nos textos constitucionais modernos, o poder constituinte monárquico de 1826 vai incluir no seu articulado um novo poder: o quarto poder ou poder moderador. A separação de poderes passa a ser quatripartida: poder legislativo, poder moderador, poder executivo e poder judicial. O poder moderador é da exclusiva titularidade do rei, que para o exercer é obrigado a auscultar o Conselho de Estado, salvo quanto à nomeação e demissão dos ministros de Estado. O poder legislativo foi atribuído às Cortes com a sanção do rei. As Cortes compõe-se de duas câmaras: a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Pares. A iniciativa das leis cabe a qualquer das câmaras por meio de projetos de lei, bem como ao poder executivo por meio de propostas de lei. A proposta de lei do executivo só pode ser convertida em projeto de lei depois de examinada por uma comissão da Câmara dos Deputados, aonde deve ter princípio. O projeto de lei, depois de discutido e aprovada em uma das câmaras, é enviado à outra câmara. Se a câmara recetora adotar inteiramente o projeto de lei que lhe foi remetido pela câmara emissora o reduzirá a decreto e, depois de lido em sessão, o dirigirá ao rei para que este o sancione ou vete com efeitos absolutos. O poder executivo foi cometido ao monarca. Como inovação da Carta Constitucional deve referir-se o aparecimento de Ministros de Estado, que exercem o poder executivo em nome do rei. Os atos do rei como titular do poder executivo carecem de referenda dos Ministros. O poder judicial é independente e pertence aos juízes e jurados. Constituição da República Portuguesa de 1976: A organização do poder político prevista na Constituição estrutura-se em três níveis correspondentes a outros tantos âmbitos territoriais: o âmbito nacional, o âmbito regional (regiões autónomas) e o âmbito local. Ao nível do Estado, o princípio da separação impõe a distinção entre a assembleia representativa, o órgão executivo (o governo) e os tribunais. No caso da CRP, além desses três órgãos, autonomizou-se a figura do Presidente da República como “quarto poder”, que não é chefe do executivo. O poder político é repartido pelos quatro órgãos de soberania. No caso das regiões autónomas e das autarquias locais, a separação estabelece-se entre as assembleias representativas e os órgãos executivos, que são também órgãos colegiais. Apesar de mediar um século e meio de distância entre os dois textos constitucionais (1826-1976), ambos seguem uma distribuição do poder por quatro órgãos distintos, que, mutatis mutandis, se pode resumir: Poder legislativo: 1826 - Cortes / 1976 - Assembleia da República. Poder executivo: 1826 - Rei / 1976 - Governo. Poder Judicial: 1826 - Tribunais / 1976 - Tribunais. Poder moderador: 1826 - Rei / 1976 - Presidente da República. 2. Poderes legislativos do Governo. Os poderes legislativos do Governo estão previstos no artigo 198º da CRP, ao abrigo do qual pode emitir: Decretos-leis exclusivos (198º/2) – “É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento”; Decretos-leis concorrentes, originários ou primários (198º/1a)) – compete ao Governo , no exercício de funções legislativas, “Fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República”; Decretos-leis autorizados (198º/1b)) - compete ao Governo , no exercício de funções legislativas, “Fazer decretos-leis em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta”; Decretos-leis de desenvolvimento (198º/1c)) - compete ao Governo , no exercício de funções legislativas, “Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam”. (devem ser explicados cada um desses poderes legislativos). III. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às respetivas questões (10 valores): A. A Assembleia Municipal de Lisboa aprovou uma postura sobre a utilização de aeronaves civis pilotadas remotamente - «drones». No preceito «X» da dita postura considera-se crime todos os voos acima dos 120 metros de altitude, com uma pena aplicável aos infratores de «exposição pública, durante 24 horas, amarrados ao pelourinho de Lisboa». 1. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades da norma em causa. A norma jurídica restringe o direito à liberdade (art. 27º) e ofende o direito à integridade pessoal (art. 25º). A restrição de direitos, liberdades e garantias deve obedecer aos pressupostos enunciados no art. 18º da CRP, nomeadamente, só pode ser feita por lei da AR ou decreto-lei autorizado (art. 165º, n.º 1, b)). Além do mais, a CRP proíbe, expressamente, a submissão a «tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos» (art. 25º, n.º 2). Deixando de lado os pressupostos de lei restritiva (a lecionar), por força deste último dispositivo a postura está ferida de uma inconstitucionalidade material, porque viola uma norma de fundo da Constituição, que versa sobre direitos, liberdades e garantias. Tratando-se de matéria de «direitos, liberdades e garantias» (art. 165º, n.º 1/b) e de «definição de crimes, penas (...) e respetivos pressupostos» (art. 165º, n.º 1/c) a competência legislativa é da AR ou do Governo, se para tal obtiver a devida autorização legislativa. Assim sendo, estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica, por incompetência da Assembleia Municipal de Lisboa para legislar sobre esta matéria. B - Suponha que o drone do cidadão «Y» foi identificado a voar a 200 metros de altitude, incorrendo, portanto, nessa pena: 2. Quais os mecanismos a que o cidadão «Y» pode recorrer para afastar a aplicação da referida norma por inconstitucionalidade? O nosso ordenamento constitucional não confere aos particulares o acesso direto à justiça constitucional para impugnara uma norma ou um ato inconstitucional, não prevendo nada de semelhante ao recurso de amparo (Espanha) ou de recurso de constitucionalidade (Alemanha). Portanto, uma pessoa prejudicada por uma norma inconstitucional não pode impugná-la diretamente num tribunal. Uma pessoa prejudicada por uma norma jurídica inconstitucional só pode suscitar a fiscalização da constitucionalidade no âmbito de um controlo judicial concreto, numa causa sujeita a julgamento (art. 280º CRP). De forma indireta, poderia ainda uma pessoa em particular, prejudicada por tal postura, fazer chegar a questão de inconstitucionalidade ao TC através de uma petição ao Provedor de Justiça ou a qualquer outra das autoridades com poder de suscitar a fiscalização sucessiva abstrata. Uma vez que os cidadãos podem apresentar queixas contra ações ou omissões dos poderes públicos em especial junto do Provedor de Justiça (art. 23º), sendo este uma das entidades com legitimidade para desencadear um processo de fiscalização abstrata da constitucionalidade (art. 281º, n.º 2, al. d) CRP), esta poderia ser uma forma mais célere, económica e eficaz de uma pessoa prejudicada pela dita postura camarária suscitar de forma indireta a fiscalização abstrata da constitucionalidade, com efeitos gerais e retroativos, o que satisfaria os seus interesses. De forma indireta, sublinhe-se, porque a legitimidade é exclusivamente adjudicada pela CRP ao Provedor de Justiça (e outras autoridades) e não aos próprios cidadãos. 3. Em que condições pode haver recurso de constitucionalidade para o TC da decisão do tribunal que julgar o crime do cidadão “Y”? Levantada a questão da inconstitucionalidade da norma, o tribunal a quo, caso se dissidisse pela sua inconstitucionalidade (o que seria espetável), estava impedido de aplicar a norma (art. 204º CRP). Mediante uma decisão positiva de inconstitucionalidade do tribunal a quo, caberia recurso para o TC (art. 280, n.º 1, al. a)) pela parte a que a decisão seja desfavorável (neste caso, seria a CM de Lisboa). Uma vez que a norma jurídica cuja aplicação foi recusada não consta de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar, não há qualquer obrigatoriedade de recurso por parte do Ministério Público (art. 280º, n.º 3 CRP). C – Suponha agora que, passados dois anos, o TC já decidiu pela inconstitucionalidade da referida norma em seis recursos de constitucionalidade. 4. Como é que o TC pode impedir a repetição de constantes recursos idênticos? O TC poderia parar esta avalanche de recursos suscitando uma fiscalização sucessiva em abstrato, nos termos do art. 281º, n.º 3 da CRP e art. 82º da LTC. Trata- se de um caso especial de legitimidade processual pública na fiscalização abstrata ou passagem da fiscalização concreta à fiscalização abstrata. O pressuposto processual indispensável é que o TC tenha julgado a norma inconstitucional ou ilegal em, pelo menos, três casos concretos (281º/3): “O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos”. A legitimidade para tal consta no art. 82º da LTC: «Sempre que a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional ou ilegal em 3 casos concretos, pode o Tribunal Constitucional, por iniciativa de qualquer dos seus juízes ou do Ministério Público [junto do TC], promover a organização de um processo com as cópias das correspondentes decisões, o qual é concluso ao Presidente, seguindo-se os termos do processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade ou da ilegalidade previstos na presente lei». O pedido pode ser apresentado a todo o tempo. Quanto ao efeito, o julgamento de inconstitucionalidade em 3 casos concretos não conduz oficiosamente ou necessariamente à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, uma vez que se trata de um processo autónomo. 5. Compare os efeitos da decisão do TC em relação à situação supra (B3) com os efeitos de uma eventual decisão tomada nesta situação (C4). Os efeitos em C4 são os efeitos de uma declaração do TC em sede de fiscalização sucessiva em abstrato previstos no art. 282º, nº 1, da CRP, são (i) gerais (“força obrigatória geral”) - eliminação das normas inconstitucionais, que são expurgadas da ordem jurídica; (ii) retroativos - apaga os efeitos produzidos pelas normas declaradas inconstitucionais e pretende refazer a situação como se essas normas não tivessem existido; e (iii) repristinatórios - recoloca em vigor as disposições jurídicas que a norma inconstitucional haja afastado (art. 282º, n.º 1). Já os efeitos em B3 correspondem aos efeitos de uma decisão em sede de fiscalização sucessiva em concreto, com força de caso julgado aplicável apenas inter partes, ou seja, a norma jurídica não se aplica ao caso sub judice (art. 204º CRP), mas mantêm- se plenamente em vigor, podendo vir a ser aplicada em outros casos submetidos a julgamento. Direito Constitucional Faculdade de Direito Licenciatura em Direito - 1º ano Prova de Frequência/Exame 12/06/2018 Duração: 2 horas I. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (5 valores): 1. Constituição. Constituição é o conjunto de princípios e normas jurídicas que “constituem” uma determinada coletividade política, estabelecem os seus princípios básicos, enunciam os seus fins e atribuições, definem os direitos fundamentais das pessoas face ao poder público, regulam a organização política do Estado, incluindo o elenco dos seus órgãos, o modo da sua eleição ou designação, as suas competências e o seu funcionamento. Traços essenciais das constituições modernas são os seguintes: soberania popular, direitos fundamentais, governo representativo, separação dos poderes, poder político limitado, responsabilidade política do governo, imparcialidade e independência dos tribunais. A constituição figura como norma suprema da ordem jurídica, o que implica a fiscalização da constitucionalidade das leis. 2. Democracia parlamentar. Num sentido amplo, a democracia parlamentar ou representativa é caraterizada pelo facto de o poder político não ser exercido diretamente pelo povo (como na democracia direta), mas sim por órgãos representativos eleitos, nomeadamente, por uma assembleia representativa. Numa democracia parlamentar, a principal forma de expressão e intervenção política são as eleições para os órgãos representativos, os parlamentos. A democracia parlamentar ou representativa é antes de mais uma democracia eleitoral, concretizada através de eleições livres e periódicas por sufrágio universal, secreto, igual e direto. Num outro sentido mais estrito, democracia parlamentar é a democracia representativa dotada de um sistema de governo parlamentar, em que o “poder executivo” incumbe a um governo que resulta das eleições parlamentares e é responsável politicamente perante o Parlamento, 3. Poder constituinte autocrático. Ao invés do procedimento constituinte democrático (em que a constituição é feita por uma assembleia constituinte eleita), no procedimento constituinte autocrático ou autoritário, as constituições são decretadas diretamente pelo poder político estabelecido (caso da Carta Constitucional de 1826, que foi outorgada por D. Pedro IV), ou são aprovadas em plebiscitos autoritários, sem verdadeiro debate democrático (caso da Constituição de 1933). 4. Separação de poderes No seu sentido clássico (Montesquieu), a separação de poderes consiste na repartição das três funções basilares do Estado (legislar, governar/administrar e julgar) por três órgãos de poder separados e autónomos (parlamento, governo, tribunais). A noção de separação de poderes foi uma alavanca fundamental contra o absolutismo, em que o monarca concentrava nas suas mãos todos os poderes. Ao mesmo tempo que confiava a função legislativa a um parlamento eleito, a teoria da separação de poderes submetia o poder executivo às leis do parlamento. Componente da democracia representativa clássica, a separação de poderes é também o primeiro componente do princípio do Estado de direito (expressamente mencionado no art. 2.º CRP), enquanto fator de limitação do poder, de subordinação do poder executivo à lei e de independência dos tribunais, impedindo a concentração de todas as funções do Estado (legislar, governar e julgar) num único órgão ou em órgãos submetidos a um único comando. Mais do que princípio de especialização de funções, a separação de poderes é um elemento de repartição e de limitação e controlo do poder. A CRP estabelece expressamente a separação e interdependência dos órgãos de soberania (art. 111.º CRP). 5. Leis orgânicas. A categoria das leis orgânicas foi introduzida na Constituição com a revisão de 1989. São leis ordinárias de regime especial (logo, não são leis constitucionais). Só existem em matérias de competência exclusiva da Assembleia da República e estão vinculadas ao princípio da tipicidade, isto é, só o são aquelas que a Constituição considera como tais (166.º, n.º 2). A Constituição delimita o seu universo por intermédio de dois critérios: matéria e procedimento. As matérias sujeitas a lei orgânica são em geral de importância político-institucional especialmente relevante (166.º, n.º 2). O procedimento legislativo parlamentar de elaboração e aprovação das leis orgânicas apresenta algumas especificidades importantes relativamente ao procedimento normal: (i) a votação na especialidade da maior parte das leis orgânicas é feita no plenário e não em comissão (168.º-4); (ii) as leis orgânicas têm de ser aprovadas por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (168.º- 5), e em alguns casos, mesmo por maioria de 2/3 (art. 168.º-6); (iii) a sua confirmação após eventual veto presidencial carece da maioria de 2/3 dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (136.º-3); (iv) a fiscalização preventiva da constitucionalidade das leis orgânicas pode ser pedida não só pelo Presidente da República mas também pelo Primeiro-Ministro ou um quinto dos deputados em efetividade de funções (278.º- 4). Sendo leis reforçadas (art. 112º-3), as leis orgânicas têm de ser respeitadas por outras leis, sob pena de “ilegalidade reforçada”, cujo regime de fiscalização judicial cabe ao Tribunal Constitucional e se aproxima do regime da fiscalização da constitucionalidade (CRP. arts. 280º-282) 6. Sistema norte-americano de controlo da constitucionalidade. O sistema norte-americano de controlo da constitucionalidade ou judicial review surgiu nos Estados Unidos da América, com a célebre decisão Marbury v. Madison (1803), em que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos recusou aplicar a um caso concreto uma norma legal que considerou não estar em conformidade com a Constituição. Trata-se de uma fiscalização desconcentrada, incidental e concreta, que cabe a todos os tribunais em relação às normas aplicáveis aos casos sub judice e em que os efeitos da inconstitucionalidade se esgotam no caso judicial concreto, com a não aplicação da norma considerada inconstitucional, mantendo-se esta, porém, formalmente em vigor. Aspetos essenciais: a) O poder de fiscalização é concedido a todos os órgãos judiciais. b) Desaplicação, no caso concreto, da norma considerada inconstitucional. c) Possibilidade de recurso para o mais alto tribunal, com jurisdição no caso. Este sistema de fiscalização da constitucionalidade foi introduzida na Europa através da Constituição portuguesa de 1911 (63º) e mantém-se no nosso ordenamento constitucional sob a forma de fiscalização sucessiva concreta (art. 204º e 280º CRP), mas agora com recurso para o Tribunal Constitucional. II. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores): 1. As origens do constitucionalismo em Portugal. A resposta deve contemplar os seguintes tópicos: a) Tentativa de implantar o constitucionalismo em Portugal no contexto das invasões francesas: o "grupo francês" e a “Súplica da Constituição” de 1808. b) A influências das revoluções americana (1776) e francesa (1789) e da experiência constitucional espanhola (Constituição de Cádis, 1812) na origem do constitucionalismo monárquico português. Outros fatores, v. g., invasões francesas, “afrancesados”, retirada da família real para o Brasil, domínio inglês na regência do País, conspiração republicana de 1817... c) A Revolução Liberal de 1820 (Porto, 24 de agosto de 1820) e a convocação de umas Cortes extraordinárias e constituintes (1821-1822); d) Identificar os três primeiros textos constitucionais portugueses (C. 1822, e CC 1826 e C. 1838); e) Período de vigência de cada um dos textos: C. 1822 (1822-1823 e 1836- 1838); CC 1826 (1826-1828, 1834-1836 e 1842-1910); C. 1838 (1838-1842). A CC 1826 foi o texto constitucional que, até hoje, mais tempo se manteve em vigor (c. 72 anos). f) Caracterizar de forma sumária cada um desses textos, nomeadamente: condicionantes que lhe deram origem, organização do poder político (separação de poderes), composição do Parlamento, poderes do Rei, direitos fundamentais, revisão constitucional. g) As duas grandes linhagens políticas do constitucionalismo monárquico: (i) linha “vintista-setembrista” e (ii) “linha cartista”: principais diferenças. 2. Princípio do Estado de direito. O Estado de direito não é somente aquele que atua segundo o direito (rule of law) e não segundo arbítrio do poder. O Estado de direito tem uma dimensão formal ou institucional (separação de poderes, princípio da legalidade, independência dos tribunais, direito de acesso aos tribunais, etc.) e uma dimensão material ou substantiva, que consiste nos mecanismos fundamentais da segurança das pessoas contra o poder (direitos fundamentais, due process, reparação dos prejuízos causados pela ação pública ilegítima, etc.). O princípio do Estado de direito (democrático) ocupa um lugar de grande relevo entre os princípios fundamentais da CRP. Mencionado logo no preâmbulo da Constituição, é especificamente acolhido e definido no art. 2.º. O «respeito pelo princípio do Estado de direito democrático» é uma das tarefas fundamentais do Estado (art. 9.º/b). A CRP preenche os requisitos tanto do Estado de direito formal como do Estado de direito material. Os elementos jurídico-constitucionais inerentes a este princípio podem sintetizar-se em três elementos: constitucionalidade, legalidade e direitos fundamentais. O Estado não está acima do Direito, como no “antigo regime” (legibus absoluto). A submissão ao Direito significa que a Constituição, ao decidir-se por um Estado de direito, procura constituir e conformar as estruturas do poder político segundo a medida do direito, isto é, através de um meio de ordenação racional, vinculativamente prescritivo, de regras, formas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência. O Estado de direito é um Estado constitucionalmente conformado (Estado de direito constitucional). Pressupõe a existência de uma Constituição e a afirmação inequívoca do princípio da constitucionalidade. A Constituição é a lei fundamental do Estado. A Constituição é uma ordenação normativa fundamental dotada de supremacia — supremacia da Constituição —, e é nesta supremacia da lei constitucional que o “primado do direito” do Estado de direito encontra uma primeira e decisiva expressão (art. 3.º-2 e 3). Mas o “império do direito” sobre o Estado não se limita à Constituição, incluindo também a submissão do poder executivo às leis, de acordo comos cânones da separação dos poderes. O Governo e a administração só podem atuar se habilitados pela lei e nos termos da lei (princípio da legalidade). O Estado de direito é, por último, um Estado de direitos fundamentais. A Constituição garante a efetivação dos direitos e liberdades fundamentais do homem, na sua complexa qualidade de pessoa, cidadão e trabalhador. Neste sentido, o Estado de direito é um “Estado de distância”, porque os direitos fundamentais asseguram às pessoas autonomia perante os poderes públicos. Por outro lado, o Estado de direito é um Estado “antropologicamente amigo”, ao respeitar a «dignidade da pessoa humana» e ao empenhar-se na defesa e garantia da liberdade, da justiça e da solidariedade (art. 1.º). São subprincípios concretizadores do Estado de direito: (1) princípio da separação de poderes; (2) princípio do Estado constitucional; (3) princípio da legalidade da Administração; (4) independência dos tribunais; (5) proibição dos crimes e sanções sem base legal; (6) proibição de expropriações arbitrárias ou sem indemnização; (7) princípio da proporcionalidade; (8) princípio da proteção da confiança; (9) princípio da segurança jurídica; (10) procedimentalização das decisões públicas; (11) acesso à justiça e garantias processuais; (12) responsabilidade do Estado pelos danos causados aos particulares. III. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às respetivas questões (10 valores): Depois de os projetos de lei sobre eutanásia terem sido “chumbados” (por escassos votos) na Assembleia da República, o Governo resolveu aprovar e enviar ao Presidente da República um diploma para ser promulgado como decreto-lei que legaliza a “morte medicamente assistida”. No preceito «X» do dito decreto estipula-se que «não é punível a antecipação da morte a pedido da própria pessoa, se realizada em estabelecimento de saúde, sempre que ela assim o entender e desejar, independentemente de qualquer verificação médica de doença terminal». A - Suponha que o Presidente da República, em vez de promulgar o diploma, requer ao Tribunal Constitucional a fiscalização da sua constitucionalidade: 1. Caraterize o tipo de controlo de constitucionalidade em causa. Trata-se de fiscalização preventiva – feita a priori, antes de o diploma entrar no ordenamento jurídico –, abstrata – fiscaliza-se a constitucionalidade da norma em si, independentemente da sua aplicação a um qualquer caso concreto –, concentrada – a competência de decisão cabe em exclusivo ao TC, excluindo quaisquer outras instâncias jurisdicionais –, a título principal – o objeto do processo é a fiscalização da constitucionalidade da norma. A CRP prevê a possibilidade de fiscalização preventiva de atos legislativo e equiparados (convenções internacionais). 2. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades em causa. A temática da eutanásia ou morte medicamente assistida está indissociavelmente ligada aos direitos liberdades e garantias, consignados na CRP, por se traduzir num poder de dispor da vida própria com ajuda alheia (art. 24º). Trata-se, por isso, de matéria de reserva relativa da competência legislativa da AR (art. 165º, n.º 1/b) CRP), sobre a qual o Governo só poderia legislar se, previamente, tivesse obtido a devida autorização legislativa da AR. Como nada indica que a tenha obtido, estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica (incompetência). Além disso, o preceito «X» está em manifesta desconformidade com o preceituado no artigo 24º, n.º 1 da CRP, que garante que “a vida humana é inviolável”. Não porque a direito à vida humana não possa ser restringido em casos-limite, mas sobretudo porque a restrição desse direito, nos moldes previstos pelo preceito «X», a simples pedido da pessoa interessada, é desproporcional e não respeita os pressupostos exigidos pelo art. 18º, n.º 2 e n.º 3 da CRP (os pressupostos constitucionais das leis restritivas não são aqui exigíveis, porque se trata de matéria a lecionar na unidade curricular de Direitos Fundamentais). Pelo que, ao violar uma norma de fundo da CRP, o diploma enferma também de uma inconstitucionalidade material (quanto ao conteúdo). 3. Quais os efeitos de uma eventual pronúncia de inconstitucionalidade? Mediante uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do TC e a sua devolução ao PR, este fica obrigado a vetar o diploma (veto jurídico ou por inconstitucionalidade) e a devolvê-lo ao órgão que o aprovou (art. 279º, n.º 1 CRP), remetendo a fundamentação do veto para o acórdão do TC. Este é o efeito direto da inconstitucionalidade. Face ao veto por inconstitucionalidade, há três possibilidades em abstrato: (i) fim do procedimento legislativo; (ii) supressão ou reformulação da norma pelo órgão legislativo competente, com reenvio para promulgação; (iii) eventual confirmação da norma por maioria de 2/3, permitindo (mas não impondo) que seja promulgada, apesar de ter sido considerada inconstitucional. Sendo o Governo o órgão promanante neste caso, não pode haver confirmação do diploma por maioria qualificada, que está reservada à AR (art. 279º, n.º 2). Havendo uma inconstitucionalidade orgânica, o Governo também não pode, por si só, sanar esse vício. modificando o diploma, por ser incompetente para legislar nessa matéria. Resta, por isso, ao Governo, se quiser insistir em regular essa matéria, enviar o diploma como proposta de lei para a AR (art. 167º, n.º 1), iniciando-se um novo procedimento legislativo (ora, parlamentar), ou pedir uma autorização legislativa à Assembleia da República (art. 165º). Sanada desse modo a inconstitucionalidade orgânica, se o novo decreto a ser enviado ao PR para ser promulgado como lei ou decreto-lei autorizado não corrigir a referida inconstitucionalidade material, poderá haver nova apreciação preventiva da constitucionalidade, suscitada pelo PR. B – Suponha agora que o Presidente da República promulga o decreto-lei sem o submeter a fiscalização preventiva da constitucionalidade e este foi publicado no Diário da República. 4. O Presidente da República tem, de novo, legitimidade para suscitar o controlo de constitucionalidade? A partir de que momento? Justifique. Sim, o PR tem legitimidade processual ativa não apenas para suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade de “decreto que lhe tenha sido enviado para promulgação como lei ou como decreto-lei” (art. 278º, n.º 1 CRP), mas também para suscitar a fiscalização sucessiva abstrata de “quaisquer normas” (art. 281º, n.º 2/a)), incluindo as que ele próprio tenha promulgado. O facto de não exercer o poder de fiscalização a título preventivo em relação a certa norma não obsta a que o possa fazer a título sucessivo abstrato imediatamente a seguir ou posteriormente. De facto, o controlo sucessivo abstrato pode ser requerido ao TC a partir do momento em que o diploma entra no ordenamento jurídico, com a respetiva publicação, e não caduca com a passagem do tempo (nem as inconstitucionalidades nem o poder de pedir a sua fiscalização prescrevem). Já o controlo sucessivo concreto (que pressupõe a aplicação da norma jurídica a um caso concreto) só poderá ser suscitado perante os tribunais competentes depois de a norma entrar em vigor, decorrido o eventual período de vacatio legis. 5. Quais os efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade? Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, previstos no art. 282º, nº 1, da CRP, equivalem a uma declaração de nulidade da norma em causa e são (i) gerais (“força obrigatória geral”) - eliminação das normas inconstitucionais, que são expurgadas da ordem jurídica; (ii) retroativos - apaga os efeitos que tenham sido produzidos pelas normas declaradas inconstitucionais e pretende refazer a situação como se essas normas não tivessem existido; e (iii) repristinatórios - recoloca em vigor as disposições jurídicas antecedentes que a norma inconstitucional haja afastado (art. 282º, n.º 1). Todavia, a CRP salvaguarda em geral os casos julgados, salvo condenações penais (nº 3), e permite que o TC, em casos justificados, limite os efeitos da inconstitucionalidade, no todo ou em parte, podendo afastar o efeito retroativo ou o efeito repristinatório (nº 4). Nesse caso, a inconstitucionalidade declarada só tem efeito para o futuro, ficando salvaguardados os efeitos produzidos pela norma em causa, até ao momento estabelecido pelo TC. NOTA: Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas). Direito Constitucional Faculdade de Direito 1.º Ciclo de Estudos Direito - 1.º Ano Prova de Frequência/Exame 12/07/2018 Duração:2h [Notas: a) Pode consultar a CRP e a Lei do TC (não anotadas). b) Pode alterar a ordem das perguntas, mas deixe sempre uma linha de intervalo entre cada resposta.] I. Defina sucintamente cinco dos seguintes conceitos (7,5 valores): 1. Constituição não escrita. Constituição não escrita é o conjunto não codificado de normas sobre o poder político, umas escritas outras consuetudinárias, existentes antes da implementação do constitucionalismo moderno, pela Revolução americana (1776), pela Revolução Francesa (1789) e, em Portugal, pela Revolução Liberal de 24 de agosto de 1820. Trata-se de constituições materiais que regulam o poder (por exemplo, a sucessão dinástica, a convocação das cortes), bem como as relações entre o poder e os membros da comunidade, impondo direitos e deveres para ambas as partes. Não raro, o Reino Unido é apontado como paradigma da Constituição não escrita, por não ter aderido ao movimento codificador dos séculos XVIII-XIX, dispensando a solenização dos seus dispositivos sobre o poder político e seus limites num único documento constitucional formal, a ser aprovado em assembleia constituinte. O seu substrato constitucional radica em costumes ancestrais e diversos textos escritos de essência constitucional, desde a Magna Charta Libertatum até várias leis de conteúdo constitucional aprovadas ao longo dos séculos. 2. Sistema de governo na Constituição de 1911. A Constituição de 1911 reconhece a forma de Estado republicana (art. 1º), pelo que o chefe do Estado é um Presidente da República eletivo, sendo eleito pelas duas câmaras do Parlamento. Quanto à forma de governo, trata-se de uma modalidade de parlamentarismo, pois a formação do governo depende das eleições parlamentares e da composição das câmaras e o governo é responsável perante o parlamento, sendo demitido em caso de perda de confiança parlamentar. Existe uma conjugação entre o “parlamentarismo monista” e o “parlamentarismo de assembleia”. Do primeiro foi retirado o apagamento quase completo do Presidente da República. Do segundo foi retirada a impossibilidade de o Congresso ser dissolvido antes do fim da legislatura (de três anos). A permanente agitação social, a instabilidade do sistema partidário e a prática de os governos se demitirem sempre que derrotados no Parlamento conduziram a uma enorme instabilidade governativa e política da I República. Na sequência de um golpe de Estado, Sidónio Pais (1917-1918) efetuou uma “revisão constitucional” à margem do processo de revisão previsto no próprio texto constitucional – a chamada rutura constitucional – mudando, por decreto presidencial, o sistema de governo parlamentar para um sistema de governo presidencialista, fazendo-se eleger Presidente da República por sufrágio direto e assumindo a chefia do poder executivo, sem responsabilidade política perante o parlamento. O seu assassinato pôs fim a essa experiência presidencialista, voltando- se à vigência da versão originária da Constituição. Na revisão constitucional de 1919 foi conferido ao Presidente da República a poder de dissolução do Parlamento. 3. Princípio da laicidade. Laicidade quer dizer que Estado laico, ou seja, o Estado onde não existe religião oficial, o Estado é neutro em matéria religiosa e existe separação entre o Estado e as igrejas. Os principais corolários lógico-materiais da laicidade do Estado (noção que deve ser distinguida do laicismo ideológico) surgem plasmados inequivocamente na Constituição, não somente no princípio nuclear da separação entre o Estado e as igrejas (art. 41.º-4), mas também na não confessionalidade do ensino público (art. 43.º-3) ou na proibição de beneficiar ou prejudicar alguém por causa das suas convicções ou das suas crenças ou práticas religiosas, ou falta delas (art. 41.º-2). A laicidade do Estado não tem a ver somente com a autonomia e neutralidade do Estado face às religiões, mas sim em relação a qualquer sistema de mundividências de natureza filosófica ou ideológica. Parafraseando a proclamação lapidar do art. 43º, a propósito da liberdade de educação, o Estado laico é aquele que «não pode programar a educação e cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas». A laicidade do Estado é tanto uma garantia básica da liberdade religiosa como da própria liberdade de consciência, na medida em que impede a existência de posições oficiais em matéria de religião ou de convicções filosóficas, ideológicas ou doutrinárias. Dimensões do princípio da laicidade: (i) A não identificação do Estado com nenhuma religião; (ii) Liberdade e igualdade religiosa; (iii) Separação e neutralidade do Estado perante as Igrejas; (iv) Não confessionalidade do ensino público. 4. Lei de autorização legislativa. As leis de autorização legislativa são leis através das quais a Assembleia da República delega competências legislativas da sua reserva relativa (art. 165º) a outro órgão, passando este a ter competência legislativa para emanar atos normativos com força de lei nessas matérias. No nosso ordenamento constitucional, há dois tipos de leis de autorização: (i) as leis de autorização ao Governo (autorização legislativa horizontal); (ii) as leis de autorização às assembleias legislativas regionais (autorização legislativa vertical). Ao conceder a autorização para legislar sobre certas matérias, a AR não perde o poder de legislar sobre as mesmas, podendo a todo o tempo revogar, tácita ou expressamente, a autorização legislativa concedida. A concessão da autorização legislativa limita-se às matérias de reserva relativa da competência legislativa da AR (art. 165º), nunca podendo ser concedida no âmbito de reserva absoluta da competência legislativa da AR (art. 164º) - sob pena de uma inconstitucionalidade orgânica - e sendo totalmente desnecessária em matérias concorrentes, em que o Governo possui competência legislativa originária (art. 198º, n.º1, al. a)). Nos termos do art. 165º, nº 2, as leis de autorização legislativa têm de definir o objeto, o sentido e a duração da autorização, pelo que não pode haver autorizações genéricas nem por tempo indeterminado. As leis de autorização legislativa são de exclusiva iniciativa governamental, não podendo a Assembleia da República conferir autorizações não pedidas; o mesmo vale em relação às autorizações legislativas em favor das assembleias legislativas regionais. 5. Autonomia legislativa regional. O poder legislativo próprio é um dos traços essenciais da autonomia político- administrativa das regiões autónomas, permitindo a criação de uma ordem jurídica regional, a par da ordem jurídica nacional. O atual quadro da autonomia legislativa regional provém da revisão constitucional de 2004, que a ampliou sobremaneira, eliminando a submissão da legislação regional aos “princípios gerais das leis gerais da República” e a invocação de um “interesse específico regional”, como anteriormente. Os poderes legislativos são, portanto, os seguintes: (i) legislar sobre as matérias de competência legislativa regional especificamente enunciadas no art. 227º da CRP [als. i), l), n), p) e q)]; (ii) legislar sobre todas as matérias enunciadas nos estatutos regionais, salvo as que estiverem reservadas à competência legislativa da República [al. a) do art. 227.º-1]; (iii) legislar, mediante autorização da Assembleia da República, sobre as matérias de reserva de competência legislativa relativamente reservada da AR, com algumas ressalvas [al. b) do art. 227.º-1]; (iv) desenvolver legislativamente as leis de bases da AR [al. c) do art. 227.º-1]; (v) transpor as diretivas da UE em matérias da sua competência legislativa própria (CRP, art. 112º-8). O poder legislativo regional cabe às ALRs, sem possibilidade de autorização legislativa aos governos regionais. No entanto, os governos regionais têm competência legislativa exclusiva no que respeita à sua própria organização e funcionamento (art. 231º-6), o que replica igual poder do Governo da República. As regiões autónomas possuem também o poder de iniciativa legislativa junto da Assembleia da República [art. 227º-1, al. f)], o que lhes dá a possibilidade de influenciar a legislação da República em matérias de competência exclusiva da Assembleia da República, em que as regiões não têm autonomia legislativa. O poder de iniciativa legislativa cabe também às ALRs, não aos governos regionais. O poder legislativo regional está submetido à Constituição e ao estatuto político-administrativo da respetiva região, nos termos vistos acima, bem como às leis de autorização legislativa, leis de bases e leis-quadro da República, quando for caso disso. A fiscalização da respetiva conformidade (constitucionalidade ou legalidade) cabe sempre ao Tribunal Constitucional (arts. 280.º-2 e 281.º-1). A legislação regional afasta a legislação da República nos respetivos territórios. Se e enquanto as regiões autónomas não exercerem a sua competência legislativa própria, aplicam-se as leis da República (CRP, art. 228º-2). 6. Independência dos juízes. A independência dos tribunais constitui um dos elementos clássicos da teoria da separação de poderes e da ideia do Estado de direito, que a CRP garante em termos exigentes (arts. 202º. e segs., em particular, o art. 203.º), sendo um dos pressupostos da própria ideia de justiça e de garantia dos direitos dos cidadãos ante os poderes públicos. Os juízes não dependem do poder político, nem estão sujeitos a orientações externas, estando sujeitos somente à Constituição e à lei. A independência dos juízes compreende nomeadamente um método objetivo de recrutamento, o mandato de duração predefinida (nomeadamente mandato vitalício), a inamovibilidade, a irresponsabilidade e a exclusividade de funções (CRP, arts. 215º e 216º). A CRP estabelece também um sistema de governo próprio dos juízes, através do Conselho Superior da Magistratura, que inclui quase metade de membros eleitos pelos próprios juízes (CRP, art. 218º), ao qual cabe a nomeação dos juízes e o exercício da ação disciplinar (art. 217º). II. Desenvolva um dos seguintes temas (5 valores): 1. Constitucionalismo monárquico português: constâncias e diferenças entre as diversas constituições. Durante o período de constitucionalismo monárquico português estiveram em vigor três textos constitucionais: a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826 e a Constituição de 1838. A elaboração de um novo texto constitucional não pressupõe uma absoluta rutura com o texto constitucional anterior, antes pelo contrário, verificam-se várias constâncias e diferenças constitucionais. Comparando os três textos constitucionais monárquicos portugueses, seguem algumas dessas afinidades e diferenças: a) Procedimento constituinte. A Carta Constitucional de 1826 distingue-se das outras duas constituições (1822 e 1838) por ter sido outorgada por D. Pedro IV, seguindo um procedimento constituinte autocrático ou autoritário, que pressupõe que o texto constitucional seja decretado pelo próprio poder político estabelecido (neste caso, o rei), sem qualquer intervenção de uma assembleia representativa eleita ad hoc; a titularidade do poder constituinte está no rei. A Constituição de 1822 e a Constituição de 1838 derivam da manifestação de um procedimento constituinte democrático, em que a constituição é feita por uma assembleia constituinte eleita (eleições constituintes de 1820 e de 1836, respetivamente); a titularidade do poder constituinte reside no povo. b) Separação de poderes. O princípio clássico da separação de poderes, idealizado por Montesquieu, é constante nas três constituições monárquicas portuguesas. A Constituição de 1822 e a Constituição de 1838 adotaram uma separação tripartida: poder legislativo (Cortes), poder executivo (rei) e poder judicial (tribunais). No entanto, com o intuito de recuperar o poder perdido pelo rei com o texto da Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826 vai incluir no seu articulado um novo poder: o quarto poder ou poder moderador. A separação de poderes passa a ser quatripartida: poder legislativo (Cortes), poder moderador (rei), poder executivo (rei) e poder judicial (tribunais). c) As Cortes. Na Constituição de 1822 as Cortes reúnem-se numa única câmara (sistema unicamaralista), a Câmara dos Deputados. A Carta Constitucional de 1826 criou uma câmara de índole aristocrática, não eletiva, dividindo as Cortes em duas câmaras (sistema bicamaralista): a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Pares (representativa do clero e da nobreza). A Constituição de 1838 manteve o sistema bicamaralista, mas alterou a designação da câmara alta para Câmara dos Senadores, que passou a ser eleita, deixando de ser uma câmara representativa da nobreza e do clero. d) Os direitos fundamentais. Desde a primeira constituição (1822) que, invariavelmente, se inclui um catálogo de direitos fundamentais no articulado constitucional. Em princípio, o elenco de direitos fundamentais transita de constituição em constituição, verificando-se um sucessivo acrescento na transição da constituição mais antiga para a mais recente. Tendo em conta a importância desta temática, os direitos fundamentais são inseridos no início do texto constitucional: no caso da Constituição de 1822, os “direitos e deveres individuais dos portugueses” abrem o articulado (art. 1º-19º); na Constituição de 1838, o capítulo único “dos cidadãos portugueses” surge como título II (art. 6º-8º), imediatamente a seguir ao título I “da Nação Portuguesa, seu Território, Religião, Governo e Dinastia” (arts. 1º-5º). No entanto, a Carta Constitucional de 1826 deslocou os “direitos civis e políticos dos cidadãos portugueses” para o seu último artigo (art. 145º). Ao serem relegados para um único e último artigo do texto constitucional (art. 145º), esta Constituição evidencia uma certa desvalorização sistemática ou formal dos direitos fundamentais dos cidadãos. No entanto, em relação à Constituição de 1822, foram consagrados os direitos tipicamente liberais nela enunciados e ainda foram acrescentados outros de novo, v. g., garantia de não retroatividade das leis (§ 2), abertura a uma limitada liberdade religiosa (§ 4), liberdade de deslocação e emigração (§ 5), necessidade de decretação da prisão por uma autoridade legítima (§ 9), independência do poder judicial e o princípio do caso julgado (§ 11), liberdade de trabalho e de empresa (§ 23), defesa da propriedade intelectual (§ 24), socorros públicos (§ 29)e instrução primária gratuita (§ 30). Na qualidade de texto constitucional conservador preserva os direitos e garantias de natureza estamentária, mais especificamente de direitos e garantias da nobreza e da burguesia (§ 31). e) Sistema de governo As três constituições consagram todas elas a separação entre o poder legislativo e o poder executivo, sem preverem a responsabilidade política deste perante aquele. O poder executivo cabia nominalmente ao rei, que, porém, o exercia através de ministros por si livremente nomeados. No caso das constituições de 1822 e de 1838, elas estiveram em vigor tempo insuficiente para verificar como este sistema de governo poderia funcionar. No caso da Carta, que esteve em vigor, na sua terceira e longa vigência entre 1842 e 1910, a prática veio instituir uma espécie de sistema de governo parlamentar, à medida que o rei se distanciava da atividade governativa e que os governos se iam tornando dependentes da confiança parlamentar para poderem governar. Mas, no sistema de governo da Carta o rei tinha o chamado “poder moderador”, que incluiu um poder de veto legislativo e um poder próprio de dissolução parlamentar. 2. Comparação entre o sistema norte-americano e o sistema austríaco de fiscalização da constitucionalidade. Nenhuma norma da Constituição norte-americana consagra a judicial review¸ ou seja, o controlo judicial da conformidade constitucional das normas infraconstitucionais. O sistema de controlo da constitucionalidade surgiu nos Estados Unidos da América, com a célebre decisão Marbury v. Madison (1803), em que o Supremo Tribunal recusou aplicar, num caso concreto sujeito a apreciação judicial, uma norma legal que considerou não estar em conformidade com a Constituição. Afirmou-se aí pela primeira vez que, sendo a Constituição a “lei superior da nação” (artigo VI da Constituição) e competindo aos tribunais aplicar a lei, quando as leis dos Estados federados ou do Congresso estiverem em desacordo com a Constituição federal devem ser desaplicadas pelos tribunais. Trata-se de uma fiscalização desconcentrada, incidental e concreta, que cabe a todos os tribunais em relação às normas aplicáveis aos casos sub judice e em que os efeitos da inconstitucionalidade se esgotam no caso judicial concreto, com a não aplicação da norma considerada inconstitucional, mantendo-se esta, porém, formalmente em vigor. No sistema norte-americano, todos os tribunais são titulares da justiça constitucional. Todavia, por força da “regra do precedente”, típica do sistema de common law, uma decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal equivale a uma declaração com força obrigatória geral, visto que os demais tribunais são obrigados a seguir a jurisprudência dele nos casos idênticos que se lhe vierem a deparar. Por isso, no modelo norte-americano de fiscalização da constitucionalidade, o principal órgão de justiça constitucional é o supremo tribunal comum. Não há tribunal constitucional em sentido próprio; melhor dizendo, o tribunal constitucional é o Supremo Tribunal. Aspetos essenciais: d) O poder de fiscalização é concedido a todos os órgãos judiciais. e) Desaplicação, no caso concreto, da norma considerada inconstitucional. f) Possibilidade de recurso para o mais alto tribunal, com jurisdição no caso. Este sistema de fiscalização da constitucionalidade foi introduzido na Europa através da Constituição portuguesa de 1911 (63º) e mantém-se no nosso ordenamento constitucional sob a forma de fiscalização sucessiva concreta (art. 204º e 280º CRP), mas agora com recurso para o Tribunal Constitucional e sem efeitos gerais, visto que não vigora entre nós a regra do precedente judicial. O sistema austríaco ou europeu de controlo da constitucionalidade pressupõe a criação de um tribunal especial, um tribunal constitucional, para se ocupar em exclusivo das questões de constitucionalidade, quer a pedido de determinadas autoridades públicas, quer por reenvio por parte dos demais tribunais, quanto às questões de constitucionalidade neles suscitadas em casos submetidos ao seu julgamento. O primeiro TC foi criado na Áustria, sob impulso de Hans Kelsen, na década de 20 do século passado. Por isso, este modelo ficou conhecido como modelo austríaco, por contraposição ao modelo norte-americano ou judicial review. As características essenciais do sistema austríaco são as seguintes: (i) Competência exclusiva do tribunal constitucional, não tendo os demais tribunais competência para decidirem questões de constitucionalidade por si mesmos; (ii) Fiscalização de tipo abstrato, destacada de qualquer questão concreta de constitucionalidade, visto que, mesmo no caso de reenvio por parte de outros tribunais, o TC vai apreciar a questão em abstrato; (iii) Força obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade, ou seja, a norma é declarada nula, não podendo ser aplicada no futuro por nenhum tribunal ou autoridade, a começar pelo tribunal a quo, no caso de reenvio. O sistema austríaco generalizou-se após a II guerra mundial, com a Constituição italiana de 1947 e a Constituição alemã de 1949, visto que ambas criaram um Tribunal Constitucional. No sistema constitucional português (sistema misto) encontra repercussão no âmbito da fiscalização sucessiva em abstrato da constitucionalidade (arts. 281º-282º): fiscalização sucessiva, concentrada, em abstrato, a título principal e com força obrigatória geral. III. Leia atentamente o caso prático e responda de forma objetiva e fundamentada às respetivas questões (7,5 valores): Suponha que o Governo aprova um diploma para ser promulgado como decreto-lei, no qual, entre outras disposições, a norma “X” proíbe os professores do ensino superior de se ausentarem do País durante os meses de junho e julho, nos quais os estudantes realizam as provas escritas e orais. A – Suponha que o Presidente da República, em vez de o promulgar, decide submeter o diploma à consideração do Tribunal Constitucional: 1. Identifique e caracterize as possíveis inconstitucionalidades em causa. O preceito «X» está em manifesta desconformidade com o preceituado no artigo 44º, n.º 2 da CRP, que garante que “a todos é garantido o direito de (…) sair do território nacional e o direito de regressar”. Pelo que, ao violar uma norma de fundo da CRP, estabelecendo uma solução constitucionalmente inadmissível, o diploma enferma de uma inconstitucionalidade material (quanto ao conteúdo). Para além de uma inconstitucionalidade material (por desconformidade com o art. 44º/2), existe uma inconstitucionalidade orgânica, porque o Governo só poderá legislar em matérias de "direitos, liberdades e garantias" mediante prévia autorização legislativa da AR (art. 165º/1 b) da CRP). Ou seja, em matéria de reserva relativa da competência legislativa da AR (art. 165º, n.º 1/b) CRP), o Governo só poderia legislar se, previamente, tivesse obtido a devida autorização legislativa da AR. Como nada indica que a tenha obtido, estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica (incompetência do órgão legislativo). 2. O que sucede se o TC se pronunciar pela inconstitucionalidade do diploma? Mediante uma pronúncia de inconstitucionalidade por parte do TC e a sua devolução ao PR, este fica obrigado a vetar o diploma (veto jurídico ou por inconstitucionalidade) e a devolvê-lo ao órgão que o aprovou (art. 279º, n.º 1 CRP), remetendo a fundamentação do veto para o acórdão do TC. Sendo o Governo o órgão legiferante, não pode haver confirmação do diploma, que está reservada à AR (art. 279º-2). Havendo uma inconstitucionalidade orgânica, o Governo também não pode corrigir a inconstitucionalidade (retirando essa norma em causa) ou reformular o diploma. Resta ao Governo enviar o diploma como proposta de lei (aprovada em Conselho de Ministros) para a AR (art. 167º, n.º 1), iniciando-se um novo procedimento legislativo (ora, parlamentar), ou pedir uma autorização legislativa (CRP, art. 165º). Sanada a inconstitucionalidade orgânica, se o novo decreto a ser enviado ao PR para ser promulgado como lei ou decreto-lei autorizado não sanar a referida inconstitucionalidade material, poderá haver nova apreciação preventiva da constitucionalidade, suscitada pelo PR. 3. Poderia o TC pronunciar-se sobre a eventual constitucionalidade da norma “Y”, mesmo que tal não lhe tenha sido requerido pelo PR? Não, o TC não se poderia pronunciar pela inconstitucionalidade específica desse preceito, se tal lhe não tivesse sido expressamente requerido pelo PR. O pedido deve indicar as normas cuja inconstitucionalidade se deseja fiscalizar, bem como as normas ou princípios constitucionais alegadamente violados por elas (51º LTC). O TC pode conhecer de outros vícios de inconstitucionalidade de que padeçam as normas cuja apreciação lhe é requerida, diferentes dos invocados no pedido, mas não pode apreciar a constitucionalidade de outras normas por sua própria iniciativa. O TC só pode apreciar as normas cuja apreciação lhe tiver sido requerida (princípio do pedido), não tendo poder de conhecimento oficioso. “O Tribunal Constitucional só pode declarar a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de normas cuja apreciação tenha sido requerida, mas pode fazê-lo com fundamentação na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação foi invocada” (art. 51º, n.º 5 da LTC). B – Suponha agora que o Presidente da República promulga o decreto-lei sem o submeter a fiscalização da constitucionalidade e que Aristides (A), professor de Direito Constitucional, foi impedido de viajar para o Brasil, onde se iria realizar o congresso para o qual tinha sido convidado: 4. Quais os mecanismos de defesa a que o Aristides pode