Abordagem do processo de saúde e doença em periodontia PDF

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Este documento discute a abordagem do processo de saúde e doença em periodontia. Ele aborda a epidemiologia das doenças periodontais e a influência das condições sistêmicas sobre o periodonto, usando estudos de caso-controle como base.

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Seção 3.2 Abordagem do processo de saúde e doença em periodontia: epidemiologia das doenças periodontais e influência das condições sistêmicas sobre o periodonto Diálogo aberto Caro aluno, na seção anterior você aprendeu como realizar o exame clínico periodontal e, a partir dos dados obtidos, i...

Seção 3.2 Abordagem do processo de saúde e doença em periodontia: epidemiologia das doenças periodontais e influência das condições sistêmicas sobre o periodonto Diálogo aberto Caro aluno, na seção anterior você aprendeu como realizar o exame clínico periodontal e, a partir dos dados obtidos, identificar o tipo de doença periodontal presente. Nesta seção vamos nos atentar para condições sistêmicas que podem afetar o periodonto. As listas dessas condições já foram apresentadas na seção anterior. Assim, vamos detalhar as duas condições mais frequentes: a diabetes mellitus e posteriormente o tabagismo. Vamos voltar ao caso da Sra. Jéssica da Silva, 32 anos, portadora de diabetes tipo 1, que compareceu no consultório odontológico do Sr. Felipe Santos com queixa de dor e coceira na gengiva, conforme descrito na primeira seção. Além disso, apresentava sangramento gengival com o uso do fio dental. A paciente também mostrou incômodo com o afastamento entre as coroas dos incisivos centrais superiores. O exame clínico periodontal mostrou presença de profundidade de sondagem maior que 6 mm nos elementos 11,12 e 21 e na região de molares superiores. Para sua surpresa a quantidade de placa/biofilme bacteriana acumulada nas superfícies dentárias não era grande, desproporcional à quantidade de inflamação e perda óssea presente. Considerando o quadro sistêmico de diabetes do tipo I, de que forma essa condição altera a resposta ao tratamento? Para que você possa ajudar a resolver esse caso, nesta seção você aprenderá sobre a epidemiologia das doenças periodontais e a influência das condições sistêmicas sobre o periodonto. Tudo o que você estudará aqui é muito importante para seu desenvolvimento e futuro profissional, então dedique-se e faça a diferença! U3 - Saúde e doença em periodontia 113 Não pode faltar Epidemiologia das doenças periodontais I e II: Prezado aluno, em um mundo moderno baseado em evidências, estudos de caso-controle, estudos de coortes e ensaios clínicos controlados randomizados são estudos que podem levar a um alto nível de evidência sobre as causas e o tratamento de uma doença. Esses três modelos de estudos epidemiológicos fornecem uma inferência confiável sobre a etiologia, o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico. - Estudos de caso-controle e de coorte são os dois modelos de estudos mais comumente empregados para identificação segura de fatores etiológicos que causam uma doença. No estudo de coorte, os sujeitos são classificados de acordo com uma exposição, como o tabagismo ou diabetes, e acompanhados longitudinalmente para a avaliação dos desfechos periodontais. Já no estudo de caso controle, as pessoas com uma condição ou desfecho de interesse (casos) são comparadas às pessoas sem a condição de interesse (controles) em relação ao passado histórico dos fatores causais suspeitos. É o tipo de estudo mais difícil de realizar, há grande probabilidade de viés. Uma revisão recente da qualidade dos estudos de caso-controle periodontais sugeriu que eles são frequentemente conduzidos e reportados inadequadamente. Neste desenho, o caso é uma pessoa que possui determinada doença e o controle seria aquela que está em risco de desenvolver a doença. - Ensaios clínicos controlados randomizados oferecem o método mais seguro de se avaliar o diagnóstico, tratamento e prognóstico de doenças. Sendo assim, é o único desenho de estudo que pode proporcionar uma base probabilística para fazer inferências de causalidade entre uma intervenção e um desfecho. Fatores importantes na obtenção de respostas confiáveis incluem um processo de randomização seguro, mascaramento dos pacientes e examinadores, a presença de dados independentes, segurança no quadro de monitoramento e uma adesão estrita à hipótese preventiva, incluindo a análise de intenção de tratar. 114 U3 - Saúde e doença em periodontia Estudos epidemiológicos apresentam um nível mais elevado de evidência do que estudos de série de casos ou estudos em animais. Eles têm tido um impacto poderoso na incidência de doenças crônicas por seguramente identificarem as causas primárias. Evidências confiáveis sobre o que causam as doenças permitem que as pesquisas laboratoriais foquem em intervenções nos percursos causais, que podem levar a ensaios clínicos. O alto nível de evidência epidemiológica emergente na etiologia de doenças periodontais e sugere que fatores sistêmicos podem ser os verdadeiros condutores da epidemia. Fatores como tabagismo e diabetes são cada vez mais reconhecidos como causas de doença periodontal, e seus efeitos no periodonto não parecem relacionados a fatores infecciosos. Reflita Diante de tantas dificuldades e possibilidade de vieses experimentais, ao ler um artigo científico, considerar que muitos resultados conflitantes partem de desenhos experimentais diferentes. Sendo assim, qual literatura científica você deve considerar a mais relevante? Cuidados devem ser tomados ao validar um resultado de um artigo científico. Esteja sempre atento ao desenho experimental. Medindo a ocorrência de condições ou doenças Para entender melhor as informações desses estudos, vamos agora revisar alguns conceitos utilizados: A prevalência representa o número de indivíduos ou sítios que têm uma condição ou doença em particular dentro de uma população definida. A prevalência é a soma do número de indivíduos ou sítios, divididos pela soma de todos os indivíduos ou sítios examinados que exibiam a condição ou a doença de interesse. A prevalência de uma condição pode variar de 0% (ninguém tem a condição ou a doença de interesse) até 100% (todos têm a condição ou a doença de interesse). O risco representa a probabilidade de que um indivíduo ou sítios irão desenvolver determinada condição ou doença durante o acompanhamento. O risco para uma condição ou doença é (mostrada da mesma forma que a prevalência) um número que varia entre 0% e 100%. O modo mais simples de estimar risco U3 - Saúde e doença em periodontia 115 é ter um número fixo de pessoas ou de dentes em risco num momento definido (tempo zero [t0]). Os participantes em si, ou uma dada condição da saúde bucal (num determinado elemento dentário isoladamente, por exemplo) são acompanhados ao longo do tempo posterior a este momento de definição. Depois de um período de acompanhamento (desde o tempo t0 até o tempo tn), o risco pode ser calculado como a proporção de pessoas, ou dentes, que desenvolvem o desfecho clínico de interesse durante o acompanhamento. A chance de um evento acontecer é a probabilidade de que ele aconteça dividida pela probabilidade de não acontecer. Considerando que a probabilidade é um valor que varia entre zero e um, os valores de chances variam entre zero até infinito. Se a probabilidade de se observar um evento é pequena, então as chances e a probabilidade são quase idênticas. As taxas de incidência representam uma medida alternativa intuitiva, para se descrever a ocorrência de uma doença. Em ensaios clínicos epidemiológicos, a taxa reflete a número de ocorrências de doenças por unidade de tempo, por pessoa ou sítio. A estimativa mais comumente utilizada para a taxa de doença é a proporção na qual o numerador é um número de sujeitos ou sítios diagnosticados com a doença de interesse e o denominador é a soma do tempo de risco de todos os sujeitos ou sítios na população. Assimile Atualmente é difícil acessar de forma precisa dados epidemiológicos sobre doença periodontal, devido à alta variedade de índices e mensurações usados, assim como as grandes diferenças na experiência e confiabilidade dos examinadores clínicos. Por exemplo, algumas pesquisas epidemiológicas avaliaram a profundidade de sondagem usando sondas que têm uma esfera na ponta; em contraste, clínicos praticam mensurações de bolsas profundas com sondas que tenham pontas finas e arredondadas. Esses dados epidemiológicos podem ser muito diferentes das mensurações do dia a dia, que são usadas para planejamento de diagnósticos e tratamentos individuais de pacientes. Um erro comum de interpretação de dados epidemiológicos é assumir uma relação entre causa e efeito quando duas medidas mostram uma 116 U3 - Saúde e doença em periodontia alta conexão estatística. Essas conexões estatísticas podem ou não estarem relacionadas à causa e ao efeito, e ensaios clínicos controlados são necessários para provar se tal relação existe. A essência da epidemiologia geral e da epidemiologia clínica é relacionar as medidas de ocorrência da doença para causas suspeitas ou intervenções. Prevalência das doenças periodontais no mundo e no Brasil A gengivite associada à formação da placa dental é a forma mais comum de doença gengival. Com relação à prevalência da doença periodontal, no mundo a doença periodontal avançada mostra uma prevalência de 15-20% nos adultos (ALBANDAR; RAMS, 2002). A atualização mais recente da prevalência das doenças periodontais nos Estados Unidos mostrou uma incidência de 46% de periodontite em adultos com mais de 30 anos, sendo que 8,9% apresentaram a forma mais avançada (EKE et al., 2015). No Brasil, ainda não há levantamentos epidemiológicos adequados e determinantes sobre a gravidade e prevalência das doenças periodontais. Corraini et al. (2008), por exemplo, estudaram a prevalência da periodontite e sua associação com fatores de risco demográficos socioeconômicos e comportamentais em uma população isolada e sem tratamento no Brasil, e 83% das pessoas apresentaram profundidades de sondagem maiores que 4mm. Um outro estudo transversal realizado em área rural no Brasil encontrou uma prevalência de 24,4% num total de 172 participantes (DE MACÊDO et al., 2006). Mas há resultados instigantes. Grandes declínios na prevalência da doença periodontal já foram relatados e, no entanto, parecem difíceis de se explicar por meio de melhores tratamentos periodontais ou por procedimentos periodontais mais efetivos. Os declínios dramáticos na prevalência da doença periodontal são mais pronunciados entre aqueles que têm menos acesso aos cuidados odontológicos, as pessoas mais pobres. Além disso, esses grandes declínios ocorreram quando os estudos anteriores relataram grandes reduções na utilização do tratamento periodontal. Uma U3 - Saúde e doença em periodontia 117 explicação mais plausível para a diminuição da prevalência da doença periodontal é o tabagismo. O grande declínio pode, pelo menos em parte, ser atribuído à queda continuada do tabagismo (NEWMAN et al., 2016). Influência das condições sistêmicas sobre o periodonto – I e II Muitas doenças ou condições sistêmicas foram apresentadas como indicadores de risco ou fatores de risco para as doenças periodontais. A resposta imune do hospedeiro pode variar entre os indivíduos e, caso ela esteja alterada ou deficiente, na presença dos periodontopatógenos, pode-se desenvolver as formas mais graves das doenças periodontais. Porém, é importante reconhecer que condições, desordens, ou doenças sistêmicas, por si só não causam doença periodontal, mas podem predispor, acelerar ou aumentar sua progressão. Essas alterações foram incluídas na classificação das doenças periodontais apresentada na Seção 3.1 deste livro, no Quadro 3.2 (periodontite como manifestação de doenças sistêmicas). Pesquise mais Para compreender e ampliar seu conhecimento sobre as várias alterações sistêmicas associadas à periodontite (hormônios sexuais femininos, hiperparatireoidismo, desordens hematológicas e leucocitárias, desordens genéticas, influências nutricionais e influências genéticas, entre outros), faça a leitura do capitulo 11 (Seção IV) do Livro Periodontia Clínica por meio do link na biblioteca virtual da Kroton :. Acesso em: 23 ago. 2018. Nesta seção vamos falar sobre a diabetes mellitus (DM) que é uma doença extremamente importante do pondo de vista periodontal, pois ela é responsável por uma desordem metabólica complexa, caracterizada pela hiperglicemia crônica. A diminuição da produção de insulina, o comprometimento de sua ação ou uma combinação de ambos os fatores resulta na incapacidade para transportar a glicose da corrente sanguínea para os tecidos, o que, por sua vez, gera altos níveis de glicose sanguínea e excreção de açúcar pela urina. Também podem ocorrer alterações nos metabolismos lipídico 118 U3 - Saúde e doença em periodontia e proteico. Possui caráter endêmico, pois estima-se que mais de 171 milhões de pessoas no mundo sejam portadores dessa doença (WILD et al., 2004). Podem existir dois tipos de diabetes: a do tipo 1 (5 a 10%), que geralmente acomete crianças e adolescentes, tem perfil autoimune, pois o sistema imunológico reage contra as células beta do pâncreas e, assim, pouco ou nenhuma insulina é produzida. Já a do tipo 2 (aprox. 90%) ocorre quando organismo não consegue utilizar de forma correta a insulina que produz. Várias alterações bucais foram descritas em pacientes com diabetes, incluindo queilose, ressecamento e fissura da mucosa, queimação na boca e na língua, dificuldades de cicatrização, redução do fluxo salivar e alterações na microbiota. Considerando estritamente o periodonto, a influência do diabetes sobre este já foi muito pesquisada (STANKOA; IZAKOVICOVA, 2014). Embora seja difícil tirar conclusões definitivas sobre os efeitos específicos do diabetes sobre o periodonto, além das alterações citadas anteriormente, várias outras já foram descritas, incluindo tendência de aumento gengival, pólipos gengivais, proliferações gengivais, formação de abscessos, periodontite e mobilidade dentária. Assim, como já citado, foi observado que pacientes diabéticos apresentam maior prevalência e gravidade de doenças periodontais ao serem comparados a não diabéticos (controles), mas isso pode estar associado ao grau de controle metabólico, bem como ao tempo que pode durar o diabetes e a presença de complicações médicas associadas ao diabetes (POUDEL et al., 2018). Existem vários mecanismos por meio dos quais o diabetes mellitus afeta o periodonto que têm uma fisiopatologia semelhante às clássicas complicações micro e macrovasculares frequentemente constatadas nesses pacientes. A hiperglicemia crônica associa- se a várias complicações a longo prazo, incluindo doenças microvasculares (retinopatia, nefropatia ou neuropatia) e doenças macrovasculares (condições cardiovasculares e cerebrovasculares), aumento da suscetibilidade a infecções e má cicatrização das feridas. Essas alterações resultam de modificações no metabolismo lipídico, assim como na glicosilação não enzimática de proteínas colágenas, glicídios e ácidos nucleicos. Isso provoca alterações nas propriedades da membrana celular, alterando as relações célula-célula e célula-matriz. Assim, com o agravo desta situação pode haver a formação de ateromas e microtrombos, levando ao U3 - Saúde e doença em periodontia 119 espessamento da parede vascular, tendo como consequência o estreitamento da sua luz e alterações na permeabilidade endotelial (IACOPINO, 2001) Cogitou-se que o aumento da suscetibilidade a infecções em pacientes com diabetes seria causado por deficiências dos leucócitos polimorfonucleares (PMN), o que causa comprometimento da quimiotaxia, defeitos na fagocitose ou comprometimento na adesão. Em pacientes diabéticos não controlados, a função dessas células do sistema imunológico está comprometida, o que resulta na diminuição da primeira linha de defesa proporcionada pelos PMN contra os patógenos periodontais, o que facilita o seu crescimento e consequente destruição tecidual local. Por outro lado, embora neutrófilos estejam, com frequência, hipofuncionais em diabéticos, acredita-se que monócitos/macrófagos hiper-responsivos sejam responsáveis por grande parte da degradação periodontal observada. Isso explicaria o aumento da quantidade de mediadores pró- inflamatórios encontrados no fluido gengival (NASSAR; KANTARCI; VAN DYKE, 2007). Exemplificando Figura 3.13 | Diabetes e resposta do hospedeiro Fonte: elaborada pela autora. De fato, a doença periodontal é considerada como a sexta complicação do diabetes. A extensa literatura sobre tal assunto e a impressão geral dos clínicos indica que a doença periodontal 120 U3 - Saúde e doença em periodontia em pacientes com diabetes não segue um padrão consistente. Evidências iniciais mostraram que o diabetes pode ser um fator de risco para doenças periodontais, como periodontite e gengivite. Assim, um estudo feito com 2.273 índios Pima (NELSON et al., 1990) mostrou que os portadores de DM apresentam 2,6 vezes mais doença periodontal do que os não diabéticos, o que sugere que a mesma poderia ser considerada uma complicação não específica do DM2 (NELSON et al., 1990). O mau controle glicêmico parece estar relacionado a uma maior prevalência e gravidade da inflamação da gengiva e destruição tecidual. Em 1993, foi realizado um estudo longitudinal de curta duração com diabéticos tipo 2 (35 e 56 anos) e os resultados mostraram mais inflamação e sangramento gengival nos indivíduos com controle glicêmico ruim (SEPPALA; SEPPALA; AINAMO, 1993). Em 1998, usando a mesma população de índios Pima, foi demonstrado associação entre o pobre controle glicêmico (diabetes mellitus tipo 2) e maior risco de perda óssea alveolar progressiva, quando comparado a um grupo com bom controle glicêmico (TAYLOR et al., 1996). Do mesmo modo, outros estudos transversais e de casos controles mostraram resultados semelhantes (CAMPUS et al., 2005). Estudos mais recentes mostraram associação positiva entre DM 2 e periodontite crônica, sendo que a DM foi associada a formas mais graves de periodontite (PRESHAW et al., 2012), sendo que Nand e colaboradores (2017) encontraram uma prevalência maior de periodontite entre os portadores de DM (45.9%) quando comparados com os que não possuem DM (37.8%). Sadeghi e colaboradores (2017) sugeriram que os portadores de DM 1 parecem estar mais suscetíveis a doenças periodontais e perdas dentárias. Um estudo caso controle realizado em Bangalores mostrou que portadores de DM apresentaram 2,1 vezes mais chance de ter periodontite crônica do que os que não possuem DM (APOORVA; SRIDHAR; SUCHETHA, 2013). Um risco aumentado em três vezes foi observado por levantamentos epidemiológicos de larga escala, considerando perda de inserção periodontal e destruição óssea alveolar entre diabéticos, quando comparados a não diabéticos (SHLOSSMAN et al., 1990). Entretanto, há estudos que não observaram diferenças estatisticamente significativas na inflamação da gengiva entre U3 - Saúde e doença em periodontia 121 diabéticos e não diabéticos (ERVASTI et al., 1985). No entanto, ao analisar os grupos, verificou-se que eles foram estratificados, considerando o nível de controle glicêmico, e no grupo de pacientes com controle inadequado da glicemia foi observado um aumento significativo da inflamação gengival. Assimile Em pacientes com diabetes mal controlados, a doença periodontal é a doença mais frequente. Em torno de 76% desses pacientes apresentam a doença periodontal em algum grau de desenvolvimento. No entanto, diabéticos controlados e pacientes não diabéticos mostram condições periodontais semelhantes. Efeitos sobre a cicatrização e reposta ao tratamento Com relação ao metabolismo de colágeno, a hiperglicemia crônica compromete a estrutura e função do colágeno e, assim, várias moléculas proteicas e da matriz passam por uma glicosilação não enzimática, resultando no acúmulo de produtos finais da glicosilação avançada (AGES). Como resultado, o colágeno fica menos resistente à destruição pelas infecções periodontais (TAKEDA et al., 2006). Por fim, como já foi mencionado anteriormente o DM intensifica a suscetibilidade e a gravidade da doença periodontal, ao prejudicar a função imunocelular, reduz a síntese e turnover/ renovação de colágeno e estimula a reabsorção óssea alveolar. Por outro lado, a infecção periodontal pode promover a ativação da resposta inflamatória sistêmica, como observado pelos altos níveis séricos de proteína C reativa e fibrinogênio nesses pacientes – podendo se tornar difícil o controle glicêmico em diabéticos (KIRAN et al., 2005). Apesar do grande número de evidências proveniente de casos estudados e coortes transversais, mais ensaios clínicos controlados e randomizados são necessários, bem como acompanhamentos longitudinais bem elaborados com o propósito de elucidar o papel do tratamento periodontal no controle glicêmico do diabetes mellitus (SIMPSON et al., 2015; JOSHIPURA et al., 2018). 122 U3 - Saúde e doença em periodontia O tratamento dos pacientes com DM bem controlados deve ser parecido com o dos pacientes não diabéticos para a maioria dos procedimentos odontológicos de rotina. A resposta ao tratamento não cirúrgico de curta duração dos diabéticos estáveis é semelhante a do grupo controle de pacientes não diabéticos, com tendência para melhora de sondagens profundas, ganho de inserção e alteração da microbiota subgengival (CHRISTGAU et al., 1998). Os diabéticos bem controlados com tratamento de suporte regular mantêm os resultados do tratamento 5 anos após a combinação do tratamento cirúrgico e não cirúrgico (WESTFELT et al., 1996). Entretanto, um resultado menos favorável pode ocorrer com tratamentos longos de pacientes diabéticos mal controlados que podem experimentar recorrência mais rápida de bolsa incialmente profundas (TERVONEN et al., 1991). Agora que você compreendeu as alterações biológicas associadas ao diabetes, com ênfase no periodonto, sinta-se seguro para atender pacientes portadores dessas alterações! Esteja atento ao seu controle glicêmico para prever as possíveis alterações na resposta ao tratamento. Sem medo de errar Agora vamos voltar a falar da Sra. Jéssica, vocês se lembram do caso? Ela relatou ser portadora da diabetes do tipo 1 e o quadro clínico periodontal dela é de extensa perda óssea localizada principalmente em molares e incisivos. O diagnóstico clínico desse quadro periodontal foi explorado na seção anterior e assim definido como periodontite agressiva localizada. Considerando o quadro sistêmico de diabetes do tipo I, de que forma essa condição altera a resposta ao tratamento? Vamos pensar agora sobre a diabetes. Conforme explicado nesta seção, podemos observar que a diabetes constitui um fator de risco para o desenvolvimento da doença periodontal e as diferentes formas com que essa condição interfere no periodonto é demonstrada no esquema a seguir: U3 - Saúde e doença em periodontia 123 Figura 3.14 | Relação entre diabetes e doença periodontal Fonte: adaptada de Christgau et al. (1998, p.118). O tratamento dos pacientes com DM bem controlados deve ser parecido com o dos pacientes não diabéticos para a maioria dos procedimentos odontológicos de rotina. A resposta ao tratamento não cirúrgico de curta duração dos diabéticos estáveis é semelhante a do grupo controle de pacientes não diabéticos, com tendência para melhora de sondagens profundas, ganho de inserção e alteração da microbiota subgengival (CHRISTGAU et al., 1998). Os diabéticos bem controlados com tratamento de suporte regular mantêm os resultados do tratamento 5 anos após a combinação do tratamento cirúrgico e não cirúrgico (WESTFELT et al., 1996). Entretanto, um resultado menos favorável pode ocorrer com tratamentos longos de pacientes diabéticos mal controlados que podem experimentar recorrência mais rápida de bolsa incialmente profundas. Avançando na prática Relação entre tabagismo e doença periodontal Descrição da situação-problema O Sr. José da Silva, 60 anos, compareceu à Clínica Odontológica da Faculdade Pitágoras em Linhares-ES para tratamento periodontal. 124 U3 - Saúde e doença em periodontia Na anamnese o paciente relatou que é tabagista. O exame clínico mostrou higiene oral ruim, acúmulos de cálculo salivar em diversos dentes, além de alguns dentes ausentes. A perda de inserção estava presente, principalmente na face vestibular dos dentes anteriores inferiores, que também apresentavam mobilidade grau I. De que modo a informação sobre tabagismo é importante, considerando o aspecto da doença periodontal? Resolução da situação-problema O tabagismo é o principal fator de risco para a periodontite, podendo afetar a prevalência, a extensão e a gravidade da doença. Além disso, o tabagismo causa um impacto adverso no resultado clínico de terapias cirúrgicas e não cirúrgicas, assim como no sucesso a longo prazo da colocação de implantes (Quadro 3.4). Assim, o tabagismo é reconhecido por diversas organizações como um dos principais impulsionadores da epidemiologia da doença periodontal. Quadro 3.4 | Efeitos do Tabagismo sobre a prevalência e a gravidade da doença periodontal Doença periodontal Impacto do tabagismo Gengivite ↓ Inflamação gengival e sangramento à sondagem Periodontite ↑ Prevalência e gravidade da destruição periodontal ↑ Profundidade da bolsa, perda de inserção e perda óssea ↑ Nível de destruição periodontal ↑ Prevalência de periodontite grave ↑ Perda dentária ↑ Prevalência com aumento do número de cigarros fumados por dia ↓ Prevalência e gravidade com a interrupção do fumo ↓, decréscimo; ↑, acréscimo. Fonte: Newman et al. (2016, p. 159). Muitos critérios para causalidade foram respondidos e a cessação do fumo tem mostrado retardar a progressão da doença periodontal. Sendo assim, de que modo o tabagismo poderia U3 - Saúde e doença em periodontia 125 interferir na etiologia e patogênese da doença periodontal? Veja a seguir no Quadro 3.5. Quadro 3.5 | Efeitos do tabagismo na etiologia e patogênese da doença periodontal Fator etiológico Impacto do tabagismo Microbiologia Nenhum efeito sobre a taxa de acúmulo de placa. ↑ Colonização de bolsas periodontais superficiais por patógenos periodontais. ↑ Níveis de patógenos periodontais em bolsas periodontais profundas. Resposta imunoinflamatória Quimiotaxia neutrofílica alterada, fagocitose e queima oxidativa. ↑ TNF-α e PGE2 em FCG. ↑Colagenase neutrofílica e elastase no FCG. ↑ Produção de PGE2 por monócitos em resposta ao LPS. Fisiologia ↓ Vasos sanguíneos gengivais com inflamação. ↓ Fluxo de FCG e sangramento na sondagem com ↑ inflamação. ↓ Temperatura subgengival. ↑ Tempo necessário para se recuperar da anestesia local. ↓, Diminuído; ↑ aumentado; TNFα, fator de necrose tumoral alfa; FGC, fluido gengival; E2, prostaglandina E2; LPS, lipopolissacarídeo. Fonte: Newman et al. (2016, p. 162). A terapia não cirúrgica pode ter êxito em fumantes se uma excelente higiene oral for alcançada, mas todos os tratamentos cirúrgicos, incluindo colocação de implante, têm resultados piores em fumantes. Os fumantes têm menos gengivite e sangramento à sondagem, assim é mais difícil detectar perda de inserção e destruição óssea; portanto é imperativo o registro abrangente da profundidade de sondagem, e radiografias panorâmicas acompanham seu exame periodontal. Por fim, cabe ao aluno encorajar o Sr. José da Silva a cessar o hábito do tabagismo, considerando a gravidade da sua condição periodontal e todos os efeitos nocivos do cigarro. Faça valer a pena 1. Um paciente compareceu no consultório e o exame clínico periodontal revelou presença de extensas perdas ósseas. Na anamnese o mesmo relata ser tabagista. 126 U3 - Saúde e doença em periodontia Com relação ao tabagismo e doença periodontal, marque a alternativa INCORRETA: a) O fumo aumenta a inflamação gengival e sangramento à sondagem. b) Pacientes tabagistas tendem a apresentar maior profundidade de bolsa, perda de inserção e perda óssea. c) O fumo interfere na atividade neutrofílica. d) A resposta inflamatória dos fumantes está alterada e há aumento da produção de PGE2 por monócitos em resposta ao LPS. e) Nos fumantes, observa-se maior colonização de bolsas periodontais superficiais por patógenos periodontais. 2. (Adaptado de FCC-2010) Paciente com 55 anos de idade, sexo masculino, relata ser portador de diabetes mellitus e mostra sobrepeso. Sua queixa principal é a halitose. O exame das condições periodontais neste paciente é justificado, uma vez que: a) A doença periodontal é considerada fator de risco para o diabetes mellitus, independentemente da presença de biofilme dental. b) Portadores de diabetes têm menor inflamação periodontal e mais bolsas profundas diante do acúmulo de biofilme dental. c) O diabetes atua como fator modificador da doença periodontal, alterando seu curso e aumentando sua severidade. d) A prevalência de doença periodontal em indivíduos diabéticos é inferior à de indivíduos não diabéticos, diferindo na severidade da inflamação. e) Todo paciente diabético é portador de algum tipo de doença periodontal. 3. Em um mundo moderno baseado em evidências, estudos de caso- controle, estudos de coortes e ensaios clínicos controlados randomizados são estudos que podem levar a um alto nível de evidência sobre as causas e o tratamento de uma doença. Esses três modelos de estudos epidemiológicos fornecem uma inferência confiável sobre a etiologia, o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico. Analise as afirmativas a seguir: I. Incidência diz respeito ao número de novos casos de uma doença durante um determinado período de tempo. II. Prevalência diz respeito à frequência de uma doença em uma população. III. No estudo de caso-controle, o caso é aquele que está em risco de adquirir uma doença. IV. Estudos do tipo coorte oferecem o método mais seguro de se avaliar o diagnóstico, tratamento e prognóstico de doenças. U3 - Saúde e doença em periodontia 127 Após análise das afirmativas, é correto o que se afirma em: a) Apenas I e II estão corretas. b) Apenas I e III estão corretas. c) Apenas III e IV estão corretas. d) Apenas II e IV estão corretas. e) I, II, III, IV estão corretas. 128 U3 - Saúde e doença em periodontia

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