Aula 2- Febre e TermoRegulação PDF
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This document contains information on thermoregulation and fever, including aspects of physiology and immunology. It details the mechanisms of body temperature regulation and discusses fever, hyperthermia, and related syndromes.
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Fisiopatologia I Termorregulação e Febre TERMORREGULAÇÃO E FEBRE Introdução Esta aula será sobre um tema de fisiopatologia geral, mais concretamente sobre a termorregulação e febre. Nos últimos meses em virtude dos tempos em que vivemos, foi um tema que g...
Fisiopatologia I Termorregulação e Febre TERMORREGULAÇÃO E FEBRE Introdução Esta aula será sobre um tema de fisiopatologia geral, mais concretamente sobre a termorregulação e febre. Nos últimos meses em virtude dos tempos em que vivemos, foi um tema que ganhou relevo, dado que, quando sintomático uma das manifestações da infeção por Covid é a febre. Ao longo da nossa vida, seguramente, todos nós já tivemos febre, tal como, já tivemos expostos a temperaturas ou muito baixas ou muito altas. A grande questão que surge então aqui é: Como é que o nosso organismo consegue manter a temperatura corporal na ordem dos 37º? Será então um conjunto de mecanismos, ou seja, um termóstato fisiológico que assegura que a temperatura corporal se mantenha dentro dos níveis fisiológicos, independentemente do meio em que estamos inseridos, da atividade física que realizamos ou até mesmo independente de estarmos perante uma situação patológica. Pré-Requisitos e Objetivos Esta aula apresenta como pré-requisito conhecimentos prévios de Fisiologia e de Imunologia Fundamental (nomeadamente a ação das interleucinas). No final da aula deverá ser capaz de: 1. Explicar os mecanismos que regulam a temperatura corporal. 2. Definir Febre, Hipertermia e Síndrome Febril. 3. Listar causas de Febre. 4. Descrever os mecanismos celulares, imunológicos e hormonais que estão na origem da Febre. 5. Identificar os pirógenos endógenos e explicar a sua importância na Febre. 6. Descrever a importância das interleucinas na Febre. 7. Identificar na fisiopatologia da febre o que constitui um mecanismo de defesa e um mecanismo de agressão. 8. Explicar a fisiopatologia das hipertermias, com ênfase para o golpe de calor e a hipertermia maligna. Termorregulação A temperatura corporal é altamente regulada pelo centro termorregulador que se encontra localizado no hipotálamo anterior. Este centro recebe informação proveniente de recetores que estão localizados à periferia, ou seja, na pele e nas vísceras, e através de Fisiopatologia I Termorregulação e Febre vias sensitivas aferentes, enviam informação até ao SNC. Depois, de acordo com a necessidade de baixar ou aumentar a temperatura, poderá desencadear uma resposta autonómica, que tem como objetivo manter a normotermia. Esta resposta passará pela ativação da componente muscular, das glândulas sudoríparas e da vasodilatação. Vias Aferentes: Sensibilidade Discriminativa vs. Controlo Homeostático Sensibilidade discriminativa: é a sensibilidade que nos permite perceber se um objeto está quente ou frio. O estímulo vem da periferia para os gânglios espinhais, ascendendo até ao tronco cerebral e, por fim, ao córtex, pelo que se sabe a zona do corpo que está exposta a um determinado estímulo térmico. Assim, podemos ter um arco reflexo que nos permite tirar a mão desse local. No controlo homeostático, os sinais são enviados para o hipotálamo anterior, de modo a desencadear e controlar DRG: Dorsal Root Ganglion os mecanismos de normotermia. PBN: Parabrachial nucleus POA: Preoptic Anterior Hypothalamus VMb: Basal part of VentroMedial Nucleus of the Thalamus VMpo: Posterior part of the VentroMedial Nucleus of the Thalamus Vias Eferentes O sistema hipotalâmico anterior integra a informação e através das vias eferentes desencadeia uma determinada resposta. Resposta essa que é ao nível dos vasos sanguíneos, do tecido adiposo ou da musculatura, consoante as necessidades. Fisiopatologia I Termorregulação e Febre Temperatura Central O hipotálamo anterior desempenha uma função integradora de vários estímulos, da temperatura, do ambiente, temperatura das vísceras e da pele. Após essa integração desencadeia respostas de termogénese, de vasodilatação ou vasoconstrição (conforme a necessidade) e calafrios (importantes mecanismos para gerar calor). Atentando, a imagem seguir apresentada (FIG.1), se uma pessoa estiver exposta a um aumento de temperatura, serão desencadeadas uma vasodilatação sanguínea e transpiração de modo a normalizar a temperatura. Por outro lado, se uma pessoa estiver exposta a baixas temperaturas os termorrecetores vão desencadear uma resposta que tem como intuito minimizar as perdas de calor e aumentar a temperatura. Destes mecanismos destacam-se: a vasoconstrição, os tremores e o metabolismo do tecido adiposo. Nos seres humanos os tremores são o mecanismo mais relevante para o aumento da temperatura corporal (devido à contração do músculo liso), ao contrário do metabolismo do tecido adiposo que, tem um papel bastante menos importante. FIG.1 Para manter a temperatura e enfrentar as variações térmicas ambientais ou de outros fatores – pirogénicos endógenos - o centro termorregulador (CTR) desencadeia vasoconstrição e a ereção pilosa que impedem a perda de calor endógeno. ➔ Mecanismos de Termogénese: Contração muscular e o aumento do metabolismo que contribuem em gerar calor. ➔ Mecanismos de Termólise: Vasodilatação cutânea, sudação e aumento da ventilação pulmonar - em todos estes casos se perde calor por evaporação. A temperatura central normal ronda os 37°C e é a temperatura ao nível do SNC, mais próximo do hipotálamo sendo que, em dias quentes, esta temperatura alonga-se a praticamente todo o corpo e em dias frios, pelo contrário, centraliza- se nas estruturas nobres, ou seja, na região do tronco e da cabeça. Isto permite escolher de forma apropriada os locais do corpo onde e deverá fazer a leitura da temperatura corporal. Fisiopatologia I Termorregulação e Febre Neste gráfico é possível comparar os mecanismos de termogénese entre o Homem e o murino (rato). Conseguimos então observar que, o nosso estado dito normal é mantido pelas hormonas tiroideias e pelo estado nutricional e, caso seja necessário produzir energia, esta é obtida pela contração do músculo liso (porção azul). Já na situação do murino a maior produção de energia é resultante do metabolismo do tecido adiposo (porção vermelha). Febre (Pirexia) A Direção Geral de Saúde de 2018 define febre como a temperatura igual ou superior a 1°C acima da média das temperaturas basais individuais no mesmo local de avaliação (axila, retal, oral, timpânica). A febre depende do valor individual de cada pessoa. Naturalmente, tal não é prático, sendo que a maioria nem mede a sua temperatura diariamente. Na febre ocorre sempre elevação no “set-point hipotalâmico”, que provoca uma resposta dos mecanismos fisiológicos de termorregulação, mais concretamente de mecanismos de produção e retenção de calor. A temperatura normal, ou seja, a temperatura central está associada ao sangue que banha o hipotálamo e que a temperatura normal varia consoante fatores individuais com a idade, sexo, ambiente, atividade, altura do dia (de manhã a temperatura é mais baixa que ao final do dia: em idades pediátricas os pais percecionam que os filhos têm febre ao final do dia). Na tabela seguinte encontram-se os intervalos de normalidade da temperatura corporal. Temperatura (no): 1. Ritmo Circadiano: - Valor mínimo às 3 -4 horas da manhã; - Subida de 0.6 graus até às 16 -18 horas. 2. Patológica - Depende da altura do dia; - Depende do valor “normal” do indivíduo; - Valor médio na população será em torno de 37ºC. Fisiopatologia I Termorregulação e Febre Como podemos saber se uma pessoa tem febre? Medindo a: 1. Temperatura axilar ≥ 37,6ºC; 2. Temperatura retal ≥ 38,0ºC; 3. Temperatura timpânica ≥ 37,8ºC; 4. Temperatura oral ≥ 37,6ºC. 5. Temperatura na testa, cujo valor terá de estar entre a temperatura timpânica (37,8ºC) e a axilar (37,6ºC), (não é o método mais preciso para a medição da febre) Causas da Febre (Pirexia) Etiologia da Febre Infeções NeoPlasias D.Tec. Conjuntivo Outras causas Virais Hematológicas Lúpus Eritematoso Fármacos Bacterianas Metastásicas Disseminado Necrose Tecidular Fungos... Sólidas Numa situação de infeção existem substâncias pirogénicas exógenas, tais como bactérias ou fungos, que entram em contacto com o hospedeiro desencadeando uma resposta imunológica organizada por várias células (monócitos, macrófagos, neutrófilos, células epiteliais e endoteliais) produzindo um conjunto de citocinas (IL-1, IL-6, TNF e IFN) que entram na circulação e chegam à região pré-ótica do hipotálamo anterior aumentando a produção de Prostaglandinas E2 (PGE2), responsáveis pelo aumento do set-point hipotalâmico. Desta forma, origina-se e conserva-se calor e, consequentemente, a febre. Fisiopatologia da Febre 1. Fase inicial Observa-se nas situações de instalação (subida) brusca da febre: predomínio dos fenómenos de termogénese sobre os de termólise; Acumulação do calor endógeno; Palidez, extremidades frias, ereção pilosa (pele de galinha) e contração muscular (arrepio). 2. Fase de estado Duração variável; Fisiopatologia I Termorregulação e Febre Vasodilatação cutânea: o fácies rosado o ar febril; o sudação e hiperventilação; o a temperatura mantém-se alta porque persiste o fator pirogénico endógeno. IL-1 e TNF explicam outros sinais e sintomas: mal-estar geral, cefaleias, sonolência, artralgias, mialgias, entre outros. 3. Fase de declínio A termólise supera a termogénese eliminando-se o calor acumulado; Quando esta queda é muito rápida pode ser acompanhada de suores intensos e poliúria. 4. Outras repercussões sistémicas dos estados febris: Taquicardia (mais de 100 BPM) –resposta ao aumento das necessidades energéticas tecidulares; Diminuição do débito urinário e concentração da urina devido às, perdas de água pelo suor; Convulsões por disfunção neuronal (especialmente nas crianças e se a febre é muito alta); Desidratação e depleção de sódio em consequência das perdas na transpiração; Distúrbios do equilíbrio ácido base. Ex: Alcalose respiratória pela hiperventilação Fisiopatologia I Termorregulação e Febre Síndrome Febril ➔ Conjunto de sinais e sintomas que se caracteriza por um aumento da temperatura corporal(febre) e outras expressões sistémicas (por exemplo perda de apetite); ➔ Depende das múltiplas ações das citocinas libertadas pelas células inflamatórias e pelos tecidos lesados; ➔ Resposta biológica complexa do organismo provocada pela invasão por microrganismos ou pela presença de substâncias inanimadas reconhecidas como patogénicas ou estranhas. Manifestações dependentes da Manifestações dependentes da IL1 e termorregulação: TNFα: Arrepio, sudação, vasodilatação Astenia, cefaleias, sonolência, mialgias Repercussões sistémicas: Circulatórias:> 1°C = > de F.C. 10 a 15 BPM Renais: urina escassa e concentrada Nervosas: convulsões Respiratórias: > frequência respiratória Metabólicas: alcalose respiratória Será a febre benéfica ou prejudicial? Fisiopatologia I Termorregulação e Febre VANTAGENS DESVANTAGENS Convulsões, Estupor, coma; Essencialmente estimular uma melhor resposta do sistema imunológico, quer ao nível da imunidade inata, quer da imunidade Alteração da síntese dos ácidos adquirida: nucleicos e das proteínas; Maior permeabilidade membranar (morte por arritmia); Sépsis Hipertermia Corresponde ao aumento da temperatura corporal. Ao contrário da febre, é caracterizada pela falência dos mecanismos fisiológicos de termorregulação, com set-point (termostato) inalterado, devido a: ➔ Lesão neurológica que afeta o hipotálamo; ➔ Incapacidade de perda de calor; ➔ Produção incontrolada de calor. Enquanto na febre o set-point dá indicação de que a temperatura se deve posicionar acima dos 37ºC, havendo retenção de calor, na hipertermia existe um aumento da produção de calor sem dependência deste set-point hipotalâmico. Quatro tipos principais de manifestações de hipertermia: 1. Síncope pelo calor (benigna): perda de consciência por vasodilatação periférica secundária a elevadas temperaturas ambientais. (recuperável, ao contrário do golpe de calor, que é muito mais agressivo); 2. Cãibras pelo calor (benigna): dores musculares durante o exercício físico em ambientes com elevadas temperaturas, resultantes de perdas hidrosalinas. (reversíveis e benignas); 3. Exaustão pelo calor (benigna, mas com maior preocupação): desidratação resultante da sudação excessiva não compensada por ingestão de água e eletrólitos. (pode provocar náuseas e vómitos que agravam a hipovolémia). A termorregulação está geralmente mantida; 4. Golpe de calor (perda de função): a temperatura corporal sobe e os mecanismos fisiológicos da termorregulação deixam de atuar. Fisiopatologia I Termorregulação e Febre Com esforço: indivíduo jovem que se exercita em ambiente quente e húmido, sem aclimatização prévia. (Exemplo foi o que aconteceu nos comandos) Sem esforço: idosos durante vagas de calor (por exemplo: não há sudorese) O Golpe de Calor tem efeitos variáveis consoante a idade ou a atividade de um dado indivíduo, sendo que está normalmente associado a citotoxicidade, devido à destruição celular, havendo órgãos mais afetados que outros, como é o caso dos órgãos do tubo digestivo e o fígado, pelo que a destruição celular vai provocar uma resposta inflamatória sistémica e o aparecimento de coagulopatias. Fisiopatologia I Termorregulação e Febre Na imagem apresentada, vê-se uma porção do tubo digestivo, há destruição das células da parede do tubo digestivo, que levam ao aumento da permeabilidade da parede intestinal, permitindo a absorção de bactéria sede toxinas para a circulação, sendo que é desencadeada a resposta imunológica com produção de citocinas e o início da cascata de coagulação que posteriormente, trombos origina, que contribuem para a isquemia e para a falência multiorgânica que se instala. Hipertermia Maligna Alteração genética autossómica dominante que leva a síntese defeituosa do recetor da proteína rianodina do canal de cálcio do retículo sarcoplasmático. Desencadeada em indivíduos suscetíveis quando expostos a anestésicos inalatórios (halotano), a relaxantes musculares despolarizantes (succinilcolina) ou a atividade física extrema em ambientes quentes 1. Ocorre a despolarização contínua que leva ao aumento do Ca2+ intracelular (devido à mutação canais estão sempre abertos) 2. Este cálcio, que sai do retículo sarcoplasmático vai atuar ao nível das células musculares. 3. Leva a uma contração muscular mantida, gerando energia Fisiopatologia I Termorregulação e Febre Este estado hipermetabólico gera uma grande quantidade de energia e, o organismo não tem a capacidade de adaptação, podendo então surgir complicações graves (hipoxemia, acidose metabólica, rabdomiólise, lesão cerebral). Beatriz Alvo