Psicologia Aplicada à Fisioterapia PDF

Summary

Este livro aborda a psicologia aplicada à fisioterapia, explorando tópicos como psicologia da personalidade, desenvolvimento, aprendizagem e qualidade de vida. Destinado a fisioterapeutas, o livro fornece insights sobre a interação fisioterapeuta-cliente e a inserção da fisioterapia no SUS.

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Psicologia Aplicada à Fisioterapia Autores: Profa. Ronilda Iyakemi Ribeiro Prof. Eduardo Ribeiro Frias Colaboradora: Profa. Roberta Pasqualucci Ronca Professores conteudistas: Ronilda Iyakemi Ribeiro / Eduardo Ribeiro Frias Ronilda Iyakemi Ribeir...

Psicologia Aplicada à Fisioterapia Autores: Profa. Ronilda Iyakemi Ribeiro Prof. Eduardo Ribeiro Frias Colaboradora: Profa. Roberta Pasqualucci Ronca Professores conteudistas: Ronilda Iyakemi Ribeiro / Eduardo Ribeiro Frias Ronilda Iyakemi Ribeiro Etnopsicóloga. Doutora em Psicologia e em Antropologia da África Negra pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora e Membro da Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos da Universidade Paulista (UNIP), importante núcleo que produz material pedagógico destinado a alunos e professores de todos os cursos e campi dessa universidade. Professora Sênior da USP. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Estudos Transdisciplinares da Herança Africana (CNPq‑UNIP). Membro do Grupo de Trabalho Psicologia e Religião (Associação Nacional de Pesquisa e Pós‑Graduação em Psicologia – ANPEPP) e do Coletivo Coalizão Inter-Fé em Saúde e Espiritualidade. Representante da UNIP no Fórum Inter-religioso para uma Cultura de Paz e Liberdade de Crença (Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo). Patronesse do Egbé Omó Oduduwa no Brasil. Endereço para acessar o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4048242930372248. Eduardo Ribeiro Frias Etnopsicólogo. Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador e Membro da Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos da Universidade Paulista (UNIP), importante núcleo que produz material pedagógico destinado a alunos e professores de todos os cursos e campi dessa universidade. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos Transdisciplinares da Herança Africana (CNPq-UNIP). Idealizador e coordenador de projetos de intervenção socioeducacional e socioambiental, com larga experiência em ações do terceiro setor, muitas das quais realizadas na Serra da Cantareira, Mata Atlântica de São Paulo. Realiza pesquisas de cunho ecopsicológico e etnopsicológico, privilegiando estudos relativos à etnia iorubá em seu continente de origem (África Ocidental) e em sua diáspora nas Américas, particularmente no Brasil. Endereço para acessar o currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8594865588582832. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R484p Ribeiro, Ronilda Iyakemi. Psicologia Aplicada à Fisioterapia / Ronilda Iyakemi Ribeiro, Eduardo Ribeiro Frias. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 180 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Psicologia geral. 2. Psicologia do desenvolvimento. 3. Psicologia social. I. Frias, Eduardo Ribeiro. II. Título. CDU 159.9 U510.63 - 21 © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Willians Calazans Ricardo Duarte Sumário Psicologia Aplicada à Fisioterapia APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................... 11 Unidade I 1 PSICOLOGIA E FISIOTERAPIA........................................................................................................................ 17 1.1 Ciências da saúde e a prática de fisioterapeutas..................................................................... 17 2 IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA PARA O FISIOTERAPEUTA.............................................................. 20 3 PANORAMA HISTÓRICO DA PSICOLOGIA E PRINCIPAIS ÁREAS DE ATUAÇÃO DOS PSICÓLOGOS................................................................................................................................................ 22 3.1 Panorama histórico da psicologia.................................................................................................. 22 3.2 Áreas de atuação do psicólogo........................................................................................................ 24 4 TÓPICOS DE PSICOLOGIA ÚTEIS A FISIOTERAPEUTAS........................................................................ 27 4.1 Principais funções psíquicas............................................................................................................. 27 4.1.1 Inteligência................................................................................................................................................. 27 4.1.2 Pensamento e linguagem..................................................................................................................... 29 4.1.3 Atenção e concentração....................................................................................................................... 29 4.1.4 Sensação e percepção............................................................................................................................ 31 4.1.5 Memória...................................................................................................................................................... 33 4.1.6 Motivação................................................................................................................................................... 37 4.1.7 Emoções....................................................................................................................................................... 38 Unidade II 5 PSICOLOGIA DA PERSONALIDADE............................................................................................................. 46 5.1 Tópicos de psicologia da personalidade....................................................................................... 46 5.1.1 Psicologia da personalidade: introdução....................................................................................... 47 5.1.2 Noções de psicanálise............................................................................................................................ 49 5.1.3 Corpo e temperamento: concepções ocidentais e orientais.................................................. 54 5.1.4 Identidade pessoal................................................................................................................................... 66 5.1.5 Noções de psicopatologia.................................................................................................................... 78 6 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM........................................................ 82 6.1 Tópicos de psicologia do desenvolvimento................................................................................ 82 6.1.1 Fatores hereditários e ambientais do desenvolvimento.......................................................... 84 6.1.2 Algumas das principais contribuições teóricas à psicologia do desenvolvimento....... 86 6.1.3 Envelhecimento: etapa final do desenvolvimento..................................................................... 93 6.1.4 Término da jornada: o paciente terminal, a morte e o luto................................................... 97 6.2 Tópicos de psicologia da aprendizagem....................................................................................100 6.2.1 Aprendizagem: a abordagem comportamental........................................................................103 6.2.2 Aprendizagem: a abordagem comportamental-cognitiva...................................................105 6.2.3 Aprendizagem: uma perspectiva psicanalítica..........................................................................108 Unidade III 7 INTERAÇÃO FISIOTERAPEUTA-CLIENTE..................................................................................................113 7.1 Tópicos de psicologia social............................................................................................................113 7.1.1 Psicologia social psicológica e psicologia social sociológica...............................................113 7.1.2 Noções de estrutura e dinâmica de grupos................................................................................ 114 7.1.3 O grupo operativo de Pichon-Rivière............................................................................................ 115 7.1.4 Etapas do desenvolvimento dos grupos de trabalho.............................................................. 118 8 TÓPICOS RELATIVOS À QUALIDADE DE VIDA E À INSERÇÃO DA FISIOTERAPIA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS)........................................................................................................119 8.1 Qualidade de vida................................................................................................................................119 8.2 Sistema Único de Saúde (SUS) e a promoção de qualidade de vida..............................120 8.3 Inserção do fisioterapeuta no SUS...............................................................................................122 8.4 O fisioterapeuta, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do SUS e o binômio espiritualidade-saúde.................................123 8.5 Relação fisioterapeuta-cliente e relação corpo-mente: dois importantes binômios...............................................................................................................................128 8.6 Abordagens corporais em psicoterapia e possíveis articulações com a fisioterapia.......................................................................................................................................130 8.7 Importância do diálogo na interação fisioterapeuta-cliente............................................136 8.8 Acolhida e dádiva: condições indispensáveis para o diálogo............................................139 8.9 Desafios da prática e preparo do fisioterapeuta....................................................................140 APRESENTAÇÃO Nenhuma obra é de autoria exclusiva daqueles que assinam como autores. Toda obra escrita resulta sempre de um esforço coletivo do qual muitas pessoas participam, a maioria das quais transitando na invisibilidade, embora estejam sempre de plantão, sempre atuantes em produções dessa natureza. Este livro-texto não escapa à regra: ele não existiria se não houvesse na Universidade Paulista (UNIP) e fora dela pessoas disponíveis para dialogar e para pôr a mão na massa. Impossível mencionar todos os que participam da produção de nossos livros-textos – os docentes que preparam textos e o amplo suporte técnico para sua efetiva produção gráfica e distribuição. Nós, autores deste livro-texto que você têm agora em mãos, queremos expressar nossa especial gratidão à Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez, Vice‑Reitora de Graduação da UNIP; a todos os docentes da Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos (CQA-UNIP), na pessoa da Profa. Dra. Christiane Mazur; a todos os demais integrantes da CQA-UNIP, na pessoa de Gladys Pierrobon e de Elaine Silva de Almeida Rodrigues; ao corpo técnico da produção material e virtual das obras, na pessoa de Cláudia Meucci Andreatini, Betisa Malaman, Cláudia Regina Baptista e Alexandre Ponzetto; e, finalmente, a todos os alunos, nossos grandes motivadores e nossa esperança no futuro. Ao tratarmos do tema psicologia aplicada à fisioterapia, a primeira questão a ser colocada é a seguinte: por que é recomendável a graduandos de Fisioterapia o aprendizado de noções de psicologia? A profissão de fisioterapeuta, incluída entre profissões da área da saúde, possui caráter terapêutico e exige, por isso, o conhecimento de fatores subjetivos presentes na interação fisioterapeuta-cliente e favorece o desenvolvimento de habilidades pessoais que contribuem para a obtenção de bons resultados. Grecchi e Castro (2008) realizaram junto a alunos de uma universidade do ABC Paulista uma pesquisa que resultou num artigo intitulado “O sentido de aprender psicologia para alunos de graduação em Fisioterapia”. Identificaram que alguns temas da psicologia são particularmente relevantes na formação de fisioterapeutas: compreensão de si; compreensão do outro; relação com o outro; exercício da profissão; ética na prática profissional. A prática cotidiana da fisioterapia apresenta desafios aos fisioterapeutas, e todos aqueles que realizam seus primeiros contatos com clientes percebem a si mesmos despreparados para lidar com a dimensão humana de si e das pessoas colocadas sob seus cuidados. De modo geral, em todas as profissões do cuidado, a interação com clientes inevitavelmente mobiliza questões existenciais, além de conhecimentos teóricos e de preparo técnico. Dos profissionais incumbidos 7 de cuidar de pessoas é exigida a capacidade de escuta – escuta de si e escuta do outro – e, mobilizados emocionalmente, os cuidadores, como se sabe, também passam a requerer cuidados. O fisioterapeuta acessa o corpo de seu cliente, e essa aproximação exige, muitas vezes, a renúncia de si em favor da singularidade do outro. A construção teórico-técnica da psicologia pode ser posta a serviço de práticas profissionais que privilegiam a interação humana, assim como pode indicar caminhos para a reintegração pessoal de profissionais do cuidado, continuamente mobilizados pelo contato com seus semelhantes. Todo profissional da educação e da saúde é convidado a compreender cada ser humano em seu modo particular de existir, reconhecendo que a organização do psiquismo resulta da ação de agentes externos e resulta, simultaneamente, de um processo de atribuição de sentidos e significados por parte da pessoa. Não podemos ignorar o fato de que em nosso país convivem distintas concepções de universo, de tempo e de pessoa. Na área da saúde, por exemplo, vemos práticas médicas e paramédicas inspiradas no chamado paradigma vitalista, de caráter holístico, convivendo com práticas médicas e paramédicas próprias da medicina ocidental contemporânea, que se inspira no paradigma cartesiano da mecânica clássica e é crescentemente estimulada por avanços tecnológicos que priorizam o diagnóstico em detrimento da terapêutica. No encontro de um fisioterapeuta com seu cliente, ocorre um encontro de universos de experiências pessoais, pois cada qual carrega consigo um mundo de vivências no qual está submerso e, inevitavelmente, durante esse encontro humano, haverá influência mútua. Como veremos, a psicologia é múltipla e diversa e, quando aplicada à fisioterapia, demanda a abordagem de temas que possam auxiliar o fisioterapeuta em sua relação com os clientes e com os contextos de atendimento. A perspectiva adotada neste livro‑texto é, pois, apenas uma das perspectivas possíveis e, certamente, outras visões poderão mostrar‑se úteis, caso haja o propósito de expandir e aprofundar conhecimentos a respeito da interface dessas duas disciplinas do cuidado humano. Enlace Na fronteira Os limites Se encontram. €_FR!@s Fonte: Frias, E. R. (2016). A aproximação entre pessoas do corpo docente (professores) e pessoas do corpo discente (alunos) proporcionada pela Universidade Paulista cria oportunidade para a formação de vínculos, mesmo quando alguns cursos são ministrados a distância e os vínculos estabelecidos entre educadores e educandos são fundamentados no respeito mútuo. O respeito que um aluno manifesta por um mestre, no qual reconhece a autoridade daquele que sabe e ensina com humildade, produz ressonância amorosa, e o vínculo estabelecido entre ambos se 8 faz vigoroso o suficiente para sustentar por muito tempo essa relação humana. Talvez por toda a vida. O bom mestre favorece a formação de vínculos fraternos entre seus discípulos, de modo que a força de cada um possa se mostrar e se ampliar no trabalho grupal. Desejando o bom mestre que seus discípulos o superem, cultiva neles o anseio de o ultrapassarem. O escritor e educador português Agostinho da Silva se refere a Platão dizendo: O mestre vulgar é como os passarinheiros que cortam as asas das pombas para que elas não voem até onde ele não possa alcançá-las. Mas Platão só deseja que as pombas se banhem no azul dos céus e tão alto subam que toda a terra se desdobre e se revele a seus olhos (SILVA, 1996, p. 52). Recorremos a essa metáfora porque ela se mostra útil também para descrever relações estabelecidas entre fisioterapeutas e seus clientes: o respeito experimentado por um cliente em relação ao fisioterapeuta que se dedica a cuidar dele, respeito de quem reconhece a autoridade profissional daquele que sabe e utiliza seus saberes com humildade ao se esforçar para promover o alívio de sofrimentos, produz ressonância amorosa. E o vínculo assim estabelecido se faz vigoroso o suficiente para sustentar-se por muito tempo na interioridade dos envolvidos nessa relação terapêutica. Talvez por toda a vida. O bom agente de saúde, quando em atendimento grupal, favorecerá a formação de vínculos fraternos entre seus assistidos, de modo que a força de cada um dos clientes ali presentes possa se mostrar e se ampliar no trabalho coletivo. A produção deste livro-texto encontra apoio e inspiração nos quatro pilares da educação para a paz, tal como descritos no Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI (DELORS et al., 2010). Segundo esse relatório, a educação, processo que perdura por toda a vida, deve estar apoiada em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Figura 1 – Quatro pilares Aprender a conhecer inclui aprender a aprender, descobrir prazer no ato de compreender, construir conhecimentos, valorizar a curiosidade, refletir sobre o novo e reconstruir o antigo. 9 Aprender a fazer implica adquirir qualificação profissional, sim. Mas não apenas isso: implica desenvolver competências para enfrentar todo tipo de situação e para trabalhar em grupo, de modo cooperativo. Estar preparado para ingressar e se manter no mercado de trabalho é necessário, porém não suficiente, porque as profissões, sujeitas a rápidas e inesperadas mudanças, exigem flexibilidade para adaptar-se a novas circunstâncias de trabalho. Aprender a conviver é aprender a compreender, a dialogar, a perceber o quanto somos interdependentes. É aprender a apreciar a diversidade e o pluralismo, mediar conflitos e perseguir ideais da solidariedade e da paz. Aprender a ser é processo de desenvolvimento pessoal com responsabilidade, de busca de autonomia, de ampliação da capacidade de discernir para julgar com sabedoria. Para isso é preciso desenvolver sensibilidade, sentido ético e estético, imaginação, criatividade. Da educação apoiada sobre quatro pilares decorrem importantes consequências individuais e sociais. É preciso que o ensino-aprendizagem que privilegia a aquisição de informações e que tem sido o principal objetivo dos professores seja substituído por outro, que privilegie o desenvolvimento do raciocínio lógico, do pensar crítico, da capacidade de pesquisar, processar e sintetizar informações, elaborar teorias, se comunicar, de obter autonomia e ser socialmente atuante. Educar com base nos quatro pilares implica não privilegiar a aquisição de um enorme volume de informações em detrimento de outras aquisições. Segundo o Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI (DELORS et al., 2010), essa concepção ampla de educação deve inspirar e orientar reformas educacionais na elaboração de programas e planos de ensino e na definição de políticas e estratégias pedagógicas. Pois bem. Você verá que, inspirados nos princípios da educação para a paz, organizamos este livro‑texto de tal modo que todas as unidades e todas as seções estão apoiadas nos referidos quatro pilares: aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser permeiam e impregnam o livro-texto todo. Pode a psicologia oferecer aos fisioterapeutas melhor compreensão de si e do outro com quem entra em relação durante sua prática profissional? Convencidos de que isso é possível, neste livro‑texto reunimos alguns conceitos básicos de psicologia úteis para a reflexão de fisioterapeutas. Com o intuito de que compreendam melhor os clientes entregues a seus cuidados e compreendam melhor a si mesmos nessa e em outras interações humanas, colocamos este livro-texto a serviço da sua formação, aluno de Fisioterapia da Universidade Paulista (UNIP). E o convidamos a viajar conosco nesse universo de infinitas possibilidades! 10 INTRODUÇÃO A fisioterapia, segmento da área de saúde que contribui com seu conteúdo específico para o restabelecimento, preservação e promoção da saúde, é profissão cujo início ocorreu por volta de 1880, quando um grupo de enfermeiras inglesas se mobilizou para aprender uma nova técnica de massagem em benefício de mulheres neurastênicas. Pouco a pouco, a massagem deixou de ser apenas uma técnica de enfermagem para se tornar uma profissão independente. Em meados de 1884, surgiram as primeiras escolas de ensino científico de massagem em cursos com duração variável entre quatro e seis meses. Tais cursos incluíam aulas de anatomia e treinamento em hospitais. Durante todo o século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, técnicas de fisioterapia foram sendo aprimoradas para atender à necessidade de tratar um grande contingente de trabalhadores que haviam sofrido lesões e mutilações acarretadas por práticas profissionais trazidas pela Revolução Industrial. Também se mostrava necessário atender soldados que haviam participado da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais. O tratamento físico, associado a intervenções provenientes de outras áreas das ciências médicas, foi gradativamente conquistando o reconhecimento público (OLIVEIRA, 2005 apud GRECCHI; CASTRO, 2008). O fisioterapeuta possui conhecimentos sobre disfunções orgânicas e recursos fisioterápicos, sendo capaz de estabelecer objetivos gerais e específicos a serem atingidos por meio de intervenções de tipo educativo, terapêutico ou reabilitacional. Seu trabalho pode ser desenvolvido em hospitais (atendimento ambulatorial, de leito e terapia intensiva), em centros de reabilitação, clínicas particulares, clubes desportivos, centros de saúde, escolas, indústrias, faculdades e centros de pesquisa. No mercado de trabalho, o fisioterapeuta tem sido solicitado a integrar equipes na área de atendimento hospitalar para realizar terapias intensivas nos setores de traumatologia e ortopedia, entre outros; na área esportiva, esse profissional vem atuando em clubes e academias; e na área clínica, tem sido chamado a integrar equipes de cirurgia plástica e de estética. Atualmente, seus principais campos de atividade são os seguintes: na área clínica, atua junto a setores de medicina clínica e cirúrgica, em ortopedia, traumatologia, neurologia, pediatria, cardiologia, reumatologia, ginecologia, dermatologia e cirurgia plástica, entre outros, e, com base no diagnóstico clínico, avalia o cliente e planeja o tratamento a ser desenvolvido; na área preventiva, atua em equipes multi e interdisciplinares, em ambientes funcionais, como fábricas, consultórios e escolas, entre outros, com o objetivo de prevenir diversos problemas, entre os quais, problemas musculoesqueléticos e respiratórios; atua também como pesquisador, visando contribuir para o aperfeiçoamento de métodos e técnicas. A atenção à saúde, realizada com base nas Leis Orgânicas da Saúde, inclui políticas, programas e serviços desenvolvidos em conformidade com princípios e diretrizes que estruturam o Sistema Único de Saúde (SUS), instituído na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n. 8.080/90 e 8.142/90. 11 Nesse contexto, a saúde é considerada resultante de boas condições de habitação, alimentação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. Ou seja, ela é considerada também em sua dimensão ético-política, sujeita, pois, a uma perspectiva múltipla, transdisciplinar e participativa. Como a psicologia e a fisioterapia compartilham espaços e propósitos nos sistemas de atenção à saúde, vale a pena introduzirmos o tema central deste livro-texto abordando questões relativas ao relacionamento fisioterapeuta-cliente, de importância fundamental para o sucesso das intervenções. Veremos que a abordagem desse aspecto nos remeterá a outros temas igualmente importantes. Nos parágrafos seguintes, estão sublinhados temas que serão cuidadosamente abordados posteriormente. No momento, partimos do fato de ser a relação estabelecida entre fisioterapeuta e cliente um aspecto fundamental do processo de adesão ao tratamento. Com o objetivo de verificar se o relacionamento estabelecido entre fisioterapeutas e seus clientes interfere na adesão ao tratamento, a psicóloga Marina Subtil e alguns colaboradores (SUBTIL et al., 2011) realizaram um estudo do qual participaram quatro fisioterapeutas e 11 clientes com distintos diagnósticos clínicos e idade variando entre 25 e 73 anos. Os dados dessa pesquisa, inicialmente organizados em dois conjuntos – relatos dos fisioterapeutas e relatos dos clientes –, foram posteriormente reunidos em subconjuntos. Dos relatos dos quatro fisioterapeutas resultaram três subconjuntos de temas: capacidades e habilidades do fisioterapeuta; adesão à fisioterapia; relacionamento fisioterapeuta-cliente. Dos relatos dos 11 clientes resultaram dois subconjuntos de temas: caracterização da fisioterapia e do bom profissional; continuidade versus interrupção do tratamento. Os dados para compreensão do fenômeno adesão ao tratamento na fisioterapia foram organizados em torno dos seguintes temas: necessidade de cuidado integral; dificuldade na comunicação cliente-terapeuta; contingências socioeconômicas do cliente. 12 Nesse estudo, foi possível concluir que a adesão ao tratamento na fisioterapia é multifatorial, ou seja, a adesão depende de muitos fatores e, entre esses fatores, o relacionamento entre fisioterapeuta e cliente é fundamental para o sucesso da reabilitação. Segundo a percepção dos fisioterapeutas que participaram dessa pesquisa, às capacidades e habilidades técnicas devem se associar posturas pessoais e capacidade de se comunicar bem. Ou seja, além de competência técnica, o fisioterapeuta reconhece que ele precisa ser capaz de escutar e compreender o cliente que se encontra em estado de sofrimento, oferecer-lhe atenção e cuidado sob a forma de contato físico (terapia manual) e de afeto (amor, respeito, solidariedade, apoio, carinho, atenção). E, caso perceba que há algum comprometimento psíquico mais grave, deverá encaminhar o cliente para atendimento psicológico. De modo geral, nos serviços de saúde, o relacionamento estabelecido entre os profissionais e seus clientes é fundamental. Considerando que a compreensão dos clientes por parte desses profissionais é indispensável para a efetiva promoção da saúde, a habilidade de escutar o cliente contribui significativamente para a criação de um espaço que favoreça sua expressão e sua participação no processo de cura. Se o cliente não estiver se sentindo aceito, acolhido, compreendido e amado, o processo de cura ficará comprometido. A eficácia terapêutica depende, pois, em grande parte, da qualidade do encontro humano entre fisioterapeuta e cliente. Até aqui, nos detivemos sobre os dados obtidos por Subtil et al. (2011) por meio de entrevistas realizadas com os quatro fisioterapeutas. Vejamos agora o que esses pesquisadores obtiveram por meio de entrevistas realizadas com os 11 clientes. Segundo a percepção dos clientes que participaram da pesquisa mencionada, o que se pode esperar de um bom fisioterapeuta? Os clientes entrevistados disseram que se espera de um fisioterapeuta conhecimentos, competência técnica para alívio ou supressão de dores e habilidade para estabelecer com seu cliente um relacionamento carregado de atenção, cuidado, empatia, reciprocidade, confiança e afeto. Observação Serão realizadas referências à empatia adiante. Consideraram que a adesão ao tratamento depende tanto do fisioterapeuta quanto do cliente, porque um tratamento completo requer compromisso das duas partes. Ao cliente compete ser disciplinado, assíduo, comprometido, disposto a realizar os exercícios domiciliares recomendados, desejar melhorar e depositar confiança no profissional e na técnica por ele adotada. No estudo de Subtil et al. (2011), foram identificadas as seguintes causas de abandono do tratamento por parte de clientes: 13 dificuldades financeiras; exigência de retornar ao trabalho; desinteresse; desvalorização do tratamento; insatisfação com as técnicas utilizadas e insatisfação com o relacionamento estabelecido com o fisioterapeuta. Na pesquisa aqui relatada, os pesquisadores chegaram à conclusão de que a não adesão ao tratamento fisioterapêutico por parte dos clientes esteve associada a seis causas principais: condições socioeconômicas desfavoráveis, que dificultaram o acesso ao local de tratamento; busca por aposentadoria precoce e auxílio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); espera prolongada pelo início do tratamento; resistência a aceitar o fato de estar sofrendo uma doença crônica; melhora inexpressiva devido à falta de persistência; necessidade de voltar às atividades laborais para sustento da família. Vemos, pois, que a adesão à fisioterapia esteve relacionada tanto a contingências gerais quanto a características pessoais dos clientes, de fato, os principais interessados e principais responsáveis pela própria reabilitação. A interação fisioterapeuta-cliente esteve incluída entre os principais fatores de adesão e sucesso do tratamento. Também foram identificados outros elementos importantes dessa adesão, estes de responsabilidade do fisioterapeuta: oferta de cuidado integral, que inclui considerar o cliente em todas as suas dimensões de ser – física, psicológica (pensamento, sentimento e comportamento), socioeconômica; Observação Este conjunto de elementos tradicionalmente reconhecidos por autores da psicologia vem sendo enriquecido pelos debates sobre espiritualidade, religiosidade e religião do cliente. 14 estabelecimento de boa comunicação; reconhecimento dos temores, angústias e frustrações experienciados pelo cliente por estar doente; reconhecimento de suas contingências socioeconômicas. Se partimos do pressuposto de que todas as doenças são psicossomáticas, já que corpo e mente são inseparáveis tanto anatômica quanto funcionalmente, não podemos dissociar transtornos orgânicos de questões psicológicas. Para identificar fatores psicossociais imbricados no adoecimento de clientes, é preciso que a formação profissional de um fisioterapeuta inclua conhecimentos que favoreçam o reconhecimento de fatores psicossociais e de fatores relativos à interação fisioterapeuta-cliente, para que o atendimento propicie estados emocionais favoráveis à reabilitação. Quanto mais um fisioterapeuta reconhece as necessidades, potencialidades e desejos de seu cliente, maiores serão suas chances de ser bem-sucedido em seu trabalho. Observação Posteriormente serão retomados os temas adesão ao tratamento e psicossomática. Nem sempre é fácil para um fisioterapeuta lidar com as angústias, temores, frustrações, carências, entre outros tantos estados emocionais trazidos pelos clientes à sessão de fisioterapia. Qualquer pessoa que tenha tido a experiência de estar numa sala de atendimento fisioterapêutico, seja na condição de terapeuta, seja na condição de cliente, sabe que a ocorrência de uma interação significativa é favorecida por se tratar de uma convivência prolongada, com estímulos táteis e comunicação verbal durante boa parte da sessão. Os autores da pesquisa aqui relatada assinalam que a produção de estudos sobre essa relação no âmbito da fisioterapia é ainda escassa, e os poucos trabalhos realizados sugerem que a eficácia do processo de reabilitação depende muito da qualidade dessa interação humana. Tomando conhecimento das conclusões a que chegaram Subtil et al. (2011), logo percebemos diversos elementos que caracterizam o bom diálogo. Esse assunto é tão importante que merece especial atenção, e por isso a ele nos dedicaremos neste livro-texto. Consideramos de extrema importância a inclusão de noções de psicologia na formação de fisioterapeutas. No entanto, essas noções nem sempre estão incluídas entre as prioridades dessa formação profissional. Por quê? Para responder a essa pergunta, Canto e Simão (2009) tecem algumas considerações: são muitas e diversas as abordagens psicológicas das relações eu-outro, assim como é numeroso e diversificado o conjunto de conceitos teóricos envolvidos. Soma-se a isso o fato de que escolhas teórico-metodológicas no campo da psicologia, que contribuam para a prática profissional de agentes da saúde, demandam prolongados esforços para conhecê-las e para escolher dentre elas 15 uma que seja considerada apropriada às convicções pessoais e profissionais desses cuidadores. Por isso, segundo essas autoras, a perspectiva psicológica é pouco presente, ou totalmente ausente, na formação de fisioterapeutas. De uma perspectiva humanizadora do processo saúde-doença, é preciso estimular no graduando de Fisioterapia o conhecimento de noções de psicologia e o apreço por uma prática reflexiva, dado que o exercício dessa profissão tem lugar na zona fronteiriça das ciências médicas com as ciências humanas. Desejamos a você uma leitura agradável e elucidativa! 16 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Unidade I 1 PSICOLOGIA E FISIOTERAPIA 1.1 Ciências da saúde e a prática de fisioterapeutas Figura 2 Retornando ao passado da fisioterapia, surgida entre 1945 e 1959 (GAVA, 2004 apud GRECCHI; CASTRO, 2008), vemos que fisioterapia e medicina têm caminhado lado a lado, compartilhando muitas vezes a mesma concepção reducionista e mecanicista de pessoa. Temos um bom exemplo disso em disciplinas de anatomia, nas quais partes de corpos humanos são manuseadas como se fossem peças de uma máquina. Mas, perguntamos, haveria outras concepções de pessoa diferentes dessa concepção mecanicista? Por que razão o conhecimento científico ocidental seria a única possibilidade de compreensão dos fenômenos envolvidos na prática do fisioterapeuta? Por que motivo outros sistemas do saber não podem ter sua importância reconhecida? Bem, de fato, nossa experiência de clientes da fisioterapia nos dá a conhecer que diversas práticas integrantes da medicina tradicional chinesa vêm sendo utilizadas em atendimentos clínicos: a acupuntura chinesa, que consiste na aplicação de agulhas bem finas em pontos específicos do corpo; a moxabustão, espécie de acupuntura térmica, realizada por meio de combustão da erva Artemisia sinensis e Artemisia vulgaris, cujo nome em chinês significa “longo tempo de aplicação do fogo”. 17 Unidade I Figura 3 Práticas integrantes da medicina tradicional japonesa também vêm sendo utilizadas. Entre elas, a acupuntura japonesa, que utiliza uma única agulha bem fina, e o shiatsu, técnica de massagem terapêutica que pode prevenir doenças e amenizar problemas, como estresse e ansiedade. Quando perguntamos se há outras concepções de pessoa distintas da concepção mecanicista própria da medicina ocidental, se há alguma razão para o conhecimento científico ocidental ser apresentado como a única possibilidade de cura e se outros sistemas do saber podem ter sua importância reconhecida, encontramos bons elementos para responder a essas perguntas. Respostas a essas e a outras perguntas são encontradas, por exemplo, nos trabalhos realizados nos últimos 20 anos pelo Grupo de Pesquisa Racionalidades Médicas e Práticas de Saúde, liderado por Madel Therezinha Luz. E o que são racionalidades médicas? O termo racionalidades médicas diz respeito aos sistemas médicos construídos com base nas seguintes dimensões: morfologia humana; dinâmica vital; doutrina médica (noção de saúde e doença); sistema diagnóstico; 18 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA cosmologia; sistema terapêutico. Figura 4 Essa simples formulação, que reúne seis dimensões próprias de todo e qualquer sistema médico, tem favorecido o desenvolvimento de estudos comparativos entre as medicinas tradicionais chinesa, japonesa, aiurvédica, africana; homeopatia; medicina ocidental contemporânea; medicinas populares – que coexistem, muitas vezes, no mesmo contexto sócio-histórico, ou seja, ao mesmo tempo e no mesmo lugar. O operador conceitual racionalidades médicas foi criado para “analisar ou comparar sistemas médicos complexos em perspectiva teórica, analítico-descritiva, ou empírica, seja globalmente, como um todo, seja dimensão a dimensão” (LUZ; BARROS, 2012, p. 219). Ao se referirem à medicina ocidental contemporânea, Luz e Barros (2012, p. 235) dizem: “trata-se de uma medicina de máquinas para (preservação de) máquinas”. Identificar relações entre distintos sistemas de cura, fundamentados em distintas noções de pessoa e distintas concepções de universo e tempo, certamente contribui para o aprimoramento dos serviços de atendimento à saúde. Lembrete Retornando ao que dissemos no início deste livro-texto, não podemos ignorar o fato de que em nosso país convivem distintas concepções de universo, de tempo e de pessoa. Na área da saúde, por exemplo, vemos práticas médicas e paramédicas inspiradas no chamado paradigma vitalista, de caráter holístico, convivendo com práticas médicas e paramédicas próprias da medicina ocidental contemporânea, que se inspira no paradigma cartesiano da mecânica clássica e é crescentemente estimulada por avanços tecnológicos que priorizam o diagnóstico em detrimento da terapêutica. 19 Unidade I Segundo esses autores, na antiga (e falsa) oposição entre ciência e religião e entre ciência e saberes tradicionais, a ciência, considerada “racional”, foi tida como oposta aos demais saberes, considerados “irracionais”. Classificar como “racionalidades” saberes advindos de países do Oriente, por exemplo, é reconhecer, qualificar e legitimar tanto os saberes de sociedades tradicionais quanto os saberes de sociedades modernas. De fato, todos esses saberes, sejam tradicionais ou modernos, estão impregnados de crenças, mitos e ideologias. O que precisamos fazer é olhar criticamente os diversos modelos das ciências de cuidado e cura para podermos eliminar preconceitos e aceitar hábitos e costumes distintos dos considerados racionais. É preciso que façamos isso sem perda de nosso bom senso e de nosso senso crítico. Observação É de grande relevância para o profissional o (re)conhecimento de que toda escolha de intervenção – preventiva ou terapêutica – tem fundamentos teóricos específicos. 2 IMPORTÂNCIA DA PSICOLOGIA PARA O FISIOTERAPEUTA Figura 5 A fisioterapia, ciência da saúde focada no movimento humano, da biomecânica à funcionalidade, tem por finalidade a promoção da saúde, a prevenção de agravos e a reabilitação de distúrbios cinético-funcionais decorrentes de alterações em órgãos e sistemas do corpo. Atuando em todas as fases da vida humana, minimiza fatores de risco associados à evolução de doenças e interfere em situações nas quais o movimento e/ou a função estão comprometidos por causas genéticas, lesões, doenças adquiridas ou condições biológicas, entre as quais o envelhecimento. Ao realizar seu planejamento terapêutico, o fisioterapeuta, respeitando a integridade física, psíquica e social do cliente, utiliza conhecimentos relativos a órgãos e sistemas do corpo humano. Tais conhecimentos advêm de ciências morfológicas, fisiológicas, bioquímicas, biofísicas, biomecânicas, patológicas e psicossociais. 20 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA O fisioterapeuta, profissional da saúde com formação acadêmica superior, acha-se habilitado a realizar o diagnóstico de distúrbios funcionais, prescrever condutas fisioterapêuticas, acompanhar a evolução de quadros clínicos funcionais e avaliar as condições para alta do tratamento. Capacitado para atuar nos níveis primário, secundário e terciário de atenção à saúde, em várias áreas da fisioterapia – ortopedia, cardiologia, respiratória, neurologia, pediatria, gerontologia, dermatofuncional e saúde da mulher, entre outras –, o fisioterapeuta mostra-se apto a integrar equipes interdisciplinares, como as existentes nos núcleos de saúde da família, em ambulatórios, enfermarias e unidades de terapia intensiva (UTIs). Toda e qualquer prática profissional, seja na área da educação, seja na área da saúde, tem fundamentos teóricos próprios. É indispensável alinhar a própria ação profissional ao quadro teórico que lhe oferece sustentação e, ao mesmo tempo, alinhá-la com o quadro de convicções, crenças e valores pessoais. Isso para que as intervenções realizadas sejam mais efetivas e eficazes. Em outras palavras, é preciso que a teoria, a prática e as convicções pessoais do fisioterapeuta sejam congruentes, sejam convergentes. Daí a necessidade de (re)conhecermos o território em que pisamos e o tempo histórico em que vivemos para melhor avaliação do modo e da medida pelos quais cada um de nós contribuirá para o bem-estar de indivíduos e de coletividades. Quando nós, autores deste livro-texto, nos propusemos a refletir sobre possíveis aplicações da psicologia na prática de fisioterapeutas e a colaborar para que seu exercício profissional alcance níveis de excelência, nos vimos diante da necessidade de mapear esse território, revisitando sua história e suas áreas de atuação, para poder identificar suas potencialidades e limitações. Para atingir esses objetivos, optamos por iniciar nossa viagem de conhecimentos com o mapeamento do panorama histórico da psicologia como ciência. Veremos que formidável construção coletiva de saberes foi realizada ao longo de cerca de dois séculos. Se a leitura atenta dessa história for acompanhada de um processo de observação contínua dos pensamentos e sentimentos que esta leitura mobiliza em nós, estaremos dando um passo importante para a identificação do que pretendemos eleger como fundamento teórico de nosso agir profissional, coerente com nossas convicções e valores pessoais; um agir profissional que, não estando alienado de nosso ser, possibilite uma intervenção que não seja alienante para nossos clientes. Nesse sentido, insistimos que você, leitor, esteja sempre atento ao que esta leitura mobiliza em você de sentimentos e emoções. É sábia a recomendação que o grande poeta e filósofo Gaston Bachelard (1993, p. 126) nos faz, em A poética do espaço: “Escuta bem, no entanto. Não minhas palavras, mas o tumulto que se eleva em teu corpo enquanto escutas”. Vamos tratar de ler os textos aqui contidos, observando, simultaneamente, que pensamentos, sentimentos e emoções são estimulados pela leitura. Ainda é Bachelard (1993, p. 32) que diz: “Eu me ouvia fechando e reabrindo os olhos”. Façamos isso. Vamos nos ouvir, fechando e reabrindo os olhos, lendo um trecho e em seguida silenciando, refletindo, para que a leitura realize em nós sua função transformadora. Vamos revisitar, então, a história da psicologia, suas áreas de atuação e seus principais temas, para posteriormente identificarmos as potencialidades e limitações dessa ciência humana e social, quando se trata de sua aplicação à fisioterapia. 21 Unidade I 3 PANORAMA HISTÓRICO DA PSICOLOGIA E PRINCIPAIS ÁREAS DE ATUAÇÃO DOS PSICÓLOGOS Figura 6 3.1 Panorama histórico da psicologia Ao nos interessarmos pelo panorama histórico da psicologia, frequentemente ouvimos dizer que em lugar de nos referirmos a essa área do saber como “psicologia”, mais correto seria falarmos em “psicologias”, tamanha é a diversidade de escolas, tendências e concepções construídas ao longo de sua história. No geral, se pode dizer que várias tendências teóricas foram se desenvolvendo e sucedendo, por vezes de modo paralelo, por vezes se ignorando mutuamente ou, ainda, se colocando em conflito umas com as outras. Quando a psicologia se afastou da filosofia, sua matriz, à qual estivera atrelada desde Sócrates (469-399 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.), havia a preocupação de torná-la uma ciência e, para isso, os teóricos adotaram princípios, métodos e técnicas das ciências naturais da época, especialmente da física e da fisiologia. Isso a tal ponto que a psicologia foi inicialmente denominada psicofisiologia: a ênfase dos estudos recaía sobre as sensações, a memória e os processos de aprendizagem, e os métodos utilizados eram de cunho experimental, quantitativo e estatístico, ou seja, métodos próprios de uma concepção mecanicista da atividade psíquica. O estadunidense William James (1842-1910), filósofo e psicólogo, é considerado um dos fundadores da psicologia, cujo nascimento como disciplina autônoma e como ciência ocorreu no ano de 1879, em Leipzig (Alemanha), onde foi criado o primeiro laboratório de psicologia experimental por iniciativa dos alemães Wilhelm Maximilian Wundt (1832-1920), filósofo, médico e psicólogo, Ernst Heinrich Weber (1795-1878) e Gustav Theodor Fechner (1801-1887). No Brasil, o nascimento da psicologia como disciplina autônoma e como ciência ocorreu somente em 1906 e teve por marco histórico a inauguração de laboratórios de psicologia experimental voltados para a educação. Para melhor situar o tema, vamos recorrer a Maslow (1962 apud SCHULTZ; SCHULTZ, 2016), que agrupou as psicologias em quatro categorias, por ele denominadas forças: 22 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Primeira força da psicologia: o behaviorismo, ou psicologia comportamental, propõe o comportamento observável como objeto de estudo da psicologia. Desenvolvido inicialmente pelos estadunidenses John Broadus Watson (1878-1958) e Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), foi sendo fortalecido por seguidores. Segunda força da psicologia: a psicanálise. Estudos de psicopatologia estimularam o desenvolvimento da psicologia clínica. Entre os pioneiros dessa abordagem incluem-se os franceses Jean-Martin Charcot (1825-1893), médico e pesquisador, e Pierre-Marie-Félix Janet (1859-1947), psicólogo, psiquiatra e médico neurologista, que foram seguidos pelo austríaco Sigmund Freud (1856‑1939), médico neurologista e psiquiatra criador da psicanálise. Esta enfatizou aspectos inconscientes e instintivos da natureza humana e negligenciou aspectos saudáveis e de ordem superior. Terceira força da psicologia: a humanista-existencial. O suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra dissidente de Freud, fundou a psicologia analítica e desenvolveu, entre outros, os conceitos de arquétipos e de inconsciente coletivo. Considerou a existência de níveis psíquicos superiores, afirmando a importância das experiências religiosas e dos valores espirituais. Entre os integrantes da terceira força estão incluídos Rollo May (1909-1994), psicólogo existencialista, Carl Rogers (1902-1987), psicólogo criador da abordagem centrada na pessoa, Gordon Willard Allport (1897-1967), psicólogo, o alemão Erich Fromm (1900-1980), psicanalista, filósofo e sociólogo, e o austríaco Viktor Emil Frankl (1905-1997), neuropsiquiatra fundador da terceira escola vienense de psicoterapia, da logoterapia e da análise existencial. Quarta força da psicologia: a psicologia transpessoal. Com base em abordagens que constituíram a psicologia humanista-existencial, foram desenvolvidos estudos voltados ao conhecimento de aspectos superiores do ser humano – sua natureza e sua vida espiritual. Sua proposta é estudar, empírica e cientificamente, tudo o que se refere aos caminhos espirituais, às necessidades transcendentes (metanecessidades) individuais e da espécie humana, às experiências de pico (peak experiences), aos valores do ser, às experiências místicas e aos fenômenos transcendentes. Observação As forças da psicologia não conflitam entre si: todas são válidas, cada qual em seu campo de ação. Ao realizarmos essa viagem, obtemos uma ampla visão da história da psicologia como ciência. Vamos percorrer, agora, o território da atuação profissional de psicólogos, o que favorecerá a identificação de possíveis interfaces a serem estabelecidas entre a psicologia e a fisioterapia. O que pretendemos ao reunir essas informações é que o aluno perceba a complexidade da ciência psicológica e possa estar mais bem situado nesse contexto teórico-técnico quando avançarmos na leitura deste livro-texto, em busca de conhecimentos de psicologia. Com base nesses quadros de referência, mais fácil se torna a realização de opções teóricas e metodológicas. 23 Unidade I Saiba mais Para conhecer detalhes do início da história da psicologia é interessante consultar a seguinte obra: MASSIMI, M. História da psicologia brasileira: da época colonial até 1934. São Paulo: EPU, 1990. 3.2 Áreas de atuação do psicólogo Tendo realizado esse trajeto histórico, que nos dá a conhecer a evolução dessa ciência no tempo, convém, agora, olharmos para o mapa de áreas de atuação dos psicólogos que são legalmente reconhecidas pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2007): neuropsicologia; psicologia clínica; psicologia de trânsito; psicologia do esporte; psicologia escolar/educacional; psicologia hospitalar; psicologia jurídica; psicologia organizacional e do trabalho; psicologia social; psicomotricidade; psicopedagogia. Lembrete Antes de apresentarmos as áreas de ação do psicólogo, lembramos que elas encontram suporte em algum ou alguns dos quadros teóricos que compõem as forças da psicologia. 24 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Diversas podem ser as modalidades de ação profissional conjunta de psicólogos e fisioterapeutas, ou seja, esses profissionais podem intervir em equipes multi ou interdisciplinares, atuando em parceria. Daí a importância para os fisioterapeutas do reconhecimento das possibilidades de ação dos psicólogos. Veremos a seguir um pouco de cada uma dessas áreas. Saiba mais A descrição completa das atribuições do psicólogo nas diversas áreas de atuação pode ser consultada em: CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP n. 013/2007. Institui a Consolidação das Resoluções relativas ao Título Profissional de Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e procedimentos para seu registro. Anexo II. Brasília, 2007. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp- content/uploads/2008/08/Resolucao_CFP_nx_013-2007.pdf. Acesso em: 18 mar. 2020. O psicólogo especialista em neuropsicologia atua no diagnóstico, acompanhamento e tratamento de distúrbios neurológicos. Participa de pesquisas sobre condições neurológicas e aspectos do psiquismo. O psicólogo especialista em psicologia clínica atua na área específica da saúde, em diferentes contextos, realizando intervenções que visam reduzir o sofrimento das pessoas, levando em conta a complexidade humana. Essas intervenções podem ocorrer em nível individual, grupal, institucional ou comunitário e implicam uma variada gama de dispositivos clínicos com finalidade diagnóstica e terapêutica. O psicólogo especialista em psicologia de trânsito procede ao estudo de processos psicofísicos e psicossociais relacionados aos problemas de trânsito. Colabora na elaboração e implantação de ações de engenharia e operação de tráfego; desenvolve ações socioeducativas com pedestres, ciclistas, condutores infratores e outros usuários das vias de transporte. O psicólogo especialista em psicologia do esporte procura identificar princípios e padrões de comportamento de crianças, adolescentes e adultos participantes de atividades físicas. No esporte de alto rendimento, tem por função ajudar atletas, técnicos e comissões técnicas a utilizarem recursos psicológicos para atingirem um nível ótimo de saúde mental, para maximizar o rendimento de atletas e otimizar sua performance. O psicólogo especialista em psicologia escolar/educacional atua no âmbito da educação formal, realizando pesquisa, diagnóstico e intervenção preventiva ou corretiva em grupo e individualmente. No âmbito administrativo, contribui para a análise do clima educacional, buscando melhor funcionamento do sistema, que resultará na realização dos objetivos educacionais. Realiza seu trabalho em equipe interdisciplinar, integrando seus conhecimentos aos dos demais profissionais da educação. 25 Unidade I O psicólogo especialista em psicologia hospitalar atua em instituições de saúde, participando da prestação de serviços de nível secundário ou terciário de atenção à saúde. Atua também em instituições de ensino superior e/ou centros de estudo e pesquisa, visando ao aperfeiçoamento ou à especialização de profissionais nessa área de competência ou colaborando para o aprimoramento de outros profissionais de saúde que estejam cursando ou tenham concluído o ensino médio ou superior. O psicólogo especialista em psicologia jurídica atua no âmbito da justiça, colaborando no planejamento e execução de políticas de cidadania, de direitos humanos e de prevenção da violência; sua ação é centrada na avaliação e orientação psicológica de juristas que demandam suporte para o andamento de processos judiciais. Também contribui para a formulação, revisão e interpretação de leis. O psicólogo especialista em psicologia organizacional e do trabalho realiza atividades relacionadas à análise e ao desenvolvimento organizacional, à ação humana nas organizações, ao desenvolvimento de equipes, à consultoria organizacional, à seleção e acompanhamento de pessoal. Tem por principais objetivos subsidiar as decisões na área de recursos humanos (promoção, movimentação de pessoal, incentivo, remuneração de carreira, capacitação e integração funcional) e promover a autorrealização de trabalhadores e a eficácia do trabalho em equipe. O psicólogo especialista em psicologia social atua fundamentado na compreensão da dimensão subjetiva dos fenômenos coletivos, sob diferentes enfoques teóricos e metodológicos, com o objetivo de problematizar e propor ações no âmbito social. Desenvolve atividades em diversos espaços institucionais e comunitários, no âmbito da saúde, da educação, do trabalho e do lazer. O psicólogo especialista em psicomotricidade atua nas áreas de educação, reeducação e terapia psicomotora, utilizando recursos para desenvolvimento, prevenção e reabilitação humana. Participa de atividades interdisciplinares em clínicas de reabilitação, serviços de assistência escolar, escolas especiais, hospitais, associações e cooperativas. Presta auditoria, consultoria, assessoria, assistência e tratamento especializado para o preparo de pessoas que praticam atividades esportivas, escolares e clínicas. O psicólogo especialista em psicopedagogia atua na investigação e intervenção em processos de aprendizagem de habilidades e conteúdos acadêmicos. Busca compreender os processos cognitivos, emocionais e motivacionais, integrados e contextualizados na dimensão social e cultural em que ocorrem. Trabalha para articular o significado dos conteúdos veiculados no processo de ensino com o sujeito que aprende. As áreas de atuação de psicólogos que podem se beneficiar de parcerias com a fisioterapia são a psicologia clínica, a psicologia escolar/educacional, a psicologia do esporte, a neuropsicologia, a psicomotricidade e a psicopedagogia. Lembrete Na área da psicologia do esporte, o psicólogo tem sido requisitado a sugerir atividades que auxiliem o desportista a administrar seu estresse quando em preparo para competições e durante elas. 26 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA 4 TÓPICOS DE PSICOLOGIA ÚTEIS A FISIOTERAPEUTAS Observação Nesta seção do livro-texto, foram adotadas como principais fontes de informações: M. Ancona-Lopez e R. I. Ribeiro (2006, 2009, 2012); M. Ancona-Lopez, R. I. Ribeiro e E. R. Frias (2015); M. Ancona-Lopez e E. R. Frias (2018); e R. I. Ribeiro, E. R. Frias e R. W. Muotri (2020). 4.1 Principais funções psíquicas Nesta seção discorremos sobre algumas das principais funções psíquicas – inteligência; pensamento e linguagem; atenção e concentração; sensação e percepção; memória; motivação – e sobre as emoções, por reconhecer que esse conhecimento é útil ao fisioterapeuta, tanto para sua ação junto a clientes quanto para sua participação em equipes interdisciplinares. Quando o fisioterapeuta recebe um cliente com alguma disfunção psicológica mais séria, a ética profissional exige o encaminhamento desse cliente a um profissional da psicologia ou da psiquiatria. 4.1.1 Inteligência O conceito de inteligência geral proposto por Spearman (1904) postula a existência de um fator geral de inteligência – fator “g” –, que influencia todo e qualquer desempenho cognitivo e se faz acompanhar de fatores específicos (“s”), que influenciam performances específicas, como memória e capacidade de cálculo. Seu conceito inclui a noção de que diferentes tipos de desempenho cognitivo – atenção, memória, funções executivas, raciocínio abstrato, habilidade de cálculo, linguagem etc. – são positivamente correlacionados entre si. O que significa isso? Significa que o bom desempenho em determinada área, como cálculo, por exemplo, se faz acompanhar da tendência a um bom desempenho em outras áreas – atenção, memória etc. Guilford, na década de 1960, propôs o modelo denominado estrutura do intelecto, que considera três dimensões de traços intelectuais: operações, conteúdos e produtos. A dimensão de operações se refere ao processo cognitivo implicado nas tarefas (aquilo que a pessoa faz); a dimensão de conteúdo se refere ao processo cognitivo implicado no tipo de informação veiculada (natureza dos materiais); e a dimensão de produto se refere ao processo cognitivo implicado no resultado obtido pela atividade mental de processamento da informação. Posteriormente, o psicólogo americano James McKeen Cattell incluiu novas competências da inteligência a serem medidas por meio de testes psicológicos: força muscular; velocidade do movimento; 27 Unidade I sensibilidade à dor; acuidade visual e auditiva; discriminação de peso; tempo de reação; memória. Sternberg (1985) utilizou a expressão teoria triárquica da inteligência humana, por considerar a inteligência constituída de três aspectos: Criativo: possibilita solucionar problemas novos. Analítico: possibilita solucionar problemas já conhecidos e favorece a tomada de decisões. Prático: possibilita recorrer a teorias para atender a demandas de ordem prática. Os estudos de Gardner (1994) viriam a substituir o paradigma unidimensional da inteligência pelo multidimensional, a partir do reconhecimento de que a inteligência é composta de diversas “inteligências” interdependentes. As primeiras inteligências mapeadas por ele foram as seguintes: lógico-matemática; linguística; naturalista; interpessoal; intrapessoal; espacial; corporal-cinestésica; musical; existencialista. Considerando a inteligência como habilidade de aprender a partir da experiência, de solucionar problemas e de usar o conhecimento para se adaptar a novas situações, imediatamente reconhecemos que essa habilidade envolve diversas capacidades. Por inteligência fluida, por exemplo, se entende a 28 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA capacidade de resolver problemas novos, relacionar ideias, induzir conceitos abstratos, compreender implicações, extrapolar e reorganizar informações. Associada a componentes não verbais, a inteligência fluida depende pouco de conhecimentos prévios. Depende, sim, de conhecimentos específicos relativos à condição sociocultural dos indivíduos. Muitos estudos foram realizados para verificar se há correlações entre zonas cerebrais e inteligência e se há determinantes genéticos para a inteligência. Observação O conhecimento de tantas peculiaridades da função da inteligência foi incluído neste livro-texto para favorecer o diálogo de fisioterapeutas com psicólogos e com outros profissionais. A mesma observação é válida para a descrição de particularidades de outras funções psíquicas. 4.1.2 Pensamento e linguagem Por meio de avaliação das condições do pensamento, são verificadas a velocidade e fluência do pensamento e de seu conteúdo, bem como sua organização e coerência. Essa avaliação exige um exame da linguagem, durante o qual se busca verificar se a fala do paciente é compreensível e se ele entende o que ouve. Entre as alterações psiquiátricas da linguagem incluem-se a inibição da linguagem, o aumento do fluxo verbal sem incoerência, o aumento do fluxo verbal com incoerência, o mutismo e o uso de neologismos. Alterações da linguagem podem indicar a presença de um quadro de esquizofrenia, uma vez que a formação e o uso de conceitos, bem como o raciocínio e a capacidade de julgar podem estar afetados por desestruturação da personalidade. Havendo dúvida, o fisioterapeuta encaminhará o cliente para atendimento psiquiátrico. 4.1.3 Atenção e concentração A atenção é um processo psíquico que permite focalizar estímulos, selecioná-los e estabelecer relações entre eles. Corresponde à função cognitiva que possibilita dirigir o pensamento para um único foco e realizar distintas ações com precisão. Ao dirigirmos um carro, por exemplo, nosso foco principal é colocá-lo em movimento, o que exige acelerar, mudar de marcha, olhar para a frente, observar os sinais de trânsito e os pedestres, e assim por diante. Ou seja, é preciso selecionar, triar e organizar as tarefas, processo cognitivo que pouco a pouco vai se automatizando, e a automatização propicia economia de energia neuromotora, o que, por sua vez, reduz os níveis de atenção. A atenção exige muita atividade cerebral: milhões de neurônios são recrutados para que tenhamos êxito na aprendizagem e na execução de ações. Disso se conclui que quanto maior e mais prolongada for a exigência de atenção, mais energia será exigida. Logo, estar bem alimentado e com as horas de sono em dia, estar descansado e, principalmente, interessado pela tarefa a ser realizada são condições de aumento das chances de poder contar com uma atenção efetiva, realizada com sucesso. 29 Unidade I Nenhuma pessoa é capaz de realizar duas tarefas ao mesmo tempo com o mesmo nível de atenção. Não é possível, por exemplo, falar ao telefone celular e simultaneamente dirigir o carro, pois uma dessas duas tarefas será prejudicada. O que chamamos de prejuízo é a perda de velocidade na execução de tarefas ou, simplesmente, a elevação do número de erros durante a ação, pois a atenção é limitada em termos de capacidade e de duração. Há fatores internos e externos que interferem diretamente nos níveis de atenção. Quando lemos um livro, por exemplo, estamos sujeitos à interferência desses fatores. Algumas pessoas conseguem ler e se concentrar em ambientes altamente agitados, outras, porém, necessitam de ambientes calmos e tranquilos para manter o nível de atenção necessário à realização da leitura. O nível de atenção é treinável: podemos aprender a ter mais foco em nossas ações, e quanto mais foco, maiores são as chances de ser bem-sucedido. Ao nos concentrarmos em algo específico presente em nosso meio, a atenção aos detalhes irrelevantes do objeto de nosso interesse pode reduzir a capacidade de perceber outros objetos igualmente presentes; desse modo, a atenção focada em determinada tarefa pode nos levar a ignorar outras. Ou seja, de nossa concentração sobre um alvo primário pode resultar a incapacidade de perceber outro alvo. A atenção é um processo presente e atuante desde o nascimento. Recém-nascidos dispõem de reflexos importantes para a sobrevivência: respostas a estímulos de alimentação, medo, evitação e fuga. Esses reflexos naturais, embora inibidos com o passar do tempo, deixam memórias motoras que continuam a nos beneficiar ao longo da vida. O cérebro humano dispõe da capacidade de suprimir sinais para evitar distração, e esse sistema “antidistração” pode ajudar a entender distúrbios psicológicos relacionados à atenção, como o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Os níveis de atenção são influenciados por emoções. Distrações podem ser determinadas pela necessidade de evitar erros e por insegurança, dois sentimentos sabotadores de qualquer progresso. Por exemplo, pessoas movidas por culpa ou intolerantes com os próprios erros involuntariamente sabotam a si mesmas. Daí a necessidade de autoconhecimento e de saber lidar com as próprias emoções. Vejamos algumas peculiaridades dessa função cognitiva denominada atenção: Atenção concentrada: a atenção concentrada, processo cognitivo que possibilita escolher um estímulo específico em detrimento de qualquer outro, é o tipo de atenção demandada nos processos de aprendizagem – assistir a uma aula, ler um livro, aprender e reproduzir exercícios ensinados pelo fisioterapeuta. Durante o período em que a atenção está concentrada em algo, todo o ser fica envolvido pela tarefa a ser realizada e muitas preocupações desaparecem do campo mental. Atenção seletiva: ao escolhermos manter o foco da atenção em determinado objeto, fazemos uso consciente e deliberado da atenção seletiva. No entanto, a seletividade ocorre continuamente de modo inconsciente, porque, estando sempre expostos a múltiplos estímulos intra e interpsíquicos, seria absolutamente insuportável perceber tudo o que está presente simultaneamente em nossa subjetividade e em nosso entorno. O sistema nervoso central se incumbe de nos fazer ficar atentos ao que é mais importante em cada momento, e o entendimento desse dinamismo é importante para a ação do fisioterapeuta. 30 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Atenção alternada (ou flutuante): temos capacidade para deslocar o foco de nossa atenção de um objeto para outro, seja no ambiente externo, seja em nossa interioridade. Podemos eleger nosso principal foco de atenção. Por exemplo: durante uma conversa com alguém, podemos alternar nosso foco de atenção de modo que ora atentamos ao que está sendo dito por nosso interlocutor, ora atentamos aos efeitos de suas palavras em nossos sentimentos. A atenção alternada (ou flutuante) é utilizada a todo momento, todos os dias, porque mudanças repentinas em nossas atividades exigem alternância do foco de atenção. Atenção sustentada: a atenção sustentada garante a manutenção do foco de interesse durante uma atividade contínua e repetitiva que se prolongue por longo período. Como essa modalidade de atenção demanda motivação (extrínseca ou intrínseca), é recomendável que se estimule a motivação de tempos em tempos. Temos muitos exemplos disso no cinema e na literatura: as narrativas são construídas de modo a manter atento o receptor da mensagem. No caso de um tratamento fisioterápico, é preciso considerar particularidades da individualidade de cada cliente para definir meios de renovar estímulos durante o processo de aprendizagem ocorrido nas sessões de atendimento. Concentração: é a capacidade de manter a atenção focada em um único objeto, um único objetivo, uma determinada atividade. Para haver concentração é preciso haver atenção seletiva. A concentração, processo cognitivo que envolve um único foco e uma única ação, possibilita avaliar uma situação e eleger uma estratégia eficiente de ação. Diversos fatores podem interferir nos níveis de concentração: distrações visuais e auditivas, provocações recebidas, pensamentos negativos, diálogo intrassubjetivo etc. A concentração exige treino e controle consciente, ou seja, exige um processo de aprendizagem que conduz à mudança de paradigmas e de hábitos. O relaxamento e a meditação são práticas que têm demonstrado bons resultados para quem pretende atingir altos níveis de concentração. Quando as funções de atenção e concentração de uma pessoa apresentam funcionamento normal, isso é denominado normoprosexia, e, havendo redução global ou parcial da atenção e da concentração, dizemos que a pessoa apresenta um quadro de hipoprosexia. Alterações da atenção são comuns em distúrbios neurológicos e neuropsicológicos, bem como em transtornos mentais, como demências e transtornos do humor. Pode ocorrer que um fisioterapeuta receba um cliente com alguma dessas disfunções. Se observar que a disfunção está comprometida a ponto de dificultar seriamente ou impossibilitar a comunicação entre ambos, terá que encaminhar o cliente para atendimento especializado. 4.1.4 Sensação e percepção Percepção é a função por meio da qual são atribuídos significados a estímulos sensoriais com base em vivências passadas. Ou seja, por meio da percepção organizamos e interpretamos nossas impressões sensoriais e atribuímos significados às informações que chegam a nós por meio de sensações. A percepção nos possibilita antecipar ocorrências. Ao longo dos anos, as percepções vão sendo apuradas e utilizadas com grau de precisão crescente. Como as experiências passadas interferem na percepção, papel importante fica reservado à memória, que enfraquece durante o envelhecimento. 31 Unidade I Particularmente útil a fisioterapeutas é a perspectiva teórica oferecida pela antroposofia (Rudolf Steiner), corrente teórica que fundamenta a educação Waldorf, a medicina antroposófica e a euritmia, entre outras iniciativas sociais. Ao tratar do tema percepção, a antroposofia nos surpreende ao reconhecer um total de 12 sentidos, que incluem sete sentidos além dos cinco sentidos com os quais já estamos familiarizados – visão, audição, olfato, paladar e tato. Segundo essa perspectiva teórica, a realidade – externa e interna – é apreendida por meio de 12 sentidos, organizados em três sistemas orgânicos inter-relacionados: Sistema neurossensorial: corresponde às atividades cognitivas e tem lugar no sistema nervoso. É relacionado às atividades do pensamento – nervos periféricos conduzem ao cérebro os estímulos recebidos por meio da visão, audição, olfato, paladar e tato. O processo cognitivo é responsável pela atenção, concentração, memória e organização das representações que temos da realidade. Sistema rítmico: corresponde à circulação do sangue e à respiração e tem lugar na área do tórax. É relacionado aos sentimentos – muitos estímulos advêm da dimensão emocional para somente depois passarem por processos de cognição. Sistema metabólico-motor: corresponde às funções metabólicas e motoras e tem lugar em diversas regiões do corpo, especialmente na área do abdome e nos membros (pernas e braços), principais recursos de ação no mundo. Dos 12 sentidos organizados nesses três sistemas orgânicos, quatro são considerados básicos; quatro, médios; e quatro, superiores. Vejamos. Os quatro sentidos básicos (internos) – volitivos: Sentido do tato: propicia a noção de si mesmo. O tato não nos informa sobre o mundo e sim sobre os limites entre o eu e seu entorno. Sentido da vida: nos informa sobre o estado atual do corpo – bem-estar, mal-estar – por meio do sistema nervoso simpático e parassimpático. Por meio desse sentido identificamos as fronteiras de nosso corpo físico, somos informados sobre o estado de nossos processos metabólicos. Sentido do movimento: nos informa sobre as condições de movimento e repouso de nosso corpo por meio do relaxamento e contração de grupos musculares. Sentido de equilíbrio: canais semicirculares do ouvido interno nos informam sobre o equilíbrio do corpo. Os quatro sentidos médios (exteriores): Olfato: somente é possível porque o ar carrega substâncias que atuam sobre o nariz, havendo mais de quatro mil odores. 32 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Paladar: nos informa sobre características das substâncias quando dissolvidas em água. Os quatro tipos básicos de sabor – salgado, amargo, ácido e doce. Visão: nos informa sobre formas, cores, movimentos e relações. Sentido térmico: nos informa sobre o equilíbrio entre calor interno e externo. Os quatro sentidos superiores (cognitivos): Audição: nos informa sobre a origem dos sons de nosso entorno – um metal soa diferente de um pedaço de madeira; a voz humana soa diferente do canto de um pássaro. Sentido da palavra: nos informa sobre a concreta essência conceitual do pensamento humano. Sentido do pensar: nos permite diferenciar nosso pensamento do pensamento de outra pessoa e isso nos possibilita reconhecer a qualidade humana de sermos dotados da capacidade de formar conceitos a respeito do que nos rodeia e vivenciá-los em nossa interioridade. Sentido do eu: permite que nos reconheçamos como seres humanos, conscientes da própria existência e capazes de criar. Saiba mais Para maior compreensão dessa abordagem teórica, consulte a obra a seguir: STEINER, R. Os doze sentidos e os sete processos vitais. São Paulo: Antroposófica, 2016. A percepção em seu funcionamento normal não apresenta nem ilusões (percepção deformada de objetos reais), nem alucinações. As alucinações visuais geralmente indicam comprometimento orgânico, enquanto ilusões e alucinações auditivas indicam psicoses funcionais – esquizofrenia, mania, depressão psicótica. Ao receber um cliente que apresenta alguma dessas disfunções da sensopercepção, será preciso encaminhá-lo para atendimento especializado. 4.1.5 Memória A memória, processo psicológico envolvido na maioria das atividades humanas, faz parte do complexo cognitivo. Poderíamos, ingenuamente, sermos levados a julgar que a única função da memória é o mero registro de informações, porque, afinal de contas, reconhecemos a toda hora que há uma relação entre a situação vivida e a lembrança que permanece dela. Mas não é bem assim. 33 Unidade I Alertamos ao fato de que o processo de memorização ocorre em três etapas: codificação, armazenamento e recuperação de informações. A codificação envolve a transformação de um estímulo físico em código a ser armazenado – som, imagem, estimulação tátil, por exemplo. O armazenamento é a retenção desse código por períodos breves ou longos. A recuperação é o resgate de informações armazenadas. Em outras palavras, a primeira etapa – codificação – se refere à transformação da informação ambiental em um código capaz de ser acondicionado em determinada instância do psiquismo; a segunda etapa – armazenamento – se refere à retenção e preservação da informação; e a terceira etapa – recuperação – se refere ao acesso e resgate da informação armazenada. As etapas de codificação, armazenamento e recuperação envolvem intermediações bioquímicas, via neurotransmissores, e intermediação elétrica, via neurônios. Há evidências de que as emoções interferem no processo de memorização. Toda memória é adquirida quando estamos em certo estado emocional. As emoções estimulam a liberação de substâncias no cérebro, como a noradrenalina, a dopamina, a serotonina, a acetilcolina ou a betaendorfina, que agem como moduladores da atividade cerebral. Essas substâncias aumentam ou diminuem a ocorrência de algumas ligações nervosas (sinapses), inclusive de ligações responsáveis pela memória. Inúmeros estudos clínicos e experimentais sobre a relação entre estados emocionais e memória permitem afirmar que a memória é mais favorecida por certos níveis de emoção do que pela repetição dos eventos e frequência de evocação. Quando armazenamos memórias de alto conteúdo emocional, mais facilidade teremos para recuperar as informações. Além disso, há um fenômeno denominado dependência de estado, em função do qual a memória é melhor quando o contexto, no momento da recuperação de dados, equivale ao contexto existente no momento da codificação. Em termos neuro-humorais, essa relação pode ser explicada pela repetição, no momento da evocação, do “ambiente” neuro-humoral específico presente no momento da formação da memória. Vejamos um exemplo: Joãozinho está pondo a mesa para almoço da família na sala de sua casa. Corre o olhar por tudo o que já fez e identifica que esqueceu de trazer os guardanapos. Vai até a cozinha para buscá-los, mas chegando lá para e se pergunta: “o que é mesmo que eu vim buscar?”. Força a memória, mas cadê imagem? Não vem nenhuma. Então Joãozinho volta para junto da mesa da sala, olha para o que já fez, e pronto! Imediatamente se lembra do que tinha ido buscar: os guardanapos! Como tendemos a relembrar situações emocionalmente desagradáveis, poderíamos supor que a memória dessas situações prevalece. No entanto, não é isso o que as pesquisas têm demonstrado: situações emocionalmente carregadas, sejam agradáveis ou desagradáveis, são igualmente lembradas e sua memória prevalece sobre a de situações emocionalmente neutras. Quanto ao esquecimento, sabemos que ele pode ser atribuído a diversas causas. Uma dessas causas pode ser a ocorrência de uma falha em alguma das três etapas do processo de memorização: ou por que a pessoa não estava suficientemente atenta ou por não ter feito esforço suficiente para reter as informações do ambiente. Em casos de amnésia por lesão cerebral decorrente do abuso de bebida alcoólica, é possível que um indivíduo não consiga recordar o nome de pessoas que acabou de conhecer, mas possa aprender e realizar novas atividades. 34 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Esquecemos a maior parte das informações que chegam até nós, e várias teorias já foram propostas para explicar porque isso acontece. Entre elas, as mais conhecidas são a teoria da interferência e a teoria da deterioração. A interferência ocorre quando informações concorrentes fazem com que esqueçamos algo, e a deterioração ocorre quando a simples passagem do tempo faz com que esqueçamos. Em qualquer fase do processo de memorização – codificação, armazenamento e recuperação – pode ocorrer falseamento. Em outras palavras, nem sempre nos lembramos das situações tal como elas ocorreram e nem sempre somos capazes de lembrar todos os detalhes percebidos no momento em que vivenciamos determinada experiência. É possível dizer que o ato de lembrar envolve trabalho construtivo, sendo mais que um simples registro. Entre as muitas variáveis que impedem a memória de ser um mero registro de ocorrências, incluem‑se as seguintes: o contexto ambiental em que ocorrem a recepção, a codificação, o armazenamento e a recuperação; aspectos referentes à organização das informações a serem memorizadas; a interação entre o processo de memorização e outros processos psicológicos básicos (como percepção, atenção e emoção); fatores próprios da química cerebral (conjunto de neurotransmissores que modulam a atividade cerebral). Fenômeno particularmente interessante é o das falsas memórias, recordação de eventos que não ocorreram ou lembranças significativamente distorcidas de eventos ocorridos. As falsas memórias vêm sendo tema de discussão em diferentes áreas do conhecimento. A partir da década de 1990, houve um aumento significativo do número de publicações sobre o tema. Na área jurídica, por exemplo, estudos foram realizados para averiguar a precisão dos relatos de testemunhas. Na área da psicologia clínica, alguns teóricos passaram a discutir a capacidade de crianças ou adultos relatarem fidedignamente ocorrências do passado em suas sessões de psicoterapia. De modo geral, os estudos experimentais realizados para investigar a geração de falsas memórias utilizam um procedimento que consiste na memorização de listas de palavras associadas (por exemplo, cigarro, cinza, charuto, nicotina etc.) para posterior teste de reconhecimento. Evidências empíricas e experimentais permitem afirmar também que, embora haja uma tendência a lembrar melhor situações emocionalmente carregadas do que outras, desprovidas de emoção, a possibilidade de falseamento ocorre em ambos os casos. Considera-se como memória explícita ou descritiva a que abarca conteúdos que podem ser descritos por meio da fala; e como memória implícita ou processual a que abarca conteúdos próprios de atividades cognitivas e motoras simples, como, por exemplo, trançar o cabelo. Enquanto a memória explícita está prioritariamente associada à aprendizagem verbal, a memória implícita está prioritariamente associada à aprendizagem motora. 35 Unidade I Entre as questões do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) 2012: Psicologia, há um exemplo ilustrativo disso. Pode ocorrer que saibamos fazer algo muito bem, mas não sejamos capazes de verbalizar sobre isso. Vejamos o relato que integra a referida questão do Enade e que exemplifica o fato de haver diferença entre aprendizagem verbal e aprendizagem motora, relacionadas, respectivamente, à memória explícita e à memória implícita: Henry (19 anos de idade) terminou seu trabalho na cozinha e foi para o convés. Havia um velho marinheiro sentado em uma escotilha, trançando um longo cabo. Cada um de seus dedos parecia uma inteligência ágil enquanto trabalhava, pois, seu dono não os olhava. Em vez de olhá-los, tinha os olhinhos azuis fixos, ao estilo dos marinheiros, cravados além dos confins da costa. – Então, queres conhecer o segredo das cordas? disse-lhe, sem afastar o olhar do horizonte. – Pois só tens que prestar atenção. Faço há tanto tempo que minha velha cabeça se esqueceu de como se faz; só meus dedos se lembram. Se penso no que estou fazendo, me confundo (STEIBECK, 2002 apud INEP, 2012, p. 12). Em estado normal, as funções da memória se mostram preservadas – memória imediata, recente e remota; memória de fixação e de evocação. Disfunções da memória incluem amnésia e casos de retenção de lembranças que insistem em permanecer na consciência por mais que o paciente se esforce por se livrar delas. Esse tipo de fixação e recorrência de lembranças, muitas vezes indesejáveis, sugere tratar‑se de um paciente com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Havendo dúvida, o fisioterapeuta encaminhará o cliente para atendimento neurológico. Evidentemente, todas as funções psíquicas têm suporte neurológico. Algumas correspondências psiconeurológicas são estabelecidas entre o córtex pré-frontal e as funções executivas. Um exemplo clássico disso é o caso do paciente Phineas Gage, apresentado a seguir. Na tarde de 13 de setembro de 1848, nos Estados Unidos, durante a execução de uma tarefa cotidiana, o operário Phineas Gage, com 25 anos de idade, provocou uma explosão que impulsionou violentamente uma barra de ferro que segurava, a qual penetrou sua face esquerda e saiu pelo topo do crânio, produzindo lesão da área pré-frontal do córtex cerebral. Antes do acidente, Gage era sério, competente, inteligente e persistente na execução de seus planos de ação, sendo muito respeitado pelos colegas. Logo depois do acidente, ele permaneceu consciente e lúcido e pôde responder às perguntas do médico e dos colegas. Sobreviveu à intervenção cirúrgica e foi dado como plenamente recuperado dois meses depois, sem apresentar qualquer prejuízo em seu quociente de inteligência (QI) nem em suas habilidades motoras, sua visão e audição e sua memória. Mas, fato interessante, Gage apresentou grande alteração de personalidade: se tornou inconsequente, inconveniente, incapaz de planejar e direcionar a própria vida. Perdeu o emprego, os laços de amizade e nunca mais conseguiu estabelecer vínculos afetivos e sociais duradouros. 36 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Esse caso clássico da história da neurociência, descrito e discutido pelo neurocientista António Damásio, em seu livro O erro de Descartes (1996), serviu de base para a compreensão do envolvimento do cérebro em funções da razão, da emoção e da personalidade, ao evidenciar o envolvimento do córtex pré-frontal nas funções cognitivas. A partir do caso Gage, a neurociência aprofundou os estudos sobre o córtex pré-frontal, responsável por um conjunto de funções cognitivas denominadas funções executivas, que englobam processos que nos permitem planejar, tomar decisões e executar tarefas de forma organizada e planejada. Esses processos incluem a memória de trabalho, o planejamento e organização, a atenção e concentração, o manejo do tempo, a metacognição, as respostas inibitórias, a regulação do afeto, a iniciação de tarefas e os conceitos morais. As relações entre lesões neurológicas e funções psíquicas têm se tornado compreensíveis graças aos estudos desenvolvidos na área de neurociências, que tem por objeto de investigação o sistema nervoso e suas relações com a fisiologia do organismo, o que inclui a relação entre cérebro e funções psíquicas. Toda ação psíquica depende de uma rede neurofuncional que compreende um conjunto dinâmico e interconectado de componentes psicológicos e cerebrais. Isso significa que, no cérebro humano, há regiões neuroanatômicas específicas, associadas às funções psíquicas, fisiológicas e motoras. No entanto, nem todas as operações ou mecanismos básicos do psiquismo encontram correspondência precisa em determinadas regiões cerebrais, havendo, nesse sentido, certa plasticidade neuronal para a preservação das funções psíquicas nos casos de lesão. Avanços recentes das neurociências, especialmente os apoiados em recursos da neuroimagem funcional, vêm confirmando a hipótese de que as funções psíquicas encontram correspondência em regiões cerebrais, embora não possam ser totalmente explicáveis em função dessa localização, dada a ação multifatorial à qual estão sujeitos os organismos vivos. Narramos esse episódio clássico da neurociência para chamar a atenção dos fisioterapeutas para a importante relação do cérebro com funções psíquicas, pensando na possibilidade de chegada para o atendimento de fisioterapia. Isso para evitar que sua compreensão dos clientes fique reduzida a aspectos do psiquismo em detrimento de aspectos neurológicos que demandam encaminhamento para neurologistas. 4.1.6 Motivação A motivação é fator de grande relevância em qualquer atividade. Segundo Murray (1986, p. 20), motivação é o “fator interno que dá início, dirige e integra o comportamento de uma pessoa”. Essa noção que vincula a motivação a uma energia interna é compartilhada por diversos teóricos. Interessante observar que a palavra motivação é originária do latim movere, o que lhe confere o sentido de “colocar em movimento”. Interessante porque, de fato, é a motivação que leva alguém a realizar algo, a se manter realizando e a concluir o que iniciou. Evidentemente, distintas pessoas são movidas por distintos impulsos e distintos interesses. Há um provérbio chileno que expressa bem esse fato: “Lo que uno no come, otro se pierde por ello”: uma comida 37 Unidade I não apreciada por determinada pessoa é motivo de perdição para outra. Por exemplo, hoje, enquanto há pessoas se deliciando diante da televisão ou em redes sociais, nós, autores deste livro-texto, estamos nos deliciando em sua elaboração: dedicamos tempo, esforços e esperanças, movidos pelo ideal e pelo desejo de participar da formação e aprimoramento profissional das novas gerações, o que não significa que nunca sejamos movidos por outros motivos em outros lugares e outras circunstâncias. Isso porque o processo motivacional varia de intensidade e de duração de acordo com diversas variáveis internas e externas, entre as quais se incluem o tipo de atividade e as características pessoais. Isso nos leva a perguntar: por que um indivíduo se comporta do modo como se comporta? O que o leva a se comportar desse ou daquele modo? Observação Na relação ensino-aprendizagem, seja qual for o am

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