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Universidade do Minho
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This document is a textbook on Portuguese tax law, covering topics such as the definition of taxes, the role of administrative entities, and the jurisdiction aspect of taxation. It discusses the difference between substantive and adjective law, and the implications of tax law in practice.
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Conteúdo 1. O Direito tributário substantivo e o Direito tributário adjetivo................................................................... 1 2. A atividade administrativa tributária...................................................................................................
Conteúdo 1. O Direito tributário substantivo e o Direito tributário adjetivo................................................................... 1 2. A atividade administrativa tributária........................................................................................................... 3 2.1. Noção de Administração tributária e enquadramento da sua atividade................................................ 3 2.2. Noção e classificação dos atos da Administração tributária................................................................. 5 2.3. Os atos tributários em particular (noção ampla e noção restrita). Importância da autonomização...... 8 3. A jurisdição tributária............................................................................................................................... 8 3.1. As finalidades e o enquadramento da jurisdição tributária................................................................... 8 3.2. Dimensões constitucionais da jurisdição tributária.............................................................................. 8 3.3. A força das decisões jurisdicionais..................................................................................................... 10 4. A privatização da atividade tributária. A desadministrativização e a intervenção dos privados.... 10 5. As garantias dos contribuintes (primeira abordagem)......................................................................... 10 5.1. Garantias administrativas................................................................................................................... 10 5.2. Garantias jurisdicionais...................................................................................................................... 13 5.3. A inexistência de efeito suspensivo e a necessidade de prestação de garantia adequada.................. 14 1. O Direito tributário substantivo e o Direito tributário adjetivo Direito adjetivo = o conjunto de normas respeitantes à aplicação normativa em matéria tributaria, que pode ser levada a cabo por três entidades diferentes: Administração, Tribunais e privados. No direito adjetivo estamos perante situações de natureza individual e concreta. O direito substantivo tem por objeto o conjunto de normas respeitantes à criação normativa em matéria tributária. É caracterizado por um conjunto de problemas de natureza geral e abstrata (criação de tributos, interpretação de normas tributarias, etc) Para clarificar as expressões “normas tributárias” e “matéria tributária” é necessário definir o que é um tributo: Um tributo é toda a prestação coativa com finalidades financeiras. Prestação coativa Coatividade quanto à origem O tributo é sempre fixado por ato normativo: lei, decreto-lei ou regulamento. Não podem existir “tributos” criados por entidades privadas. Coatividade quanto à O conteúdo também é fixado por ato normativo, conformação do conteúdo sendo quaisquer manifestações de vontade privada irrelevantes. Porquê? Violar-se-iam facilmente os princípios de igualdade, de proporcionalidade, etc. Com finalidades Significa que os tributos devem ser exigidos com vista à produção de bens públicos financeiras e semipúblicos, destinados a satisfazer necessidades de caráter coletivo e público (diplomacia, defesa, segurança, iluminação pública, saúde, etc.). À luz destes requisitos, tributos são: Impostos Taxas Contribuições financeiras a favor de entidades públicas Contribuições especiais A delimitação da noção de tributo e do âmbito de incidência de Direito Tributário assume especial importância a vários níveis, especialmente para a delimitação do âmbito da jurisdição dos Tribunais. ↳ “Tribunais fiscais” ou “Tribunais tributários”? Duas soluções possíveis: Ou se entende, por um lado, que os Tribunais em questão apenas são competentes para dirimir conflitos de pretensões que digam respeito a todas relações jurídicas tributários e então a denominação “Tribunais tributários” será, rigorosamente, a mais apropriada. Ou se entende que tais Tribunais competentes para dirimir conflitos de pretensões que digam respeito a todas as relações jurídicas tributárias e então a denominação “Tribunais tributários” será, rigorosamente, a mais apropriada. A CRP (art. 212.º, nº 3) e o ETAF (art. 1.º, nº 1) apenas se referem às relações fiscais, mas devemos entender que a referência é feita às relações tributárias, por 2 motivos: Argumento de ordem histórica – quer a redação do antigo ETAF, quer a jurisprudência, consideram que os tribunais tributários (e não os fiscais) são os órgãos competentes para RJ’s tributárias respeitantes a todos os tributos, não apenas a impostos. Uma interpretação sistemática aponta para a mesma conclusão (ETAF e CPPT): que os tribunais tributários exercem a sua atividade jurisdicional no âmbito, não apenas dos impostos em particular, mas dos tributos em geral. Foi dito acima que o direito tributário adjetivo tem por referência a aplicação de normas tributárias aos casos em concreto (pela Administração tributaria, os Tribunais tributários e os sujeitos privados). Agora alguns exemplos: i) Atos praticados pela Administração tributaria: atos de inspeção tributária, a liquidação de certos impostos, o reconhecimento de um pedido de isenção, o indeferimento de uma reclamação graciosa, a instauração de um processo de execução fiscal contra um contribuinte devedor ou a autorização para o pagamento de uma divida tributária em prestações, etc. ii) Atos praticados pelo Tribunal tributário: o conhecimento de uma impugnação judicial intentada pelo contribuinte, a autorização da administração ter acesso aos dados bancários de certo sujeito passivo, ou a resolução de uma oposição à execução fiscal, etc. iii) Atos praticados por sujeitos privados: entrega de declarações de rendimentos, a prestação de informações, a manutenção da contabilidade organizada, a liquidação do IRC, a cobrança de um imposto por retenção na fonte por parte de uma entidade patronal ou de um banco, etc. Este ultimo campo tem assumido mais importância, na medida em que se verifica cada vez mais a atribuição de tarefas tributarias a entidades privadas – maior colaboração por parte dos contribuintes na tarefa de arrecadação de receitas públicas. Esta tendência para a privatização, porém, não significa que o Direito tributária deva ser considerado um ramo de DA, pois uma parte não negligenciável da atividade tributaria não é levada a cabo por entidades administrativas ou privadas. 2. A atividade administrativa tributária A atividade administrativa tributaria é o conjunto de atos da Administração tributária de aplicação das normas tributárias ao caso em concreto. 2.1. Noção de Administração tributária e enquadramento da sua atividade Deve adotar-se uma noção ampla de AT – o legislador engloba no seu perímetro de abrangência todas as “entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos”. Então, a AT em sentido amplo é: i) A Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA): erviço da administração direta do Estado e tem como fim administrar os impostos, direitos aduaneiros e outros tributos que lhe sejam atribuídos. ii) Outras entidades públicas a) Autarquias locais b) Hospitais públicos c) Diversos institutos públicos setoriais d) Entidades de regulação e supervisão e) Os membros do Governo quando exercem competências administrativas no domínio tributário – Ministro das finanças, Ministro da economia, Ministro da agricultura, Secretário de estado dos assuntos fiscais, etc. Mas para estarmos perante AT não baste que existam estas entidades, pois elas podem levar à prática de atos que não têm nada a ver com Direito Tributário. ↳ A AT pressupõe a verificação de uma dimensão subjetiva (integrar uma das entidades acima) e também uma dimensão objetiva (praticar atos de Direito Tributário). A atividade administrativa tributária levada à prática por todos estes sujeitos jurídicos ganha forma através da execução de atos que podem ser: Atos meramente materiais (p. ex. a receção de um documento ou petição, a passagem de uma certidão, a analise da contabilidade ou da escrita de certa empresa, ou audição de um contribuinte) Atos jurídicos (p. ex. liquidação de um tributo, avaliação de um bem, indeferimento de uma reclamação ou a penhora de um imóvel) o São atos administrativos (atos individuais e concretos fixadores de efeitos jurídicos) Esta atividade administrativa é juridicamente enquadrada: ↪ tem de obedecer aos princípios da constitucionalidade, da legalidade, da proporcionalidade e da obrigatoriedade de fundamentação ↪ goza de uma presunção de legalidade ↪ pode ser jurisdicionalmente impugnável A AT deve ser perspetivada como um verdadeiro sujeito de Direito, ao qual é reconhecida pelo legislador a titularidade de certas situações jurídicas subjetivas. Tais situações não incidem apenas sobre direitos subjetivos (de carater concreto e determinado), mas também poderes jurídicos (de natureza abstrata). Mas mesmo nas situações subjetivas abstratas tituladas pela Administração corresponderá uma situação jurídica passiva à qual um sujeito (contribuinte) está adstrito: o dever de entregar a prestação tributaria ao Estado; de manter a contabilidade organizada; ou de se sujeitar a inspeções. A AT não tem interesses próprios, prossegue sempre o interesse público. Por isto, a atuação da AT deve estar revestida de um involucro protetor especial que lhe permita atuar de um modo mais seguro. Podemos destacar as seguintes prerrogativas: O privilégio da execução prévia de que gozam os seus atos (quer dizer q os seus efeitos podem ser levados à pratica independentemente de discussão de legalidade) Os seus créditos gozam de preferência no pagamento relativamente a outros (salários, dividas a fornecedores, etc) As suas certidões de divida consideram se titulo executivo – não precisam de recorrer a Tribunal para obter uma sentença declaratória dizendo que os contribuintes estão em falta As suas dívidas podem ser cobradas através de um processo de execução especial (é mais célere, um ano de duração máxima) Para certos efeitos criminais, os funcionários da ATA consideram-se investidos de poderes de autoridade pública. Naturalmente a prática de todos os atos por parte da AT não se faz de uma forma súbita, mas por um complexo de passos Procedimento tributário. Será possível afirmar a existência de atos de natureza tecnológica (feitos esquemas operativos automáticos) que sejam imputados à AT? Se a resposta for sim, está a assumir-se uma conceção de administração automatizada e de atos informáticos. A resposta é NÃO porque sistemas operativos não conseguem por si mesmos produzir uma vontade autónoma ponderada como um humano consegue. 2.2. Noção e classificação dos atos da Administração tributária Noção operativa de ato administrativo tributário: ato da AT de aplicação da norma tributária ao caso em concreto e produtor de efeitos jurídicos na esfera jurídica de determinado sujeito. a) Atos singulares (individuais) e atos gerais ATOS SINGULARES ATOS GERAIS Produzem efeitos numa esfera jurídica Têm um campo de abrangência geral e abstrato (p. ex. determinada e numa situação jurídica concreta as orientações genéricas que a AT pode emanar) (são a larga maioria, p. ex. atos de liquidação) Nota importante: só os atos singulares é que podem ser alvo de controlo por via de reclamação, recurso ou impugnação. b) Atos unilaterais e atos consensuais ATOS UNILATERAIS ATOS CONSENSUAIS São fixados de modo unilateral pela Os seus efeitos são fixados de uma forma pactuada, Administração, sendo um ato autoritário que se convocando-se a vontade de ambos os sujeitos repercute na esfera jurídica do destinatário sem procedimentais (AT e contribuinte). P. ex. acordos de que este se possa opor. pedido de revisão de matéria tributável fixada por métodos indiretos, acordos de regularização, o acordo Só estes é que podem ser colocados em crise pelo prévio sobre preços de transferência, etc. interessado. c) Atos impositivos e atos não impositivos ATOS IMPOSITIVOS ATOS NÃO IMPOSITIVOS São os que fixam efeitos jurídicos desfavoráveis para o seu destinatário. Fixam efeitos jurídicos São todos aqueles que: favoráveis – oficiosamente ou a pedido – reconhecendo um i) tributam ou exigem uma quantia pecuniária (ato de liquidação); direito ou interesse em matéria ii) oneram o seu património (penhora ou apreensão de um bem); tributária ou alargando o seu iii) obrigam a um comportamento (entrega de um documento); âmbito. iv) representam uma intromissão em dados respeitantes à sua vida privada (a derrogação do sigilo bancário) d) Atos definitivos e atos não definitivos ATOS DEFINITIVOS ATOS NÃO DEFINITIVOS i) Atos fixadores de efeitos jurídicos finais (critério i) Atos provisórios ou temporais cronológico – definitividade material) ii) Ato intermédio ou preparatório ii) Ato decisório concludente de um procedimento iii) Ato inferior hierarquicamente (critério procedimental – definitividade horizontal) iii) Ato que expressa a ultima palavra da AT, do seu superior hierárquico (critério hierárquico – definitividade vertical) ↳ Em termos de apreciação por parte do tribunal, o legislador exige que os atos sejam horizontalmente definitivos, não admitindo a impugnação contenciosa de atos intermédios. Já não se exige como regra a definitividade material nem vertical. e) Atos de primeiro grau e atos de segundo grau ATOS DE PRIMEIRO GRAU ATOS DE SEGUNDO GRAU Incorporam a primeira pronúncia decisória da AT São uma reapreciação de uma questão, são proferidos sobre determinada questão em sede de procedimentos recursivos ou impugnatórios como reclamações ou recursos. f) Atos expressos e atos tácitos ATOS EXPRESSOS ATOS TÁCITOS Manifestação de vontade exteriorizada através de um O sentido decisório resulta de um comportamento que revela um sentido decisório, comportamento indireto, mas que revela com positivo ou negativo. probabilidade um determinado sentido. P. ex. quando a decisão se revela pelo silencio face Quando um órgão decisor responde de modo direito se uma pretensão – indeferimento tácito. aceito ou não uma determinada pretensão do contribuinte (deferimento ou indeferimento expresso) g) Atos vinculados e atos discricionários ATOS VINCULADOS ATOS NÃO VINCULADOS/DISCRICIONÁRIOS O criador normativo fixa em termos absolutos todos O criador normativo traça apenas um molde geral de os pressupostos de aplicação da norma ao caso, aplicação da norma ao caso, colocando nas mãos do restando ao agente aplicador a tarefa de simples agente administrativo uma margem decisória no subsunção a esse caso, sem a mínima possibilidade momento da aplicação, concede-lhe uma liberdade de conformação conteudística. (discricionariedade) ↳ Os atos discricionários escapam ao controlo jurisdicional das atuações administrativas: nas situações em que o legislador atribui ao agente aplicador prerrogativas decisórias discricionárias, o Tribunal não pode, em sede de impugnação contenciosa, sindicar a oportunidade ou a conveniência da atuação do agente. h) Atos válidos e atos inválidos. Atos eficazes e atos ineficazes ATOS VÁLIDOS ATOS INVÁLIDOS Ato que cumpre todos os requisitos que o ordenamento Atos desconformes com o ordenamento. Ou exige para que possa estar apto a produzir efeitos seja, atos que não respeitam as exigências que o jurídicos respeitando as prescrições das normas ordenamento coloca para que possa entrar em superiores que o enquadram. vigor, violando prescrições normativas que o fundamentam e enquadram. A consequência destes atos é a anulabilidade e a nulidade em casos mais graves. Para aferir a invalidade/ilegalidade (99.º CPPT) de um ato, é preciso uma análise: a) Do ponto de vista objetivo: qual o parâmetro de validade (bloco de juridicidade que é o conjunto de normas jurídicas que vão parametrizar os atos da AT) e que normas e que integram este parâmetro: A CRP serve de parâmetro a todos os atos da AT: princípios constitucionais e os direitos fundamentais. Tratados internacionais e direito internacional: acordos de dupla tributação que visam resolver a dupla tributação de países diferentes. Normas legais – 112.º CRP: princípio da tipicidade fechada dos atos legislativos: leis, decretos leis, decretos legislativos regionais. Normas regulamentares: as taxas têm na sua base, muitas vezes, um regulamento de taxas. Orientações genéricas: normas gerais e abstratas emanadas pela AT. A ilegalidade stricto sensu é a violação da lei, enquanto que a lato sensu é a violação do bloco de juridicidade (99.º CPPT). Como o conceito deste artigo é amplo, devemos entender como violação do bloco. Consequências da Invalidade: Inexistência jurídica: nem sequer tem aparência de ato jurídico. Nulidade/Anulabilidade: distinguíveis através de dois critérios: ‣ Legitimidade para arguir o vício: na nulidade pode ser arguido por qualquer pessoa, na anulabilidade só por pessoas com interesse direto; ‣ Tempestividade: na nulidade o vício pode ser invocado a todo o tempo, na anulabilidade só dentro de determinada baliza temporal (70.º CPPT). Contudo, os conceitos de validade e invalidade não se confundem com os de eficácia e ineficácia porque existem atos válidos e existentes que ainda não estão aptos a desencadear em concreto os seis efeitos, faltando- lhe algum requisito de eficácia (tipo a publicação ou a notificação do interessado). 2.3. Os atos tributários em particular (noção ampla e noção restrita). Importância da autonomização Noção ampla de ato tributário: Um ato da AT que é produtor de efeitos jurídicos, de caráter individual e concreto, de aplicação da norma tributária substantiva a um caso determinado. Noção restrita de ato tributário: É o ato de determinação concreta da dívida tributária. É importante ter bem assente estas distinções pois não são sinónimas e os meios administrativos e jurisdicionais apenas podem ser utilizadas em referência a determinados tipos de atos, por exemplo: A reclamação graciosa (RG): apenas pode ser utilizada para colocar em crise a validade de atos tributários em sentido restrito. A ação administrativa (recurso contencioso): apenas pode ser utilizado, em tribunal para proceder ao controlo de atos administrativos em matéria tributária que não comportem a apreciação da legalidade da liquidação 3. A jurisdição tributária Faz parte do Direito tributário adjetivo e compreende o conjunto de atuações levadas a efeito pelos órgãos jurisdicionais (Tribunais) em matéria tributária. 3.1. As finalidades e o enquadramento da jurisdição tributária Finalidade da jurisdição resolver litígios entre o fisco e o contribuinte (usually) ↳ É este o sentido do princípio da reserva do juiz constitucionalmente consagrado (art. 202.º da CRP) O julgador deve preocupar-se, em primeiro lugar, em resolver o litígio, restaurando a normalidade jurídica, e não tanto “proteger” o contribuinte ou “acautelar” a perceção da receita pública. Agora, a resolução desse litígio poderá ser feita convocando uma postura objetivista ou subjetivista: ↳ Objetivista – a resolução do litígio está orientada à proteção do interesse público globalmente considerado e de valores jurídicos valiosos ↳ Subjetivista – a orientação da justiça tributária é de proteção das posições tributárias subjetivas dos contribuintes e outros obrigados tributários A jurisprudência e a doutrina tem se inclinado para a subjetivista – refere-se à justiça tributária como uma estrutura ancorada num modelo subjetivista, funcionalmente estruturado para tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses dos administrados, que não da Administração. Porém, a posição a adotar é: a finalidade essencial do contencioso tributário é obter a paz jurídica e não tanto – embora conheça-se, também – proteger posições jurídicas subjetivos ou bens jurídicos abstratamente considerados. 3.2. Dimensões constitucionais da jurisdição tributária Toda a justiça tributária deverá estar constitucionalmente enquadrada, tendo em consideração alguns princípios fundamentais chamados “garantias dos contribuintes” a) Princípio da constitucionalidade Este princípio afirma a subordinação de todos os órgãos do Estado e dos seus atos à CRP. Os Tribunais desempenham o papel de guardiães das normas fundamentais – têm um dever ex officio de desaplicação da norma inconstitucional (ao contrário dos órgãos administrativos que não se podem recusar a aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade). A própria CRP diz isto. Em consonância com este preceito, o art. 1 e 2 do ETAF vem precisar este dever para os Tribunais da jurisdição administrativa e fiscal. Daqui resultam duas consequências importantes: i) O Tribunal não pode estar dependente da arguição da constitucionalidade por parte dos outros atores processuais; constatando que tem diante de si uma norma inconstitucional deve desaplica-la; j) A questão da inconstitucionalidade surge apenas a título incidental – significa que a questão só é analisada depois de suscitada no decurso de um processo em andamento (processo que levou as partes a Tribunal no qual se discute outra questão jurídica) Este princípio inclui princípios constitucionais não escritos, ou seja, da constituição material. Assim, os Tribunais tributários devem obediência à constituição formal e material. b) Princípio da independência dos tribunais Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são independentes e apenas estão sujeitos à lei e ao Direito – artigo 203º da CRP e 2º ETAF. Podemos distinguir entre: Independência objetiva: os tribunais estão subordinados a todas as “leis” no sentido de atos normativos (leis, decretos-lei, tratados internacionais, regulamentos, etc), mas não estão sujeitos a qualquer comando ou diretiva de que poder for. Independência subjetiva: garantias de inamovibilidade e irresponsabilidade quanto às decisões tomadas. Os tribunais não podem ser responsabilizados pelas sentenças e acórdãos que fazem. Estes são independentes e não tem que dar satisfações a quem estiver fora do exercício da função jurisdicional – artigo 216º n.º1 CRP e 3.º ETAF. c) Princípio da reserva da função jurisdicional em matéria tributaria Este princípio afirma que o exercício da função jurisdicional está reservado ao Tribunal, e, ao juiz, sendo inconstitucional qualquer atribuição deste exercício a outros órgãos, designadamente, administrativos – arts. 202.º/1 CRP e 1.º/1 do ETAF. d) Princípio da proteção jurídica Está no art. 20.º da CRP e é densificado através das seguintes manifestações: Direito de acesso ao Direito Direito de acesso aos Tribunais Direito à informação e consulta jurídicas Direito ao patrocínio judiciário Direito a uma decisão jurídica em tempo razoável Direito a um processo equitativo e) Princípio da reserva legal das garantias dos contribuintes Diz-nos que a alteração das garantias dos contribuintes está sujeita à reserva da lei (lei da AR ou DL autorizado) – artigo 21º e 103º nº2 CRP. A violação deste princípio faz gerar uma inconstitucionalidade e confere ao lesado um direito à resistência. 3.3. A força das decisões jurisdicionais As decisões jurisdicionais têm uma força vinculativa superior e formam caso julgado não podendo as partes proceder em modo diverso do que nelas for estipulado. Em caso de conflito entre uma decisão administrativa e uma decisão jurisdicional prevalece esta segunda. Podemos dizer que estas decisões possuem um involucro protetor comum e uma supremacia que é reconhecida pela constituição. Artigo 100º LGT. 4. A privatização da atividade tributária. A desadministrativização e a intervenção dos privados Além da AT e tribunais, existem ainda um outro grupo de autores que aplicam as normas ao caso concreto, que são as entidades privadas, como por exemplo, as entidades patronais (no final do mês paga o salário ao trabalhador, fazendo uma retenção na fonte, que é a aplicação de uma norma abstrata e geral ao caso concreto). Aqui fala-se numa desatualização, desadministração: convocação de privados para tarefas tipicamente administrativas. Não vamos estudar a privatização. 5. As garantias dos contribuintes (primeira abordagem) Estando o Direito tributário adjetivo, se não ao serviço, pelo menos intimamente ligado às pretensões dos contribuintes e constituindo a defesa destes um seu escopo, não se lhe pode negar uma função eminentemente garantística individual. Tal função garantística reclama a existência de esquemas, ordenações e instrumentos formais (ou seja, procedimentos e processos) cujo objetivo poderá ser, em relação a um determinado ato, a sua declaração de inexistência, declaração de nulidade, anulação, revogação ou confirmação. Estamos a falar das "garantias dos contribuintes". Em relação a tais instrumentos garantísticos, podemos estabelecer uma categorização bipartida, em que se consideram: i) Instrumentos graciosos, que são aqueles que decorrem perante órgãos de natureza administrativa (garantias graciosas ou administrativas); e ii) Instrumentos jurisdicionais, que são aqueles que decorrem perante Tribunais (garantias jurisdicionais). Vejamos de uma forma introdutória e sumária cada um deles. 5.1. Garantias administrativas Efetivam-se perante órgãos de natureza administrativa. Garantias administrativas impugnatórias: são meios através dos Garantias administrativas não quais um sujeito põe em causa a conformidade de um ato da AT com impugnatórias: não prosseguem o ordenamento jurídico e têm como objetivo proceder à sindicância esse objetivo. ou controle desse ato. 5.1.1. Garantias administrativas não impugnatórias a) Direito à informação Partindo das normas da CRP, nomeadamente do n.º 1 do art. 268.º ("os cidadãos têm o direito de ser informados… sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas"), o legislador adjetivo e as práticas administrativas elevaram o direito à informação (indubitavelmente, um direito análogo a um direito liberdade e garantia ") à categoria de pilar essencial do edifício de salvaguarda das posições subjetivas e colocaram ao dispor dos interessados um amplo conjunto de meios de o efetivar. Assim, para que tal direito seja efetivamente assegurado é-lhes facultado: O direito de arquivo aberto ou de open file, que se materializa no acesso aos processos (no sentido de acervo documental ou dossiers), arquivos e registos administrativos que lhes digam respeito⁹8; O direito ao esclarecimento em tempo útil das dúvidas que possam ter acerca da interpretação, integração e aplicação das normas tributárias"; O direito a obter informação sobre a fase em que o seu procedimento se encontra e a data previsível da sua conclusão O direito à comunicação da existência, teor e autoria de denúncias dolosas não confirmadas, designadamente para efeitos de eventual processo criminal contra quem as tenha levado a efeito perante os órgãos da Administração tributária; O direito à notificação - na forma legalmente exigida - dos atos administrativos que produzam ou possam produzir efeitos na sua esfera jurídica; O direito à fundamentação desses mesmos atos, quando afetem posições subjetivas merecedoras de tutela e proteção, nomeadamente direitos ou interesses legalmente protegidos, O direito a requerer as certidões necessárias à utilização dos meios administrativos e contenciosos; O direito à informação prévia, vinculativa para a Administração tributária –, em relação ao caso em concreto objeto do pedido. Amplamente considerado, o direito à informação afirma-se como um "direito à transparência documental", abrangendo ou englobando na prática um "feixe" de inúmeros outros direitos, como a possibilidade de consulta de processos, de obtenção de cópias, de acesso a transcrições, de passagem de certidões, etc. b) Direito de participação Significa a efetiva possibilidade de os interessados terem a faculdade de intervir no procedimento tributário ou, utilizando as palavras do legislador, de participar "na formação das decisões que lhes digam respeito". Está previsto na CRP (art. 267.º, n.º 1), embora de uma forma ambígua. A participação pode efetuar-se por várias formas, nomeadamente através do direito de audição antes de qualquer ato procedimental tributário lesivo com o qual o destinatário não poderia razoavelmente contar, em especial antes: Da conclusão do ato tributário definitivo por excelência (o ato de liquidação); Do indeferimento, total ou parcial, de pedidos, reclamações, recursos ou petições; Da revogação de qualquer beneficio fiscal ou ato administrativo constitutivo de direitos em matéria fiscal; Da decisão de aplicação de métodos indiretos de tributação, quando não haja lugar a relatório de inspeção; Da conclusão do relatório da inspeção tributária. Tal direito poderá ser dispensado nos casos em que: (i) a liquidação do tributo se efetuar com base na declaração do próprio sujeito passivo (porque já “participou” na feitura do ato) (ii) casos em que de nada serviria ouvi-lo, pois o ato a praticar satisfaz por inteiro a sua pretensão; (iii) e a liquidação se efetuar oficiosamente com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito. O que se procura nestes casos é evitar que a audição se transforme num momento meramente dilatório e inútil, e que, por causa disso, viole o princípio da celeridade e economia dos atos procedimentais. Subjacente a estes sistemas participativos, está uma ideia de co-responsabilização das decisões: estas podem ser consideradas e tomadas pelos vários sujeitos envolvidos no procedimento e não apenas pela AT. Assim, não estamos perante um direito fundamental de defesa, mas só de um direito de pronúncia sobre o objeto do procedimento, garantindo a objetividade deste, implicando isto que a sua inobservância gera mera anulabilidade do ato em causa, e não a sua nulidade. O exercício do direito de audição faz nascer na esfera jurídica da Administração o dever de considerar todos os novos elementos quer de facto quer de Direito trazidos ao procedimento. Se tal não for feito, pode-se considerar que a decisão final desse procedimento, além de estar porventura deficientemente fundamentada, incorpora uma preterição de formalidades e será, como tal, suscetível de anulação. A participação, contudo, em regra não é obrigatória, e se o contribuinte que não quiser participar no procedimento não fica impedido de mais tarde utilizar os meios impugnatórios que entender adequados, não vigorando, portanto, nesta matéria qualquer princípio de preclusão. Por outro lado, o facto de o sujeito intervir a título participativo no desenrolar do íter procedimental pode até significar uma diminuição das possibilidades de utilização futura dos meios processuais de impugnação. Com efeito, o sujeito que aceitou por via participativa os argumentos aduzidos pela AT não pode, mais tarde, entrar em litígio judicial com base neles (proibição do venire contra factum proprium). Por último, uma importante ideia deve ser salientada: se o ato em questão, sendo praticado pela AT e sendo lesivo, se revelar materializado, não no quadro de um procedimento, mas de um processo tributário (por exemplo, uma execução fiscal), este direito de audição, de acordo com alguma jurisprudência, não é de considerar. 5.1.2. Garantias administrativas impugnatórias Como já foi referido, através das garantias impugnatórias pretende-se colocar em crise, junto de órgãos administrativos, a conformidade de um determinado ato da Administração tributária com o ordenamento jurídico. Duas são as garantias que sobressaem neste contexto: a reclamação e o recurso. Em abstrato, podem ser apontados dois critérios para distinguir uma figura da outra: Critério orgânico: o A reclamação consiste no pedido de sindicância de um determinado ato de natureza administrativa junto da própria entidade que o praticou o O recurso caracteriza-se por consistir num pedido de sindicância junto de uma entidade diferente daquela que praticou o ato (e, na medida em que, muitas vezes, tal recurso é interposto junto do superior hierárquico, generalizou-se a designação “recurso hierárquico”). Critério relativo à motivação: o A reclamação seria caracterizada por analisar motivos respeitantes à legalidade do ato sindicado o Enquanto o recurso já seria caracterizado por se debruçar sobre motivos respeitantes ao mérito desse ato. Ora, em face dos dados do ordenamento jurídico-tributário português não se pode dizer que tenha sido adotado um ou outro critério pois (i) temos reclamações que são interpostas para órgãos em diferente nível de hierarquia em relação ao órgão que praticou o ato e (ii) temos recursos que se debruçam sobre a legalidade do ato impugnado. Assim sendo, a única maneira juridicamente adequada de distinguir recursos e reclamações em matéria tributaria é recorrer ao desenho que foi elaborado pelo legislador em relação a cada um deles, adotando um critério exclusivamente positivamente. Vejamos em que termos: c) Direito de reclamação O caso mais comum de reclamação é a “reclamação graciosa”. Trata-se de um meio impugnatório mediante o qual o sujeito passivo solicita a anulação de um ato tributário, com fundamento em qualquer ilegalidade. É quase sempre facultativa – existem exceções em que a reclamação é necessária em relação a uma futura impugnação judicial, tipo: Situações de impugnação por erro na autoliquidação Situações de impugnação por erro na retenção na fonte Situações de impugnação por erro nos pagamentos por conta Situações de impugnação com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos d) Direito de recurso (administrativo) O recurso traduz-se na possibilidade de impugnação do ato junto do superior hierárquico do agente que o praticou – “recurso hierárquico”. Principio do duplo grau de decisão – significa que a mesma pretensão do sujeito não pode ser apreciada mais de duas vezes/por mais de dois órgãos da mesma AT. Para cumprir este principio, os recursos hierárquicos devem ser dirigidos ao mais elevado superior hierárquico do autor do ato. 5.2. Garantias jurisdicionais São efetivadas perante os Tribunais. Direito de ação judicial Consiste na possibilidade de propor uma ação destinada a proteger alguma situação emergente de normas substantivas, junto de um Tribunal. Este direito é irrenunciável. Duas situações: i) Casos em que o sujeito recorre sem atuação administrativa anterior – estamos perante um verdadeiro direito de ação em sentido restrito. Ex. a intimação para um comportamento em matéria tributária. ii) Casos em que o sujeito recorre para colocar em crise um ato anterior praticado pela AT – em vem de “direito de ação” será mais adequado “direito de recurso contencioso” aqui (em sentido amplo). Direito de oposição Interessam os casos em que a oposição é efetuada pelos contribuintes, p. ex., o caso da oposição em sede de processo de execução fiscal. A execução é instaurada pela AT e o executado é notificado para, entre outras coisas, contestar o “ataque” dela – quanto à fase de oposição, não é legitimo invocar qualquer ilegalidade respeitante à liquidação da divida exequenda. Direito de recurso (jurisdicional) Também é irrenunciável. O recurso é um meio de impugnação das decisões dos Tribunais inferiores e visa modificar a decisão recorrida. Trata-se de sindicar uma decisão de um órgão jurisdicional por parte de outro órgão jurisdicional superior. É diferente do: RECURSO HIERÁRQUICO RECURSO CONTENCIOSO Procura-se sindicar uma decisão administrativa Procura-se impugnar uma decisão administrativa dentro da própria Administração junto de um Tribunal No âmbito tributário, vigora o princípio de duplo grau de decisão: a mesma sentença ou acórdão não pode ser objeto de mais de um recurso. 5.3. A inexistência de efeito suspensivo e a necessidade de prestação de garantia adequada Trata-se do efeito paralisante que os meios impugnatórios têm ou podem ter sobre os atos impugnados e a questão conexa de saber como pode o contribuinte neutralizar a atuação lesiva da AT. 5.3.1. Enquadramento – prestação de garantia vs constituição de garantia As atuações da AT gozam de um benefício de execução prévia, pelos que os seus atos validamente notificados ao respetivo destinatário podem produzir os seus efeitos independentemente da legalidade ou ilegalidade dos mesmos. Não existe efeito suspensivo, mas meramente devolutivo (primeiro paga-se, depois reclama-se). Ex.: o credor tributário pode exigir o cumprimento da prestação mesmo que o contribuinte reclame ou impugne o ato de liquidação, do mesmo modo que o contribuinte deixa logo de beneficiar de isenção mesmo que coloque em crise o ato de revogação desse benefício. O obrigado tributário pode conseguir o efeito suspensivo, paralisando a produção de efeitos do ato impugnado, se existir garantia adequada ou idónea, que assegure à AT, ao menos em possibilidade, a exequibilidade futura da sua pretensão. Quanto à prestação de garantias, estas podem ter iniciativa pelo obrigado tributário ou pela AT. No entanto a prestação de garantia pode ser dispensada em alguns casos, nomeadamente quando o obrigado tributário demonstrar que a mesma lhe causa prejuízo irreparável ou que é manifesta a sua falta de meios económicos. 5.3.2. Prestação de garantias por parte dos contribuintes ou obrigados tributários: idoneidade da garantia O contribuinte tem a possibilidade de parar os efeitos de determinada atuação intrusiva da AT, sendo que pode ser feito em dois contextos: ‣ No âmbito de um meio impugnatório por ele utilizado com fim de sindicar a legalidade de um ato administrativo-tributário. Assim, conseguirá adiar o pagamento do tributo em causa. ‣ No âmbito de uma execução fiscal protelando a efetivação dos respetivos trâmites – Artigo 169º e 199º CPPT Numa situação e noutra prende-se com o facto de apresentar uma garantia adequada ou idónea, que segundo o artigo 199º CPPT pode consistir em: Garantia bancaria; Caução; Seguro-caução ou qualquer meio sustentável de assegurar os créditos da AT. Aqui é importante: O grau de exequibilidade da garantia oferecida, pois não se pode perder de vista que o fim deste processo é a arrecadação do debito não realizado, de modo que não deve ser considerada como idónea a garantia que consiste numa possibilidade ou numa mera expetativa de aquisição. O valor da própria garantia oferecida e a sustentabilidade de o mesmo se alterar futuramente: é frequente que os critérios possam conduzir a resultados que não se darão como verificados em momento posterior, o que pode levar a que defraudem ou reforcem as expetativas do credor bancário. A onerosidade da prestação de garantia por parte do executado: existem algumas garantias muito difíceis de se conseguir e que são frequentemente a custos elevados. As garantias devem respeitar o princípio da proporcionalidade. A garantia deve ser apresentada sob forma de requerimento num prazo de 10 dias apos a notificação para o efeito. Se a garantir vier a revelar-se insuficiente, é dado ao obrigado tributário um prazo de 15 dias para proceder ao reforço da mesma ou à prestação de nova garantia adequada. A AT goza de uma margem autónoma de apreciação e valoração sem que, contudo, se possa falar em autêntica discricionariedade. No entanto o tribunal pode sobrepor-se ao juízo administrativo. Em algumas situações o STA vai mesmo ao limite considerando que a partir do momento em que a garantia cobre a totalidade do crédito a AT não pode recusar a sua prestação com fundamento em aspetos qualitativos.