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Formação, processos e funções Bibliografia FORMAÇÃO, PROCESSOS E FUNÇÕES O sistema digestório é formado por órgãos ocos em série que se comunicam nas duas extremidades com o meio ambiente, constituindo o denominado trato gastrintestinal (TGI), e pelos órgãos anexos, que...

Formação, processos e funções Bibliografia FORMAÇÃO, PROCESSOS E FUNÇÕES O sistema digestório é formado por órgãos ocos em série que se comunicam nas duas extremidades com o meio ambiente, constituindo o denominado trato gastrintestinal (TGI), e pelos órgãos anexos, que lançam suas secreções no lúmen do TGI. Os órgãos do TGI são: cavidade oral, faringe, esôfago, intestino delgado, intestino grosso ou cólon, e ânus. Estes órgãos são delimitados entre si por esfíncteres. O esfíncter esofágico superior, ou cricofaríngeo, delimita a faringe da porção superior do esôfago, que é delimitada do estômago pelo esfíncter esofágico inferior. O estômago é delimitado do intestino delgado pelo piloro, e o intestino delgado, do cólon pelo esfíncter ileocecal. A porção distal do cólon diferencia­se no reto e no ânus com seus dois esfíncteres, o interno e o externo. No sentido cefalocaudal (ou aboral), os órgãos anexos ao TGI são: glândulas salivares, pâncreas, fígado e vesícula biliar, que armazena e concentra a bile secretada pelo fígado. A secreção das glândulas salivares é lançada na cavidade oral e as secreções pancreática e biliar, no intestino delgado (Figura 58.1). As secreções lançadas no lúmen do TGI pelos órgãos anexos, mais as produzidas pelo estômago e pelos intestinos delgado e grosso, processam quimicamente o alimento ingerido na cavidade oral. Este processamento é facilitado pela motilidade do TGI, que propicia mistura, trituração e progressão do alimento no sentido cefalocaudal. O alimento é reduzido a moléculas que podem ser absorvidas, através do intestino delgado, para o meio intersticial vascular. O TGI promove a excreção anal dos produtos dos alimentos que não foram processados ou absorvidos. Os alimentos orgânicos da dieta ou macronutrientes (assim denominados por serem requeridos em quantidades relativamente grandes), os carboidratos, as gorduras e as proteínas são quimicamente quebrados, por hidrólise, pelas enzimas lançadas no lúmen do TGI ou pelas enzimas luminais. As enzimas luminais são secretadas por glândulas salivares, estômago e pâncreas exócrino. As gorduras da dieta, os triacilgliceróis, os fosfolipídios e os ésteres de colesterol, após a hidrólise luminal, originam ácidos graxos livres, fosfolipídios e colesterol, e são transportados através do epitélio do intestino delgado para a linfa e para a circulação sistêmica. Os carboidratos e as proteínas, além da hidrólise efetuada pelas enzimas luminais, necessitam, ainda, serem hidrolisados pelas enzimas da membrana luminal dos enterócitos do delgado, denominadas enzimas da borda em escova. Os produtos finais da hidrólise dos carboidratos são hexoses, e os das proteínas são, além de aminoácidos livres, di, tri e tetrapeptídios; esses produtos são absorvidos no delgado. O sistema digestório trabalha em íntima relação com o sistema circulatório, o qual conduz os produtos da hidrólise dos macronutrientes para o fígado e para os diferentes tecidos, onde serão o substrato energético e plástico das células. Neste aspecto, o sistema digestório participa da manutenção do equilíbrio energético do organismo. As vitaminas e os eletrólitos ingeridos são considerados micronutrientes, pois são requeridos em quantidades muito pequenas. Diariamente, em torno de 2 ℓ de água são ingeridos e mais 7 ℓ secretados para o interior do TGI, o que perfaz cerca de 9 ℓ de água contidos no lúmen do TGI. Por dia, ingerem­se 5 a 10 g de NaCl e lançam­se no lúmen do TGI aproximadamente 25 g. Considerando­se que os 7 ℓ de água secretados correspondem a cerca de 25% da água total do organismo e que 25 g de NaCl equivalem a aproximadamente 15% do NaCl total do organismo, infere­se que o sistema digestório também participa da manutenção do equilíbrio hidreletrolítico do organismo, embora menos significantemente que o sistema renal. Assim, o sistema digestório, em conjunto com o sistema circulatório, fornece os substratos energéticos e plásticos, água, íons e coenzimas às células teciduais. O sistema digestório apresenta quatro processos básicos: motilidade, secreção, digestão, absorção intestinal e excreção. Estes processos são altamente coordenados pelos sistemas neuroendócrinos intrínsecos do sistema digestório e do organismo como um todo. A motilidade é efetuada pela musculatura do TGI e propicia mistura, trituração e progressão cefalocaudal dos nutrientes, além de excreção dos produtos não digeridos e não absorvidos. As secreções compreendem as sintetizadas nos órgãos anexos ao TGI, bem como as produzidas pelo estômago e intestino; elas hidrolisam, enzimaticamente, os nutrientes, gerando ambientes de pH, de tonicidade e de composição eletrolítica adequados para a digestão dos nutrientes orgânicos. A digestão refere­se à hidrólise enzimática dos nutrientes orgânicos, transformando­os em moléculas que possam atravessar a parede do TGI e ser absorvidas através de sua mucosa de revestimento interno. A absorção consiste no conjunto de processos resultantes de transporte dos nutrientes hidrolisados, água, eletrólitos e vitaminas, do lúmen do TGI, através do epitélio intestinal, para a circulação linfática e sistêmica. A absorção ocorre, predominantemente, no intestino delgado, o qual absorve todos os produtos da hidrólise dos nutrientes orgânicos, as vitaminas e a maior parte da água e eletrólitos. A absorção no delgado se dá, preferencialmente, no duodeno e porção proximal do jejuno (nos 100 cm iniciais). O íleo absorve alguns substratos, como os sais bilaires e a vitamina B12. O cólon absorve um menor volume de água, todos os eletrólitos que o alcançam, alguns produtos da fermentação bacteriana, assim como carboidratos que não foram digeridos e absorvidos no delgado, transformados em ácidos graxos voláteis. O cólon secreta K+ e HCO3– e funciona como um reservatório do material fecal, preparando­o para a excreção (Figura 58.2). Figura 58.1 Esquema do sistema digestório. Note o trato gastrintestinal com seus diferentes órgãos, esfíncteres, glândulas e órgãos anexos. A mucosa de revestimento interno do TGI é uma das interfaces entre o meio ambiente e o meio interno do organismo. O compartimento luminal do TGI comunica­se com o meio ambiente nas suas duas extremidades, a oral e a aboral (ou anal), e, através da mucosa de revestimento interno, comunica­se também com o meio intersticial­vascular (ou meio interno do organismo). A composição do fluido luminal, assim, depende da ingesta, das trocas que são efetuadas entre o compartimento luminal e o meio interno do organismo, bem como da excreção fecal. O conteúdo luminal é, desse modo, um fluido extracorpóreo porque, embora contido no lúmen do TGI, comunica­se diretamente com o meio exterior e depende dele. Portanto, a mucosa de revestimento interno do TGI é uma das interfaces do organismo, como são também interfaces o epitélio dos tratos respiratório e renal e a pele. Além das funções de nutrição, de manutenção da homeostase energética e de participação da homeostase hidreletrolítica do organismo, o sistema digestório tem também importante função imunológica. Existe um extenso sistema imunológico ao longo do TGI, denominado GALT (gut associated lymphoid tissue), representado por agregados de tecido linfoide, como as placas de Peyer, e uma população difusa de células imunológicas. As placas de Peyer são folículos elípticos de tecido linfoide relativamente grandes (1 cm de largura por 5 cm de comprimento), localizados na lâmina própria, mais frequentes nas porções distais do íleo. As células linfoides da mucosa, lâmina própria e submucosa são linfócitos, mastócitos, macrófagos, eosinófilos, leucócitos polimorfonucleados etc. Esse sistema imunológico é importante, uma vez que o TGI tem não só a maior área do organismo, como também contato direto com agentes infecciosos e tóxicos. A maior parte das células produtoras de imunoglobulinas do sistema digestório localiza­se no intestino (80%). O GALT, além de proteger o sistema digestório contra agentes infecciosos exógenos – bactérias, vírus e patógenos em geral – também o faz de modo imunológico de sua flora bacteriana, que normalmente se localiza no intestino grosso, sendo mais concentrada no ceco. Os mediadores imunológicos secretados pelo GALT são: histamina, leucotrienos, prostaglandinas, citocininas, imunoglobulinas e outros. Estes mediadores difundem­se dos seus locais de síntese para os diferentes tecidos do sistema digestório, agindo como parácrinos que modulam os processos de motilidade, secreção e absorção. São, também, importantes nas doenças inflamatórias do TGI, como na doença celíaca e na de Crohn. A parede do TGI tem uma estrutura histológica básica em toda a sua extensão. A análise da parede do TGI, no sentido do lúmen para a porção contraluminal (serosa), revela as seguintes estruturas: mucosa, submucosa, tecido muscular (referido como muscular externa), plexos nervosos intramurais e serosa (Figura 58.3). A mucosa compreende: (a) o epitélio – que faz contato com o fluido luminal; (b) a lâmina própria – logo abaixo do epitélio, e (c) a muscular da mucosa – mais internamente localizada na parede do TGI (Figura 58.4). O epitélio do TGI é monoestratificado e heterocelular. O epitélio do TGI apresenta vários tipos celulares, cujos números e funções variam conforme suas localizações ao longo do TGI. Estes tipos celulares são: células caliciformes ou goblet cells – secretoras de mucina, encontradas ao longo de todo o TGI; células absortivas superficiais – encontradas no delgado e no cólon, absorvem água, íons e produtos da hidrólise dos macronutrientes; células das criptas – indiferenciadas, mais profundamente localizadas nas bases das vilosidades do delgado e nas dobras intestinais do cólon, predominantemente secretoras de eletrólitos e de água; células que sintetizam as enzimas da borda em escova – características do epitélio do delgado; células endócrinas – secretoras de hormônios e parácrinos; células do sistema imunológico e células neurais. Figura 58.2 Esquema que indica os principais processos do sistema digestório: motilidade, secreção, digestão, absorção e excreção. Note a relação do sistema digestório com a circulação porta e sistêmica. Setas azuis, absorção gastrintestinal; setas vermelhas, secreção gastrintestinal. Figura 58.3 Representação esquemática de um corte transversal do intestino, que indica a estrutura de sua parede. A lâmina própria localiza­se logo abaixo do epitélio. É um tecido conjuntivo, que contém fibras elásticas e colágenas de sustentação do epitélio, várias células do sistema imunológico, nodos linfáticos, glândulas e tecido neuroendócrino. É uma região ricamente vascularizada, com uma rede de capilares sanguíneos, que captam as substâncias absorvidas pelo epitélio, e com um capilar linfático central (capilar lácteo), que apreende especificamente os produtos da hidrólise dos lipídios. A muscular da mucosa é uma camada de fibras musculares lisas, com espessura de 3 a 4 células, que, ao se contraírem, provocam dobras da mucosa e da submucosa. A submucosa é um tecido conjuntivo frouxo que sustenta a mucosa, e tem fibras elásticas e colágenas, tecido glandular, células endócrinas, vasos sanguíneos e linfáticos, troncos nervosos, fibras amielínicas, além de células imunológicas. A muscular externa é formada de duas camadas de fibras musculares lisas. A mais interna, a musculatura circular, tem as fibras dispostas perpendicularmente em relação ao eixo do TGI. Sua contração diminui o lúmen do TGI, segmentando o conteúdo luminal, o que facilita sua mistura com as secreções luminais. Na camada mais externa, a musculatura longitudinal apresenta fibras dispostas longitudinalmente em relação ao eixo do TGI. Quando estas se contraem, encurtam o TGI, movimentando o conteúdo luminal no sentido do seu comprimento. A contração simultânea das duas musculaturas propicia mistura, circulação e propulsão do conteúdo luminal. A musculatura circular é mais desenvolvida e mais inervada do que a longitudinal. No TGI só existe musculatura estriada na cavidade oral, faringe, terço superior do esôfago e no esfíncter anal externo. Os plexos nervosos são agregados ganglionares de corpos celulares de neurônios motores e sensoriais, fibras nervosas amielínicas, interneurônios e sinapses entre fibras sensoriais aferentes e fibras motoras e secretoras eferentes. Os que se localizam na submucosa, próximos à musculatura circular, são chamados de plexos submucosos (ou de Meissner). Os localizados entre as duas camadas musculares – a circular e a longitudinal – são os plexos mioentéricos (ou de Auerbach), mais desenvolvidos que os submucosos. Figura 58.4 Esquema que indica que o epitélio intestinal é monoestratificado e heterocelular. Note a lâmina própria com o GALT (gut associated lymphoid tissue). A serosa, também denominada adventícia, é o tecido mais externo do TGI e consiste em tecido conjuntivo com células mesoteliais escamosas. Resumo 1. O TGI é formado por: cavidade oral, faringe, esôfago, estômago, intestinos delgado e grosso, reto e ânus. 2. Os órgãos anexos ao TGI são: glândulas salivares, pâncreas, vesícula biliar e fígado. 3. Os processos funcionais do sistema digestório são: digestão – hidrólise dos macronutrientes pelas enzimas digestivas luminais e da borda em escova do delgado; secreção – de água, íons e enzimas digestivas pelas glândulas salivares e gástricas, pelo pâncreas e pela vesícula biliar; absorção intestinal – transporte dos produtos da hidrólise dos macronutrientes, água, íons e vitaminas do lúmen intestinal para as correntes sanguínea e linfática, através da mucosa intestinal, e excreção – eliminação fecal dos produtos não digeridos e/ou não absorvidos. 4. A função imunológica do sistema digestório é efetuada por células, nodos e gânglios linfáticos secretores de substâncias imunológicas, que em conjunto formam o GALT (gut associated lymphoid tissue). 5. A parede do TGI tem: mucosa – com epitélio, lâmina própria e muscular da mucosa; submucosa; muscular externa – formada pelas musculaturas longitudinal e circular; plexos intramurais ganglionares – mioentérico e submucoso; plexos intramurais secundários e terciários aganglionares, e serosa. BIBLIOGRAFIA BERNE RM, LEVY MN. Physiology. 4. ed. Mosby Inc., St. Louis, 1998. BERNE RM, LEVY MN, KOEPPEN BM et al. Physiology. 4. ed. Mosby Inc., St. Louis, 2004. BINDER HJ. Organization of the gastrointestinal system. In: BORON WF, BOULPAEP EL. Medical Physiology. W.B. Saunders Co., Philadelphia, 2005. JOHNSON LR. Gastrointestinal Physiology. 6. ed. The Mosby Physiology Monograph Series, 2001. JOHNSON LR (Ed.). Physiology of Gastrointestinal Tract. 3. ed. Raven, New York, 1997. Sistema nervoso entérico Hormônios parácrinos e neurotransmissores do sistema digestório Bibliografia SISTEMA NERVOSO ENTÉRICO O sistema digestório tem um sistema nervoso intrínseco autônomo com número de células tão grande quanto o da medula espinal. O sistema digestório é inervado por uma rede neural localizada na parede do trato gastrintestinal (TGI), denominada sistema nervoso entérico (SNE) ou intrínseco. Esta rede neural intramural é não só bastante complexa como também intrincada e tem um número de neurônios (cerca de 108) semelhante ao existente na medula espinal. O SNE é formado pelos plexos ganglionares maiores – o submucoso e o mioentérico, que se intercomunicam – e por plexos aganglionares secundários e terciários – que se comunicam com os plexos ganglionares por feixes de fibras nervosas, conforme mostra a Figura 59.1. O SNE é autônomo e capaz de regular todas as funções motoras, secretoras e endócrinas do sistema digestório, mesmo na ausência do sistema nervoso autônomo (SNA) ou extrínseco. Os neurônios dos plexos intramurais do SNE fazem sinapses com fibras nervosas aferentes e eferentes do SNA, que desempenham função modulatória sobre o SNE. Os interneurônios do SNE fazem sinapses entre fibras sensoriais aferentes de receptores sensoriais da parede do TGI e neurônios eferentes motores ou secretores que conduzem a informação para o TGI. As vias neurais envolvidas podem ser multissinápticas. Muitos peptídios neurotransmissores e neuromoduladores (que regulam a atividade dos neurotransmissores) do SNI já foram identificados. O sistema nervoso autônomo (SNA) faz sinapses nos plexos do sistema nervoso entérico (SNE), modulando­o através de nervos parassimpáticos e simpáticos. As fibras neurais do SNA, parassimpático e simpático, fazem sinapses com os interneurônios dos plexos intramurais (mioentérico e submucoso) ou terminam nos plexos, modulando a atividade do SNE. A inervação parassimpática do sistema digestório é efetuada pelo nervo vago (X par de nervos cranianos), desde o esôfago até o cólon transverso inclusive, e pelo nervo pélvico, que inerva o TGI desde o cólon sigmoide até o esfíncter anal interno. Estes nervos são constituídos de 75% de fibras aferentes e o restante, de fibras eferentes. As fibras aferentes conduzem as informações sensoriais dos mecano­ e quimiorreceptores do sistema digestório para a medula cefálica e sacral, e as fibras eferentes conduzem as informações da medula cefalossacral para o sistema digestório. As fibras eferentes parassimpáticas pré­sinápticas são relativamente longas; provêm da medula cefálica e sacral, fazendo sinapses com neurônios localizados nos plexos intramurais. Destes, partem as fibras pós­sinápticas ou pós­ ganglionares, relativamente mais curtas, para musculatura, glândulas, ductos e vasos sanguíneos do sistema digestório. As fibras parassimpáticas pós­sinápticas são predominantemente colinérgicas, ou seja, o neurotransmissor é a acetilcolina. A inervação pós­sináptica colinérgica é, em geral, excitatória, aumentando a motilidade, as secreções e o fluxo sanguíneo do sistema digestório. Há, também, fibras parassimpáticas pós­sinápticas inibitórias, mediadas por neuropeptídios, como o VIP (peptídio vasoativo intestinal), a substância P, o óxido nítrico (NO), ou por neuropeptídios ainda não identificados. Informações adicionais sobre as ações e origens dos neurotransmissores do sistema digestório são relatadas mais adiante e no Quadro 59.1. Figura 59.1 Representação esquemática da rede neural intrínseca do trato gastrintestinal, que mostra os plexos intramurais principais ganglionares (mioentérico e submucoso) e os secundários e terciários aganglionares. A. Corte longitudinal. B. Corte transversal. (Adaptada de Berne e Levy, 1993.) As fibras eferentes simpáticas pré­sinápticas são relativamente curtas, emergem da medula toracolombar, atravessam a cadeia ganglionar paravertebral e fazem sinapses nos gânglios simpáticos celíaco, mesentéricos superior e inferior e hipogástricos superior e inferior. Destes gânglios, partem as fibras pós­sinápticas, relativamente mais longas, para o sistema digestório. Poucas destas fibras terminam diretamente na musculatura e glândulas do sistema digestório. Muitas o fazem nas fibras musculares lisas dos vasos sanguíneos, acarretando vasoconstrição e redução do fluxo sanguíneo em vários territórios do sistema digestório. A grande maioria das fibras pós­sinápticas simpáticas termina nos plexos intramurais, regulando os seus circuitos neurais. O neurotransmissor simpático das fibras pós­sinápticas eferentes é a norepinefrina, e, de um modo geral, a estimulação simpática para o sistema digestório causa diminuição da motilidade e das secreções glandulares, secundariamente à vasoconstrição. Cerca de 50% das fibras simpáticas são aferentes. A Figura 59.2 esquematiza a inervação parassimpática e simpática do sistema digestório. A faringe e o esfíncter anal externo, que têm musculatura estriada, são inervados por nervos somáticos. Esse esfíncter é inervado pelo nervo pudendo. Quadro 59.1 Neurotransmissores e neuromoduladores do sistema digestório. Neurotransmissores Origens Ações no sistema digestório Acetilcolina (ACh) SNA parassimpático, Contração da musculatura lisa SNE Relaxamento do esfíncter pilórico Aumentos das secreções: salivar, gástrica, biliar e enzimática do pâncreas Aumento de fluxo sanguíneo do sistema digestório Efeito trófico glandular Norepinefrina (NE) SNA simpático Relaxamento da musculatura lisa Contração do esfíncter pilórico Efeito bifásico sobre a secreção salivar Vasoconstrição e diminuição secundária das secreções Efeito trófico sobre as glândulas salivares Peptídio vasoativo intestinal (VIP) SNA parassimpático, Relaxamento da musculatura SNE Relaxamento do esfíncter esofágico inferior Aumento da secreção pancreática Peptídio liberador de gastrina (PLG) ou SNA parassimpático Aumento da liberação de gastrina bombesina (vago no estômago) Encefalinas (opioides) SNA parassimpático, Contração da musculatura lisa do TGI SNE Óxido nítrico (NO) SNA parassimpático, Relaxamento da musculatura SNE Neuropeptídio Y (NPY) SNE Relaxamento da musculatura lisa Substância P SNA parassimpático Contração da musculatura lisa Aumento da secreção salivar SNA, sistema nervoso autônomo; SNE, sistema nervoso entérico; TGI, trato gastrintestinal. ▸ Reflexos longos e curtos (intramurais) no sistema digestório Os receptores sensoriais (mecano, quimio e osmorreceptores) localizados na parede do TGI, quando estimulados pela chegada do alimento, enviam impulsos aferentes ao SNC, via nervos vagos ou pélvicos. Dos corpos celulares destes nervos, localizados na medula espinal, provêm as respostas eferentes transmitidas, em grande parte, pelos mesmos nervos. Dos plexos, emergem as fibras pós­sinápticas que vão inervar a musculatura e as glândulas do sistema digestório. Os reflexos mediados deste modo são chamados de reflexos longos, uma vez que têm os corpos celulares dos neurônios aferentes localizados no SNC. Se as vias aferentes e eferentes forem do nervo vago, denominam­se reflexos longos vagovagais (Figura 59.3). Figura 59.2 Representação esquemática do sistema nervoso autônomo (SNA) extrínseco parassimpático e simpático eferente para o sistema digestório e sua inter­relação com o sistema nervoso entérico (SNE) ou intrínseco. Quando as vias aferentes dos receptores sensoriais, localizados na parede do sistema digestório, fazem sinapses com corpos celulares de interneurônios dos plexos intramurais, portanto dentro do TGI, trata­se de um reflexo curto ou intramural. Dos plexos partem as fibras pós­sinápticas para a musculatura e as glândulas (Figura 59.4). A Figura 59.5 mostra a circuitaria neuronal de um reflexo curto peristáltico. Fibras ascendentes de mecanorreceptores sensoriais, na parede do TGI, fazem sinapses com interneurônios nos plexos intramurais, de onde partem fibras pós­ sinápticas eferentes para a musculatura, provocando contração oral e relaxamento distal. A contração é mediada por fibras colinérgicas ou por um neurotransmissor denominado substância P, e o relaxamento, por fibras vipérgicas ou que têm o NO como neurotransmissor. Desta maneira, o conteúdo luminal é segmentado pela contração oral e propelido para o segmento vizinho, distalmente localizado e relaxado. A resposta peristáltica foi primeiramente descrita por Bayliss e Starling. Ela é conhecida como lei do intestino. Figura 59.3 Reflexo longo vagovagal. Figura 59.4 Reflexo curto ou intramural. Resumo Sistema nervoso entérico 1. Inervação intrínseca: plexos ganglionares e aganglionares intercomunicantes. É autônoma, mas modulada pelo SNA, e tem cerca de 108 neurônios. 2. SNA parassimpático Fibras pré­ganglionares eferentes: longas, emergem da medula cefalocaudal via nervos vago e pélvico, respectivamente. Sinapses: nos gânglios intramurais. Fibras pós­sinápticas eferentes: curtas, dos gânglios intramurais para musculatura, glândulas e ductos do sistema digestório. Neurônios: colinérgicos e peptidérgicos. Neurotransmissores: acetilcolina (excitatória), substância P, VIP e NO (inibitórios). Inervação parassimpática colinérgica: excitatória, aumenta a motilidade, as secreções e o fluxo sanguíneo do sistema digestório. Inervação parassimpática vipérgica ou mediada pelo NO: inibitória. Fibras aferentes: 75%, correm junto aos nervos vago e pélvico. 3. SNA simpático Fibras pré­ganglionares eferentes: curtas, emergem da medula toracolombar. Sinapses: nos plexos intratorácicos (celíacos) e intra­abdominais (mesentéricos e hipogástricos). Fibras pós­sinápticas (ou pós­ganglionares) eferentes noradrenérgicas: a maioria termina nos plexos intramurais, algumas nos vasos, outras na muscular da mucosa. Inervação simpática noradrenérgica: inibitória, reduz a motilidade, causa vasoconstrição e diminui as secreções, secundariamente à vasoconstrição no sistema digestório. Neurotransmissor: norepinefrina. Reflexo longo vagovagal: vias aferentes e eferentes vagais. Corpo celular no SNC. Reflexo curto intramural: Corpo celular nos plexos intramurais. Figura 59.5 Reflexo curto peristáltico (intramural). ACh, acetilcolina; Subs. P, substância P (neuropeptídio); NO, óxido nítrico; VIP, peptídio vasoativo intestinal; célula EC, célula enterocromafim. HORMÔNIOS PARÁCRINOS E NEUROTRANSMISSORES DO SISTEMA DIGESTÓRIO O sistema digestório é regulado tanto por mecanismos neurais intrínsecos, como por mecanismos endócrinos e parácrinos intrínsecos. As funções do sistema digestório, além de serem reguladas de maneira autônoma pelo SNE, também o são por hormônios e parácrinos sintetizados no próprio TGI. O esquema apresentado na Figura 59.6 ilustra os mecanismos de ação dos hormônios, parácrinos e neurotransmissores do sistema digestório. Os mecanismos regulatórios extrínsecos e intrínsecos atuam em conjunto, coordenando as funções do sistema digestório, conforme esquematizado na Figura 59.7. Figura 59.6 Representação esquemática da regulação endócrina, parácrina e neurócrina do sistema digestório. CA, célula­ alvo; CE, célula endócrina; H, hormônio; NT, neurotransmissor; TA, terminal axônico; VS, vaso sanguíneo. Figura 59.7 Representação esquemática da interação do sistema nervoso com o endócrino e/ou parácrino, no sistema digestório. Os neurócrinos (ou neurotransmissores) do sistema digestório são sintetizados nos corpos celulares dos neurônios pré­sinápticos eferentes do SNA, e armazenados em vesículas, nos terminais pré­sinápticos. Em resposta a uma estimulação, quando os potenciais de ação atingem os terminais pré­sinápticos, as vesículas sofrem exocitose na membrana e liberam o neurotransmissor na fenda sináptica. Os neurotransmissores difundem­se na fenda e ligam­se aos receptores específicos dos neurônios pós­sinápticos, ativando canais iônicos, diretamente, ou via segundos mensageiros intracelulares, desencadeando os potenciais excitatórios ou inibitórios pós­sinápticos. Os neurotransmissores das fibras pré­sinápticas parassimpáticas eferentes do SNA para o sistema digestório são: acetilcolina, óxido nítrico (NO), encefalinas e os peptídios gastrintestinais: peptídio vasoativo intestinal (VIP), substância P, neuropeptídio Y (NPY) e o peptídio liberador de gastrina (PLG) ou bombesina. A acetilcolina é o neurotransmissor tanto das fibras pré­, como das pós­sinápticas eferentes parassimpáticas e das fibras do SNE. A norepinefrina é o neurotransmissor das fibras pós­sinápticas simpáticas eferentes. As ações e as origens dos neurotransmissores estão resumidas no Quadro 59.1. Hormônios secretados por células endócrinas do TGI: hormônios gastrintestinais. Estes hormônios são peptídios sintetizados por células endócrinas isoladas ou agrupadas, que se distribuem na parede do TGI. As células endócrinas não são concentradas em glândulas. Os peptídios hormonais são levados, pela circulação porta, ao fígado e, posteriormente, pela circulação sistêmica, às células­alvo, as quais têm receptores específicos para cada hormônio. As células­alvo localizam­se no próprio sistema digestório. O peptídio inibidor gástrico (GIP) ou peptídio insulinotrópico dependente de glicose age, também, sobre as células β do pâncreas, promovendo a secreção de insulina. Os neuropeptídios que têm o status de hormônios gastrintestinais são: secretina, colecistocinina (CCK), gastrina, peptídio inibidor gástrico (GIP), motilina e somatostatina (esta age como hormônio e parácrino). A secretina e o GIP são polipeptídios estruturalmente similares ao glucagon, e fazem parte da sua família, denominada família da secretina­ glucagon. A secretina foi o primeiro hormônio descrito. É sintetizada pelas células S da mucosa do delgado, mais abundantes no duodeno. Sua secreção é estimulada, principalmente, em resposta ao pH ácido do quimo gástrico que alcança o duodeno. Suas ações são várias e sempre no sentido de neutralizar o quimo no delgado; por isso, é chamada de antiácido fisiológico. Suas ações são: (a) estimulação da secreção de HCO3– pelas células dos ductos pancreáticos; (b) estimulação da secreção de HCO3– pelas células dos ductos biliares; (c) inibição da secreção de HCl pelas células oxínticas gástricas; (d) inibição da secreção de gastrina pelas células gástricas do antro gástrico (células G ou secretoras de gastrina); (e) diminuição do efeito trófico da gastrina sobre a mucosa gástrica; (f) contração do piloro, diminuindo a velocidade de esvaziamento gástrico, e (g) efeito trófico sobre o tecido exócrino do pâncreas (Quadro 59.2). O GIP (peptídio inibidor gástrico) é secretado por células endócrinas do duodeno e jejuno, em resposta à presença dos produtos da hidrólise dos três macronutrientes – proteínas, gorduras e carboidratos. Os aminoácidos arginina, histidina, leucina, lisina e outros, que não são potentes liberadores de CCK, estimulam a liberação do GIP. As mais importantes ações do GIP sobre o sistema digestório são: (a) decréscimo da velocidade de esvaziamento gástrico, por diminuição da motilidade gástrica, e (b) redução da secreção de HCl gástrico. Entretanto, a principal ação fisiológica do GIP é a estimulação da secreção de insulina pelas células β das ilhotas pancreáticas, na presença de glicose no TGI. Uma carga oral de glicose é utilizada pelas células pancreáticas mais rapidamente que uma carga equivalente de glicose intravenosa, que só estimula a liberação de insulina por sua ação direta sobre as células β. A molécula de secretina tem 27 aminoácidos; 14 deles idênticos e com as mesmas localizações que os da molécula do glucagon. Todos os 27 aminoácidos da molécula da secretina são necessários para a sua ação fisiológica. O GIP dispõe de 42 aminoácidos; 9 deles semelhantes aos da secretina e 16, aos do glucagon, como mostrado no Quadro 59.3. Quadro 59.2 Hormônios gastrintestinais. Hormônios Famílias Locais de liberação Estímulos para a Ações hormonais secreção Gastrina Gastrina­CCK Células G antrais e Peptídios, Efeito trófico, mucosa antral duodenais aminoácidos PLG, Estimulação das células acetilcolina, parietais com liberação de distensão gástrica HCl CCK Gastrina­CCK Células I do duodeno e Produtos da Estimulação da secreção de jejuno proximal hidrólise lipídica e enzimas do pâncreas proteica Contração da vesícula biliar Relaxamento do esfíncter de Oddi Diminuição da velocidade de esvaziamento gástrico Efeito trófico no pâncreas exócrino Potencialização do efeito da secretina Secretina Secretina­ Células S do duodeno e pH ácido Estimulação da secreção de glucagon jejuno proximal HCO3– dos ductos pancreáticos e biliares Inibição das células parietais eG Inibição de efeito trófico da gastrina Diminuição da velocidade de esvaziamento gástrico Efeito trófico no pâncreas exócrino Potencialização do efeito da CCK A motilina é um peptídio com 22 aminoácidos, não relacionados com as famílias secretina­glucagon ou gastrina­CCK. É secretada por células endócrinas do duodeno e jejuno e, como o nome indica, aumenta a motilidade do TGI. Esse peptídio é correlacionado com o complexo migratório mioelétrico (CMM); tal complexo consiste em surtos de intensa atividade elétrica e motora da musculatura lisa do estômago e delgado, que ocorre nos períodos interdigestivos, com periodicidade de 90 min. A secreção de motilina é realizada em fase com o CMM, entretanto não se conhece o estímulo que desencadeia sua secreção, a qual parece depender de uma via neural colinérgica excitatória. A gastrina e a CCK fazem parte da mesma família hormonal – a família gastrina­CCK. A gastrina é sintetizada e liberada, predominantemente, pelas células G localizadas na região antral do estômago e, em menor extensão, na mucosa duodenal. Os principais estímulos para a sua liberação são os produtos da digestão proteica, peptídios pequenos e aminoácidos; os mais potentes são a fenilalanina e o triptofano. A estimulação vagal também promove a secreção de gastrina pelas células G do antro, e o peptídio liberador de gastrina (PLG) é o neurotransmissor envolvido. Reflexos intramurais também estimulam a secreção das células G; aqui o neurotransmissor é a acetilcolina. A secreção de gastrina é altamente estimulada pelo quimo contido no estômago, tanto por processo químico como mecânico, por causa da distensão da parede gástrica. Outras substâncias que estimulam a secreção de gastrina são: Ca2+, café descafeinado e vinho. O álcool puro ou na mesma concentração encontrada no vinho não tem efeito direto sobre a liberação de gastrina, embora estimule as células oxínticas a liberarem HCl. A liberação de gastrina é inibida por valores de pH intragástrico menores que 3,0, o que representa um mecanismo de retroalimentação negativo, mediado pela somatostatina, impedindo que o pH intragástrico atinja valores muito baixos. As principais ações da gastrina são: (a) efeito trófico sobre a mucosa gástrica e (b) estimulação das células parietais ou oxínticas a liberarem HCl. Há dois tipos de gastrina. O primeiro corresponde a um heptapeptídio, com 17 aminoácidos, conhecido como G17 ou gastrina pequena, secretado em resposta a uma refeição; corresponde a cerca de 90% da gastrina detectada no antro. O segundo tem 34 aminoácidos, denominado G34 ou gastrina grande, e é predominantemente secretado nos períodos interdigestivos. Constitui a forma principal de gastrina detectada no plasma durante o jejum. As duas gastrinas são moléculas com vias biossintéticas distintas, uma não sendo dímero ou originária da outra. A molécula da gastrina tem um tetrapeptídio no terminal C da molécula – o menor fragmento necessário para as suas ações fisiológicas – e dispõe, porém, de apenas 1/6 da atividade do polipeptídio total. Quando o aminoácido tirosina na posição 12 da gastrina pequena estiver sulfatado, a gastrina será do tipo I; caso contrário, do tipo II. Ambos os tipos ocorrem com igual frequência e são equipotentes. A CCK tem 33 aminoácidos estruturalmente relacionados com a molécula da gastrina. Os 5 últimos aminoácidos do terminal C são idênticos aos da gastrina. A CCK, como a gastrina, tem 4 aminoácidos necessários para a ação mínima da gastrina. Por este motivo, a CCK tem alguma atividade similar à da gastrina. O hexapeptídio do terminal C da CCK é o menor fragmento para a atividade mínima do hormônio. A localização do aminoácido tirosina no terminal C é a característica que determina se o peptídio funciona como gastrina, estimulando a secreção de HCl pelas células oxínticas, ou como CCK, contraindo a vesícula biliar. O resíduo tirosina da gastrina localiza­se na posição 6 do terminal C, enquanto na CCK ele se situa na posição 7. Na molécula de CCK, este resíduo é sulfatado; a sulfatação é essencial para a ação fisiológica da CCK, que passa a agir como gastrina do tipo I. A CCK é secretada por células denominadas I, do delgado, em resposta à presença dos produtos da hidrólise lipídica e proteica neste local. Suas ações são: (a) estimulação da secreção enzimática das células acinares do pâncreas; (b) contração do piloro, que promove diminuição da velocidade de esvaziamento gástrico; (c) contração da musculatura lisa da vesícula biliar, que provoca secreção de bile para o duodeno; (d) relaxamento do esfíncter de Oddi, que propicia a liberação da bile vesicular para o duodeno (Quadro 59.4). ▸ Candidatos a hormônios Os candidatos a hormônios são peptídios liberados de células endócrinas do sistema digestório, que não preenchem os critérios necessários para serem considerados hormônios. São descritos dois peptídios gastrintestinais nestas condições: o polipeptídio pancreático (PP) e o enteroglucagon. A entero­oxintina é também uma substância que poderia ser classificada como candidata a hormônio; sua ação tem sido descrita em cães. O polipeptídio pancreático tem 36 aminoácidos; é secretado pelo pâncreas em resposta aos produtos da hidrólise dos macronutrientes, predominantemente os produtos de hidrólise proteica. O PP inibe as secreções de enzimas e de HCO3– do pâncreas. O enteroglucagon é encontrado no íleo, em resposta à presença de glicose e gordura. Sua ação não é conhecida. Vale citar que o glucagon produzido nas ilhotas pancreáticas tem efeitos sobre o sistema digestório similares aos da secretina (como inibição da secreção ácida gástrica e elevação do fluxo nos ductos biliares), entretanto estes efeitos não são observados em concentrações fisiológicas do hormônio. A entero­oxintina, que parece ser liberada no delgado proximal, estimula a secreção ácida gástrica. ▸ Parácrinos gastrintestinais Os parácrinos são sintetizados por células endócrinas localizadas próximas das células­alvo, alcançando­as por difusão através do fluido intersticial ou pela circulação capilar. Os dois parácrinos importantes no sistema digestório são: histamina e somatostatina. A histamina é secretada por células enterocromafins do estômago, principalmente na região oxíntica. As células parietais têm receptores, nomeados H2, para este parácrino. A histamina estimula a secreção de HCl. A somatostatina é sintetizada por células, denominadas D, tanto da mucosa gástrica como do delgado. No estômago, ela inibe a secreção de HCl pelas células oxínticas, as quais têm receptores específicos para este parácrino. A somatostatina é liberada quando a concentração hidrogeniônica do lúmen gástrico eleva­se, correspondendo a valores de pH menores que 3,0. Ela inibe diretamente as células G antrais, secretoras de gastrina. A estimulação vagal colinérgica inibe as células secretoras de somatostatina, liberando as células G da sua ação inibitória sobre a secreção de gastrina. A somatostatina age, também, como parácrino sobre as ilhotas do pâncreas, inibindo a secreção de insulina e de glucagon. A somatostatina foi isolada, primeiramente, do hipotálamo, no qual ela age como fator inibidor da liberação do hormônio de crescimento (GHRIF). De um modo geral, a somatostatina inibe a liberação de todos os hormônios peptídicos. Resumo Hormônios, parácrinos e neurotransmissores do sistema digestório 1. Neurócrinos (neurotransmissores), hormônios, candidatos a hormônios e parácrinos: regulam as funções do sistema digestório. Os hormônios, os candidatos a hormônios, os parácrinos do sistema digestório e o SNI exercem regulação intrínseca das funções do sistema digestório. 2. Neurócrinos ou neurotransmissores (NT): são secretados pelos terminais de neurônios pré­sinápticos, sendo liberados nas fendas sinápticas e, após interagirem com receptores específicos dos neurônios pós­sinápticos, ativam direta ou indiretamente canais iônicos, o que gera potenciais pós­sinápticos excitatórios ou inibitórios. Os NT mais importantes do sistema digestório são: acetilcolina (ACh), norepinefrina (NE), óxido nítrico (NO), encefalinas e neuropeptídios: vasoativo intestinal (VIP), liberador de gastrina (PLG), substância P e neuropeptídio Y (NPY). ACh: NT parassimpático do SNA e do SNI – age, em geral, estimulando a motilidade e as secreções, assim como causa vasodilatação no sistema digestório. NE: NT das fibras simpáticas do SNA – diminui, em geral, a motilidade e as secreções, secundariamente à vasoconstrição no sistema digestório. NO e encefalinas: agem, em geral, como NT que ativam respostas inibitórias. VIP: NT de fibras parassimpáticas – age, em geral, como inibidor da motilidade e eleva a secreção do pâncreas exócrino. PLG: NT de fibras vagais – estimulam a secreção das células G antrais, secretoras de gastrina. Substância P: NT parassimpático – estimula a secreção salivar, agindo em receptores das células acinares, e inibe a motilidade do TGI. NPY: produz relaxamento da musculatura lisa do TGI e reduz processos de secreção intestinal. 3. Hormônios do sistema digestório: sintetizados por células ou grupos de células endócrinas da parede do sistema digestório; após serem levados ao fígado pela circulação porta, atingem as células­alvo localizadas no próprio sistema digestório, via circulação sistêmica. São apenas 5 peptídios que têm status de hormônio: gastrina, colecistocinina (CCK), secretina, peptídio inibidor gástrico (GIP) e motilina. Gastrina e CCK: são peptídios de uma mesma família hormonal (família gastrina­CCK), apresentando um tetrapeptídio no terminal C, que representa o fragmento ativo do peptídio. Gastrina: há várias isoformas – gastrina pequena (G17) e gastrina grande (G34). A G17 é liberada durante o processo digestivo e a G34 nos períodos interdigestivos. O resíduo tirosina na posição 12, quando sulfatado, forma a GII, que não difere funcionalmente da GI, a qual não é sulfatada. A GII tem funções semelhantes às da CCK, cujo grupo tirosina na posição 27 é sulfatado. Secreção: células G do antro gástrico e células do duodeno (em menor número). Estímulos: principalmente, a chegada do quimo ao estômago, não só por distensão de sua parede, como também pela ação de peptídios e aminoácidos, principalmente fenilalanina e triptofano. Funções: estimula a secreção de HCl, tendo receptores nas células parietais. Apresenta efeito trófico, principalmente sobre a região oxíntica do estômago. CCK: tem 34 aminoácidos. Secreção: células I do duodeno e jejuno. Estímulos: produtos da hidrólise lipídica e proteica. Funções: estimula a secreção enzimática do pâncreas, contrai a vesícula biliar, relaxa o esfíncter de Oddi, retarda o esvaziamento gástrico, tem efeito trófico sobre o pâncreas exócrino e potencializa a ação da secretina. Secretina: faz parte, junto com o GIP, da família secretina­glucagon. Tem 27 aminoácidos, cuja sequência mostra grande homologia com a do glucagon e do GIP. Todos os aminoácidos são importantes para suas ações fisiológicas. Secreção: células S do duodeno e jejuno proximal. Estímulo: concentração hidrogeniônica do quimo proveniente do estômago. Funções: antiácidas, aumenta a secreção de bicarbonato do pâncreas e dos ductos biliares, inibe a secreção de HCl, agindo nas células oxínticas e G – diminuindo a secreção de gastrina, retarda o esvaziamento gástrico, inibe o efeito trófico da gastrina, tem efeito trófico sobre o pâncreas exócrino e potencializa a ação da CCK. GIP: tem 42 aminoácidos. Secreção: células endócrinas do delgado. Estímulo: produtos da hidrólise de todos os macronutrientes. Funções no sistema digestório: reduz a secreção e a motilidade gástrica. Eleva a secreção de insulina das células β das ilhotas do pâncreas endócrino. Motilina: tem 22 aminoácidos. Secreção: delgado; é secretada em fase com o CMM (complexo migratório mioelétrico). Função: aumenta a motilidade do TGI. 4. Candidatos a hormônios: polipeptídio pancreático (PP), enteroglucagon e entero­oxintina. PP: tem 36 aminoácidos. Secreção: pâncreas. Estímulos: principalmente, glicose. Funções: diminui a secreção de bicarbonato e de enzimas do pâncreas exócrino. Enteroglucagon: Secreção: íleo. Estímulos: produtos da hidrólise lipídica e de carboidratos. Função: desconhecida. Entero­oxintina: Secreção: duodeno e jejuno. Estímulos: desconhecidos. Função: eleva a secreção de HCl gástrico por via desconhecida. 5. Parácrinos do sistema digestório: secretados por células endócrinas, atingindo as células­alvo nas suas proximidades, via difusão no interstício ou por circulação capilar. Dois principais – histamina e somatostatina. Histamina: Secreção: células enterocromafins do estômago, na região oxíntica. Estímulo: chegada do quimo ao estômago. Funções: inibe a secreção de HCl nas células oxínticas, através dos receptores H2, potencializa a ação da acetilcolina e da gastrina. Somatostatina: Secreção: células D do estômago. Estímulos: pH intragástrico menor que 3,0. Funções: inibe as células G, secretoras de gastrina, agindo como reguladora do pH intragástrico. Neurônios colinérgicos vagais inibem as células D e o efeito da somatostatina sobre as células G. BIBLIOGRAFIA BERNE RM, LEVY MN. Physiology. 3. ed. Mosby Inc., St. Louis, 1993. BERNE RM, LEVY MN, KOEPPEN BM et al. Physiology. 4. ed. Mosby Inc., St. Louis, 2004. BORON WF, BOULPAEP EL. Medical Physiology. W.B. Saunders Co., Philadelphia, 2003. BORON WF, BOULPAEP EL. Medical Physiology. W.B. Saunders Co., Philadelphia, 2005. JOHNSON LR. Gastrointestinal physiology. The Mosby Physiology Monograph Series. 6. ed., 2001. JOHNSON LR (Ed.). Physiology of Gastrintestinal Tract. 3. ed. Raven, New York, 1997. Introdução Mastigação Deglutição Motilidade gástrica Motilidade do intestino delgado Motilidade do cólon e defecação Bibliografia INTRODUÇÃO A musculatura lisa visceral unitária é um sincício. A motilidade é efetuada pela musculatura da parede do trato gastrintestinal (TGI). Esse mecanismo propicia a mistura dos alimentos com as secreções luminais e o seu contato com a mucosa de revestimento interna do trato, otimizando os processos de digestão e absorção intestinal. Além disso, a motilidade garante, também, a propulsão cefalocaudal dos nutrientes e a excreção fecal. Musculatura lisa é encontrada em quase todo o TGI, com exceção de cavidade oral, faringe, terço superior do esôfago e esfíncter anal externo, que têm musculatura estriada inervada por motoneurônios não autônomos. A musculatura do TGI restante é denominada musculatura lisa visceral unitária, porque suas fibras intercomunicam­se por junções intercelulares de baixa resistência elétrica, representadas pelos canais das gap­junctions que acoplam eletricamente as células. Estes canais, além de permitirem a passagem passiva (ou eletrotônica) de corrente de íons, permitem a passagem, de uma célula à outra, de moléculas com até 1.300 Da. Assim, pode haver passagem de segundos mensageiros intracelulares através dos canais das gap­junctions, como o AMP cíclico e os inositóis­fosfato. As fibras musculares lisas formam feixes (faciae) que contêm centenas de fibras, envoltas por tecido conjuntivo. Estes feixes são inervados por um único neurônio, que dispõe de variculosidades ao longo do axônio, de onde os neurotransmissores são liberados. Um feixe e o neurônio que o inerva formam uma unidade motora (Figura 60.1). Os neurotransmissores ativam as fibras musculares mais próximas a eles, mas a excitação é conduzida a todas as células do feixe pelos canais das gap­junctions, permitindo que as fibras se contraiam simultaneamente. Portanto, a musculatura lisa visceral é um sincício morfológico e funcional e, por isso, chamada de unitária. A fibra muscular lisa é bem menor que a estriada, não tem sarcômeros, e a relação actina/miosina é de 12 a 18. As fibras musculares lisas do TGI apresentam comprimentos entre 50 e 200 mm e diâmetros de 4 a 10 μm, com uma relação superfície/volume superior à das fibras musculares estriadas. Ao contrário destas, não mostram os miofilamentos organizados em sarcômeros, mas sim formando uma rede disposta obliquamente nas células e ligada ao citoesqueleto. Quando se contraem, distribuem a tensão por toda a célula. A relação actina/miosina é de 12 a 18, enquanto, na musculatura estriada, é 2. O retículo sarcoplasmático nas fibras musculares lisas tem pouco desenvolvimento, e o sistema de túbulos transversos inexiste (Figura 60.2). Figura 60.1 Feixe de fibras musculares lisas com os denominados néxus, regiões das gap­junctions intercelulares que acoplam eletricamente as células do feixe. Note que o neurônio apresenta variculosidades, que são as regiões de liberação dos neurotransmissores. O feixe e o neurônio que o inerva formam uma unidade motora. As fibras da musculatura circular, além de serem mais ricamente inervadas, dispõem de maior número de gap­ junctions intercelulares do que as da musculatura longitudinal. Contrações fásicas periódicas e tônicas, ou mantidas, na musculatura lisa do TGI. Há dois tipos básicos de contração na musculatura lisa do TGI: a contração fásica, em que contrações e relaxamentos são periódicos e ocorrem em poucos segundos ou minutos, e a tônica, mantida ou sustentada, em que a musculatura mantém­se tonicamente contraída por minutos ou horas, constituindo o que se denomina “tônus”. As musculaturas que se contraem fasicamente são as do corpo do esôfago, do corpo e antro do estômago, além daquelas dos intestinos delgado e grosso; e as que sofrem contração tonicamente são as musculaturas dos esfíncteres e da porção fúndica do estômago. O acoplamento excitação­contração na musculatura lisa visceral depende do influxo de Ca2+ do meio extracelular. Como nos músculos estriados esqueléticos e cardíaco, nos viscerais fásicos o nível de Ca2+ intracelular determina o fenômeno contrátil e o acoplamento entre a excitação neural e a contração mecânica. A elevação da concentração citosólica de Ca2+, que desencadeia o fenômeno contrátil, resulta da ativação de canais para Ca2+ dependentes de voltagem, em resposta à despolarização do sarcolema. O Ca2+ provém do meio extracelular, estando acumulado nos cavéolos do sarcolema. O crescimento da concentração citosólica de Ca2+, dos níveis de repouso (10–7 M) para os de excitação máxima (10–6 até 10–5), desencadeia a contração. Figura 60.2 Esquema de uma fibra muscular lisa e resumo do acoplamento entre excitação e contração, em uma fibra de contração fásica. ATP, trifosfato de adenosina; MLCK, cadeia leve de miosinoquinase. Explicação no texto. O Ca2+ aumentado no citosol liga­se à calmodulina e ativa uma cadeia leve da miosinoquinase (MLCK). A transferência do grupo fosforil, resultante da hidrólise do ATP, à miosina ativa­a e propicia sua interação com a actina, formando o complexo actomiosina e desenvolvendo tensão ou contração. Cessada a excitação, a concentração citosólica de Ca2+ diminui, por bombeamento deste íon para fora da célula, por uma Ca2+­ATPase e pelo contratransportador Ca2+/Na+, ambos localizados no sarcolema. Com isto, cessa a atividade da miosinoquinase, e uma fosfatase remove o grupo fosforil da miosina, desfazendo o complexo actomiosina e provocando a queda de tensão ou o relaxamento muscular (ver Figura 60.2). Nos músculos lisos de contração tônica, a origem do Ca2+ intracelular e o mecanismo de acoplamento excitação/contração não estão bem esclarecidos. A contração das fibras musculares lisas é rítmica e determinada pelas regiões de marca­passo, que são grupos de células intersticiais de Cajal. O potencial elétrico do sarcolema da fibra muscular lisa visceral não é estável, embora medidas feitas em músculos geneticamente alterados indiquem que o “potencial de repouso” varia entre –40 e –58 mV, lado interno da célula negativo. Este potencial pode ser representado por: Ve – Vc = –Vm em que Ve = potencial extracelular, Vc = potencial intracelular e Vm = potencial de membrana. A magnitude da diferença de potencial de membrana é inferior à que existe através do sarcolema das fibras musculares estriadas, consequentemente a uma menor razão entre as permeabilidades a K+ e a Na+. O potencial de membrana das fibras lisas viscerais sofre oscilações ou despolarizações subliminares, as denominadas ondas lentas, que têm frequência típica para cada região do TGI, determinada nas regiões de marca­passo. Estas regiões, na parede muscular do TGI, são formadas por células com características de miofibroblastos, indiferenciadas, e de fibras musculares lisas diferenciadas; em conjunto, tais fibras são chamadas de fibras intersticiais de Cajal (FICj). As FICj comunicam­se entre si e com as fibras musculares lisas vizinhas da parede do TGI por gap­ junctions, o que propicia a propagação da excitação por toda a musculatura. Assim, as fibras musculares lisas desenvolvem ondas lentas, com frequências determinadas pelos marca­passos característicos de cada região do TGI, originando o denominado ritmo elétrico basal (REB). O REB do estômago é de 3 ondas/min; o do duodeno, 12/min; e o do íleo, 9 a 8/min. Uma representação esquemática das ondas lentas é fornecida na Figura 60.3. Estas são depolarizações subliminares do sarcolema, resultantes da variação do potencial de membrana de cerca de 10 mV. Contrações da musculatura ocorrem em fase com as ondas lentas, desde que as despolarizações alcancem o que se conhece por limiar contrátil da fibra. As amplitudes das contrações são proporcionais às das ondas lentas. As contrações que ocorrem em fase com as ondas lentas resultam da ativação de canais para Na+, K+ e Ca2+ dependentes de voltagem, do sarcolema. O Ca2+, penetrando as fibras, acopla a excitação ao fenômeno contrátil. Se a despolarização é de maior amplitude, alcança­se o limiar elétrico da fibra e surgem potenciais de ação nas cristas das ondas lentas. Quando isso acontece, a amplitude das contrações depende da frequência dos potenciais de ação nas cristas das ondas lentas. Como a contração das fibras musculares lisas é lenta, ocorre somação temporal das contrações em resposta a um conjunto de potenciais de ação. O potencial de ação das fibras musculares lisas viscerais é muito mais lento que o das fibras musculares estriadas. Sua duração é de 10 a 20 ms e não apresenta overshoot. Na despolarização, temos ativação dos canais para Na+ e Ca2+ (canais lentos), dependentes de voltagem. Na repolarização, há redução das condutâncias a Na+ e a Ca2+, além de aumento da condutância a K+ (canais lentos). Entre os potenciais de ação, a tensão da fibra muscular não retorna à linha de base, havendo sempre uma contração mantida (tônus). O sistema nervoso autônomo (SNA) e o sistema nervoso entérico (SNE) regulam a amplitude das ondas lentas e podem, também, alterar a frequência não só dessas ondas lentas, como ainda dos potenciais de ação que se dão nos picos de tais ondas. Portanto, a força contrátil e a frequência do REB são reguladas pelo SNA e pelo SNE. Em geral, estimulação noradrenérgica diminui a amplitude das contrações, podendo mesmo aboli­las. A estimulação colinérgica aumenta tanto a amplitude das ondas lentas como a frequência dos potenciais de ação e, portanto, a força contrátil. Figura 60.3 Esquema que indica as ondas lentas (ou REB) em fase com as contrações, e os potenciais de ação nas cristas das ondas lentas. Resumo Musculatura do TGI 1. Músculo liso visceral em todo o TGI com exceção da boca, faringe, terço superior do esôfago e esfíncter anal externo. 2. Musculatura lisa visceral unitária: sincício funcional e anatômico por transmissão elétrica da excitação via gap­junctions (acoplamento elétrico entre as fibras). 3. Feixes ou faciae: centenas de fibras inervadas por um neurônio – unidade motora. 4. Contração fásica: rápida (s a min) – corpo do esôfago e estômago, antro gástrico e delgado. 5. Contração tônica: mantida (min a h) – fundo gástrico e esfíncteres (tônus). 6. Acoplamento excitação­contração: via Ca2+ extracelular. 7. Ondas lentas: despolarizações, em fase com as contrações após o limiar contrátil da fibra. 8. REB (ritmo elétrico basal): determinado nas regiões de marca­passo (fibras intersticiais de Cajal). 9. Potencial de membrana (Vm) das fibras musculares viscerais: instável. 10. Potenciais de ação: aparecem na crista das ondas lentas, quando é atingido o limiar elétrico; são lentos e sem overshoot. 11. Intensidade das contrações: proporcionais à amplitude das ondas lentas e à frequência dos potenciais de ação. Tanto o SNE como o SNA regulam a amplitude das ondas lentas e a frequência dos potenciais de ação. A estimulação colinérgica eleva a força contrátil; a noradrenérgica a diminui. MASTIGAÇÃO Os padrões motores são específicos nas várias regiões do TGI; na cavidade oral, o alimento é reduzido a pequenas porções pelos dentes e lubrificado pela saliva. A mastigação reduz o alimento a partículas com alguns cm3 e as mistura com o muco secretado pelas glândulas salivares, lubrificando tais partículas. A redução dos alimentos a pequenas partículas não interfere no processo digestivo posterior; ela facilita a deglutição, que se torna mais fácil pela lubrificação das partículas alimentares. Muitos animais, como cães e gatos, deglutem pedaços grandes de alimentos, mastigando­os apenas para permitir sua passagem pela faringe. Durante a mastigação, a mistura do alimento com a saliva inicia o processo de hidrólise dos carboidratos pela α­ amilase salivar. A presença do alimento na cavidade oral estimula químio e mecanorreceptores. Estes desencadeiam reflexos que são conduzidos ao sistema nervoso central (SNC) e que coordenam os músculos mastigatórios, tornando a mastigação um ato reflexo; entretanto, a mastigação pode, ainda, ser voluntária e sobrepor­se, a qualquer momento, ao ato reflexo. A estimulação de quimiorreceptores e de mecanorreceptores da cavidade oral também desencadeia respostas reflexas, que estimulam as secreções salivar, gástrica e pancreática, como será analisado oportunamente. DEGLUTIÇÃO A deglutição é um ato parcialmente voluntário e parcialmente reflexo, coordenado pelo SNC e pelo SNE, ocorrendo em frações de segundo. A deglutição é simplesmente a passagem do bolo alimentar da boca para o estômago, através do esôfago. Trata­se de um ato parcialmente voluntário e parcialmente reflexo, que ocorre em frações de segundo. O esôfago é um tubo muscular, com cerca de 15 cm de comprimento, que se estende da orofaringe até o estômago, atravessando o tórax e penetrando no abdome pelo hiato diafragmático. No seu terço superior ou proximal, a musculatura é estriada, havendo, logo abaixo desta região, uma transição entre musculatura estriada e lisa, que se transforma em lisa ao longo dos restantes dois terços distais do esôfago. Na porção superior, o esôfago comunica­se com a orofaringe, pelo esfíncter esofágico superior (EES) ou cricofaríngeo, um espessamento da musculatura estriada do músculo de mesmo nome. Na porção inferior, subdiafragmática, o esôfago comunica­se com o estômago através do esfíncter esofágico inferior (EEI), cuja musculatura é lisa. O EES é considerado um esfíncter anatômico e fisiológico, enquanto o EEI, um esfíncter fisiológico, ou seja, apenas um pequeno anel da musculatura, de 1 a 2 cm de comprimento, com pressão aumentada. Nos períodos interdigestivos, o esôfago é flácido e a pressão interna na sua porção torácica é igual à torácica (i. e., subatmosférica), com exceção da região do EES, apresentando pequenas variações em fase com os movimentos respiratórios. A pressão no EES é de cerca de 40 mmHg superior àquela no esôfago torácico e a do EEI, aproximadamente 30 mmHg superior. Como as pressões de repouso dos dois esfíncteres são superiores à pressão no esôfago torácico durante os períodos interdigestivos, os esfíncteres funcionam como barreira, prevenindo, na porção cefálica, a entrada de ar para o interior do esôfago e, na porção distal, o refluxo gástrico. Tal prevenção evita desconforto intraesofágico e esofagite, respectivamente nas porções proximais e distais do esôfago. Assim, este órgão, além de servir de conduto para o bolo alimentar na sua progressão da cavidade oral para o estômago, durante o processo de deglutição, funciona como uma barreira nos períodos interdigestivos. A fase reflexa da deglutição é coordenada pelo centro da deglutição, localizado no bulbo e porção posterior da ponte, no tronco cerebral. Esta fase compreende uma sequência ordenada de eventos, que propelem o bolo alimentar da orofaringe ao estômago, com inibição da respiração, o que previne a entrada de alimentos para a traqueia. As vias sensoriais aferentes para o reflexo partem de receptores tácteis (somatossensoriais, situados na orofaringe) e alcançam o centro da deglutição principalmente pelos nervos vago e glossofaríngeo. As vias eferentes para a musculatura estriada da orofaringe e do esôfago proximal são fibras vagais motoras e, para o restante do esôfago, fibras vagais viscerais. Costuma­se analisar o processo da deglutição em fases. Estas são: a fase oral (voluntária), a faríngea e a esofágica (reflexas), como ilustrado na Figura 60.4. A fase oral é voluntária e se inicia com a ingestão do alimento. Pressiona­se o bolo alimentar pela ponta da língua contra o palato duro e ele é propelido, também pela língua, em direção à orofaringe contra o palato mole. Nesta região, tal bolo estimula receptores somatossensoriais da orofaringe e começa a fase faríngea da deglutição. A fase faríngea é totalmente reflexa. A seguinte sequência de eventos ocorre em menos de 1 s. (a) Elevação do palato mole em direção à nasofaringe; as dobras palatofaríngeas impedem a entrada alimentar na nasofaringe. (b) As cordas vocais da laringe mantêm­se juntas, o que eleva a epiglote, ocluindo a abertura da laringe, prevenindo assim a entrada de alimento para a traqueia. (c) Simultaneamente, a respiração se inibe e o bolo alimentar é propelido ao longo da faringe por uma onda peristáltica iniciada nos músculos constritores superiores, que se propaga para os constritores médios e inferiores da faringe. (d) À frente desta onda peristáltica, o EES relaxa­se, permitindo que o bolo entre no esôfago. Como já dito, todas estas fases duram menos de 1 s. Figura 60.4 Fases da deglutição: oral (A), faríngea (B) e esofágica (C e D). Após a passagem do bolo alimentar para o esôfago, o EES contrai­se e começa a fase esofágica da deglutição. Inicia­ se uma onda peristáltica primária, que percorre o esôfago, relaxando o EEI à sua frente, permitindo a passagem do bolo para o estômago. Esta é a onda peristáltica primária, que percorre o esôfago com uma velocidade de 1 a 3 cm/s, levando cerca de 5 a 10 s para atingir o EEI e propelindo o bolo alimentar à sua frente; ela é regulada pelo centro da deglutição e por reflexos intramurais. Caso tal onda não consiga esvaziar completamente o esôfago, surge uma onda peristáltica secundária, em resposta à distensão da parede do esôfago, que se propaga da região distendida para as regiões mais distais do esôfago; esta segunda onda é totalmente coordenada pelo SNE da parede do esôfago. Na Figura 60.5, existem os registros de pressão na faringe e no esôfago, obtidos por meio de uma sonda introduzida no esôfago contendo sensores de pressão. À direita, são mostradas as pressões de repouso nos períodos interdigestivos. As pressões intraesofágicas de repouso são iguais às intratorácicas, representadas pelo nível zero, com exceção das pressões de 40 mmHg do EES e de 30 mmHg do EEI. Durante a deglutição, podem­se acompanhar as alterações transientes de pressão ao longo do esôfago, refletindo as contrações, desde o EES até o EEI. Figura 60.5 Registro das pressões intraesofágicas durante o jejum e a deglutição. Descrição da figura no texto. Simultaneamente ao relaxamento do EEI, a porção proximal do estômago (denominada fundo) também relaxa, permitindo que o bolo alimentar penetre no estômago. Este relaxamento do fundo gástrico, que persiste durante a deglutição, é designado relaxamento receptivo; tal relaxamento permite a acomodação do bolo alimentar no estômago sem elevar a pressão intragástrica. A regulação neural da deglutição é efetuada pelo centro da deglutição no tronco cerebral e depende da integridade do SNE do esôfago. Impulsos aferentes se originam do esôfago e atingem o centro de deglutição, principalmente pelos nervos vago e glossofaríngeo. O centro da deglutição localiza­se no bulbo e porção inferior da ponte, no tronco cerebral; tem três núcleos: não vagal, ambíguo e motor dorsal do vago. Destes núcleos, partem os nervos motores eferentes para o esôfago, inervando a musculatura estriada, via fibras vagais somáticas, e a musculatura lisa e seus plexos intramurais, via fibras vagais viscerais. Os plexos intramurais intercomunicam­se, coordenando a atividade motora do esôfago. Fibras eferentes para a faringe e o esôfago têm origem nos núcleos dos nervos facial, hipoglosso e trigêmeo (Figura 60.6). A contração tônica do EEI é regulada pelos nervos vagos e por fibras simpáticas. A inervação vagal excitatória é efetuada por fibras colinérgicas, e a inibitória, por fibras vipérgicas ou tendo o óxido nítrico como neurotransmissor. Assim, quando a onda peristáltica atinge o EEI, este se relaxa por estimulação das fibras vagais inibitórias (FVI), que disparam potenciais de ação com frequência aumentada. Simultaneamente, as fibras vagais excitatórias (FVE) colinérgicas estão quiescentes (Figura 60.7). Figura 60.6 Controle neural das fases faríngea e esofágica da deglutição. Figura 60.7 Regulação do esfíncter esofágico inferior. FVE, fibras vagais excitatórias; FVI, fibras vagais inibitórias. Acalasia é a anomalia que decorre de aumento do tônus do EEI ou de falha no seu relaxamento. As ondas peristálticas primárias, nesta situação, são fracamente propulsivas, e o material deglutido acumula­se na porção inferior do esôfago, dilatando­o, sendo necessária a aspiração desse material. O tratamento é cirúrgico, no sentido de enfraquecer o EEI. Azia (heartburn) é o distúrbio mais frequentemente associado à disfunção do esôfago. Consiste em diminuição da pressão no EEI, causando refluxo gástrico ácido, com lesão da parede do esôfago (esofagite). Esta condição pode ser consequência de anormalidades motoras do EEI, esvaziamento inadequado do esôfago, falha da peristalse secundária ou elevação da pressão intragástrica, por dilatação do estômago após refeição volumosa ou aumento do abdome, como na gravidez ou em excesso de gordura. Espasmo esofágico difuso resulta de alterações motoras, com contrações não propulsivas da parede do esôfago, acarretando grande desconforto torácico. Outras condições que levam a distúrbios da deglutição ou disfagia são lesões cerebrais, câncer esofágico ou degenerações nervosas dos plexos intramurais, que provocam escleroderma de sua parede, como pode ocorrer no envelhecimento. Resumo Deglutição 1. O esôfago apresenta musculatura estriada no terço superior. A pressão intraesofágica na região torácica esofágica, no período interdigestivo, é subatmosférica e igual à intratorácica, com exceção da região do EES. O EES, ou esfíncter cricofaríngeo, tem pressão de 40 mmHg e o EEI, ou esfíncter subdiafragmático, de 30 mmHg. O EES é um esfíncter anatômico: um espessamento do músculo estriado cricofaríngeo. O EEI é apenas fisiológico, ou seja, uma região de aumento do tônus da musculatura lisa. Os dois esfíncteres funcionam como barreira, prevenindo, na porção cefálica, a entrada de ar para o esôfago e, na distal, o refluxo gástrico. 2. A fase oral da deglutição é voluntária. A estimulação dos receptores somatossensoriais da orofaringe pelo alimento inicia a fase reflexa da deglutição. As vias aferentes para o centro da deglutição (CD), no bulbo, e a porção inferior da ponte são vago e glossofaríngeo. As vias eferentes são vagais somáticas para o EES e vagais viscerais para o esôfago torácico e EEI. Os vagos fazem sinapses nos plexos intramurais. 3. Na fase reflexa da deglutição (fase faríngea e esofágica), há inibição da respiração e propulsão peristáltica do alimento pelas ondas peristálticas primárias, iniciadas nos músculos constritores da faringe, coordenadas pelo CD. O relaxamento receptivo do fundo gástrico ocorre em associação com o do EEI. A peristalse secundária se inicia pela distensão do esôfago e é regulada pelo SNE. 4. À frente da onda peristáltica primária, os esfíncteres relaxam­se e o bolo alimentar alcança o estômago. 5. A contração tônica do EES é regulada pelo CD, via nervos vagais eferentes somáticos. A do EEI é regulada por fibras vagais viscerais, excitatórias colinérgicas e inibitórias VIPérgicas ou mediadas pelo óxido nítrico. 6. Acalasia decorre do aumento do tônus do EEI, podendo induzir megaesôfago. Azia resulta de diminuição do tônus do EEI, e é possível ocorrer esofagite. Disfagias ou distúrbios da deglutição podem, também, ser consequência de lesões neurais centrais ou da parede do esôfago. MOTILIDADE GÁSTRICA O estômago armazena, mistura e tritura o alimento, propelindo­o lentamente para o duodeno, através do esfíncter pilórico. Do ponto de vista motor, o estômago exerce as seguintes funções: armazenamento, mistura e trituração do alimento, propulsão peristáltica e regulação da velocidade de esvaziamento gástrico. Estas funções são exercidas em regiões distintas do órgão, sendo relacionadas com as diferenças de sua musculatura. A Figura 60.8 ilustra as suas diferentes regiões: fundo, corpo, antro e piloro. Também sob esse ponto de vista, costuma­se dividir o estômago em regiões oral e caudal – a primeira inclui o fundo e a porção proximal do corpo (que têm musculatura de menor espessura); a segunda compreende a porção distal do corpo e a região antral, cuja musculatura é mais espessa. O armazenamento do alimento no estômago ocorre na região do fundo e porção proximal do corpo gástrico. A mistura do alimento se dá na região média e distal do corpo, enquanto a trituração é efetuada na parte distal do estômago, na região antral. A propulsão peristáltica inicia­se na região de marca­passo, localizada na porção proximal do corpo. A velocidade de esvaziamento gástrico é regulada por mecanismos neuro­hormonais, envolvendo a região antropilórica e o duodeno. Figura 60.8 Regiões do estômago que mostram o aspecto da sua parede interna. Note que a região do corpo e a antral apresentam musculatura mais desenvolvida, com inúmeras pregas. O estômago é a única porção do TGI que tem, além da muscular externa, uma outra camada de fibras musculares lisas, que se dispõem obliquamente, irradiando­se da região cárdica, próxima ao EEI, para o fundo, fundindo­se com as demais fibras musculares, no limite entre o fundo e a porção proximal do corpo. O padrão motor do estômago varia nas suas diferentes regiões. Durante o processo da deglutição, à frente da onda peristáltica que percorre o esôfago e relaxa o EEI, a musculatura do fundo e da porção proximal do corpo relaxa­se. Este processo denomina­se relaxamento receptivo e pode ser abolido experimentalmente por vagotomia bilateral (secção dos vagos). O relaxamento receptivo é um reflexo longo vagovagal. As fibras eferentes vagais deste reflexo são inibitórias vipérgicas. Como a musculatura do fundo gástrico está relaxada durante o processo da deglutição, o alimento acomoda­se neste local, sem elevar a pressão intragástrica; além disso, como a musculatura desta região é menos densa do que a do restante do estômago, suas contrações são relativamente fracas. Por este motivo, 1 a 1,5 ℓ de alimento acomoda­se no fundo gástrico, por 1 a 2 h, sem sofrer ação de mistura. Esta é a fase de armazenamento gástrico. As peristalses gástricas começam na região proximal do corpo gástrico, onde se localiza o marca­passo. As peristalses gástricas iniciam­se na região de marca­passo, situada na porção proximal do estômago. O REB no estômago é de 3 ondas/min. As ondas peristálticas aumentam de intensidade e de velocidade em direção à região antro­ pilórica, em consonância com o espessamento da muscular externa. As contrações rápidas e vigorosas do corpo propiciam a mistura do alimento com as secreções gástricas, otimizando a digestão. O alimento, já parcialmente digerido, forma o que se chama quimo. À frente das contrações peristálticas do corpo e do antro, o piloro relaxa­se, permitindo o escape de pequenas quantidades do quimo para o duodeno, cerca de poucos mℓ. Entretanto, a seguir, o piloro contrai­se rápida e abruptamente; portanto, uma onda peristáltica antral seguinte, propelindo o quimo, encontra o piloro fechado, o que provoca retropropulsão do quimo. A contração antral com o piloro fechado e retropropulsão do quimo é conhecida como “sístole antral”. Estes processos repetem­se e propiciam a trituração do quimo (Figura 60.9). O piloro apresenta dois anéis de espessamento conjuntivo, designados esfíncteres intermediário e distal, que delimitam o antro do bulbo duodenal. Nesta região, há descontinuidade da mucosa, da submucosa e das fibras musculares circulares entre o piloro e o bulbo duodenal. Apenas algumas fibras musculares longitudinais são contínuas entre as duas regiões, embora seja mantida a continuidade dos plexos intramurais entre estômago e duodeno (Figura 60.10). Não há concordância dos autores, quanto ao piloro ser um esfíncter anatômico ou fisiológico. Figura 60.9 Aspectos do estômago durante as peristalses gástricas. Figura 60.10 Representação esquemática do esfíncter pilórico, em secção longitudinal. Note a continuidade de fibras musculares longitudinais entre estômago e duodeno. A musculatura circular é descontínua, formando dois espessamentos constituintes dos esfíncteres intermediário e distal. Este último é formado por tecido conjuntivo, em forma de anéis, seguido de tecido conjuntivo que delimita o estômago do bulbo duodenal. A mucosa e a submucosa do estômago e do duodeno são descontínuas. (Adaptada de Johnson, 1981.) Materiais não esvaziados do estômago durante o período digestivo são propelidos para o delgado, por ondas peristálticas do complexo migratório mioelétrico (CMM), nos períodos interdigestivos, que efetuam a faxina gástrica. Nos períodos interdigestivos, durante 1 a 2 h, a musculatura gástrica é quiescente. Após este tempo, ocorre intensa atividade elétrica e contrátil, que se propaga da região média do corpo do estômago até o duodeno. Esta intensa atividade elétrica e motora peristáltica, denominada complexo migratório mioelétrico (CMM), dura cerca de 10 min, ocorrendo periodicamente a cada 90 min, e, literalmente, empurra qualquer material que não tenha deixado o estômago durante o processo digestivo normal. A função dessa atividade é, portanto, de faxina. Figura 60.11 Velocidades de esvaziamento gástrico de diferentes materiais, em cães. Note que a solução de glicose (1%) deixa o estômago mais rapidamente do que os pedaços de fígado sólido e as esferas plásticas (com 7 mm de diâmetro). (Adaptada de Hinder e Kelly, 1977; e de Berne et al., 2004.) O quimo permanece no estômago entre 2 e 3 h, dependendo da natureza química da ingesta. Gorduras são os últimos nutrientes a serem esvaziados, seguidos de proteínas. Carboidratos esvaziam­se mais rapidamente, e soluções salinas isotônicas o fazem mais rapidamente do que as hipo e hipertônicas. O epitélio do estômago é do tipo tight, ou seja, relativamente pouco permeável pela via intercelular, ao contrário do epitélio do delgado. O álcool pode ser absorvido através da mucosa gástrica, principalmente por via transcelular, uma vez que ele aumenta a fluidez das bicamadas lipídicas das membranas celulares. Substâncias que não foram digeridas no estômago, como pedaços de ossos ou outros objetos estranhos, deixam o estômago apenas nos períodos interdigestivos, por ação do CMM. A Figura 60.11 mostra as velocidades de esvaziamento gástrico em cães alimentados com solução de glicose (1%), pedaços de fígado e esferas plásticas. O estômago é ricamente inervado, tanto pelo SNA como pelo SNE. No estômago, há fibras vagais colinérgicas eferentes, excitatórias, que elevam tanto a motilidade como as secreções gástricas. As fibras vagais vipérgicas e liberadoras de óxido nítrico são inibitórias, reduzindo a motilidade gástrica. Há, também, fibras vagais secretoras, cujo neurotransmissor é o peptídio liberador de gastrina (PLG) ou bombesina, que estimula as células produtoras de gastrina, localizadas no antro. As fibras eferentes noradrenérgicas para o estômago partem do gânglio celíaco e induzem diminuição das contrações e das secreções gástricas. Além da regulação efetuada pelo SNA, o estômago tem o SNE bastante desenvolvido, o qual participa também da regulação da motilidade e das secreções gástricas. As fibras sensoriais aferentes originam­se em receptores sensoriais da parede gástrica e são estimuladas pela chegada do alimento. Estes receptores são presso, químio ou osmorreceptores, sendo estimulados, respectivamente, pela distensão da parede do estômago ou aumento da pressão intragástrica, pela composição química e pela tonicidade do quimo. Há, também, receptores para dor. O esfíncter pilórico é densamente inervado por fibras parassimpáticas e simpáticas eferentes. Existem fibras vagais excitatórias colinérgicas e inibitórias vipérgicas ou mediadas pelo óxido nítrico ou metaencefalina. No piloro, ao contrário do que acontece com o restante da musculatura do TGI, as fibras simpáticas eferentes noradrenérgicas são estimulatórias, contraindo e fechando o piloro. As ondas lentas subliminares gástricas têm aspecto de um potencial de ação cardíaco ventricular de menor amplitude. Há rápida despolarização, seguida de rápida repolarização e de um platô, com duração de até 100 ms, após o qual ocorre repolarização lenta. Em fase com a onda lenta, há contração ou desenvolvimento de tensão (Figura 60.12). Se o potencial limiar ou elétrico é atingido, ocorrem potenciais de ação nas cristas das ondas lentas, o que eleva a força contrátil. Os principais agonistas para a gênese dos potenciais de ação gástricos são acetilcolina e gastrina, que elevam a amplitude das ondas lentas, a frequência de potenciais de ação e a força contrátil. Norepinefrina e neurotensina diminuem não só a amplitude das ondas lentas como também a frequência dos potenciais de ação. Na região fúndica, a atividade elétrica é baixa, com ausência de ondas lentas. No corpo proximal, aparecem ondas lentas, de pequenas amplitudes, que aumentam em direção ao antro, onde começam a surgir os potenciais de ação. A atividade do piloro é intensa e a do bulbo duodenal, irregular, porque é afetada pelos dois REB – do estômago (3 ondas/min) e do duodeno (12 ondas/min). As contrações do antro e do duodeno são, porém, coordenadas (Figura 60.13). O esvaziamento gástrico é altamente regulado por mecanismos neuro­hormonais enterogástricos, propiciando condições para o processamento do quimo pelo delgado. A regulação da velocidade de esvaziamento gástrico é exercida pela região antropilórica e pelo duodeno, em um processo duodenogástrico, altamente regulado por mecanismos neuroendócrinos que atuam nestas duas regiões. Figura 60.12 Relação entre atividade elétrica, ou onda lenta gástrica (traçado inferior), e a atividade contrátil (traçado superior). A contração se dá durante a despolarização da fibra muscular, após atingir o limiar contrátil, mesmo na ausência de potenciais de ação. (Adaptada de Johnson, 1981; e de Berne et al., 2004.) Figura 60.13 Regiões do estômago (à esquerda) e registros elétricos em fibras musculares lisas obtidos com microeletrodos intracelulares, em fragmentos isolados de várias porções do estômago de cão (à direita). Os números representam as seguintes regiões: 1 = fundo; 2 = corpo proximal; 3 = região mais distal do corpo proximal; 4 = região média do corpo; 5 = região caudal do corpo; 6 = região proximal e média do antro; 7 = região caudal do antro; 8 = região final do antro; 9 = região pilórica. Note que a musculatura do fundo é quiescente eletricamente. Ondas lentas começam a aparecer na região proximal do corpo gástrico e aumentam de intensidade em direção ao antro. Apenas a partir do antro distal, começam a aparecer potenciais de ação na fase de despolarização das ondas lentas. (Adaptada de Johnson, 1981; e de Berne et al., 2004.) O esfíncter pilórico tem duas funções fundamentais. (1) Funciona como barreira entre estômago e duodeno nos períodos interdigestivos, quando está contraído, evitando a regurgitação do conteúdo alcalino do duodeno para o estômago, e a do conteúdo ácido no sentido oposto. A mucosa gástrica é muito resistente a ácido mas não à bile, enquanto a duodenal pode sofrer danos por ácido. (2) Regula a velocidade de esvaziamento gástrico de acordo com a capacidade do duodeno de processar o quimo. A atividade motora do piloro, além de ser coordenada pelo SNA, é também regulada pelos seguintes hormônios gastrintestinais: gastrina (G) – secretada por células G antrais, secretina (S), colecistocinina (CCK), peptídio inibidor gástrico (GIP) e enterogastrona (sintetizada em locais ainda não determinados). Todos estes hormônios contraem o piloro, assim como os neurotransmissores acetilcolina (ACh) e norepinefrina (NE). A mucosa do delgado tem químio, mecano e osmorreceptores que, quando estimulados pela chegada do quimo gástrico ao duodeno, enviam impulsos aferentes para o SNC. As respostas eferentes são conduzidas por fibras vagais e simpáticas, que afetam a resposta motora do antro e do piloro. Por outro lado, o quimo estimula células endócrinas da parede duodenal e jejunal, ocorrendo liberação de hormônios gastrintestinais que também afetam a motilidade antropilórica. O pH, a tonicidade e a composição do quimo gástrico que atinge o duodeno desencadeiam mecanismos neurais e hormonais que, por retroalimentação negativa, regulam a motilidade do piloro e a velocidade de esvaziamento gástrico. O quimo proveniente do estômago tem pH ácido, é hipertônico em relação ao plasma e contém produtos da hidrólise lipídica e proteica, além de carboidratos já parcialmente digeridos. Quando o quimo atinge o duodeno, estimula químio e osmorreceptores duodenais, que enviam impulsos sensoriais aferentes para o SNC. Vejamos, primeiro, quais são as respostas neurais. As respostas neurais parassimpáticas eferentes são: inibição das vias parassimpáticas vagais vipérgicas e estimulação das vias colinérgicas, resultando na contração do piloro. As vias simpáticas noradrenérgicas são estimuladas e induzem contração do piloro, o que diminui a velocidade de esvaziamento gástrico. A pergunta pertinente é: até quando o piloro fica contraído? E a resposta: até o quimo poder ser processado pelo delgado. Isto é, até que o pH do quimo seja tamponado, os produtos da hidrólise proteica e lipídica sejam hidrolisados e que ele se torne isotônico em relação ao plasma. Os mecanismos hormonais reguladores da velocidade de esvaziamento gástrico serão abordados a seguir. O pH ácido do quimo no duodeno estimula a secreção de secretina, que, além de contrair o piloro retardando o esvaziamento gástrico, provoca a secreção alcalina do pâncreas, tamponando o HCl. Se os valores de pH estiverem menores que 3,0 no delgado, haverá estimulação específica das células S, endócrinas, secretoras de secretina. Este hormônio, além do seu efeito direto de contrair o piloro e retardar o esvaziamento gástrico, estimula os ductos excretores pancreáticos a secretarem uma solução aquosa rica em NaHCO3. Esta solução é lançada, pelo ducto biliar comum, no duodeno, tamponando o HCl do quimo gástrico, segundo a reação: HCl + NaHCO3 → NaCl + H2CO3 → CO2 + H2O A dissociação do H2CO3 é catalisada pela anidrase carbônica, existente na mucosa intestinal. Desta forma, o HCl gástrico é neutralizado. Na Figura 60.14, há o efeito da introdução, no duodeno de cão, de uma solução de HCl 0,1 N, mostrando que o aumento da motilidade duodenal é simultâneo à redução da motilidade antral. Os produtos da hidrólise lipídica estimulam a secreção de CCK, que não só contrai o piloro, retardando o esvaziamento gástrico, como também estimula a secreção enzimática do pâncreas, diminuindo a tonicidade do quimo no delgado. Os produtos da hidrólise dos lipídios, já parcialmente digeridos no estômago, são o principal mecanismo para a estimulação de dois tipos de células endócrinas do delgado: células produtoras do GIP (peptídio inibidor gástrico ou peptídio insulinotrópico dependente de glicose) e células I, secretoras da CCK. Estas duas substâncias contraem diretamente o piloro e retardam o esvaziamento gástrico. A CCK, além da ação motora, é um hormônio gastrintestinal que tem dois efeitos: (a) estimula as células acinares do pâncreas a secretarem enzimas, que são lançadas no duodeno, hidrolisando lipídios, carboidratos e proteínas no delgado, e (b) é o principal estimulador da contração da vesícula biliar e também relaxa o esfíncter de Oddi, permitindo que a bile seja lançada no duodeno juntamente com a secreção pancreática, pelo ducto biliar comum. A bile atua como detergente sobre as gorduras, facilitando a ação das enzimas lipolíticas pancreáticas. Assim, a digestão dos nutrientes orgânicos se processa, originando moléculas que são absorvidas pelo delgado, diminuindo a tonicidade do quimo. Os produtos da hidrólise proteica estimulam a secreção de gastrina, a qual contrai o piloro e retarda o esvaziamento gástrico. A secreção de gastrina duodenal é estimulada por aminoácidos e oligopeptídios. Figura 60.14 Efeito da infusão de 100 mℓ de HCl 0,1 N (a uma velocidade de 6 mℓ/min) no duodeno de cão sobre a atividade contrátil do antro gástrico e do duodeno. (Adaptada de Brick et al., 1965; e de Berne et al., 2004.) Os produtos da hidrólise lipídica e de carboidratos estimulam a liberação endócrina do GIP, também denominado peptídio insulinotrópico dependente de glicose, que contrai o piloro e retarda o esvaziamento gástrico. A isotonicidade do quimo no delgado é alcançada por processos neuro­hormonais. O quimo gástrico que chega ao duodeno, após uma refeição balanceada, é hipertônico em relação ao plasma, devido à presença dos produtos intermediários da hidrólise proteica, lipídica e de carboidratos. No delgado, há osmorreceptores que enviam impulsos aferentes para o SNC, induzindo respostas eferentes vagal colinérgica e simpática; estas contraem o piloro, o que retarda a velocidade de esvaziamento gástrico, até o quimo no duodeno se tornar isotônico relativamente ao compartimento intersticial­vascular. A isotonicidade é alcançada por secreção de água do compartimento intersticial­ vascular para o lúmen intestinal. Simultaneamente, os mecanismos neuro­hormonais regulatórios estimulam as secreções pancreática e biliar, que são lançadas no duodeno. Estas secreções são isotônicas com o plasma. Os osmorreceptores duodenais estimulados também atuam na secreção hormonal de uma enterogastrona, cuja identidade química não foi ainda determinada, e que parece participar da regulação da tonicidade do quimo no delgado. Na Figura 60.15, estão resumidos os mecanismos neuro­hormonais duodenogástricos (enterogástricos) reguladores da velocidade de esvaziamento gástrico. O vômito é um mecanismo de defesa do TGI contra agentes nocivos, mas pode ser desencadeado por mecanismos neuro­hormonais cujas vias aferentes localizam­se fora do sistema digestório. O vômito consiste na expulsão do conteúdo gastrintestinal para o exterior, através da cavidade oral. Ele é desencadeado por estimulação do sistema digestório por agentes tóxicos e infecciosos, assim como pelo estímulo de diversos tipos de receptores sensoriais do organismo. Precede­o uma descarga do SNA, caracterizada por sudorese, taquipneia, taquicardia, dilatação pupilar (midríase), intensa salivação, sensação de desmaio, palidez por queda de pressão arterial, náuseas (nem sempre presentes) e ânsias. As ânsias se desencadeiam por peristalse reversa, que se inicia nas porções distais do intestino (em geral, no jejuno) e que propele o conteúdo intestinal para o estômago, por relaxamento do piloro. Fortes contrações antrais impulsionam o conteúdo gástrico para o esôfago, através do esfíncter esofágico inferior relaxado. As ânsias se acompanham de profunda inspiração, com diminuição da pressão intratorácica, e de intensas contrações da musculatura abdominal, com subida da pressão no abdome. É gerado, assim, um gradiente de pressão entre abdome e tórax, favorável à propulsão do conteúdo gastrintestinal para o esôfago. Durante as ânsias, pode ocorrer passagem da porção subdiafragmática do esôfago e da porção proximal do estômago para o tórax, através do hiato diafragmático. Como o esfíncter esofágico superior fica contraído durante as ânsias, o conteúdo gastrintestinal retorna ao estômago. Os ciclos de ânsias repetem­se, acentuando a intensidade das contrações abdominais e torácicas. Uma inspiração profunda, com glote fechada e diafragma elevado, aumenta a pressão intratorácica, forçando o relaxamento do esfíncter esofágico superior e a expulsão do conteúdo gastrintestinal para o exterior. Durante essa expulsão, a glote fechada impede a entrada do vômito para a traqueia e inibe a respiração. O vômito e as ânsias são regulados por centros distintos no SNC. As vias sensoriais aferentes que enviam impulsos para os denominados centros do vômito e das ânsias, localizados no bulbo, originam­se em receptores sensoriais de diferentes naturezas e localizações. Esses receptores podem ser: visuais, olfatórios, auditivos (do labirinto), táteis (da orofaringe), além de mecano e quimiorreceptores da parede do TGI. Os estímulos de centros nervosos superiores alcançam o centro do vômito e o das ânsias através de uma zona quimiorreceptora no assoalho do 4o ventrículo, no SNC. Os estímulos psíquicos, como a lembrança de algo desagradável e o medo, podem, estimular o vômito. Dor intensa, principalmente no trato geniturinário, também é estimuladora do vômito. Os estímulos eferentes dos centros do vômito e das ânsias são conduzidos, por diferentes nervos, não só para as musculaturas do TGI como também para os músculos respiratórios e abdominais. Os dois centros – o das ânsias e o do vômito – são independentes, pois podem ser estimulados de modo individual, isto é, há possibilidade de se induzir o vômito, não precedido de ânsia, ou de ocorrerem apenas as ânsias, não seguidas do vômito (Figura 60.16). Eméticos são fármacos estimuladores do vômito, podendo agir diretamente na zona quimiorreceptora cerebral (p. ex., a apomorfina) ou de modo indireto em receptores do sistema digestório. Figura 60.15 Mecanismos neuro­hormonais duodenogástricos que regulam a velocidade de esvaziamento gástrico. +, aumento; –, diminuição; hormônio não identificado, enterogastrona; GIP, peptídio insulinotrópico dependente de glicose. (Adaptada de Berne e

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