Aula 01 - Análise Conceitual de “Comunicação” PDF

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This document provides an analysis of communication, detailing concepts like intention, medium, language, and comprehension. It also discusses various theories related to communication and its role in social contexts.

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Aula 01 - Análise Conceptual de “Comunicação” A comunicação é uma troca de ideias, informações e emoções entre duas ou mais pessoas. Conceptualmente, importa salientar o seguintes elementos: Intenção Uma ação pressupõe a existência de intenção, caso contrário seria um acontecimento. Assim, de acor...

Aula 01 - Análise Conceptual de “Comunicação” A comunicação é uma troca de ideias, informações e emoções entre duas ou mais pessoas. Conceptualmente, importa salientar o seguintes elementos: Intenção Uma ação pressupõe a existência de intenção, caso contrário seria um acontecimento. Assim, de acordo com alguns teóricos, a comunicação tem de ser intencional. Meio É necessário um código semântico ou semiótico; Linguagem Comum De acordo com Wittgenstein, o conceito de “linguagem privada” é contraditório, já que a noção de “linguagem” implica necessariamente a partilha de um referente comum (por exemplo, quando vemos um primata a gesticular de forma a chamar a nossa atenção, dizemos que está a “tentar comunicar”, precisamente porque não há uma linguagem comum que permita a compreensão); Compreensão A comunicação, enquanto fenómeno sociológico, obedece ao seguinte critério - só consideramos uma troca comunicação quando há uma compreensão mútua entre emissor e receptor (note-se, aliás, a existência dos termos “miscommunication” e “mal-entendido”); Contexto A existência de um meio de comunicação não é suficiente para que possamos comunicar - é necessária uma base para a comunicação, um contexto baseado em experiências comuns; Interpretação A leitura e interpretação de intenções permite ultrapassar as convenções sociais (por exemplo, por vezes, começamos por recusar algo que queremos muito por uma questão de etiqueta, embora o interlocutor consiga interpretar a nossa intenção e ultrapassar essa convenção social); Configuração da Realidade Social Muitas vezes, a comunicação surge associada a um ato decisório (por exemplo, quando é proferida uma sentença, as palavras do juiz acabam por se materializar numa pena). Assim, o discurso tem a capacidade de alterar e configurar a realidade social. Teorias Intencionalista e Convencionalista Existem diferentes pontos de vista teóricos: ★ Teoria Intencionalista - A essência da comunicação reside na intenção do emissor de transmitir uma mensagem e na capacidade do ouvinte de compreender essa intenção. Assim, para que a comunicação seja bem-sucedida, o emissor deve ter uma intenção comunicativa específica e o receptor deve reconhecer essa intenção. ★ Teoria Convencionalista - A comunicação é fundamentalmente baseada em convenções sociais e regras linguísticas previamente estabelecidas e partilhadas pelo emissor e pelo recetor. A compreensão é possível porque ambos os interlocutores conhecem essas convenções, independentemente de quaisquer intenções específicas do emissor Aula 02 - Teorias da Comunicação: Desconstruir o conceito de “teoria” Conceitos de Hipótese, Sistema e Teoria ★ Hipótese - Suposição verificada empiricamente proposta relativamente ao estado da ciência; ★ Sistema - Conjunto de elementos organizados pelas relações entre elementos; ★ Teoria - Sistema intelectual que organiza o nosso conhecimento através de dados empíricos e conceitos teóricos, que fornece explicações (não necessariamente científicas) e previsões. Teoria(s) da Comunicação Algumas ciências exatas são lineares, comprovadas, sem grandes nuances ou perspectivas em confronto. A comunicação, como outras ciências sociais, têm teorias com diferentes estruturas conceptuais, muitas em confronto. ★ Existem (pelo menos) 249 teorias da comunicação (Anderson, 1996); ★ Em publicações científicas, pode-se encontrar 95 várias definições (Dance, 1970); Como podemos organizar esta multiplicidade? Dance propõe três eixos de diferenciação conceptual para definir comunicação: ★ Abstração - Há definições mais amplas/inclusivas e definições mais restritas; ★ Intencionalidade - Algumas definições consideram apenas comunicação o envio e receção de mensagens intencionais, enquanto outras recusam essa limitação; ★ Julgamento - Algumas definições incluem a ideia de sucesso, eficácia ou exatidão, enquanto outras não consideram essa dimensão; Sete Grandes Tradições (de acordo com Craig) Craig agrupa as teorias em sete grandes tradições, tendo em conta que: ★ Cada uma delas é uma maneira diferente de teorizar alguns problemas práticos de comunicação, no sentido em que aborda e refina algumas crenças comuns sobre comunicação; ★ A teoria da comunicação junta as várias crenças e cria uma espécie de metadiscurso. 1. Tradição Retórica ★ A comunicação como arte da persuasão através do discurso; ★ Problemas de comunicação teorizados como exigências sociais que requerem deliberação e juízos colectivos; ★ Plausível quando se apela a lugares-comuns metadiscursivos como o poder das palavras, o valor do juízo informado, a improbabilidade da prática ★ Particularmente interessante porque desafia o seguinte lugar metadiscursivo - meras palavras não são ações; as aparências não são a realidade; o estilo não é substância; uma opinião não é a verdade. 2. Tradição Semiótica ★ Comunicação ligada a um código semiótico da linguagem; ★ Problemas de comunicação teorizados como a incompreensão da diferença entre pontos de vista subjetivos; ★ Plausível quando se apela a lugares-comuns metadiscursivos como o facto da compreensão implicar uma linguagem comum e o perigo omnipresente do “mal-entendido” (miscommunication); ★ Particularmente interessante porque desafia o seguinte lugar metadiscursivo - as palavras têm significados corretos e correspondem a pensamentos; códigos e media são canais neutros. 3. Tradição Fenomenológica ★ Comunicação como a experiência da diferença através do diálogo; ★ Problemas de comunicação teorizados como a ausência de relações humanas autênticas; ★ Plausível quando se apela a lugares-comuns metadiscursivos como o facto do contacto humano ser indispensável, o respeito pelas diferenças e a busca por experiências humanas comuns; ★ Particularmente interessante porque desafia o seguinte lugar metadiscursivo - a comunicação é uma competência, os factos são objetivos e os valores subjetivos; 4. Tradição Cibernética (tecnologias da informação) ★ Comunicação como troca/processamento de informação; ★ Problemas de comunicação teorizados como “noise”, “overload”, “underload” ou um “bug” no sistema; ★ Plausível quando se apela a lugares-comuns metadiscursivos como o valor da informação e da lógica e a imprevisibilidade de sistemas complexos; ★ Particularmente interessante porque desafia o seguinte lugar metadiscursivo - há diferenças entre o Homem e os dispositivos artificiais, emoção não é lógica, a ordem linear da causa/efeito; 5. Tradição Sociopsicológica ★ Comunicação ligada à influência, expressão e interação; ★ Plausível quando se apela a lugares-comuns metadiscursivos como o facto da comunicação refletir personalidade, e os sentimentos influenciarem os juízos. ★ Particularmente interessante porque desafia o seguinte lugar metadiscursivo - os humanos enquanto seres racionais, nós conhecemos aquilo que vemos; 6. Tradição Sociocultural (grande foco da cadeira!) ★ Comunicação enquadrada na ação social e circunscrita pelas convenções sociais; ★ Problemas de comunicação teorizados como o conflito, alienação e falhas de coordenação; ★ Plausível quando se apela a lugares-comuns metadiscursivos como o facto do indivíduo ser um produto da sociedade, todas as sociedades terem culturas distintas e os efeitos não-intencionais das ações sociais; ★ Particularmente interessante porque desafia o seguinte lugar metadiscursivo - agência individual e responsabilidade e naturalidade da ordem social; 7. Tradição Crítica ★ Comunicação como discurso filosófico, reflexivo e ideológico (Platão, Kant, Marx); ★ Problemas de comunicação teorizados como a existência de ideologias hegemónicas e a distorção sistemática do discurso; ★ Plausível quando se apela a lugares-comuns metadiscursivos como a autopercepção do poder e riqueza, valores da liberdade, igualdade e Razão e a possibilidade do discurso produzir conscientalização; ★ Particularmente interessante porque desafia o seguinte lugar metadiscursivo - naturalidade e racionalidade da ordem social tradicional e objetividade da ciência e da tecnologia. Voz Passiva vs Voz Ativa Contrariamente à voz ativa, na voz passiva o agente é ocultado (ex. a polícia de choque feriu 5 manifestantes não é o mesmo que dizer 5 manifestantes feridos em manifestação). Leitura 01 - “Origins of Communication”, Capítulo I, Tomasello Elementos da comunicação Comparativamente aos idiomas humanos convencionais, os gestos são meios comunicativos frágeis, na medida em que fazem transparecer menos informação. Por exemplo, se apontar para uma bicicleta, a reação do meu remetente seria “Huh?”, já que não compreenderia o porquê de eu estar a fazê-lo. Neste sentido, é importante salientar alguns elementos fundamentais à comunicação: Intenção Para interpretar um gesto, é preciso ser capaz de determinar qual a intenção do emissor, o que implica um contexto. Contexto / Conhecimento Mútuo Se ambos soubessemos que a bicicleta pertencia a um ex-namorado problemático, o meu gesto em direção à bicicleta implicaria uma mensagem mais complexa (do género, “não vamos entrar na biblioteca, porque sabemos que ele vai estar lá”). Ora, o que traz “significado” à mensagem neste caso é a existência de um contexto, que advém de uma experiência partilhada. Ademais, para uma comunicação fluida, não basta que ambos saibamos separadamente e em privado que a bicicleta pertencia ao ex-namorado - o facto tem que ser mutuamente conhecido. Base Conceptual Comum A comunicação humana distingue-se pela capacidade de criar uma base conceptual comum, baseada na atenção conjunta (capacidade de seguir o interesse do outro através do olhar), em experiências partilhadas e pelos conhecimentos culturais (conhecimentos partilhados e transmitidos por uma determinada circunscrição cultural). Motivação Pró-social Outro aspecto muito significativo, de uma perspetiva evolutiva, é a motivação pró-social. No exemplo acima, o emissor gesticula para informar o receptor da provável presença inconveniente do ex-namorado por achar, simplesmente, que o receptor deveria sabê-lo. Ora, em contraste com a comunicação entre os primatas, as motivações comunicativas humanas são fundamentalmente cooperativas (aliás, não só informamos os outros sobre coisas de forma útil, como uma das principais formas de pedirmos coisas aos outros é simplesmente dar a conhecer o nosso desejo, na expectativa de que eles se ofereçam para ajudar). Intencionalidade Partilhada A cooperação humana é estruturada pela “intencionalidade partilhada”, que é necessária para nos envolvermos em formas exclusivamente humanas de atividade colaborativa. [recordar “Walking Together”, de Margaret Gilbert]. Perspetiva evolutiva Adaptação Biológica para a Cooperação- Atividades Mutualistas e Modalidade Gestual A dada altura da evolução humana, os indivíduos ganharam uma vantagem adaptativa - conseguiram envolver-se uns com os outros de forma colaborativa, com intenções conjuntas, atenção conjunta e motivos cooperativos. Note-se que os passos iniciais deste processo ocorreram na modalidade gestual e no contexto de atividades mutualistas (o que não implica necessariamente motivações altruístas, pelo contrário); Note-se, porém, que, num determinado momento evolutivo, os indivíduos começaram a usar a comunicação para fins não cooperativos (ex. manipulação, mentira) Convenções linguísticas arbitrárias: Processo Evolutivo e Processo Histórico-Cultural A naturalidade do apontar e da pantomima foram sendo substituídas por uma história de aprendizagem social partilhada e mutuamente conhecida. Os seres humanos começaram a criar e a transmitir culturalmente várias convenções gramaticais organizadas em construções linguísticas complexas que codificam tipos complexos de mensagens. Sumário: «Os aspectos mais primários e fundamentais da comunicação humana são vistos como adaptações biológicas para a cooperação e a interação social em geral, enquanto as dimensões mais puramente linguísticas da linguagem (ex. dimensão gramatical) são culturalmente construídas e transmitidas por comunidades linguísticas individuais» Conclusão 1. A comunicação humana cooperativa surgiu primeiro na evolução dos gestos naturais e espontâneos de apontar e pantomimar; 2. A comunicação cooperativa humana assenta crucialmente numa infraestrutura psicológica de intencionalidade partilhada, que teve origem evolutiva nas atividades mutualistas e que incluiu, sobretudo: a) competências sociocognitivas para criar intenções e atenção conjuntas e b) motivações pró-sociais e normas para a cooperação interpessoal; 3. A comunicação convencional, tal como incorporada numa ou noutra língua humana, só é possível quando os participantes já possuem: a) gestos naturais e uma infraestrutura partilhada e b) competências de aprendizagem cultural e de imitação para criar e transmitir convenções e construções comunicativas. Aula 03 - Infraestrutura cognitiva de Tomasello & Filosofia da Linguagem Infraestrutura Cognitiva de Tomasello Tomasello contesta o “paradigma chomskyano”, cuja ideia principal é que tudo começa com a mente humana, caracterizada pelas suas capacidades computacionais e flexibilidade. Paradigma Chomskyano Segundo Chomsky, com um input de palavras, começamos a produzir frases, num processo que segue a seguinte ordem: Mente > Raciocínio > Argumentação > Comunicação > Sociedade/Cooperação Paradigma de Tomasello Tomasello contraria a ideia de que a mente tem “capacidades computacionais”. Assim sendo, acredita que o que nos difere é o impulso para a cooperação. Para cooperar, necessitamos de um mecanismo de cooperação, a comunicação (2º elemento). Por sua vez, a comunicação precisa de algumas qualidades - a coerência e a verdade - e, para as verificar, precisamos de algum pensamento crítico, a argumentação (3º elemento). O raciocínio (4º elemento) é mais um passo para reforçar essa vantagem evolucionária, que culmina com “mente humana” (5º elemento). Níveis de Contexto - Atenção Conjunta, Experiência Partilhada, Conhecimentos Culturais Tomasello distingue entre três níveis de contexto: ★ Atenção conjunta - Os seres humanos tendem a seguir o olhar da outra pessoa e, assim, o seu interesse. ★ Experiência partilhada - Conhecimento e experiências que partilhamos com outras pessoas; ★ Conhecimentos Culturais - Conhecimentos partilhados por uma determinada circunscrição cultural (ex. os membros de uma faculdade saberem que uma determinada biblioteca é de uso exclusivo dos professores aos fins de semana; cena do bar de Inglorious Bastards). Teoria da Comunicação & Filosofia da Linguagem Comunicação e o conhecimento “Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo” (Wittgenstein) ★ A comunicação como a condição básica para obter, manter, divulgar e desenvolver o conhecimento (Rorty, 1967); Destacamos três elementos, que se relacionam entre si: ★ Sujeito do conhecimento (com as suas ideias, os seus conceitos e os seus juízos); ★ Linguagem; ★ Objeto do conhecimento (o mundo das coisas). Diferença entre conceito e termo Conceito é o mesmo em todos os idiomas, embora o termo seja diferente (por exemplo, o conceito cavalo é o mesmo em todos os idiomas, mas o termo em português é “cavalo” e em inglês é “horse”). Os sìmbolos podem ter très tipos de relações: ★ Objetos; ★ Pessoas; ★ Outros símbolos; Portanto, temos três disciplinas de semiótica: ★ Semântica (relação entre símbolos e objetos) ★ Pragmática (relação entre símbolos e pessoas) ★ Significância (relação entre símbolos) A tricotomia dos signos (C.S.Peirce) Existem três tipos de relações que explicam significado: Índice (causa-efeito) Um índice é um signo que se refere ao objeto que denota em virtude de ser realmente afetado por esse objeto. O índice está fisicamente conectado ao seu objeto - formam um par orgânico, apesar da mente interpretante nada ter a ver com essa conexão (ex. humidade é índice de chuva; uma batida na porta é um índice). Ícone (semelhança, analogia) Um ícone é um signo que se refere ao objeto que denota apenas em virtude dos seus caracteres próprios, caracteres que ele possui quer tal objeto exista ou não. O ícone não tem uma conexão dinâmica com o objeto que representa - simplesmente acontece que as suas qualidades se assemelham às do objeto e excitam sensações análogas na mente para a qual é uma semelhança (ex. o emoji de uma cara alegre significa alegria, porque se assemelha a uma pessoa feliz) Símbolo (convenção) Um símbolo é um signo que se refere ao objeto que denota em virtude de uma lei convencional, normalmente uma associação de ideias gerais que opera no sentido de fazer com que o símbolo seja interpretado como se referindo àquele objeto. O símbolo está conectado ao seu objeto por força da ideia da menta que usa o símbolo, sem a qual essa conexão não existiria. (ex. não existe qualquer razão para que o vermelho se chame vermelho - trata-se de uma decisão arbitrária do Homem); Na linguagem romana, os números eram, de facto, ícones. A numeragem atual é arbitrária - os números são símbolos. Regressando a Tomasello… O primeiro tipo de comunicação é o apontar (índice, causa-efeito); O segundo tipo de comunicação é a pantomima (ícone, semelhança); O último tipo seria a linguagem convencional (símbolo, lei convencional). Podem os animais comunicar? Não. Os animais não têm a base conceptual partilhada que o Homem tem - não há intenção, contexto ou experiência partilhada. Muitas vezes, a comunicação biológica (leia-se, comunicação animal) pode ser alargada por condicionamento (ex. treinar um cão através de reforços positivos/negativos), mas não equivale à humana. Aula 04 - Comunicação Biológica & Experimentos de Tomasello Comunicação Biológica Os biólogos não consideram a dimensão intencional ou cooperativa da comunicação. Para eles, a comunicação limita-se a quaisquer características comportamentais físicas que influenciem o comportamento de outros, incluindo demonstrações comunicativas (por exemplo, um pavão a exibir as suas penas para impressionar uma fêmea). Antropomorfização Frequentemente, o Homem incorre num erro de antropomorfização, ou seja, de humanizar a interação entre os animais (ex. ver relações de amizade ou tristeza nos animais). Delegação de tarefas, exclusiva ao Homem? Os animais podem ter um raciocínio causal (ex. se o antílope se move para a esquerda, o leão persegue-o pela esquerda), mas não há uma divisão de tarefas deliberada. A divisão de tarefas entre animais é somente determinada pela hierarquia entre eles, ou seja, é definida biologicamente (ex. a existência de macho alpha). Não é algo programado, deliberado. Para além disso, não há uma dimensão de reflexão ou sanção (ex. os leões não pensam “fizemos isto tudo mal hoje” - aliás, não pensam). O que constitui um grupo? (Gilbert, 1990) - Intencionalidade Partilhada Na sua obra “Walking together”, Margaret Gilbert coloca a seguinte questão: quando é que duas pessoas, que caminham juntas na rua sem intenção de o fazer, constituem um grupo? A partir de que momento começam a ser o “nós”? Ora, o sujeito coletivo é criado a partir do momento em que há um compromisso/plano/objetivo conjunto, que possa gerar alguma interação (ex. “Porque vais virar agora à esquerda? Vamos juntos, eu também vou para os Restauradores”). Ou seja, a partir do momento que se gera uma intencionalidade coletiva/conjunta/partilhada. Podemos identificar um único objetivo de conversa? Não, há um pluralismo de funções. Podemos identificar uma função fática, uma função de influência de comportamentos e crenças do outro, uma função prática (por exemplo, decidir o que vamos encomendar para o jantar ou definir planos), etc. Conhecimento - Reciprocidade e Abertura A ausência de conhecimento mútuo não significa que as duas pessoas não saibam algo - por exemplo, eu sei uma coisa sobre ti, mas tu não sabes que eu sei e, portanto, não vamos tocar no assunto. É necessário reciprocidade e abertura para ser considerado conhecimento mútuo. A cooperação, de acordo com Tomasello A perspetiva evolucionária de Tomasello incide muito sobre a ideia de cooperação. No entanto, Tomasello explica que a cooperação pode partir do egoísmo: ★ Atividades Mutualistas (ajudar os outros é ajudar-me a mim mesmo); ★ Atividades Altruístas (ajudar sem um pay-off imediato - cultivar reciprocidade e reputação); ★ Abusos de cooperação (mentir e enganar) Sobre os experimentos de Tomasello… Mas se as crianças não sabem que o altruísmo lhes pode trazer reputação ou reciprocidade, porque é que atuam altruisticamente? Pode ser intrínseco à natureza humana. Os primatas procuravam primeiro apurar se o objeto que o investigador deixou cair tinha alguma utilidade para si antes de o devolver. As crianças não. No segundo experimento, os primatas limitavam-se a copiar o investigador e, quando lhes surge a caixa transparente, ignoram os passos “inúteis”, partindo imediatamente para os passos que lhes asseguravam a recompensa. Por sua vez, mesmo perante a caixa transparente, as crianças repetiam os passos inúteis dos investigadores, o que demonstra o “respeito/interesse” pelo educador e pela aprendizagem. Leitura 02 - “Logic and Conversation”, Capítulo I (Grice) Distinção entre Formalistas e Informalistas A distinção de Grice entre formalistas e informalistas refere-se a diferentes abordagens para compreender a linguagem, especialmente no domínio da filosofia da linguagem. ★ Formalistas (Linguagem Ideal) - Abordagem mais próxima da lógica formal, da filosofia da linguagem e da semântica. Os formalistas tentam modelar o significado das frases com base em regras formais de lógica, encarando a linguagem como um sistema de símbolos que segue leis específicas. Os formalistas formulam a linguagem de forma mais rigorosa e restrita, seguindo padrões que procuram a veracidade ou falsidade (?) dos enunciados; ★ Informalistas (Linguagem Comum) - Abordagem que enfatiza o uso real da linguagem no contexto da interação humana. O foco dos informalistas está menos nas regras formais da lógica e mais na interpretação dinâmica das conversas. Os informalistas tendem a olhar para o que é implícito ou para o que se pode inferir a partir de uma conversa, sem depender apenas da estrutura lógica dos enunciados. Traços Gerais do Discurso Grice identifica os traços gerais do discurso: ★ (Normalmente) Os diálogos não consistem numa sucessão de observações desconectadas; ★ Os diálogos são esforços cooperativos e cada participante reconhece neles um propósito comum ou, no mínimo, uma direção mutuamente aceite; ★ O propósito comum pode ser fixado no início ou evoluir durante o diálogo, podendo ser claramente definido ou bastante indefinido Tendo em conta os pressupostos anteriores, algumas atitudes conversacionais seriam excluídas pelos participantes por serem desadequadas e, por isso, é formulado o seguinte princípio: ★ Princípio de Cooperação - Implica que os participantes façam a sua contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre e pelo propósito do intercâmbio conversacional. Supondo que este princípio é aceite, Grice distingue quatro categorias sob as quais cairão determinadas máximas e submáximas mais específicas: ★ Quantidade ○ Fazer com que a contribuição seja tão informativa quanto requerido; ○ Não fazer com que a contribuição seja mai informativa do que o necessário; ★ Qualidade - Compreende a supermáxima “fazer uma contribuição que seja verdadeira” e duas máximas mais específicas: ○ Não dizer o que acreditamos ser falso; ○ Dizer apenas aquilo para o qual podemos fornecer evidências adequadas; ★ Relação - Compreende uma única máxima - “ser relevante”. ★ Modo - Relacionada não com o que é dito, mas como o que é dito deve ser dito. Inclui a supermáxima - “ser claro” - e várias máximas como. ○ Evitar obscuridades de expressão; ○ Evitar ambiguidades; ○ Ser breve e ordenado. A observância de algumas destas máximas é menos imperativa do que a observância de outras. Aliás, algumas máximas operam somente supondo-se que a máxima da qualidade está a ser cumprida. Há, naturalmente, outras máximas, de carácter estético, social e moral, que são observadas pelos participantes de uma conversa! Aula 05 - Discussão do texto de Grice Existem duas correntes da filosofia da linguagem contemporânea: Filosofia da Linguagem Ideal Os teóricos da linguagem ideal consideram que a linguagem corrente tem um problema de exatidão e clareza, ou seja, muitas das suas expressões são ininteligíveis. Neste sentido, acreditam que é necessário construir uma linguagem ideal, clara e bem formulada, incorporando símbolos formais e notação lógica. Filosofia da Linguagem Comum Os teóricos da linguagem comum encaram a linguagem corrente como uma fonte privilegiada de interação social. Neste sentido, argumentam que a linguagem natural tem características que não podem ser formalizadas cientificamente e que a notação lógica não consegue capturar (e pode, inclusive, ocultar) toda a sua diversidade. Porque é que precisamos de um código de conversação? Não basta compreender as palavras? Implicatura (Grice) O ponto de partida de Grice é que para compreender a comunicação, não é possível simplesmente analisar o sentido literal/convencional das palavras. Há um abismo entre o que é dito literalmente e o que é de facto comunicado. Exemplo do Navio Num navio, com uma estrutura hierárquica definida, o capitão escreve no diário de bordo - “Hoje, 9 de outubro, o primeiro oficial estava bêbado”. Revoltado com o que o capitão escreveu, o Primeiro Oficial, no dia seguinte, regista também no diário de bordo - “Hoje, 10 de outubro, o capitão estava sóbrio”. Ambos os registos são verdadeiros. Interpretação do Exemplo (Implicatura e Convenção) Para entender a mensagem do Primeiro Oficial não basta compreender as palavras registadas. Se fossemos pelos sentido literal, não haveria qualquer irregularidade no comportamento do capitão. Contudo, a mensagem subentende que o capitão estaria excepcionalmente sóbrio nesse dia. Neste sentido, o que nos permite compreender a verdadeira mensagem do Primeiro Oficial é uma convenção - sabemos que no diário de bordo entram apenas informações excepcionais, incomuns. Lacuna entre o que é dito e o que é implicitado Há uma lacuna entre o significado da frase (literal, convencional) e o significado que é implicado. Por exemplo, o “não” por conveniência ou irónico que, na verdade, significa “sim”. Como podemos chegar ao significado implicado? O problema intelectual de Grice é como é que se pode chegar a este significado. Todos sabemos fazê-lo intuitivamente, mas será que existe uma explicação consistente? Condições básicas para a comunicação racional e cooperativa ★ Princípio da Cooperação - Os participantes devem fazer a sua contribuição conversacional conforme requerido, no momento certo e com o propósito de intercâmbio conversacional. ★ Quatro máximas: ○ Quantidade; Fazer com que a contribuição seja tão informativa quanto requerido; Não fazer a contribuição mais informativa que o requerido; ○ Qualidade; Fazer uma contribuição que seja verdadeira (SP) Não dizer o que acreditamos ser falso; Não dizer senão aquilo que podemos comprovar com evidência adequada; ○ Relação; Ser relevante (SP) ○ Modo Ser claro (SP) Evitar obscuridade de expressão; Evitar ambiguidades; Ser breve (evitar prolixidade desnecessária), Ser ordenado. Aula 06 - Implicatura, Grice A teoria de Grice baseia-se no fenómeno de que a comunicação humana não é robótica - implica fenómenos psicológicos, racionais. Na superfície aparenta ser muito pouco, mas no fundo é muito complexa. Não há uma comunicação pura, ideal, lógica, exata. As insinuações “jogam” com esta lacuna entre o que é dito e o que é implicado. A negação plausível (plausible deniability) é uma forma de utilizar esta lacuna de uma forma mais “perversa” (ex. “Eu nunca disse isso”). Inobservância das Máximas ★ Violar, de forma calma e ostensiva, uma máxima ○ Exemplo- mislead, enganar; ★ Colocar-se fora (opt out) da esfera de atuação das máximas e do princípio de cooperação ○ Exemplo - ficar em silêncio para indicar que não pode revelar algo; ★ Conflito (clash) entre as máximas ○ Exemplo - Não ser capaz de cumprir a primeira máxima da quantidade (ser tão informativo quanto exigido), sem violar uma máxima da qualidade (ter evidência adequada para o que é dito) ★ Abandonar (flout) espalhafatosamente uma máxima. Se o emissor não enfrenta qualquer uma das hipóteses anteriores, o ouvinte deduz algo implícito na mensagem do interlocutor com base na violação evidente da máxima. A máxima foi "explorada" (exploited) para gerar uma inferência ○ Exemplo: A: “Podes dar-me boleia até casa” B: “Não, vais a caminhar que vais bem” [irónico] A intenção de B é transmitir um certo humor ou sarcasmo. A entende que B está a ser irónico e, por isso, confia que o princípio da cooperação está a ser observado ao nível do que é implicado. Implicatura Conversacional Para verificar a presença de uma implicatura conversacional, o ouvinte opera com os seguintes dados: ★ O significado convencional das palavras usadas, juntamente com a identidade de quaisquer referentes pertinentes; ★ O princípio de cooperação e as suas máximas; ★ O contexto linguístico e extralinguístico da enunciação; ★ Outros elementos do seu conhecimento anterior (background); ★ O facto de que todos os elementos relevantes enunciados anteriormente são acessíveis a ambos os participantes e que ambos têm conhecimento disso; Críticas às formulações de Grice A lógica de conversação teorizada por Grice não é imune a críticas. ★ Não seguir as máximas estipuladas pelo autor não significa que o emissor não saiba comunicar, apenas não se expressa da forma mais eficaz/clara; ★ Formulações como, por exemplo, a poesia usam uma linguagem mais figurativa para comunicar significados mais profundos (ou não tão imediatos); ★ Algumas culturas são mais reservadas, outras mais expansivas; Quando comunicamos com outras pessoas, estamos a assumir que o nosso interlocutor é um agente racional, capaz de deduzir e inferir o sentido do que é comunicado. Assumindo a disposição de ambos para entender o que é comunicado e confiando nas nossas capacidades racionais, sabemos que é possível “brincar” com as regras de comunicação, sem que uma das partes pense que as estamos a quebrá-las. Leitura 03 - “Quando dizer é fazer”, Austin Atos de Fala Austin argumenta que a linguagem não se limita a descrever a realidade ou a afirmar verdades. Tem também uma função performativa, ou seja, ao proferir certas palavras, as pessoas realizam ações. Este conceito é a base do que Austin intitula de “atos de fala”. ★ Atos Locutórios - Ato de “dizer” algo, ou seja, de produzir sons ou palavras com um determinado significado. Refere-se ao que é dito no nível semântico, ao conteúdo literal da mensagem. Por exemplo, quando alguém diz “Está frio”, o ato locutório consiste em proferir essas mesmas palavras e o seu significado literal; ★ Atos Ilocutórios - A ação aqui não é apenas a produção de um som ou de sentido, mas o que a pessoa está a tentar fazer ao dizer determinadas palavras. Por exemplo, ao dizer “Prometo que levo um casaco na mochila”, a pessoa não está apenas a enunciar palavras, mas a realizar o ato de prometer, um ato ilocutório. ★ Atos Perlocutórios - Efeitos que uma mensagem tem sobre o ouvinte. Por exemplo, ao dizer “Está frio”, o ouvinte pode vestir um casaco antes de sair de casa. O ato perlocutório é, portanto, o impacto ou consequência gerada pela fala. Função Performativa da Linguagem ★ Enunciados Constativos - Descrevem o estado das coisas, podendo ser verdadeiros ou falsos. Por exemplo, dizer “Aquele guarda-chuva está partido” é meramente descritivo; ★ Enunciados Performativos - Realizam uma ação ao serem proferidos. Por exemplo, quando alguém diz “Eu declaro-vos marido e mulher”, a pessoa não está a descrever algo que aconteceu, mas a concretizar um matrimónio. Condições de Felicidade Austin argumenta que os atos performativos só têm sucesso quando cumprem certas “condições de felicidade". Isto significa que, para que um ato performativo seja eficaz, deve ocorrer num contexto apropriado, com os participantes corretos e sob certas circunstâncias. Por exemplo, a frase “Eu declaro-vos marido e mulher” só tem efeito se for dita por alguém que tenha autoridade para realizar casamentos e no contexto correto. Aula 07 - J. L. Austin Percurso de Austin Austin nasceu em 1911 e faleceu em 1950. Durante o seu percurso na Universidade de Oxford pertenceu ao grupo de filósofos da linguagem comum (“ordinary language philosophers”), que contestava a ideia de que era necessário um sistema abstrato-lógico para sistematizar a linguagem. Mais tarde, durante a II Guerra Mundial, Austin trabalhou junto dos serviços secretos britânicos a decifrar comunicações nazis. De acordo com Austin, para entendermos a comunicação não a podemos separar dos actos sociais (algo que vai contra os cânones da filosofia tradicional). Exemplo I Nos anos 70, é afixada uma placa num hotel com a seguinte mensagem: No irish, no blacks, no dogs Qual a função/objetivo destas palavras? Um objetivo mais imediato destas palavras seria impedir a entrada de irlandeses, negros e cães no hotel. Contudo, a mensagem é simultaneamente um “statement”, já que reflete uma visão do mundo. Neste contexto histórico em específico, nos anos 70, o dono do hotel posiciona-se contra a independência da Irlanda e a favor da segregação racial. Pode significar outra coisa? Eventualmente sim - pode estar a informar que não há irlandeses, negros e cães dentro do estabelecimento. Em conclusão… Por um lado, estamos perante uma proibição e um discurso de ódio. Por outro lado, temos uma mera informação, sem intenções discriminatórias. No entanto, sabemos que o que está implícito na mensagem é a primeira hipótese. Isto significa que a comunicação não se define pelo seu significado puramente semântico. “Jogos de Linguagem”, Ludwig Wittgenstein Wittgenstein, filósofo austríaco do século XIX, introduz o conceito de “jogos de linguagem”. Exemplo do empreiteiro e do seu assistente Para entender como funciona a linguagem e para chegar ao significado, Wittgenstein pensa numa linguagem entre duas pessoas, um empreiteiro e o seu assistente. Apenas cinco palavras compõem o seu mundo comunicativo - “cubo”, “viga”, “coluna” e “lage”. Ao gritar a palavra “viga”, o empreiteiro está a comunicar “traz-me uma viga”. Contudo, passados uns minutos, o assistente aparece com a viga e diz “viga” e, neste caso, está a comunicar “aqui está a viga que pediste”. Neste caso, a palavra “viga” adquire diferentes significados Neste jogo da linguagem, o significado das palavras é sempre determinado pela sua utilização num determinado contexto. Note-se que o significado não é determinado por uma ligação semântica entre palavras e realidade (por exemplo, uma causalidade ou analogia), mas sim pelo o que o Homem faz com as palavras. Actos de Fala - Austin (1962) e Searle (1969) Problema Central da Filosofia da Comunicação - Como podemos comunicar com outras pessoas?, o que pressupõe: “Como podemos entender outras pessoas?”, o que pressupõe: “Como podemos entender as frases dos outros?”, o que pressupõe: “O que significam palavras e frases? Como significam?” Tradição Filosófica dos Anos 40 - Linguagem como Espelho da Realidade Até aos anos 40, a tradição filosófica argumentava que a principal função da linguagem era descrever a realidade. De acordo com esta concepção, existia uma realidade e um “espelho” da realidade, a linguagem. Ruptura com a Tradição Filosófica - o Paradigma de Austin Austin critica a redução da linguagem à descrição da realidade. O autor argumenta que as divisões gramaticais existentes - modo interrogativo, modo declarativo, modo imperativo, entre outros - não são filosoficamente relevantes. Por exemplo, existem perguntas retóricas que, na superfície, são perguntas mas que, no fundo, carregam um significado mais complexo. Neste sentido, para entendermos a comunicação, temos que analisar “o ato de fala total, na totalidade da situação da faça”. Categorias de Atos de Fala Segundo Austin, podemos distinguir dois grandes tipos de enunciados: ★ Constativos- Descrevem ou relatam um estado de coisas e, por isso, são submetidos a um critério de verificabilidade (ou seja, podem ser rotulados de verdadeiros ou falsos). ★ Performativos - Verbos usuais na primeira pessoa do singular do presente do indicativo na voz ativa, que: ○ Nada descrevam, relatem ou constem e que não sejam verdadeiros ou falsos; ○ Cujo proferimento do enunciado é, no todo ou em parte, a realização de uma ação. Condições de Felicidade Austin enuncia condições de felicidade, ou seja, condições para que a comunicação seja bem-sucedida, entre as quais: ★ A. Deve existir algum jogo de linguagem convencionalmente aceite, que inclua o proferimento de certas palavras em certas circunstâncias; ★ A.1. As pessoas e as circunstâncias particulares, em cada caso, devem ser adequadas ao procedimento específico invocado; ★ B. O procedimento tem de ser executado, por todos os participantes, de modo correto e completo; ★ C. Em situações em que o ato de fala se relaciona com intenções ou sentimentos de pessoas, para que o ato sejam bem-sucedido, as pessoas envolvidas devem realmente ter as intenções ou sentimentos que o ato implica (ex. quando alguém promete algo, espera-se que essa pessoa tenha a intenção genuína de o cumprir). ★ C.1. As pessoas envolvidas devem realmente conduzir-se de maneira subsequente, ou seja, não só a intenção é necessária, mas também a conduta real que segue o ato de fala; Problemas com A ou B Desacertos (misfires) - Atos pretendidos, mas nulos, sem efeito (void); Problemas com C Abusos (abuses) - Atos professados, mas vazios (hollow) Grice vs Austin Grice aproxima-se mais do intencionalismo, enquanto Austin gravita mais em torno do convencionalismo. Para Austin, a socialização é, no fundo, compreender as convenções de uma determinada sociedade (ex. a ideia de um guião social pré-determinado, por exemplo, quando vamos a um restaurante). Aula 09 - Atos de Fala Com o mesmo conteúdo linguístico, podemos comunicar várias coisas. “Entrega às 18h de hoje” - Estamos perante uma imposição/definição ou perante uma informação. O efeito desta imposição poderá ser alívio ou frustração - existem várias consequências deste ato locutório, que podem ser intencionais/deliberadas ou não intencionais (ato perlocutório). Estes três níveis são respostas corretas à pergunta “O que ela comunicou”?. Ela disse: “A entrega é às 18h de hoje” (locutório) Ela informou-me sobre o limite (ilocutório) Ela definiu o limite de entrega (ilocutório) Ela irritou todos com o limite de entrega (perlocutório) A comunicação como ação social. Todas estas respostas estão corretas, acontecem paralelamente. Atos Locutórios - Dizer algo é fazer algo; ★ Ato fonético consiste na emissão de certos ruídos/sons (pstpstpst para gatos); ★ Ato fático consiste no proferimento de certos vocábulos ou palavras, isto é, ruídos de determinado tipo considerados mesmo pertencentes a um vocábulo e na medida em que a ele pertencem de conformidade com uma certa gramática e na medida em que a esta se conformam (papagaio a reproduzir “obrigada”); ★ Ato rético consiste na realização do ato de utilizar tais vocábulos com um certo sentido e referência mais ou menos fluídos; O que é o significado? Segundo Wittgenstein, que teoriza os “jogos da linguagem”, o significado depende sempre do contexto em que as palavras são utilizadas (ex. empreiteiro e do assistente); Segundo Frege, o significado é composto pela referência (o objeto) e o sentido (um modo de acesso ao objeto, uma característica a partir do qual o percebemos ou descrevemos) ★ Exemplo - Nas culturas pré-científicas, tanto “estrela de manhã” como “estrela de tarde” se referiam a Vénus. ★ Exemplo II - O governo israelita intitula o Hamas de “grupo terrorista”, mas muitos palestinos consideram-no um “movimento de independência”. Não existe uma “view from nowhere”, ou seja, uma abordagem livre de preconceitos ou totalmente neutra. Austin corrobora a teoria de Frege, complementando-a com a noção de forças ilocutórias (“há inúmeras funções ou maneiras de utilizarmos a fala”). “How many ways of using language are there?” (a mesma pergunta colocada por Wittgenstein) ★ John Searle considera que há cinco grupos de funções das linguagens, contrariando Wittgenstein (que considerava existir uma variedade indefinida). Funções da Linguagem Atos representativos (representar a realidade: afirmar, descrever, concluir); Atos diretivos (dirigir os outros: pedir, ordenar, perguntar, implorar); Atos expressivos (expressar sentimentos: desculpar, agradecer, felicitar); Atos compromissivos (compromissos e promessas: prometer, jurar, garantir, ameaçar); Atos declarativos (realizar uma ação: batizar, demitir, designar, condenar). Normalmente, os declarativos são os atos institucionais e, por isso, precisam das circunstâncias e pessoas especiais (ex. juiz no Tribunal, professor na Universidade, etc.) A Estrutura básica dos atos de fala (Searle) F(p) p (conteúdo proposicional); F (força ilocutória) It’s raining (p) I confirm, I report, I complain, I warn you, I hope, I am afraid (F) Temos na filosofia e teoria da comunicação, duas formas de fazer coisas: Constituição, que é convencional (ex. cinco pessoas podem constituir um clube, mas não podem causar um clube); Causalidade, que denota uma relação causa-efeito; Exemplo I Ato A ou Locução Ele disse “Não podes fazer isso”; Ato B ou Ilocução Ele protestou contra o meu ato; Ato C ou Perlocução Ele conteve-me, fez-me ver a realidade OU ele irritou-me Exemplo II Ato A ou Locução Ele disse “x” Ato B ou Ilocução Ele argumentou > ou seja, estamos perante uma persuasão Ato C ou Perlocução Ele convenceu-me Um ato bem sucedido num sentido ilocutório é um ato que cumpre condições de felicidade. Por outro lado, temos um ato bem-sucedido no sentido perlocutório (ex. a argumentação consegue persuadir, o pedido é reciprocado, etc.). ★ Por exemplo, peço duas águas das pedras num café. O empregado de balcão compreende o meu pedido (sucesso do ato ilocutório). Contudo, o café não tem duas águas das pedras e, por isso, só consigo comprar uma (insucesso do ato perlocutório). Pluralismo Ilocutório - Podemos emitir diferentes formas/forças ilocutórias na mesma mensagem ★ Ex. Eu dizer “Concordo contigo que é chato que os alunos nas últimas filas usem o telemóvel durante as aulas” pode ser visto como uma crítica/advertência para os alunos da última fila, enquanto é apenas um ato representativo (afirmar) para o aluno da primeira fila com quem falo. Algumas minorias não podem proferir atos de fala, porque são silenciadas, alvo de abusos (ex. o caso do consentimento diluído pelo consumo da pornografia - “não” tido como um “sim”). Aula de Revisão Sobre Gricc… O exemplo do capitão e do primeiro oficial demonstra uma situação em que há uma sobreposição de máximas (relevância e quantidade). A interpretação mais comum é assumir que houve o abandono (exploração) da máxima de relevância. Sobre Austin… Caso a frase “O gato está em cima do tapete” estivesse em polaco, seria impossível (para alguém que não fala a língua) comunicar de forma significativa através deste enunciado, limitando-se a proferir as palavras. Assim, trata-se de um ato fático. Podemos introduzir novos dados na nossa conversa, sem nunca os referenciar diretamente (ex. “Acabei de me divorciar”, pressupõe que eu fui casado). Não vale a pena enunciar que eu tinha uma mulher antes de dizer “Acabei de me divorciar”, o ouvinte consegue deduzi-lo (economia da comunicação). Há maneiras de verificar conteúdo implícito de forma a torná-lo explícito: Temos uma implicatura óbvia - ironia, por exemplo. Neste caso, é legítimo perguntar “Estás a brincar?”, de forma a tornar o conteúdo implícito explícito (embora o emissor saiba que o ouvinte sabe que é ironia). Sobre as condições de felicidade: Quando é que a comunicação é bem sucedida? Grice e Tomasello - Entender intenções comunicativas de outras pessoas; Austin - O mecanismo mais fundamental para que a comunicação seja bem sucedida são as convenções. Sobre a ausência das condições de felicidade… Por exemplo, um casamento entre pessoas do mesmo género num país onde é proibido tem um desacerto na primeira condição de felicidade - “Deve existir um procedimento convencionalmente aceite [...]” (A.1). As condições de felicidade só se referem a atos ilocutórios. Austin começa com uma distinção entre atos constativos e performativos, mas, ao longo da obra, “abandona” os atos constativos e afirma que todos os atos comunicativos são performativos. Sobre Tomasello… Tomasello contesta o paradigma chomskyano de que a capacidade de comunicar é inata ao Homem, produto da mente humana (que teria “capacidades computacionais”). Ambiguidade de termos… Na teoria da comunicação, o termo “fático” pode ter dois sentidos: Austin - Ato de produzir frases, mas sem capacidade de as compreender Para outros teóricos (Bronislaw e Jakobsson), a função fática é a função de manter a comunicação, o contacto (dizer “aham”, para demonstrar que estamos a ouvir, por exemplo). Sobre Grice… Temos três tipos de implicaturas: Conversacional particular (+ importante na obra de Grice) Quaisquer palavras podem significar qualquer coisa (ex. não pode significar sim); Conversacional geral Convencionais

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