Ciencia Politica - 2ª Edição - PDF
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Reinaldo Dias
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Summary
Este texto analisa a ordem política na Alta Idade Média, contrastando as ideias universais (cristandade e império) com as ideias localizadas dos reinos medievais. Explica como o poder político se fundamentava no sagrado, na relação senhor-vassalo e na fragmentação do poder. Aborda também a centralização do poder real e o surgimento do Estado Moderno, destacando a Paz de Westfália como marco para as relações internacionais.
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"'" ~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTS C IE N C IA P O LIT IC A REINALDO DIAS 2ª zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ED I' A ordem política na Alta Idade Média era caracterizada pela tensáo entre as ideias universais (cristandade e império) e as ideias localizadas (nos reinos medievais). Durante a Idade Média, o poder político se fundamentava através da concepcáo do sagrado, vinculado a urna comunidade (crístá), que tinha um cará- ter universal e era identificada com a Igreja. Duas autoridades, ambas de origem divina, sustentavam essa ideia: o papa e o imperador. A estrutura política do Im- pério (Sacro Império Romano Germánico) se caracterizava por pretender a hege- monia universal sobre os reis cristáos, e nao sobre os povos, O Império exerceu um poder efetivo, principalmente, sobre a Europa Central, ficando de fora desse sistema desde o século XIII a Franca, a Inglaterra, Portugal e o reino de Castela (Espanha). Quando foi firmada a Paz de Westfália, os direitos do Imperador fo- ram restringidos em favor dos reinos do império, facilitando sua transicáo para o Estado absolutista. Essa dimensáo universalista, na Idade Média, coexistia com urna organi- zacáo política localizada. Enquanto, por um lado, os diferentes reinos europeus estavam submissos ao Imperador e/ou a Igreja no ámbito externo, no ámbito in- terno o poder dos reis se encontrava limitado pelo poder dos senhores feudais, que gozavam de certa autonomia no interior dos reinos. Sao as relacóes de lealdade, através da vassalagem, que fundamentam a organízacáo política da Idade Média. Os pactos de lealdade entre o senhor e seus vassalos originam urna hierarquia em cuja cúpula se encontram o senhor e seus vassalos; estes por sua vez sao senhores de seus próprios vassalos que lhes pres- tam lealdade; e na base se encontram aqueles que nao sao senhores, sao unica- mente vassalos (camponeses, artesáos). Os pactos de lealdade continham obrígacóes recíprocas entre senhores e vassalos. O senhor se obrigava a protege-los e amante-los através de concessóes em um feudo. Os vassalos, por sua vez, deviam ao senhor fidelidade e prestacáo de diversos servícos (militares, administrativos etc.). Como decorréncía destes pactos, ocorria urna fragmentacáo do poder que impedia a submissáo direta do POyO ao Rei, já que este só podia ter acesso aos instrumentos de poder (exércitos, tributos, tribunais etc.) através dos poderes intermediários. A organizacáo políti- ca do feudalismo, portanto, se caracterizava pela díspersáo, o patrimonialismo, a pluralidade e a sua reducáo a relacóes interpessoais do poder político. 24 Heller (1968), p. 34. 62 Ciencia Política Dias Ao mesmo tempo, gradativamente vai ocorrendo a centralizacáo do poder numa comunidade política encabecada pelo Rei. O clero, a nobreza e as cidades se aliam para defender seus privilégios perante o crescente poder do Rei. Assim aparece urna representacáo dos estamentos a qual deve, submeter o Rei, para aprovacáo, qualquer modífícacño que pretenda realizar. E desse modo que, subs- tituindo a pluralidade anterior, surge urna dualidade de poder representado pelo Rei e a representacáo dos estamentos. Na Espanha (Castela), Inglaterra, Franca e Portugal, aproximadamente desde o século XIII váo surgindo procedimentos que abriram caminho para que surgisse um novo modelo de organizacáo política. Apareceram as primeiras ins- títuicóes permanentes integradas por administradores profissionais, desenvolve- ram-se os departamentos do Tesouro e as Cortes de Justica. A partir do século XI, há tendencia de criacáo de um direito geral para todo o reino, superando os direitos particulares característicos de cada território feudal. O estabelecimento do Direito, na forma de leis para todo o reino, foi um fator essencial para a afír- macáo do poder real sobre os senhores feudais. A emergencia do Estado deveu-se a concentracáo de diversos instrumentos - militares, burocráticos, económicos - em um só centro, de tal modo que, se o trace específico da organizacáo política na Idade Média foi o pluralismo de pode- res, o que distinguiu o novo modelo político configurado no Estado moderno foi a centralízacáo de poder. A tendencia a centralizacáo e unidade do poder político constitui um dos traeos essenciais do Estado moderno. Os fatores que possibilita- ram essa monopolizacáo e unidade do poder forarn.> a) a críacáo de um exército permanente, cujos membros dependiam de pagamento. Os novos exércitos formavam urna organízacáo integrada, com urn único centro de comando. Com a criacáo de exércitos permanentes o rei tomou-se indepen- dente dos senhores feudais, que antes tinham o dever, através do pacto de lealda- de, de fornecer homens para a defesa do reino; b) a formacáo de urna burocracia composta por funcionários permanentes e competencias bem delimitadas, economicamente dependentes e organizados de forma hierárquica. A burocracia teve um papel importante na consolida- c;ao dos Estados, pois sua estrutura hierarquizada facilito u a centralízacáo do poder e permitiu a extensáo das funcóes estatais a todo o território. A s buro- cracias foram o principal instrumento de lígacáo do monarca com os súditos; c) a criacáo de um sistema de tributos que permitiu que os monarcas deixassem de depender das contribuicóes voluntárias da nobreza; d) o estabelecimento de urna única ordem jurídica em todo o território. , E importante destacar que a consolídacáo destes instrumentos de poder ocorreu de forma gradativa, e mesmo no século XVI ainda nao estavam de todo consolidados. 25 Heller (1968), p. 159-162. o conceito de Estado 63 A primeira forma do Estado moderno que surge o Estado absolutista, que é pode ser definido "como o monopólio da forca que atua sobre tres planos: jurídi- co, político, sociológico". No plano jurídico, "com a afirmacáo do conceito de so- berania que confia ao estado o monopólio da producáo de normas jurídicas, pois nao existe um direito vigente acima do Estado que possa limitar sua vontade"." No plano político, o Estado absolutista "tenta absorver toda a zona alheia a seu poder de íntervencáo e controle, e impóe uniformidade legislativa e ad- ministrativa contra toda forma de particularismo. Isto significa a destruícáo do pluralismo orgánico próprio da sociedade corporativa estamental". Sob a acáo incessante do Estado sao eliminados todos os centros de autoridade que reivin- dicam funcóes políticas autónomas como a cidade, as cortes e as corporacóes, de tal modo que nao exista nenhurna mediacáo política entre o príncipe, portador de urna vontade superior, e os súditos. Essa "unífícacáo conduz a despolitizacáo da sociedade, que deve ser somente administrada". 27 No plano sociológico, o Estado absolutista "se apresenta como Estado ad- ministrativo, na medida em que o príncipe tem a sua disposicáo um instrumento operacional novo, a moderna burocracia, que urna máquina que atua de mane ira é racional e eficiente com urna nova finalidade". A estrutura administrativa aparece como algo externo e separado da sociedade sobre a qual opera; e se baseia no prin- cípio da divisáo do trabalho, na especializacáo e na competencia. De acordo com Nicola Matteucci, "este Estado definido pelos seus maiores teóricos como 'absolu- é tista' mas nao arbitrário; e com razáo, já que a lógica da racionalidade técnica e nao o mero capricho do príncipe deve dominar todo seu funcionamento".zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONML 28 Desse modo, foram condicóes fundamentais para o surgimento e desenvol- vimento do Estado moderno, por um lado, a centralízacáo dos múltiplos poderes na ordem interna e, por outro lado, a independencia perante a Igreja e o Império na ordem externa. Durante a época medieval, a Igreja crístá e o Sacro Império Romano Germá- nico tinham tentado, conjunta ou separadamente, funcionar como o centro de urna estrutura hierárquica e imperial. "Mas, por causa ou apesar de suas extensas seme- lhancas e mútua dependencia, caíram nurn impasse que foi urna das razóes para o surgimento de urn novo e drasticamente , diferente padráo de relacóes entre Estados cada vez mais autónomos." E urn padráo que foi consagrado pela Paz de Westfália de 1648, que constitui a pedra angular do moderno sistema de relacóes internacíonais." Com a normalizacáo das relacóes entre Estados promovida pelo Tratado de Westfália (1648), estabeleceu-se um reconhecimento de igualdade jurídica dos Estados e a inviolabilidade de su as fronteiras. 26 Matteucci (1998), p. 34. 27 Idern. 28 Idern. 29 Poggi (1981), p. 98-99. 64 Ciencia Política Dias o Tratado de Westfália, que colocou fim a Guerra dos Trinta Anos, pode ser considerado a primeira tentativa de se implantar a paz na Europa. O tratado permitiu a consolidacáo de um sistema de Estados e estabeleceu os parámetros pelos quais ocorreriam as relacóes internacionais nos próximos séculos. O tratado obteve o reconhecimento: da soberanía dos monarcas sobre os seus territórios; da igualdade soberana dos Estados; da nao intervencáo nos seus assuntos internos. Além disso, o tratado estabeleceu um conjunto de princípios orientados a assegurar a coexistencia dos Estados e a evitar que a defesa de seus respectivos interesses resultasse em destruícáo mútua. Desse modo, estabeleceu-se: a observancia do tratado pelos Estados-partes; a resolucáo de conflitos por meios pacíficos através da negocíacáo; a guerra por parte de um Estado vítima de urna violacáo da ordem o recurso zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA estabelecida. O tratado nao excluía a guerra, mas a submetia a regras de cunho diplo- mático. O importante é que estabeleceu as bases para o reconhecimento mútuo dos Estados. 3.5 Principais fato res na ímplantacáo do Estado m o derno O processo de ímplantacáo do Estado moderno, com a monopolízacáo do poder político, deveu-se a diversos outros fatores, entre os quais podemos desta- car: a adocáo do Direito Romano, a Reforma protestante, o papel da burguesia emergente e a transferencia de lealdade dos indivíduos. O Direito Romano tornou-se um instrumento útil para criar urna ordem jurídica objetiva diante do caráter subjetivo consuetudinário das normas medie- vais. Propiciou princípios e instítuicóes e, em particular, o conceito de proprieda- de, que se adequava as exigencias da burguesia mercantil e aos objetivos do mo- narca. De acordo com Heller, "a organizacáo sistemática do Estado Moderno e a previsibilidade da ordem económica capitalista se condicionam reciprocamente. Ambas tornam-se possíveis tecnicamente por urna racíonalízacáo formal do direi- to que procede do Direito Romano comum". 30 A Reforma Protestante, além de causar a quebra da unidade cristá, con- tribuiu para tornar secular o poder político, mesmo nos países que continua- ram vinculados a Igreja Católica. O movimento da reforma se dirigiu contra 30 Heller (1968), p. 319. o conceito de Estado 65 a forma de governo da Igreja, Para os protestantes, a Igreja está integrada pela congregacáo de todos os fiéis, é autónoma e seu poder reside em todos os membros. Tendo fracassado as tentativas de reformar a Igreja através dos concílios, os reformadores passaram a se apoiar nos poderes dos reis que lu- tavam contra a hierarquia da Igreja e o poder absoluto do Papa. Desse modo, os protestantes acabaram por reforcar o poder do Estado, surgindo as igrejas nacionais nas quais o rei era seu chefe temporal. Assim, as igrejas reformistas, ao se liberarem do poder papal, acabaram se submetendo ao poder secular representado pelo Estado. O desenvolvimento do capitalismo se beneficiou da supressáo das barrei- ras comerciais internas e do estabelecimento de ímpostos alfandegários externos. Durante a monarquia absolutista, os Estados mantiveram o domínio, a proprie- dade e os privilégios da aristocracia rural e ao mesmo tempo utilizavam os meios materiais e financeiros fornecidos pela burguesia mercantil. Como o capital mer- cantil e financeiro nao exigiam producáo em massa, nao era necessária urna rup- tura com a ordem feudal agrária, que assim conviveu, nesse período, com o po- der estatal. A burguesia emergente financiava as grandes acóes do Estado e seus exércitos. O pensamento mercantilista considerava o Estado como o instrumento mais eficaz para defender o mercado; sua forca era essencial para a conquista de outras terras, para o acesso a novos mercados, para a obtencáo de colónias e a monopolizacáo das rotas de comércio. Outro fato que contribuiu para o surgimento e consolídacáo do Estado foi a transferencia de lealdade dos indivíduos, que a tinham vinculada a comunidade ou a Igreja, para o Estado. lsto ocorreu com intensidade no fim da ldade Média, no decorrer do século xv, como bem descreve Leo Huberman: "Surgiram nadies, as divisoes nacionais se tornaram acentuadas, as li- teraturas nacionais fizeram seú aparecimento, e regulamentadies nacio- nais para a indústria substituíram as regulamentacáes locais. Passaram a existir leis nacionais, línguas nacionais e até mesmo igrejas nacionais. Os homens comecercm a considerar-se nao como cidadños de Madri, de Kent ou de Paris, mas como da Espanha, Inglaterra ou Franfa. Passaram a sua cidade ou ao senhor feudal, mas ao rei, que a dever fidelidade nao zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA é o monarca de toda uma nadio. "31 Em torno do ano de 1300, passou-se a prestar culto ao reino de Franca. "Os franceses constituíram-se urn POyO eleito, merecedor e objeto do favor divino. Pro- teger a Franca era servir a Deus." Essas idéias foram espalhando-se e após o ano de 1400 "chegaram ao conhecimento de urna jovem camponesa que vivia na extrema fronteira oriental do reino -, a lealdade ao Estado tornou-se mais do que urna ne- cessidade ou urna conveniencia; passou a ser, desde entáo, urna virtude". 32 31 Huberman (1986), p. 70. 32 Strayer (s/d), p. 61. 66 Ciencia Política Dias o sentimento de nacionalidade fortalece a uníáo em torno de um governo central forte, o que fica evidenciado na luta e morte da jovem camponesa citada, Joana d'Arc. Durante a Guerra dos Cem Anos com a Inglaterra, senhores feudais da Franca aliaram-se aos ingleses e impuseram numerosas derrotas ao rei fran- ces. Entre eles estava o duque de Borgonha, regíáo que Joana desejava que fizes- se parte da Franca. Com sua firmeza e determínacáo, ''foi inspirando ao exércitofrancés entusiasmo e confianca; e uma crencc no sentimento de serem todos franceses. tomando a causa do rei a causa de todos os franceses, que Joana prestou servico ci sua patria, incitando muitos a serem tao fanáticos pela causa da Franca quanto ela. O sol- dado a servico do senhor feudal que ouvisse Joana afirmar que 'nunca vi correr sangue francés, mas meu cabelo se erica de horror, podia ver além do seu senhor e pensar em sua fidelidade ci Franca, ao 'meú país'. Assim, o localismo foi suplantado pelo nacionalismo, e teve inicio a era de um soberano poderoso ci frente de um reino unido". 33 Esse nascente espírito nacionalista iria desbancar, em breve, a lealdade aos poderes locais, consolidando urna organizacáo política com grande poder centralizado. 3.6 A s teo rias co ntratualistas so bre a o rig em do Estado Denominamos contratualismo a concepcáo segundo a qual o Estado o é produto da decísáo racional dos homens destinada a resolver os conflitos ge- rados pelo seu instinto antissocial ou para solucionar os problemas advindos da convivencia. O contrato, assim compreendido, um ato de lógica política, é consistindo numa decisáo deliberada e racional. Os principais contratualistas, considerados clássicos, na teoria do Estado sao: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Os clássicos da teoria contratualista tém em comum os seguintes pontos: a) él constituicáo de urna so- partem da hipótese de urn Estado de natureza, anterior zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ciedade regida por leis positivas e no qual os indivíduos teriam direitos naturais; b) sustentam que através de urn contrato social os indivíduos decidem constituir urna sociedade civil regida por leis positivas, surgindo assim o Estado, com o fím de solucionar alguns problemas do estado de natureza; c) há diversos tipos de Estado que se estabelecem, de acordo com cada autor: por exemplo, absolutista (Hobbes), liberal (Locke) e democrático (Rousseau). 33 Huberman (1986), p. 77. o conceito de Estado zyxwvutsrqponmlkjihgfedcb 67 A concepcáo zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA de contrato segundo Thomas Hobbes (1588-1679) Escreve num período de guerras civis. Baseia-se na ideia de que o ser hu- mano antissocial e sua conduta motivada pelo egoísmo. Considera que os pac- é é tos somente podem ser mantidos se existe um governo forte, pois unicamente o temor ao castigo torna os indivíduos aptos a formarem urna sociedade. Hobbes explica a origem do Estado através de um pacto pelo qual os homens contratam entre si e renunciam ao direito de autogovernar-se, transferindo-o a um terceiro, o soberano. Somente através desse soberano e de sua vontade poderáo as pes- soas, que sao incapazes de atuar por si mesmas, adotar urna existencia coletiva. Segundo Hobbes, o Estado, longe de ter uma origem natural, é um artificio que foi criado com o fim de se obter a seguranca individual. De acordo com Hobbes, o homem um ser agressivo e invejoso por natu- é reza devido ao seu desejo de tirar vantagem num contexto inicial de igualdade. DaÍ imperar no estado de natureza a guerra de todos contra todos, onde cada um se declara com direito a tudo. "O homem é lobo do próprio bomem."" Esta sítuacáo gera um ambiente de permanente conflito, sendo que a própria vida se ve ameacada e, a partir dessa inseguranca, nenhum empreendimento humano tem sentido. Diante desta sítuacáo, para garantir certa ordem e estabilidade, as pessoas tém que ceder de forma incondicional e irrevogável todos os direitos ao soberano, que assim passaria a ter direito ilimitado para garantir a seguranca de todos. O produto institucional do contrato de Hobbes o Estado absolutista é que denomina "república". Para Hobbes, "durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de manté-los a todos em respeito, eles se encontram naquela con- dícáo a que se chama guerra; e urna guerra que de todos os homens contra é todos os homens". 35 Do modo como entende Hobbes, esse conflito permanente dos homens no estado de natureza só cessará quando um poder superior os reprima e os atemori- ze obrigando-os a mudar sua conduta natural. Contrapondo-se, portanto, ao esta- do de natureza (onde lutam uns contra os outros), a sociedade civil só possível é com a fundacáo do Estado. Portanto, a organizacáo pactuada de todos os súditos submetidos ao poder civil do Estado se converte em urna entidade capaz de en- cerrar a guerra. Sob o poder soberano, o Estado garantirá a paz, pois sem ele nao há sociedade entre os homens, mas somente um estado natural de desconfianca e terror. Por isto, a solucáo que o homem criou para a sua própria conservacáo é o Estado todo-poderoso na Terra, a ideia de um deus mortal que aterrorize os é cídadáos (o Levíatá, que um monstro bíblico). Para Hobbes a natureza humana é se compóe de duas tendencias: a razáo e a paixáo. 34 Hobbes (2004), p. 11. 3S Hobbes (1974), p.79. 68 Ciencia Política Dias A paixáo, como um impulso, leva os homens a desejar e a conseguir os bens e privilégios do próximo. A razáo lhes faz pensar que, sem duracáo e sem segu- ranca, o bens desejados e obtidos nao térn sentido porque nao podem ser desfru- tados. Enquanto a paíxáo faz os homens se enfrentarem uns aos outros, a razáo os faz pactuar, por isso sao levados a fazer um contrato que implica na renúncia a todos os direitos que possuíam no seu estado de natureza para entregá-los a um soberano que, em troca, lhes garanta a ordem e a seguranca, Portanto, a submíssáo absoluta o preco que devem pagar os súditos ao so- é berano por lhes haver salvado de seu destrutivo estado em que se encontravam. Através do contrato se renuncia a liberdade e a qualquer direito que possa colo- car em perigo a paz. E, "depois de celebrado um pacto, rompe-lo injusto. E a é defínicáo da ínjustíca nao outra senáo o nao cumprimento de um pacto. E tudo é o que nao injusto justo". 36 é é , Hobbes pressupóe urna grande maioria de vontades a favor do contrato. E este pacto que faz que o soberano estabeleca a justíca e a moral, poi s o justo e o bom passam a ser definidos por coincidirem com a vontade do soberano. O sobe- rano o único poder legislativo e o Estado a única fonte do direito; inclusive nos é é assuntos espirituais ou religiosos, o soberano quem tem a máxima autoridade. é O pacto é justificado por Hobbes da seguinte maneira: "O fim último, causa final e designio dos homens (que amam natural- mente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao iniroduzir aquela restridio sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com a sua própria conservadio e com uma vida mais satisfeita. Quer dizet; o desejo de sair daquela mísera condidio de guerra que é a conseqüéncia necessária das paixáes naturais dos homens, quando nao há um poder visível capaz de os manter em respeiio, jorcando-os; por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito aquetas leis de natureza" [tais] "como iustica, equidade, a modéstia, a piedade, ou em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos facam", 37 O Estado, de acordo zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA corn Hobbes, é instituído "quando urna multídáo de homens concordam e pactuam" que qualquer homem ou assembleia de homens a que m seja atribuído pela maioria o direito de representá-los (ou seja, de ser seu representante), todos sem excecáo, tanto os que votaram a favor como contra ele, deveráo autorizar todos os seus atos (do homem ou assembleia de homens), "tal como se fossem seus próprios atos e decis6es, a fim de viverem em paz UTIS com os outros e serem protegidos dos restantes homens". 38 Thomas Hobbes escreve num período de guerras civis. Baseia-se na ideia de que o ser humano antissocial e sua conduta motivada pelo egoísmo, e sugere é é 36 Hobbes (1974), p. 90. 37 Hobbes (1974), p. 107. 38 Hobbes (1974), p. 111. o conceito de Estado 69 que, em meio a anarquia e a destruicáo, somente urna máo forte poderia introduzir a lei e a ordem restaurando a paz; daí se deduz que há necessidade de um Estado forte e soberano destinado a proteger e a defender os indivíduos deles mesmos. Ho- bbes pretende em sua filosofia fundamentar o poder do Estado na natureza mesma do indivíduo, ao afirmar que o homem em estado de natureza vive em perpétua guerra com seus semelhantes - o "homem lobo do homem", afirma - e para sair é dessa situacáo, somente através de um pacto pelo qual se criarla um poder capaz de fazer e impor a lei; logicamente esse poder somente pode ser constituído pela renúncia de cada homem ao direito de fazer sua própria vontade. A reuníáo dessas vontades se denomina Estado. o co ntrato seg undo Jo hn Lo cke (1 6 3 2 -1 7 0 4 ) John Locke o principal teórico do liberalismo, pela sua teoria da divisáo é dos poderes e pelas díscussóes em tomo dos conceitos de liberdade e proprieda- de. Teve grande influencia sobre todos os autores liberais posteriores a ele. Para Locke, na natureza as pessoas sao livres e iguais, mas profundamente egoístas, isto é, buscam somente seu crescimento pessoal sem se importar com a sítuacáo dos outros. Em consequéncia, a quantidade de poder concedida volunta- riamente por contrato ao govemante deve ser mínima, para assegurar o cumpri- mento das regras e garantir ao máximo que as pessoas desfrutem os direitos e as liberdades, que seráo idénticos para todos. O Estado deve fixar as regras (legislacáo), difundir seu conhecimento (edu- cacao), evitar sua víolacáo (seguranca) e punir o seu nao cumprimento (justica). Os indivíduos tém o direito de resistir a opressáo do governante que se excedeu nos termos do mandato. O resultado do contrato, para Locke, o Estado liberal, é que deve exercer um mínimo de funcóes, garantir o direito dos habitantes e ter um nível baixo de intervencáo direta na geracáo de políticas relativas a economia e ao aspecto social. Com o seu realismo filosófico, John Locke expóe em seu zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFE Ensaio sobre o en- tendimento humano suas ideias individualistas e contratualistas. Para este filóso- fo os homens em estado de natureza tém certos direitos que sao fundamentais: a vida, a liberdade e a propriedade. Dado que esses direitos individuais estáo em constante risco e sem nenhuma seguranca, necessário um poder capaz de defi- é nir os díreitos de cada um e sancioná-los mediante a autoridade. Essa autorida- de surge do contrato por meio do qual o homem natural transfere a comunidade seus direitos como condícáo essencial ao bem comum. Sua principal obra o Tra- é tado sobre o govemo civil, escrito em 1690. Assim como Hobbes, parte do estado de natureza para explicar o compor- tamento humano. Mas, diferentemente dele, para Locke este um período no é qual os homens deveriam gozar de perfeita liberdade para tomar suas atitudes 70 Ciencia Política Dias e dispor de suas propriedades como melhor lhes conviesse, sem necessidade de pedir permíssáo e sem depender da vontade alheia. No entanto, adverte, "em- bora seja este um estado de liberdade, nao o é de Iicenciosidade: apesar de ter o homem naquele estado liberdade incontrolável de dispor da própria pessoa e posse, nao tem de destruir-se a si mesmo ou a qualquer criatura que esteja em sua posse". 39 Para Locke, o direito a liberdade é fundamental e a necessidade de auto- -conservacáo nao conhece outro limite que a lei natural, que governa o estado de natureza e que deve entender-se como a vontade de Deus. Nada deve prejudicar aos outros em sua vida, saúde e liberdade. Todos os homens estáo dotados de ra- záo e líberdade suficiente para conhecer o mundo e isto deve íncentívá-los a co- operar com os demais na conservacáo de seus direitos. Segundo ele, "a liberdade do homem na sociedade nao deve ficar sob qual- quer outro poder legislativo senáo o que se estabelece por consentimento da co- munidade, nem sob o domínio de qualquer vontade ou restricáo de qualquer lei senáo o que esse poder legislativo promulgar de acordo com o crédito que lhe concedem". A liberdade, portanto, nao é para qualquer um fazer o que melhor lhe aprouver, sem ser limitado por qualquer lei. ''A liberdade dos homens sob govemo importa em ter regra permanente pela qual vivam, comum a todos os membros dessa sociedade e feita pelo poder legislativo nela erigido: liberdade de seguir a minha própria vontade em tudo quanto a regra nao prescreve.''" opassar do estado da natureza a sociedade civil, para Locke, é conve- niente, pois quando um homem assume a razáo, adquire também o direito de impor aos demais o seu cumprimento. A razáo coincide com a lei e o homem ao interpretar a lei para seus assuntos particulares se torna em juiz e parte in- teressada, o que implica que julguem com parcialidade e se deixem levar pela paixáo e vergonha. Para Locke, o estado de natureza é um estado de paz, bene- volencia e ajuda mútua. Os homens tém direito a sua autoconservacáo. De acordo com Locke, Deus entregou aos homens a terra e seus produtos para que dispusessem deles de acordo com as suas necessidades, para seu sustento e seu bem-estar, e, embora pertencam a humanidade em geral, "cada homem tem urna propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senáo ele mesmo". Pois o trabalho do seu corpo e das suas máos sao propriamente dele. "Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e no qual o deixou, fica-lhe mis- turado ao próprio trabalho", junta-se a ele algo que lhe pertence e, por isso mes- mo, toma-se propriedade dele. Retirando-o do estado comum em que a natureza o colocou, anexou-se a ele, por esse trabalho, algo que o exclui do direito comum de outros homens. Torna-se propriedade de um único homem." 39 Locke (1963), p. 6. 4ü Locke (1963), zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA p..17. 41 Locke (1963), p. 20. o conceito de Estado 71 Para Locke, o trabalho do homem e seus resultados sao sua propriedade, nin- guém pode tirar do homem o fruto de seu trabalho. Daí decorre que o objetivo princi- pal do estabelecimento de urna sociedade política seja a manutencáo desses direitos, pois afirma que a grande e principal finalidade dos indivíduos que se unem em urna república e se submetem a urn governo a manutencáo desses fins. Como decorrén- é cia, tem lugar o direito positivo e consequentemente juízes independentes e órgáos executivos. Somente desse modo o homem pode proteger a vida, a liberdade e a pro- priedade. No entanto, a associacáo política nao recebe mais poder do que aquele ao qual renunciam em sua líberdade natural os indivíduos que a integram, e o poder dessa assocíacáo política nao vai além, nem dura mais do que o necessário para servir aos fins do homem. Desse modo, o Estado pode ser dissolvido a qualquer momento. Segundo Locke, um homem pode apropriar-se de algo na medida em que deixe o suficiente e de igual qualidade para os demais. A apropríacáo justa está limitada pelo trabalho, já que a quantidade de terra que um homem capaz de é cultivar coincidirá com o que possa considerar como sua.? Para salvaguardar a propriedade, os homens se associam em urna socieda- de civil, renunciando a sua própria defesa e ao poder de castigar os delitos contra a lei natural através de urn consentimento tácito, abrindo máo na sociedade das faculdades que tinham no estado de natureza, e a partir des se momento a socie- dade se encarregará de sua protecáo, ditando as normas precisas para o bem da mesma e punindo seus infratores. Nesta transmissáo de direitos e funcóes a so- ciedade, o homem entrega os direitos índíviduais dos quais gozava em troca dos benefícios, ou em funcáo dos que espera obter,? O governo desempenhará sua tarefa buscando o bem da comunidade. O po- der legislativo "é o que tem o direito de estabelecer como se deverá utilizar a for- ca da comunidade no sentido da preservacáo dela própria e dos seus membros". 44 O poder legislativo o poder supremo, mas isso nao o exime de várias res- é tricóes, como as suas normas que devem buscar o bem da comunidade, e nao pode tirar de ninguém suas propriedades. Em resumo, nao pode transgredir os direitos naturais. Segundo Locke, a lei natural permanece como norma eterna de todos os homens sem excecáo, inclusive para os legisladores. Subordinado ao po- der legislativo está o poder executivo encarregado, sem interrupcáo e de maneira constante, da execucáo das leis vigentes na comunidade." o co ntrato seg undo Jean-Jacques Ro usseau (1 7 1 2 -1 7 7 8 ) Foi Jean-Jacques Rousseau quem, em seus escritos políticos, construiu de modo racional a ideia de urna socíedade democrática que tem sua maior expres- 42 Locke (1963), p. 60. 43 Locke (1963), p. 140.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 44 Locke (1963), p. 91. 4S Locke (1963), p. 96. 72 Ciencia Política Dias sao no Contrato social, texto que se tornou símbolo de seu tempo e orientou o debate político nos anos seguintes. Rousseau concebe as pessoas no estado de natureza como seres livres, bons e iguais entre si, e as sociedades é que as corrompem. Mas, como no estado de natureza existem dificuldades para satisfazer todas as necessidades, os indivíduos tém a necessidade de associar-se para colocar sua vontade a servico de todos. Esta ele denomina de vontade geral, e ao obedece-la o indivíduo obedece a si mesmo. O resultado institucional deste contrato é o Estado democrático de direi- to, representativo, em que o parlamento é o instrumento fundamental da vontade geral que se expressa por meio da lei. Para Jean-Jacques Rousseau, o que diferencia essencialmente o homem é ter nascido livre, portanto, renunciar a essa condicáo é prejudicar a sua condícáo de homem e, portanto, a seus direitos e, ainda, a seus deveres. Para ele, quem se despoja da liberdade se despoja da moralidade. Durante o século XVIII permeia nos intelectuais franceses a ideologia da liberdade geral do homem. O homem é liberdade; somente através da liberdade se pode ser homem; a liberdade nao somente é direito, mas também dever; sem liberdade nao há moralidade e sem moral nao há humanidade. , E nesse contexto que Rousseau propóe legitimar liberdade, igualdade e so- berania. As ideias reaparecem com grande forca diante das pretensóes absolutis- tas do "direito divino dos reis", e cabe ,a Rousseau sintetizar todo o pensamento contratualista com sua própria versáo. E nesse momento que surge o Contrato so- cial. O problema fundamental para Rousseau é "encontrar urna forma de associa- cáo que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a forca comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tao livre quanto antes"." A solucáo para esse problema fun- damental, segundo ele, é oferecida pelo Contrato social. Ao realizar-se, "esse ato de associadio produz, em lugar da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos sao os votos da assembleia, e que, por esse mesmo ato, ganha sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa públi- ca, que se forma, desse modo, pela unido de todas as outras, tomada o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo polí- antigamente zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA tico. o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, so- berano quando ativo, e potencia quando comparado a seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem eles, coletivamente, o nome de POYO e se chamam, em particular, cidadcios.enquanto partícipes da autoridade soberana, e súditos enquanto sub metidos as leis do Estado"," 46 Rousseau (1997), p. 69. 47 Rousseau (1997), p. 71. o conceito de Estado 73 Como base para o sistema social, o pacto fundamental, "em lugar de des- truir a igualdade natural, pelo contrário substitui por urna igualdade moral e le- gítima aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade física entre os ho- mens, que, podendo ser desiguais na forca ou no genio, todos se tornam iguais por convencáo e direito".zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 48 O pensamento de Rousseau se insere na linha do direito natural; no entan- to, o autor critica alguns pressupostos básicos dessa escola e ao mesmo tempo introduz outros elementos que contribuíráo para esse pensamento. Para Rousse- au, a idéia do direito natural somente se dá no estado de natureza, assim ele es- tabelece urna gradacáo entre direito natural em sentido estrito e o direito natural racional; o primeiro instintivo e, obviamente, pertence ao estado de natureza; o é segundo, pertence já a urna sociedade constituída; ou, dito de outro modo, entre o direito primitivo e o direito político nao há sernelhanca quanto a origem, já que este último deriva de um ato de vontade. Baseado em sua tese, Rousseau, prop5e que a ordem social constitua um direito sagrado que sirva de referencia a todos os demais. No entanto, este , di- reito nao éum direito natural, mas está baseado sobre convencóes, E assim que, também, o poder social nao pode estar baseado na forca, A forca por si mesma nao pode legitimar o direito, já que se a forca fosse díreíto, urna forca maior seria por, sua vez, um direito melhor; além disso, se desaparecesse como forca também desapareceria como direito. Conclui-se daí que a forca nao faz o direito e que se deve obedecer somente aos poderes legítimos. Assim coloca a legitimacáo do poder com o seguinte argumento: "Visto que homem algurn tem autoridade natural sobre seus semelhantes e que a forca nao produz nenhum direito, só restam as convencóes como base de toda a autoridade legítima exis- tente entre os homens.?" No entanto, afirma Rousseau, nessas convencóes, "seja qual for o modo de encarar as coisas, nulo o direito de escravídáo nao só por ser ilegítimo, mas por é ser absurdo e nada significar. As palavras escravidao e direito sao contraditórias, excluem-se mutuamente". A importancia do pacto social para a realizacáo dos interesses coletivos des- é tacada por Rousseau, que considera que "só a vontade geral pode dirigir as forcas do Estado de acordo com a finalidade de sua instítuícáo, que o bem comum, por- é que, se a oposicáo dos interesses particulares tomou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o possibilitou". 50 A soberania para Rousseau, o exercício da vontade geral, pois jamais pode é, alienar-se porque "o soberano, que nada senáo urn ser coletivo, só pode ser re- é 48 Rousseau (1997), p. 81. 49 Rousseau (1997), p. 61. 50 Rousseau (1997), p. 85. 74 Ciencia Política Dias presentado por si mesmo. O poder pode transmitir-se; nao, porém, a vontade". SI Deve-se destacar que "a soberania é indivisivei pela mesma raziio por que é inalienável, pois a vontade ou é g e ro l; ou nao; ou é a do corpo do povo, ou somente de uma parte. No primeiro ceso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo, nao passa de uma vontade particular ou de um ato de magistratura, quando muito, de um decreto". 52 Assim entendido, para Rousseau, todo ato de soberania, ou seja, todo ato autentico da vontade geral obriga a favorecer igualmente a todos os cídadáos, Nesse sentido o ato de soberania o ato de cada um de seus membros, como é afirma: "Nao é uma convendio entre o superior e o inferior; mas uma conven- fao do corpo com cada um de seus metnbros: convencdo legítima por ter como base o contrato social, equitativa por ser comum a todos, útil por nao poder ter outro objetivo que nao o bem geral, e sólida por ter como forca pública e o poder supremo. Enquanto os súditos só es- garantia a zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA tivessem sub metidos a tais cotivendies, nao obedecem a ninguém, mas somente a própria vontade. "53 DaÍ se conclui que o soberano nao pode ultrapassar os limites próprios das convencóes gerais, de tal modo que o soberano nao está jamais no direito de sobrecarregar mais a um súdito que a outro, porque se for assim essa situa- zyxwvutsrqponmlkjihgf cño se converte em particular, e em conseqüéncía cessa de fato a competencia do poder. Logo, o ato soberano nao deve ser particular e nisto que residem é seus limites. Para Rousseau, só a vontade geral pode elaborar as leis que todos sao obri- gados a cumprir. Considera que as leis sao justas porque se originam da vontade geral, e ninguém injusto consigo mesmo. Em suas palavras: '1\$ leis nao sao, é propriamente, mais do que as condícóes da assocíacáo civil. O POyO, submetido as leis, deve ser o seu autor.">' 3.7 O cristianism o m ediev al e a ideia de Estado Durante o período medieval de completa hegemonia da Igreja católica, dois pensadores cristáos se destacaram no estudo do poder político: Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. 51 Rousseau (1997), p. 86. 52 Rousseau (1997), p. 87. 53 Rousseau (1997), p. 98. 54 Rousseau (1997), p. 108. o conceito de Estado 75 S anto A g o stinho A obra de Santo Agostinho (354-430) merece urna consideracáo especial pela sua importancia. Seus trabalhos marcam a transicáo entre o mundo clássico, próximo do seu desaparecimento, e o mundo crístáo; entre o período de oposícáo entre a Igreja e o Estado pagáo e o período de unidade obtido pela existencia de urna Igreja-Estado. Quando os godos saqueiam Roma, no ano 410, os que conser- vavam crencas pagas atribuíram a queda da cidade ao fato de haver abandona- do, o govemo, a antiga religiáo para abracar o cristianismo. Para combater , esta zyxwvutsrqponmlkjih acusacáo, prepara Santo Agostinho, bispo de Hipona, no norte da Mica, o livro zyxwvutsrqponmlkjihg A cidade de Deus, que foi escrito ao longo de treze anos e tomou-se a obra mais influente do século V. Neste livro, Santo Agostinho critica o paganismo e, recor- rendo a história de Roma, demonstra a impotencia dos deuses antigos para salvar a cidade do infortúnio; por outro lado, ve no cristianismo a salvacáo do Estado caso os POyOS e governantes se submetam a suas crencas, Ve na Igreja a cidade es- piritual, urna cópia e imagem terrena do Céu (no sentido da eterna morada, para onde se dirige m as esperancas dos cristáos) constituída como urna sociedade dos verdadeiros crentes. A igreja, neste sentido, a Cidade de Deus. é Santo Agostinho sofre influencia dos gregos, especialmente Platáo, particu- larmente quando considera o Estado como cidade. De acordo com ele, os homens seriam mais felizes se estivessem distribuídos e govemados em urna sociedade de pequenos Estados; no entanto, em relacáo a organizacáo eclesiástica, sustenta urna concepcáo imperial, defendendo a existencia de um sistema universal sob a direcáo de um único poder. Santo Agostinho justifica a escravidáo como um reflexo da decadencia do homem; daí serem necessárias as instítuicóes sociais. A escravidáo constitui, se- gundo ele, um remédio social e um castigo de Deus, pelo pecado do homem. San- to Agostinho se op6e a concepcáo de Cícero sobre o Estado, enquanto realizacáo da justíca; pois a justíca, para ele, nao existe nos Estados que desconhecem o cristianismo. Como consequéncía, a justica nao urna criacáo do poder civil, mas é o resultado do poder eclesiástico, que representa um princípio de autoridade, in- dependente do Estado. Para Santo Agostinho, o Estado constitui, por um lado, urna instituícáo coa- tiva e, por outro, urna instítuícáo reparadora e exemplar. Impulsionados pela sua própria natureza, estabelecem os homens relacóes sociais. Na origem, todos os homens eram iguais e cumpriam livremente as normas da justica e da sabedoria; mas como consequéncia do pecado ficaram submetidos a autoridade de outros. Para ele, o Estado tem origem divina. O governante representa a vontade de Deus na terra e, como tal, aparece destacado com a obediencia de seus súditos. A dívísáo fundamental, no pensamento de Santo Agostinho, nao se situa na díferenca entre Igreja e Estado, mas entre duas sociedades, as dos crentes e dos nao crentes. No entanto, na Terra estes dois setores aparecem misturados; e 76 Ciencia Política Dias assim, mais do que no sentido de urna ídentífícacáo real, deve-se falar da Cidade de Deus com referencia a Igreja, de maneira simbólica. Santo Agostinho conce- be a Cidade de Deus como urna Igreja-Estado cristianizada, com a exclusáo dos infiéis, colocando o poder supremo do Estado nas máos das autoridades da hie- rarquia eclesiástica. A Cidade de Deus de Santo Agostinho influenciou o pensamento crístáo durante vários séculos, Ele levanta, diante da decadencia do mundo romano, a eterna comunidade de Deus, e traca de forma eloquente os interesses e ideais da Igreja que luta na Terra para alcancar o reino dos Céus. A obra de Santo Agos- tinho proporciona a Igreja urna sólida base doutrinária em um período crítico a de sua história, e, medida que se desenvolve sua organízacáo administrativa e concentra sua atividade nas coisas da terra, impulsiona sua marcha na direcáo da Igreja-poder representada pelo Papado. S anto Tomas de Aquino Durante o século XIII urna das figuras mais importantes foi Santo Tomás de Aquino (1227-1274), que viveu durante um período caracterizado pela oni- potencia do poder do pontificado. Suas ideias políticas se desenvolvem nos livros zyxwvutsrqponmlkjihgfed De regimine principium, Comentários el política de Aristóteles e Summa theologica. N este último expóe sua concepcáo da lei e da justica, Santo Tomás de Aquino pretendeu harmonizar a razáo com a revelacáo e as doutrinas da Igreja com a filosofia racionalista dos mestres da Antigui- dade, a cujo conhecimento teve acesso com releitura das obras clássicas. Em sua obra, a política volta de novo a se constituir como ciencia. Santo Tomás de Aquino apresenta um pensamento político de caráter racional, combinan- do os argumentos da Bíblia e a antiga tradicáo teocrática com consideracóes gerais derivadas da natureza da sociedade política. Demonstra em sua obra agudo sentido histórico e constrói suas concepcóes sobre fatos das instituicóes políticas de sua época. Santo Tomás define a lei como "urna ordenacáo da razáo para o bem-estar comum, promulgada por quem tem a seu encargo o governo da comunidade". ss Para ele vontade participa na expressáo da lei, e introduz a ideia da lei positiva, ou seja, das regras formuladas, de modo atual, pelo poder soberano do Estado. Em sua esséncia, no entanto, Santo Tomás considera a lei algo natural, imutável e universal; a lei positiva feita pelo homem degenera em urna corrupcáo legal, quando se opóe aos princípios fundamentais da justíca. Santo Tomás identifica a lei natural com a vontade divina, embora reco- nheca a esfera da razáo como um campo distinto da revelacáo, doutrina que, junto com a sua concepcáo jurídica, forma a base sobre a qual se desenvolvem 55 el p. 197. Suma Teológica, II, i, 90, 4 citada em Gettel (1937) zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA o conceito de Estado 77 mais tarde os pensamentos de Hobbes e Locke. Distingue assim, na política, tres tipos de lei que dirigem a comunidade ao bem comum. "O primeiro é cons- tituído pela lei natural (conservacáo da vida, geracáo e educacáo dos filhos, desejo da verdade); o segundo inclui as leis humanas ou positivas, estabeleci- das pelo homem com base na lei natural e dirigida a utilidade comum"; e ainda considera a existencia da lei divina, que "guiaria o homem a consecucáo de seu fim sobrenatural, enquanto alma imortal"." Santo Tomás desenvolveu seu pensamento assinalando entre os fins do Estado a protecáo e conservacáo da populacáo, o estabelecimento e o desen- volvimento das comunícacóes, a cunhagem de moeda, os pesos e medidas e a protecáo dos pobres. No período em que viveu Santo Tomás, a pretensáo do Papa e do Impera- dor (do Sacro Império Romano-Germánico) de distribuir o poder entre os vários elementos do Estado estava em decadencia. Ambos sustentavam a ideia de urna monarquia ilimitada e acreditavam na importancia da unidade por si mesma. Santo Tomás preconizou a proeminéncía da autoridade eclesiástica sobre o po- der temporal, sustentando que a verdade absoluta se alcanca por meio da razáo, mas com o auxílio da fé, em cuja matéria é competente somente a Igreja. Neste sentido, constitui um dever dos governantes administrar os interesses temporais da sociedade cumprindo a vontade de Deus; e por isso os funcionários do Estado tém que obedecer aos sacerdotes e acatar as prescricóes divinas da Igreja. Se um governante nao cumpre os mandamentos eclesiásticos, merece imediatamente a excomunháo, ficando livres seus súditos de todo vínculo político. O poder dos sacerdotes é temporal e espiritual. Os governantes devem reverenciar e obedecer ao pontífice, nao somente nos assuntos da vida civil, mas também nas quest6es que se relacionam com a salvacáo eterna. 3.8 A concepcáo m arx ista de Estado A principal contribuícáo de Karl Marx (1818-1883) a teoria política é a sua visáo materialista da história, que dá primazia ao económico na explicacáo das mudancas que ocorrem em outras esferas, como a da cultura e da política. Para Marx, a análise política é superficial se nao vem acompanhada de urna aborda- gem sobre os determinantes histórico-económicos, pois qualquer sistema de pro- dueño que ocorreu na história apresenta relacóes sociais de producáo específicas, e urna determinada distríbuicáo do produto económico, e isto tende a explicar as mudancas que possam ocorrer tanto na política como na cultura. Desse modo, as relacóes de producáo determinam o modo no qual a socie- dade se organiza para utilizar as forcas produtivas, ao mesmo tempo em que sao 56 Aquino (1996), p. 13. O texto destacado foi extraído da apresentacáo inicial feita por Carlos Lopes de Mattos ao volume. 78 Ciencia Política Dias criadas diferentes estruturas políticas baseadas em classes sociais.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJI A s mudancas so- ciais e históricas ocorrem, principalmente, pelo desenvolvimento da infraestrutura económica, e nao tanto devido a super estrutura política e ideológica. O caráter revolucionário da teoria marxista provém da colocacáo de que as forcas produtivas sao controladas por urna minoria que conseguiu aprovei- tar-se da populacáo trabalhadora apropriando-se da mais-valia ou valor exce- dente. O trabalhador vende sua forca de trabalho como urna mercadoria, que é adquirida no mercado pelos capitalistas que buscam reduzir seu custo a um valor mínimo. Esta urna sítuacáo altamente explosiva e que favorece a luta de é classes, que tem como protagonista maior a classe operária. Para Marx, o Esta- do um instrumento das classes dominantes para manter seu poder de domi- é nacáo sobre as demais classes na sociedade capitalista; do mesmo modo, a reli- gíáo e o sentimento nacionalista sao manipulados pelo poder económico como formas de domínacáo. Neste sentido que a revolucáo proletária deve destruir é o Estado, a relígíáo e o nacionalismo, pois sao instrumentos de domínacáo de urna classe sobre outra. A teoria marxista foi elaborada a partir da realidade das sociedades alta- mente industrializadas como, no seu tempo, a Inglaterra e os Estados Unidos. Ele preve urna revolucáo mundial liderada pela classe operária que instaurará urna sociedade sem classes, e nesse sentido procurou incentivar a uniáo mundial dos trabalhadores numa internacional socialista que lideraria esse processo. Para Marx, o Estado constitui um elemento a mais da superestrutura da sociedade assentado sobre a base constituída a partir das relacóes de producáo e que forma a infraestrutura. Para ele, o Estado um instrumento de dominacáo é de urna classe (burguesia) sobre outra (o proletariado), pois a estrutura social é formada por urna relacáo desigual em que urna maioria explorada, vendendo é sua forca de trabalho, e urna minoria explora apropriando-se da maior parte do produto do trabalho realizado. Essa situacáo de urna minoria que domina urna ampla maioria só possível existindo um instrumento de domínacáo que sirva é para manter essa estrutura. Tal a finalidade do Estado, para os marxistas. é Para Friedrich Engels (1820-1895), o Estado de modo algum um poder é que se impós a sociedade de fora para dentro; "é antes um produto da sociedade, quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento; a confíssáo de é que essa sociedade se enredou numa irremediável contradícáo consigo mesma e está dividida por antagonismos irreconciliáveis que nao consegue conjurar". Mas para que essas classes com interesses económicos conflitantes "nao se devorem e nao consumam a sociedade numa luta estéril, torna-se necessário um poder co- locado aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mante-lo dentro dos limites da 'ordem"'. Para Engels, "este poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela e distanciando-se cada vez mais, o Estado". S7 é 57 Engels (1984), p. 227. o conceito de Estado 79 De acordo com Engels, o Estado apresenta dois traeos característicos ao surgir: "em primeiro lugar, pelo agrupamento dos seus súditos de acordo com urna divisáo territorial", sendo essa organizacáo dos governados conforme o ter- ritório comum a todos os Estados. E em segundo lugar está "a ínstituicáo de urna forca pública, que já nao se identifica com o povo em armas. A necessidade dessa forca pública especial deriva da divísáo da sociedade em classes, que impossibili- ta qualquer organízacáo armada espontánea da populacáo". 58 Desse modo, para o marxismo, o Estado representa a organizacáo de classe do poder político, que defende e garante a domínacáo de urna classe sobre a ou- tra. Para tanto ele disp6e de alguns órgáos de poder, como o exército, a política, os juízes, os presídios etc., para assegurar o domínio político da classe que domi- na economicamente e para esmagar a resistencia das demais classes. Numa sociedade onde existe a propriedade dos diferentes meios de produ- cáo, onde sao geradas as distintas formas de desigualdade social, favorecendo urna minoria contra urna maioria, nao se pode conceber o Estado como algo dife- rente de um instrumento de domínacáo de classe, pois nao existiria outra manei- ra de manter os privilégios de urna minoria em prejuízo de urna maioria. A obra zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Manifesto do Partido Comunista, escrita conjuntamente por M arx e Engels, sintetiza o ideário do marxismo, além de constituir-se em importante do- cumento do pensamento político contemporáneo." o Estado so c ialista De acordo com a teoria marxista, a concentracáo do capital num núme- ro cada vez menor de pessoas, e com o proletariado cada vez mais consciente de sua condicáo, levará a urna revolucáo que fará que o proletariado se apro- prie do Estado, para deste modo passar a urna fase intermediária ao comu- nismo, denominada Ditadura do Proletariado. Nesta fase histórica, o Estado se tornará proprietário dos meios de producáo sob a direcáo do proletariado, tirando dos proprietários os meios de producáo, impedindo-os que se apossem de seus bens. A necessidade do Estado nessa fase intermediária se justifica, segundo Le- nin, porque "as classes exploradoras precisam da domínacáo política para a ma- nutencáo da exploracáo, no interesse egoísta de urna ínfima minoria contra a imensa maioria do povo". Por outro lado, "as classes exploradas precisam da dominacáo política para o completo aniquilamento de qualquer exploracáo, no interesse da imensa maioria do povo" contra a ínfima minoria dos proprietários fundiários e dos capitalistas/" 58 Idern. S9 Ver M arx e Engels (1977). 60 Lénin (1978), p. 31. 80 Ciencia Política Dias A importancia dessa fase de transicáo, em que os explorados ocupam a máquina do Estado, dada por Lénin ao expressar que "quem só reconhece a é luta de classes nao ainda marxista [... ]. Limitar o marxismo é luta de clas- a ses é truncá-lo, reduzi-lo ao que aceitável para a burguesia. Só é marxista é aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado". 61 E completa afirmando que nesse período con- tinua a ocorrer urna "luta de classes extremamente encarnicada", devendo o Estado dessa época ser "um Estado democrático (para os proletários e os nao possuidores de modo geral) inovador e um Estado ditatorial (contra a burgue- sia) igualmente inovador". 62 De acordo ainda com Lénin, "a passagem do capitalismo para o comunismo nao pode deixar, naturalmente, de suscitar um grande número de formas polí- ticas variadas, cuja natureza fundamental, porém, será igualmente inevitável: a ditadura do proletariado". 63 A desaparícáo do Estado Quando todos os meios de producáo passarem a ser de propriedade do Es- tado, nao haverá necessidade do Estado, pois nao haverá exploracáo do homem pelo hornem, elementos de subordinacáo e privilégio entre as classes sociais. Esse ,.. e o momento em que se consntui a ''fase superior da sociedade comunista, quando houver desaparecido a ci divisiio do trabalho e, com subordinadio escravizadora dos individuos zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ela, o contraste entre o trabalho intelectual e o trabalho manual; quan- do o trabalho nao for somente um meio de vida, mas a primeira neces- sidade vital; quando, com o desenvolvimento dos individuos em todos os seus aspectos, crescerem também as jorcas produtivas e jorrarem em caudais os mananciais da riqueza coletiva, só en tao será possível ultra- passar-se totalmente o estreito horizonte do direito burgués e a socieda- de poderá inscrever em sucs bandeiras: de cada qual, segundo sua capa- cidade; a cada zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA qual; segundo suas necessidades". 64 Como o Estado um instrumento de dominacáo de classe, e como esta é desaparece, deixando de existir portanto a luta de classes que existia antes da ditadura do proletariado e a consequente domínacáo de urna pela outra, perde razáo de ser a existencia do Estado, e, portanto, deve desaparecer, atingindo- -se entáo o comunismo. Importante destacar que nenhuma sociedad e em toda 61 Lénin (1978), p. 43. 62 Lénin (1978), p. 44. 63 Lénin (1978), p. 44. 64 Marx, Karl.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Crítica ao programa de Gotha, p. 18, disponível em:. Acesso em 23 jan. 2008. o conceito de Estado 81 a história da humanidade atingiu este estágio previsto por Marx, o comunismo. Os Estados que se diziam ou ainda se dizem comunistas, na realidade, somente atingiram o estágio de transicáo a que aludiu Marx, formando um tipo de so- cialismo de Estado. 3.9 O Estado como organízacáo do poder O Estado está presente em toda parte, "o lugar que ele ocupa em nossa vida cotidiana tamanho que nao poderia ser retirado dela sem que, ao mesmo tempo, é ficassem comprometidas nossas possibilidades de viver",65 sua autoridade se faz sentir sob diversas formas. Daí que a ordem jurídica que integra o Estado incon- é cebível sem o poder do qual se prevé para sua efetividade; Estado e poder político tém relacáo estreita, tornando-se de enorme complexidade e dificuldade assinalar qual a parte do Estado que nao se manifesta como poder político, ou qual o é é aspecto do poder político que nao se manifesta no Estado. Daí, como afirma Hel- ler, "o poder do Estado é, pois, sempre legal, isto é, poder político juridicamente organizado. Um complexo de relacóes sociais organizadas sistematicamente em unidade de poder torna-se um complexo de relacóes jurídicas ordenadas sistema- ticamente em urna unidade de ordenacáo - derivado da constítuicáo positiva". 66 Na Constituícáo do Brasil, por exemplo, sancionada em 1988, no 1 artí- Q go, parágrafo único, o princípio fundamental do poder formulado do seguinte é modo: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente."? Ocorre que, "por causa da sua funcáo social, o poder do Estado nao deve contentar-se com a legalidade técnico-jurídica"; por necessidade da sua própria subsistencia, deve também preocupar-se com a justifícacáo moral das suas nor- mas jurídicas ou convencionais positivas, quer dizer, buscar a legitimidade. Esta gera poder. "O poder do Estado tanto mais firme quanto maior for o voluntário é reconhecimento que se empresta quem o sustenta, aos seus princípios ético-jurí- dicos e aos preceitos jurídicos positivos legitimados por aqueles". Só goza de au- toridade aquele poder do estado que foi autorizado. ''A sua autoridade baseia-se unicamente na sua legalidade enquanto esta se fundamenta na legitímídade.v= Um elemento fundamental do Estado é, certamente, a existencia de um po- der do mesmo. Este poder nao pode derivar-se de nenhurn outro, mas tem que proceder de si mesmo e segundo seu próprio direito. Destaca Jellinek que o con- teúdo deste poder de domínacáo completamente indiferente para sua existen- é cia. Pois, "ali onde houver urna comunidade com um poder originário e meios 65 Burdeau (2005), p. IX, da Introducáo. 66 Heller (1968), p. 288.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 67 Brasil (1996), p. 3. 68 Heller (1968), p. 288-289. 82 Ciencia Política Dias coercitivos para dominar seus membros e seu território, conforme urna ordem que lhe é própria, a1i existe um Estado". 69 O poder político nas ce como urna necessidade premente de seguranca diante das ameacas de violencia que em todos os aspectos da vida sofre a convi- vencia humana. O poder político sempre luto u contra outros poderes para man- ter a coesáo e primazia do grupo vencedor. Ao mesmo tempo, os que assumem o poder político num grupo térn necessidade de encontrar urna justificativa his- ,. torlca para o mesmo. O poder nasce para a defesa do grupo e para constituir-se urna dírecáo efi- ciente e eficaz que possa conduzí-lo; por este motivo ocorreram as prime iras con- centracóes de poder em urna pessoa ou num grupo delas. Todo grupo humano que busca a realizacáo de determinados fins procura entregar sua dírecáo a urna pessoa ou grupo, aos quais reveste de suficiente autoridade (poder legítimo) para tornar realidade os seus objetivos. Ao longo da história, urna das principais justificativas do poder político era que tinha origem divina, desse modo se justificando a dominacáo. Modernamen- te o poder se subordina ao direito, surgindo desse modo o Estado de direito. O poder do Estado apresenta algumas características, como: a instituciona- lizacáo, a dominacáo, a coercáo e a autonomia: a) Instítucíonalízacáo: quando o poder estatal se institucionaliza, se emancipa da vontade individual, se despersonaliza e toma-se orgánico e funcional. Além disso, a instítucionalízacáo direciona o poder do Estado para promover o bem público e, por isto, o coloca acima dos interesses particulares. Desse modo, o poder institucionalizado do Estado exerce urna acáo objetiva sobre os mesmos homens que o criaram. b) Dominacáo: o poder do Estado apresenta-se como dominante, exerce a do- minacáo em seu ámbito territorial. Porém, trata-se de um poder originário de dominacáo, nao pode derivar-se de nenhurn outro, tem origen em si mesmo e ''A dominacáo é a qualidade que diferencia o po- segundo seu próprio direito.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA der do Estado de todos os demais poderes." Quando se fala em poder de domi- nacáo, quer seja em urna associacáo que está inserida na vida do Estado ou em um indivíduo, "é porque procede do poder do Estado. Inclusive quando esta domínacáo chegou a ser direito próprio de urna assocíacáo, nao tem um caráter originário, é sempre poder derivado"." Há urna dístíncáo nítida entre o poder dominante e o nao dominante. O pri- meiro, o poder dominante (do Estado), possui os meios coercitivos para se fazer obedecer e, por isto, se configura como um poder irresistível, exercido de modo incondicional, em todo o território de urna comunidade estatal. Ao passo que o poder nao dominante possui somente meios de caráter disci- 69 Jellinek (2000), p. 444 - 445. 70 Jellinek (2000), p. 397. ° conceito de Estado 83 plinar para ser atendido, como é ° caso de urna organízacáo qualquer que nao seja o Estado. e) Coercáo: o poder estatal se distingue das outras formas de poder político, porque apresenta o monopólio do uso legítimo da forca." O poder coercitivo do Estado, enquanto monopólio de uso da forca, é um conceito fundamental que se concretizo u ao longo do processo histórico de constituicáo da forma política estatal. d) Autonomia: consiste em que o poder estatal formula suas próprias leis. A ca- tacterística essencial de um Estado "é a existencia de um poder do mesmo. Este poder nao pode ser derivado de nenhum outro, mas que tem que proce- der de si mesmo e segundo seu próprio díreito"," e atua assim de conformi- dade e dentro dos limites estabelecidos pelas leis. Deste modo, o Estado nao teconhece um poder acima de si e, portanto, é independente no plano exter- no e supremo no plano interno da realidade política. De acordo com Jellinek, '1\li onde haja urna comunidade com um poder originário e meios coercitivos para dominar os seus membros e seu território, conforme a urna ordem que lhe é própria, aH existe um Estado."?" A e strutura po lític a do Estado Urna estrutura representa um sistema de relacóes internas estáveis, que sao características de urna realidade social. A estrutura política se refere aos fa- tos políticos, e consiste numa rede (ou sistema) de relacóes de poder que condi- ciona o comportamento dos atores políticos, indivíduos ou grupos, definindo sua posícáo,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA status e papéis, em urna socíedade política determinada e num espaco e tempo concretos. Constitui a arquitetura da dinámica do sistema, que forja e dá estabilidade ao complexo emaranhado das relacóes de poder. Os atores da acáo política, ou atividade de poder, ocupam posicáo, status, no quadro das relacóes de poder; tais posícóes estáo inter-relacionadas e, quando ordenadas ou hierarquizadas, estruturam politicamente a sociedade constituindo sua estrutura política. Quando hierarquiza as relacóes de poder em um centro superior e organiza a estrutura em funcáo de um equilíbrio integrador de poderes, essa estrutura define o estado político da sociedade, a rede de poder da sociedade política, e constitui o Estado. Este se constitui em instrumento que a partir de um centro de poder hie- rarquiza a estrutura política; configura a rede de relacóes de poder em urna ordem de concentracáo hierárquica, de domínio ou de integracáo, O que é obtido através da institucionalizacáo do poder e com a íntegracáo deste em um centro supremo organizador, que constitui urna entidade que recebe o nome de Estado. 71 Weber (1991), p.34.zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 72 Jellinek (2000), p. 444. 73 Jellinek (2000), p. 445. 84 Ciencia Política Dias 3.1 0 A institucionalizacáo do po der o processo de ínstítucíonalízacáo do poder passa, em primeiro lugar, pela díferenciacáo entre o poder e os governantes: e, em segundo, pela própria for- macáo do Estado enquanto entidade a qual se agrega o poder despersonalizado. Desse modo, a ínstitucíonalízacáo do poder é a operacáo jurídica pela qual o po- der político é transferido da pessoa dos governantes a urna entidade. O resultado desta operacáo é a críacáo do Estado como suporte do poder, independentemente da pessoa dos governantes. De acordo com Burdeau, a idéia da dissocíacáo possível entre a autoridade e o indivíduo surge porque o poder, "deixando de estar incorporado na pessoa do chefe, nao pode subsistir ao estado de ectoplasma", sendo-lhe necessário um ti- tular. "Esse suporte será a instítuícáo estatal considerada sede exclusiva do poder público. No Estado, o Poder é institucionalizado, no sentido de ser transferido da pessoa dos govemantes, que já nao tem seu exercício, para o Estado, que desde estáo se torna seu único proprietário."?" Esse ato de instítucionalizacáo tem duplo aspecto: por um lado, estabe- lece distincáo entre o poder e os indivíduos que exercem su as funcñes como governantes; de outro, o Estado se afirma como urna entidade a qual se atri- bui o poder da sociedade política. A institucíonalízacáo significa a criacáo de um suporte impessoal do poder. O Estado é o termo com que se designa esta entidade política a qual se remete a titularidade do poder. A institucionaliza- cáo aparece como criadora de urna forma especial de poder: o Estado enquan- to entidade que encarna o poder despersonalizado. O Estado é, antes de tudo, o poder institucionalizado. A operacáo de ínstítucíonalízacáo do poder no Estado nao se dá ao acaso, "é determinada por um conjunto de circunstancias que concorrem, em dado mo- mento, para torná-la ao mesmo tempo possível e necessária". Tais circunstancias constituem as condicóes objetivas da formacáo da ideia do Estado. No entanto, só elas nao sao suficientes para provocar o seu aparecimento, é necessário se acres- centar urna atitude intelectual a respeito do poder. "Isso significa que a ideia do Estado, por mais condicionada que seja por dados objetivos, nao funciona sem o suporte psicológico que lhe é fomecido pelas disposicóes tanto do grupo como dos chefes, para conceber a ínstirucíonalízacáo.?" Nas situacóes em que o regime de poder é personalizado, como ocorria durante o feudalismo, quem mandava era urna pessoa, um zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDC poder individuali- zado, ou seja, um "poder que se encarna num homem que concentra em sua pessoa nao só todos os instrumentos do poder, mas também toda a justificacáo 74 Burdeau (2005), p. 12. 75 Burdeau (2005), p. 13-14. o conceito de Estado 85 da autoridad e". 76 O que o distingue é o vínculo de fidelidade do homem ao ho- mem, e nao a urna entidade. A autoridade para as pessoas na Idade M édia re- pousava, unicamente, nas relacóes pessoais entre o superior e o inferior. O indí- víduo nao era capaz de servir a urna ideia, mas servia até a morte, se necessário, ao homem ao qual era fiel. A ideia abstrata do poder nao podia ser separada da imagern concreta do chefe. Diante desta concepcáo concreta, o regime de Estado significa o processo contrário, é urna entidade, nao o homem que manda. A despersonalízacáo do po- der exigiu a atribuicáo do mesmo a comunidade política, urna estrutura concreta, que se constitui como um sistema de relacóes de poder entrelacados entre si e hierarquicamente configurados com base no centro supremo de poder. Esta estru- tura de poder da sociedade política é o Estado. O Estado se concretiza na criacáo de urna estrutura de relacóes de poder, por isto se realiza num corpo de funcio- nários: pois a realizacáo concreta do poder exige órgáos e agentes, que tornam possível a existencia e o funcionamento do Estado. A concepcáo zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA de representacáo Devido a ínstitucíonalizacáo, quem detém poder no Estado nao é urna pes- a sua natureza, os govemantes no Estado soa, mas urna entidade; logo, devido zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA nao exercem o poder por si, mas em no me do Estado e submetidos ao soberano. Seu poder e funcáo sao exercidos por representacáo. A organízacáo do Estado é, devido a sua própria natureza, representativa. O Estado nao morreo "Indiferente a sucessáo dos govemantes, ele assegura a permanencia dos atos deles desde que regularmente realizados, possam ser-lhe imputados." De fato, "é a continuidade do Estado que garante a permanencia das leis e igualmente ela que lhes confere a maior parte de sua autoridad e". 77 Na instítucionalízacáo do poder que dá origem ao Estado moderno, há ne- cessidade de se distinguir tres aspectos: (1) o fundamento ou base do poder, ou seja, a entidade em que se constitui, ou instituicáo estatal; (2) o exercício do po- der pelos governantes; e (3) seu controle pelo soberano: o rei no Estado absolu- tista, o POyO no Estado democrático. Deve-se destacar que os govemantes térn um direito que recebem devido ao exercício de sua funcáo, sao representantes da instítuicáo estatal e estáo sub- metidos ao soberano (o rei ou o povo). O Estado, entendido deste modo, se apre- senta como um instrumento político; constitui urna entidade instrumental; os go- vemantes constituem as pecas e motores desse instrumento. A organízacáo como representacáo é ideia essencial ao re gime de Estado, independentemente da forma política que adote o governo. O Estado pressup6e 76 Burdeau (2005), p. 7. 77 Burdeau (2005), p. 32. 86 Ciencia Política Dias sempre urna organizacáo, independentemente da forma de governo, porque a instítucionalizacáo do poder atribui a este urna entidade, na qual os governantes - ,- sao seus orgaos, seus agentes, o representam e atuam em seu nome. Resumindo: o ato de ínstitucíonalizacáo que cria o Estado tem dois aspec- tos: por um lado, despersonaliza o poder, estabelece urna distincáo entre o poder e os indivíduos que o exercem; por outro lado, atribui o poder a urna entidade; os govemantes sao os órgáos ou funcionários des se poder. Por isso, é necessário determinar quem nomeia os governantes, em nome de quem estes atuam, a que condícóes estáo submetidos e quem decide em última instancia. Tudo isto exige urna coordenacáo representativa entre os govemantes, o Estado, o soberano e os govemados. Atuar em no me de outro e nao de si mesmo a esséncia da represen- é tacáo: afirmar que o direito do govemante em sua funcáo um direito recebido é indica que atua em nome de outro, a quem representa. Os govemantes atuam a partir da vontade do Estado, nao a partir de sua vontade. 3.1 1 A subordínacáo do Estado a le i O Estado urna criacáo cultural humana, que vive na estrutura funcional é de seu quadro de funcionários, que possui um objetivo. Constitui urna entidade, nao urna pessoa, formado por um aparato social, jurídico-administrativo, para se obter a instítucíonalízacáo do poder político. O homem consciente da necessidade de um poder, sem o qual nao seria possível a convivencia política, e também compreendendo que o poder deve estar em funcáo da líberdade, buscou, ao langa do processo histórico de criacáo do Es- tado, que a subordínacáo do homem a outro homem fosse substituída pela inte- gracáo das relacóes de poder em urna entidade ou instrumento do poder a servico da sociedade e nao sobre ela. Esta entidade abstrata, instítuícáo do poder político despersonalizado, o Estado. Por isso o Estado sempre Estado de urna socie- é é dade concreta. No entanto, importante nao se confundir Estado e sociedade. A é sociedade o conjunto, a pluraridade de pessoas vivendo juntas, convivendo. O é Estado o instrumento que exerce o poder. E a sociedade tem presenca nessa ins- é tituicáo, na atividade do Estado, através da representacáo política. Para Poggi, "o ideal moral que fundamentalmente legitima o Estado mo- derno a domesticacáo do poder através da despersonalizacáo do seu exercício. é Quando o poder gerado e regulamentado através é , de leis gerais, a probabílídade zyxwvutsrqponmlkjihgfe de seu exercício arbitrário minimizada". E também minimizado o elemento de é submíssáo pessoal nas relacóes dos indivíduos, de modo geral, com aqueles que exercem as prerrogativas de govemo (estes só exercem autoridade como ocupan- tes de posicóes especificadas e legalmente controladas). "No fundo, em suas rela- cóes políticas, os indivíduos nao obedecem uns aos outros, mas a leí.'?" 78 Poggi (1981), p. 111. o conceito de Estado 87 Podemos afirmar que "em qualquer caso, dentro do sistema de governo, o direito é o modo clássico de expressáo do Estado, a sua própria linguagem, o veículo essencial de sua atividade. Pode-se visualizar o Estado, em seu todo, como um conjunto zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA legalmente constituído de órgáos para a criacáo, aplicacáo e cumprimento de leis". 79 O direito moderno, por sua vez, pode ser entendido, como "um corpo de leis promulgadas; é direito positivo, deliberado, feito e validado pelo próprio Es- tado no exercício de sua soberania, sobretudo através de decisñes públicas, docu- mentadas e geralmente recentes". 80 O Estado é dotado de urna vontade, concretizada em leis, que determina a conduta social. A funcáo legislativa é a manífestacáo da vontade do Estado. O Estado manifesta sua vontade pelas leis, e faz que seja cumprida através do exer- cício do poder executivo. Essa vontade, que tem de se concretizar como vontade do Estado através das leis, tem que ser feita e criada pela sociedade. Nisto se constitui a esséncia,zyxwvutsrqponmlkjih da representacáo política, que fundamentalmente consiste numa substituícáo. E criado um órgáo representativo eficaz que torne presente a sociedade no Estado, substituindo toda a sociedade (que em virtude de tamanho é incapaz de estar presente em seu conjunto) por urna minoria que a represente e, em no me dela, dote de vontade o Estado, dando-lhe su as leis. Em resumo, a representacáo polí- tica é a presenca da sociedade no Estado. Logo, a vontade que se expressa como vontade do Estado (as leis) na reali- dade é a manífestacáo de toda a sociedade, e nesse sentido até mesmo o Estado deve se submeter a essa vontade geral. Isto significa que o Estado está sujeito a normas, e que deve existir um estatuto do poder que estabeleca e regule a relacáo entre governantes e governados, como condicáo essencial a existencia do Esta- do. Como afirma Burdeau, "o Estado é limitado pelo direito porque seu poder é juridicamente condicionado pela ideia de direito que o legitima. O Estado nao se limita; nasce limitado"." Para Hans Kelsen, um "Estado nao submetido ao direito é impensável". Pois o Estado existe através de seus atos, que sao aqueles colocados por indivíduos e atribuídos ao Estado como pessoa jurídica. "E tal atríbuícáo apenas é possível com base em normas jurídicas que regulam especificamente estes atos." Logo, ao se afirmar que o Estado cria o Direito deve-se entender "apenas que indivídu- os, cujos atos sao atribuídos ao Estado com base no Direito, criam o Direito". Ou seja, "o Direito regula a sua própria críacáo. Nao há, nem pode haver, lugar a um processo no qual um Estado que, na sua existencia, seja anterior ao Direito, crie o Direito e, depois, se lhe submeta". Ocorre que "nao é o Estado que se subordina 79 Poggi (1981), p. 111. 80 Poggi (1981), p. 111. 81 Burdeau (2005), p. 44. 88 Ciencia Política D ias ao Direito por ele criado, m as é o Direito que, regulando a conduta dos indiví- duos e, especialm ente, a sua conduta dirigida a criacáo do Direito, subm ete a si esses indivíduos". 82 O que, para Sartori, se exige com a liberdade política é protecáo: que é ob- tida desde os tem pos antigos até os dias atuais, com a obediencia as leis e nao aos senhores. Citando Cícero, que disse "som os servos da lei a fim de que possam os ser livres", afirm a que "o problem a da liberdade política tem sido sem pre interca- lado com a questáo da legalidade, pois ela retorna ao problem a de lim itar o poder tornando-o, para isso, im pessoal". 83 Em resum o, o Estatuto do poder deve ser com preendido com o as regras es- tabelecidas para determ inado corpo social. E, nesse sentido, o Estado, com o ins- títuicáo, deve estar estabelecido de acordo com um estatuto, cuja form a jurídica m ais adequada é a Constituícáo, constituindo esta o instrum ento operacional que torna realidade jurídica o estatuto do poder. Kelsen (1998), p. 346. 82 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 83 Sartori (1965), p. 303. 4 FINALIDADES E ELEMENTOS DO ESTADO Há certa concordancia sobre quais sao os principais elementos do Esta- do moderno - povo, território e poder -, embora ocorram variacóes, algumas incluindo o direito, outras colocando énfase na soberania, por exemplo. No entanto, já se consagraram na literatura estes tres elementos como essenciais, embora, cada elemento, por si, traz problemas na sua conceítuacáo. Ao se es- tudar POyO, deve-se considerar o conceito ambíguo de nacáo: o território está diretamente relacionado ao conceito de soberania; e o poder está vinculado ao seu exercício, o govemo, e sua variedade de manifestacóes. O poder foi estu- dado no Capítulo 2. Neste, abordaremos os elementos materiais do Estado: o zyxwvutsrqponmlkji. ,. POyO e o terntono, Quanto aos fins do Estado, quase sempre se confundem com os objetivos daqueles que exercem o governo, e que possuem interesses próprios que podem coincidir ou nao com a funcáo social do aparelho estatal. Neste capítulo busca- remos precisar e diferenciar os fins do Estado em relacáo com os interesses dos ,. ocupantes temporanos. 4.1 Os fins do Estado Para poder determinar se o Estado tem um fim ou fins, é necessário esta- belecer o que se entende por isso, e distinguí-los dos fins da atividade política. O Estado nao díspóe de consciencia e vontade própria, pois ele somente existe na consciencia e na vontade de seus integrantes, e nas suas interacóes recíprocas e que conformam a instituicáo estatal. Os fins próprios do Estado - sua razáo de ser - coincidem com os fins políticos de caráter mediato da atividade propriamente política Ca construcáo, consolidacáo e conservacáo da comunidade política). Os outros fins que podem ser atribuído s ao Estado sao os fins últimos da atividade 90 Ciencia Política Dias que lhe sao atribuído s pelos seus integrantes e a respeito dos quais o Estado se converte em mero instrumento. Desse modo, tem-se que distinguir entre o fim objetivo - incondicionado e absoluto - e o fim subjetivo - relativo e condiciona- do, voluntário - e, consequentemente, nao se deve confundir o fim do Estado com o dos governantes ou dos integrantes da "comunidade política". Desse modo, há um ou vários fins associados ao Estado que lhe sao pró- prios, objetivos e necessários e expressam sua razáo de ser, e há outros fins que lhe sao atribuídos pelos governantes ou os integrantes da comunidade política, que sao subjetivos, contingentes e que expressam os valores e pro- pósitos daqueles. Neste segundo caso, embora se fale também de "fins do Es- tado", na realidade se está falando de fins que nao lhe sao próprios, mas que lhe sao atribuídos. Aristóteles em sua obra zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Política afirma que a finalidade do Estado é a felici- dade na vida. ''A cidade é urna reuniáo de famílias e pequenos burgos que se asso- ciam para desfrutarem juntos urna existencia inteiramente feliz e independente". , No entanto, para ele, bem viver "é viver venturoso e com virtude. E necessário, portanto, admitir em princípio que as acóes honestas e virtuosas, e nao apenas a vida comum, sao a finalidade da sociedade política".' Num dos mais importantes documentos do processo constitucional norte- -americano, The Federalist papers, publicado em 1788, seus autores declaram que "a seguranca e a felicidade da sociedade sao os fins a que aspiram todas a insti- tuícóes políticas e aos quais todas estas ínstituicóes devem sacrificar-se". 2 Assim, "um bom govemo implica duas coisas: primeiro, fidelidade a seu objeto, que é a felicidade do povo; segundo, um conhecimento dos meios que permitam alcancar melhor este objeto". 3 O Estado possui, pelo menos, um fim jurídico bastante claro, que é garantir ou proteger o direito. Kelsen, neste sentido, afirma que o Estado é que toma pos- sível a "verdadeira liberdade", pois ao se admitir "que a liberdade nao mais que é a expressáo da legalidade normativa do valor ou do espírito, diferentemente e em consciente contraposícáo com a legalidade causal da legalidade natural, pode-se afirmar que o Estado nao somente trata de realizar esta liberdade, mas que ele é a liberdade, pois ele é a lei jurídica". 4 Podemos afirmar que o fim próprio, objetivo e necessário do Estado é o "bem comum". A elaboracáo do conceito de "bem comum" tem origem na teolo- gia católica, em particular com Santo Tomás de Aquino (1227-1274) e de acordo com essa origem constitui um status no qual se alcanca a satísfacáo de todos os desejos da comunidade e seus membros. Em síntese, o "bem comum" nao é o bem Aristóteles (2005), p. 94. 1 zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA 2 Hamilton et al. (1986), p. 109. 3 Hamilton et al. (1986), p. 153. 4 Kelsen (2005), p. 54. Finalidades e elementos do Estado 91 de todos - como se "todos" fosse urna unidade real -, mas o conjunto de condi- cóes apropriadas para que todos - "grupos intermediários" e pessoas individuais - alcancem seu "bem particular". Por isso, podemos afirmar que nao há contradi- cáo entre o "bem comum" e os ''bens particulares". Dito de outro modo, o Estado tem por fim último oferecer condicóes para que todas as pessoas que integram a comunidade política realizem seus dese- jos e aspiracóes, e para tanto assegura a ordem, a justíca, o bem-estar e a paz externa, que sao os elementos necessários para que as outras necessidades pú- blicas sejam atendidas. O Estado constitui urna organizacáo que busca impulsionar, desenvolver e coordenar as atividades humanas para a obtencáo do bem comum. Para atingir esse objetivo, o Estado deve atuar sobre o fundamento do direito e na forma do direito. Para isso, é necessário que todos os cidadáos participem na elaboracáo das leis, diretamente ou através dos representantes, segundo um sistema que leve em conta, na medida do possível, a capacidade diversificada das pessoas, ficando claro que de nenhum modo, nem na forma da lei, poderáo ser abolidos os direitos essenciais da pessoa humana. Entre esses direitos devem ser mencionados, espe- cialmente: o direito a liberdade de consciencia; ao exercício da fé religiosa; direi- to em relacáo a integridade física ou moral (direito a honra); direito de reuniáo e á liberdade de expressáo e de imprensa; direito de desen- de assocíacáo; direito zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA volver urna atividade produtiva (direito ao trabalho) e de gozar de seus frutos; direito a propriedade legalmente adquirida; direito a liberdade de movimento e de ímigracáo; direito de ingresso aos postos públicos sem exclus6es nem privilé- gios, segundo o critério do mérito pessoal. Em resumo, podemos distinguir entre o zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA fim objetivo do Estado - que é pró- prio de todo Estado, ao qual se pode denominar "bem comum", e que seria a cria- c;ao de condicóes que permitam a cada indivíduo e a cada grupo social alcancar seus respectivos fins particulares -; e os fins subjetivos do Estado - que sao pró- prios de cada Estado e constituem os variáveis conteúdos do "bem comum". Nes- te caso sao os fins atribuídos aos diferentes Estados pelas doutrinas políticas que constituem sua respectiva sustentacáo filosófica. 4.2 O s princ ipais e le m e nto s do Estado A estrutura do Estado se comp6e basicamente de tres elementos essenciais de acordo com vários autores (Jellinek, Burdeau, Heller, Fischbach):" o território, o povo e o poder. O território e a populacáo constituem a base material do Es- tado. O território constitui um dos grandes fatores de unidade e sem ele nao há Estado. Na base da estrutura territorial do Estado estáo o território, o povo e as instítuicóes. O Estado tem inúmeras funcóes, como organizar a administracáo da 5 Jellinek (2000), Burdeau (2005), Heller (1968) e Fischbach (1949). 92 Ciencia Política Dias sociedade utilizando para tanto de um pessoal especializado (a burocracia), exer- cer a domínacáo política e estabelecer urna série de instituicóes que reproduzem o sistema e garantem as condicóes de sua permanencia. Dos tres elementos, considera-se que o território e a populacáo é que con- dicionam a existencia material do Estado, pois para o Estado surgir é necessário que haja urna comunidade humana e um território onde ela se estabeleca de for- ma perene. O Estado é essencialmente intangível, imaterial, urna entidade perce- bida somente pela razáo, 4.3 O c o nc e ito de te rritó rio do Estado Os fatores geográficos, como o solo, o clima, a topografia do terreno, as regióes etc., exercem influencia determinante sobre a vida de urna sociedade, principalmente, quando esta se torna sedentária, permanece estável e se fixa em determinado lugar. A passagem do nomadismo ao sedentarismo assinala o início do desenvol- vimento da ideia de território que por diversas razóes (económicas, militares, so- ciais etc.) vai se incorporando na vida dos POyos. O território gradativamente vai se tomando o lugar que proporciona o sustento e onde se concentram os interes- ses individuais e coletivos, e se vai adquirindo urna relacáo sentimental como a terra dos pais,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA terra patrum. Todo Estado exige um território como condícáo imprescindível de sua orga- nízacáo, das funcóes que deve exercer e de sua competencia para regularizar, coor- denar e controlar sua acáo político-jurídica-administrativa. Nao existe Estado mo- derno sem território, embora este possa ser modificado, variar ao longo do tempo e até passar para o domínio de outro Estado. Para Fishbach, "o território é a porcáo limitada da superficie terrestre na qual se estende o poder de domínio do Estado. Sem território, um Estado nao pode ser concebido"." O território de um Estado é parte constitutiva do mesmo, e nao meramente um suporte para as suas atividades. No entendimento de Groppali, o território "deve considerar-se como limite espacial dentro do qual o Estado exerce, de modo efetivo e exclusivo, o poder de império sobre as pessoas", devendo-se levar em consideracáo ainda que "o Estado exerce esse poder sobre os próprios cídadáos, mesmo quando estes se encontram em território de um outro Estado". Devem-se levar em consideracáo, ainda, os casos de extraterritorialidad e, "como acontece para os navios e avióes de guerra os quais, embora achando-se em território de um outro Estado, consideram-se como porcáo do território do Estado cuja bandeira ostentam". 7 6 Fishbach (1949), p. 108. 7 Groppali (1968), p. 124. Finalidades e elementos do Estado 93 Para Kelsen, o território é ámbito espacial de validade da ordem jurídica do Estado, devendo-se entender "que se trata do espaco da 'validade', nao do árn- bito da 'eficácia' da ordem estatal". Para ele, só é território, "o espaco no qual se devem realizar certos fatos, especialmente os atos coativos regulados pela ordem jurí