Anatomofisiologia Cardíaca PDF

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Hospital Pedro Hispano

António Pedro Ferreira

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anatomofisiologia cardíaca fisiologia cardiovascular anatomia medicina

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Estas notas detalham a anatomia e fisiologia do coração, incluindo suas funções, mecanismos de contração e regulação. São apresentados conceitos-chave como a geração de pressão arterial e o transporte de sangue. Adequadas para estudantes de medicina.

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Anatomofisiologia cardíaca Unidade Curricular de Fisiologia do Curso de Licenciatura em Enfermagem António Pedro Ferreira Departamento de Anestesiologia Unidade de Saúde Local de Matosinhos, Hospital de Pedro Hispano Introdução O coração é o componente central do sistema circulatório, cu...

Anatomofisiologia cardíaca Unidade Curricular de Fisiologia do Curso de Licenciatura em Enfermagem António Pedro Ferreira Departamento de Anestesiologia Unidade de Saúde Local de Matosinhos, Hospital de Pedro Hispano Introdução O coração é o componente central do sistema circulatório, cujo propósito é servir as necessidades metabólicas de todo o organismo. O coração adulto bombeia cerca de 5L/minuto, continuamente, ao longo de toda a vida. Além disso, tem a capacidade de se adaptar rapidamente a uma variedade de situações fisiológicas extremas, podendo aumentar a sua atividade até cerca de 5 vezes. Contudo, a cessação das suas funções, ainda que apenas por alguns minutos, coloca todo o organismo em risco. Nesta aula descreve-se a fisiologia do coração: as suas funções, o mecanismo de contração e a regulação da sua atividade. Funções do coração O coração é constituído por duas bombas em uma. O coração direito recebe o sangue desoxigenado de todo o corpo e envia-o para os pulmões – circulação pulmonar. O sangue, agora oxigenado, regressa ao coração esquerdo, que envia o sangue para todo o corpo – circulação sistémica. Neste circuito, as funções do coração são as seguintes: 1. Geração de pressão arterial Toda a circulação sanguínea depende da existência de gradientes de pressão que fazem mover o sangue (dos locais de maior pressão para os de menor). Esta pressão é gerada pelas contrações cardíacas. 2. Transporte de sangue O coração está estruturado de forma a separar a circulação pulmonar da sistémica e, consequentemente, o sangue arterial do sangue venoso. 3. Fluxo unidirecional As válvulas cardíacas impedem o refluxo de sangue, mantém o sentido correto da circulação. 4. Regulação do fornecimento de sangue Adapta a sua atividade de acordo com as necessidades metabólicas dos tecidos. Anatomia e mecanismo de contração cardíaca O coração é constituído por quatro câmaras: duas aurículas e dois ventrículos. A função das aurículas, mais pequenas e fracas, é auxiliar o enchimento ventricular. Os ventrículos são as câmaras responsáveis pela ejeção do sangue do coração para as grandes artérias (aorta e pulmonar). As duas válvulas auriculoventriculares (tricúspide e mitral/bicúspide) e as duas válvulas semilunares (pulmonar e aórtica) impedem o refluxo de sangue. Apesar destas divisões anatómicas, é importante ter em conta que o coração funciona como uma única entidade, de forma sincronizada, e que a falha de alguma das suas partes pode afetar o funcionamento de outras (por exemplo, é fundamental que a contração auricular ocorra antes da contração ventricular). Toda a sua estrutura está organizada de forma a permitir um bombeamento eficiente do sangue, em particular: o esqueleto cardíaco, o músculo cardíaco e o sistema de condução. O esqueleto cardíaco é uma plataforma de tecido conjuntivo fibroso, um suporte sólido para a abertura das válvulas cardíacas e inserção do músculo cardíaco. Além disso, isola eletricamente as aurículas dos ventrículos. O músculo cardíaco (miocárdio), em muitos aspetos, é semelhante ao músculo esquelético: são células alongadas, de arquitetura estriada, com miofibrilas contendo actina e miosina dispostas paralelamente. No entanto, possui características distintivas especialmente adaptadas à contração síncrona e sustentada, essencial à função de bomba. As fibras musculares organizam-se em espiral, de modo que quando contraem produzem um movimento de torção que aproxima o ápice das bases. Considera-se que o músculo cardíaco constitui um sincício funcional. Ou seja, quando uma célula se torna excitada e contrai, forma-se uma “onda” de excitação e contração que se espalha às células adjacentes. São várias as características que conferem esta capacidade. As células são ramificadas e ligam-se a várias outras células através de discos intercalados, espessamentos da membrana celular que fortalecem esta ligação. Estas membranas apresentam estruturas especializadas – gap junctions (junções comunicantes) – que as tornam permeáveis a iões e permitem que o potencial de ação se espalhe facilmente célula-a-célula. Esta propagação é mais lenta do que a condução de um potencial de ação por tecido nervoso especializado. A organização dos túbulos T e do retículo sarcoplasmático (RS), comparando com o músculo esquelético, confere uma fonte adicional de cálcio para a contração. Neste último, a despolarização da membrana e consequente entrada de cálcio é despoletada pelo neurónio motor, enquanto na célula cardíaca a despolarização é transmitida pela célula adjacente. De seguida observa-se o fenómeno de libertação de cálcio induzida pelo cálcio: iões de cálcio entram na célula através da membrana plasmática e desencadeiam a abertura de canais de cálcio do RS e libertação do cálcio contido neste. Assim, o cálcio que se liga à troponina é proveniente tanto do RS como do espaço extracelular, motivo pelo qual a contração cardíaca é tão dependente da concentração de cálcio extracelular. O sistema de condução é composto por células musculares cardíacas especializadas, divididas em 2 grupos, que controlam o batimento rítmico e organizado do coração. Um grupo, as células excitatórias, agrupam-se em estruturas chamadas nós e têm a capacidade de gerar potenciais de ação de forma espontânea e rítmica. Outro grupo, as células de condução, agrupam-se em feixes/fibras e transmitem rapidamente os potenciais de ação ao longo do coração. O nó sinusal localiza-se na aurícula direita e é o principal marca-passo cardíaco. Daí, o potencial da ação propaga-se pelas paredes auriculares direita e esquerda (desencadeando a contração auricular) até atingir o nó auriculo-ventricular, localizado junto à válvula tricúspide. Daqui, origina-se o feixe de His que conduz rapidamente o potencial de ação, distribuindo-o sucessivamente a todo o coração através dos seus ramos direito e esquerdo e, por fim, as fibras de Purkinje. Em conclusão, o arranjo estrutural do coração descrito nos parágrafos anteriores faz com que a contração ventricular se inicie no ápice e progrida até à base, numa ação de torção que “empurra” o sangue em direção às válvulas semilunares e aos grandes vasos (artérias aorta e pulmonar). Débito cardíaco e regulação da função cardíaca A função cardíaca tem o objetivo fundamental de manter um fluxo de sangue constante – débito cardíaco – a uma pressão compatível com o funcionamento adequado do organismo – pressão arterial. O débito cardíaco é um dos fatores mais importantes do sistema circulatório, uma vez que traduz concretamente o volume de sangue distribuído aos tecidos. É a quantidade de sangue bombeada pelo coração por unidade de tempo, mede-se habitualmente em litros por minuto (L/min), e o valor para um adulto normal em repouso é cerca de 5 L/min. Calcula-se multiplicando o volume sistólico (volume de sangue ejetado em cada contração) pela frequência cardíaca (número de contrações por minuto): DC = VS x FC. O retorno venoso é a quantidade de sangue que chega ao coração a partir dos tecidos, e traduz o estado de enchimento do ventrículo antes de cada contração. Este fator influencia o volume sistólico e, por conseguinte, o débito cardíaco. A pressão arterial média é a força exercida pelo sangue sobre as paredes arteriais, e é a força que o faz mover: das zonas de maior pressão para as de menor. A cada contração cardíaca, a pressão gerada pelo coração impele o sangue ao longo do sistema circulatório. A pressão arterial pode alterar-se em função do débito cardíaco ou das resistências vasculares periféricas: PAM = DC x RVP. A resistência vascular periférica depende essencialmente do estado de vasoconstrição da rede vascular. - Regulação intrínseca da função cardíaca A regulação intrínseca da função cardíaca descreve mecanismos próprios do coração que permitem que o coração consiga bombear todo o seu sangue que recebe das veias, qualquer que seja essa quantidade. À medida que o retorno venoso aumenta, o volume diastólico final – quando o coração está relaxado e termina o enchimento das câmaras cardíacas – aumenta. As fibras musculares ficam então num estado de maior estiramento imediatamente antes da contração. A magnitude desse estiramento é denominada pré-carga. Assim, à medida que aumenta a pré-carga, ocorre um aumento compensatório do débito cardíaco. Esse mecanismo é denominado Lei de Frank-Starling do coração, e afirma que quanto maior o estiramento da fibra muscular cardíaca durante o enchimento, maior a força de contração e maior o volume de sangue ejetado. Este mecanismo é intrínseco à célula muscular, e verifica-se in vitro, no músculo cardíaco isolado. Por outro lado, durante a sístole, a pressão dos grandes vasos arteriais (aorta e pulmonar) exerce uma resistência que se opõe à ejeção do sangue pelo ventrículo. Esta resistência denomina-se pós-carga. O aumento da pós-carga pode levar a diminuição do débito cardíaco (porque diminui o volume sistólico), se esta pressão for tão elevada que o coração não consegue gerar uma força de contração que se sobreponha a ela – não conseguindo, portanto, estabelecer um gradiente de concentração que promova a saída de sangue suficiente. - Regulação extrínseca da função cardíaca A regulação extrínseca refere-se a mecanismos que influenciam a atividade cardíaca através da mediação neuronal ou hormonal, em resposta a diferentes estímulos. O coração é ricamente enervado por fibras do sistema nervoso autónomo simpático e parassimpático. As fibras simpáticas têm origem na cadeia simpática torácica e projetam-se pelos nervos cardíacos, inervando tanto o tecido de condução como o próprio miocárdio. O neurotransmissor envolvido é a noradrenalina, atuando nos recetores adrenérgicos β1 das células cardíacas. A estimulação do coração por estas fibras provoca um aumento da frequência cardíaca – podendo ultrapassar os 200 bpm – e da força de contração, o que permite aumentar até cerca de 3 vezes o débito cardíaco. Em condições basais, em repouso, este sistema está cerca de 30% ativado, e é amplificado em resposta às necessidades do organismo. As fibras parassimpáticas distribuem-se ao coração através do nervo vago (X par craniano). A sua influência não é tão importante como a das fibras simpáticas, e estende-se sobretudo às aurículas e nós sinusal e auriculo-ventricular. O neurotransmissor envolvido é a acetilcolina, que atua nos recetores muscarínicos M2. A ativação deste sistema provoca essencialmente uma diminuição, que pode ser acentuada, da frequência cardíaca, não alterando significativamente o volume sistólico (em condições fisiológicas normais). A regulação hormonal envolve a secreção sanguínea de adrenalina e noradrenalina pela medula suprarrenal, que vão chegar até ao coração e exercer as ações acima descritas para as fibras simpáticas. Esta secreção hormonal é também estimulada por fibras simpáticas que inervam a medula suprarrenal. Com base nos mediadores acima descritos, há então dois mecanismos principais que regulam a função cardíaca. O reflexo barorrecetor (barorreflexo) responde a alterações da pressão arterial. O ramo aferente do reflexo parte de sensores de estiramento localizados maioritariamente nas paredes da artéria carótida interna e do arco aórtico – chamados barorrecetores. Estes sensores enviam esta informação pelos nervos glossofaríngeo (IX) e vago (X) a uma área no bolbo raquidiano que integra a informação de vários sensores, o centro regulador cardíaco. A partir daqui, são ativados ou inibidos os sistemas simpático e parassimpático. Desta forma, uma redução da pressão arterial provoca um menor estiramento dos barorrecetores, que provoca um aumento da estimulação simpática e diminuição da parassimpática, procurando aumentar o débito cardíaco e manter a pressão arterial num intervalo de valores normais. O inverso acontece com uma subida da pressão arterial. Este mecanismo atua de forma praticamente instantânea, e é particularmente importante nas situações em que há queda repentina da pressão arterial. Um exemplo prático da aplicação deste mecanismo é quando se passa rapidamente da posição deitado para de pé. Ao levantarmo-nos, o efeito da gravidade causa redução da pressão arterial na parte superior do corpo (por diminuição do retorno venoso); o barorreflexo fica então mais ativo, estimulando a influência do SN simpático sobre o coração, aumentando o débito cardíaco – que é um dos fatores determinantes da pressão arterial, como vimos anteriormente. O reflexo quimiorrecetor (quimiorreflexo) reage a alterações do pH, dióxido de carbono e oxigénio, fatores que revelam as necessidades metabólicas globais dos tecidos. Os sensores de pH e CO2 localizam-se no bolbo (quimiorrecetores centrais). A diminuição do pH e aumento do CO2 refletem uma diminuição da perfusão dos tecidos e provoca então um aumento da FC e DC através da ativação do SN simpático e inibição do SN parassimpático, facilitando também o fluxo na circulação pulmonar para maior eliminação do CO2. Os sensores de O2, localizados nas paredes das artérias carótida e aorta (quimiorrecetores periféricos), têm um papel menor na regulação da atividade cardíaca, sendo mais influentes na regulação da pressão arterial e da respiração. A hipoxia provoca redução da FC e aumento da PA (através da vasoconstrição), como medida temporária para proteger o coração da hipoxia, reduzindo o consumo de O2. A este mecanismo sobrepõem-se outros que levam a aumento da FC quando a hipoxia persiste por um período de tempo maior. Regulação da pressão arterial Introdução Em conjunto com o coração, os vasos sanguíneos que compõem o sistema circulatório proporcionam a todo o organismo um ambiente que permite satisfazer as suas necessidades metabólicas. Neste texto, após uma pequena descrição da estrutura e função do sistema circulatório, descrevem-se os mecanismos que regulam a circulação sanguínea. Sistema circulatório No sistema circulatório circula o sangue, vital ao funcionamento normal de todas as células. São quatro as suas funções: 1. Transporte de sangue Os vasos sanguíneos conduzem o sangue por todos os tecidos corporais, num circuito constante propulsionado pelo coração. Divide-se em circulação pulmonar e circulação sistémica, cada uma delas adaptada a funções específicas (troca de O2 e CO2 no pulmão, troca de nutrientes, resíduos metabólicos e outras substâncias na circulação sistémica). 2. Trocas metabólicas nos tecidos Vasos sanguíneos especializados permitem que nutrientes e O2 se difundam do sangue para as células, e que resíduos metabólicos e CO2 se difundam no sentido inverso para serem eliminados noutros órgãos. 3. Sinalização celular à distância No sangue circulam substâncias (por exemplo hormonas, fatores de coagulação, anticorpos) que atuam em locais à distância daqueles onde foram produzidos. 4. Regulação do fluxo e da pressão do sangue Em conjunto com o coração, os vasos sanguíneos regulam a pressão e o fluxo de sangue dentro de valores determinados pelas necessidades do organismo. Existem três tipos distintos de vasos de vasos sanguíneos. As artérias transportam o sangue do coração para os tecidos, sendo descritos como vasos de condução. O sangue que nelas circula encontra-se sob velocidade e pressão elevadas, necessária para a propulsão do sangue ao longo de toda a rede vascular e de volta ao coração. Histologicamente distinguem-se por terem uma grande quantidade de tecido elástico, nas grandes artérias, que vai sendo substituído por tecido muscular liso ao longo da árvore arterial. As veias transportam o sangue dos tecidos para o coração. São mais finas e acomodam grandes quantidades de sangue, sendo por isso descritas como vasos de capacitância/reservatórios, mas têm também uma fina camada de músculo liso. Os capilares são os vasos mais pequenos, de paredes muito finas, por vezes descontínuas, onde o sangue flui lentamente, permitindo a troca de substâncias entre o sangue e o fluido intersticial. O volume total de sangue no corpo distribui-se de forma desigual por estes territórios vasculares. A circulação sistémica contém 84% do volume total, dos quais 64% nas veias, 15% nas artérias e 5% nos capilares. Do restante volume, 9% encontra- se na circulação pulmonar e 7% no coração. Uma característica fundamental de alguns vasos sanguíneos é a capacidade de se contraírem ou dilatarem, modificando dessa forma a pressão e o fluxo de sangue que os atravessa. De forma semelhante ao músculo cardíaco, estes vasos são inervados por fibras simpáticas e são também sensíveis a hormonas vasoativas circulantes – adrenalina e noradrenalina. Dessa forma, vários estímulos podem desencadear fenómenos de vasoconstrição, atuando sobre as células musculares lisas da parede dos vasos sanguíneos. Esta capacidade é evidente sobretudo nas artérias musculares e arteríolas (artérias mais pequenas) mas também, em menor grau, nas veias e vénulas (pequenas veias). Princípios de hemodinâmica -Pressão Força exercida pelo sangue sobre a parede do vaso sanguíneo. São as diferenças de pressão que fazem mover o sangue ao longo do sistema circulatório. - Fluxo Quantidade de sangue que atravessa um determinado ponto por unidade de tempo. - Resistência vascular Força que condiciona um obstáculo ao fluxo de sangue. Por outras palavras, quanto maior a resistência vascular, menor o fluxo de sangue. Além disso, um aumento da resistência provoca também uma redução da pressão a jusante. Para compreender este fenómeno, imagine-se um cano de água, que se encontra cheio de água a uma determinada pressão. Se por algum motivo houver uma obstrução parcial desse cano, diz-se que aumenta a resistência nesse ponto. Esse aumento da resistência provoca uma redução do fluxo de água e, após a obstrução, a água encontrar-se-á a uma menor pressão. Os locais onde a resistência é maior são as arteríolas, seguidas dos capilares. Nestes pontos, a pressão cai de forma mais rápida, e as variações da pressão provocadas pelas contrações cardíacas (isto é, pressão sistólica e pressão diastólica) deixam de se fazer sentir. O principal fator que determina a resistência de um vaso sanguíneo é o seu diâmetro: quanto maior o diâmetro menor a resistência. Este fator é elevado à quarta potência, ou seja, um aumento do diâmetro para o dobro provoca uma diminuição da resistência de 16 vezes (24 = 16). Não é possível medir diretamente a resistência vascular, mas pode ser calculada indiretamente. Lei de Ohm Traduz a relação entre fluxo, pressão e resistência: Área de secção transversa Ao longo da rede vascular, a área de cada tipo de vaso varia consideravelmente. Se multiplicarmos a área de cada vaso pelo número de vasos do mesmo tipo, obtém-se a área de secção transversa total. Por exemplo, todo o sangue da circulação sistémica passa pela aorta, que tem uma área de aproximadamente 5 cm2; ao chegar aos capilares, apesar de cada um destes vasos ser mais pequeno do que a aorta, são muito mais numerosos, e por isso a área total dos capilares é de 2500 cm2, 500 vezes mais do que a aorta. Quanto maior a área de secção transversa total, menor a velocidade do fluxo sanguíneo. Logo, ao longo da rede arterial, o fluxo sanguíneo fica mais lento, atingindo o valor mínimo nos capilares; aqui, o sangue deve fluir lentamente, dando tempo para que ocorram as trocas de substâncias. À medida que estes coalescem e formam as veias, a velocidade do fluxo aumenta, ficando contudo abaixo dos valores registados nas artérias. Pressão arterial média A pressão arterial é a força propulsora da circulação sanguínea. As contrações cardíacas fazem com que a pressão arterial seja pulsátil, tendo um componente sistólico e diastólico. A pressão arterial média (PAM), cujo valor é ligeiramente menor do que a média das pressões sistólica e diastólica (devido à maior duração da diástole), é o produto do débito cardíaco e das resistências vasculares periféricas: PAM = DC x RVP. Se dividirmos o débito cardíaco nos seus dois componentes obtemos: PAM = (FC x VS) x RVP. Daqui se percebe que um aumento da PAM resulta da elevação de qualquer um destes componentes. Fluxo laminar e fluxo turbulento Os fluidos, incluindo o sangue, tendem a fluir por um tubo com um fluxo laminar. O fluido comporta-se como se tivesse camadas concêntricas que se deslocam com pouca resistência. Quando existe uma constrição, essa organização perde-se e o fluxo torna-se turbulento e desorganizado. Este fluxo provoca vibrações que podem ser auscultadas, sendo a base fisiológica que permite a medição da pressão arterial pelo método auscultatório. Medição da pressão arterial pelo método auscultatório Tradicionalmente, usa-se um manómetro de mercúrio que mede a pressão em milímetros de mercúrio (mmHg). A braçadeira é colocada, por exemplo, a envolver o braço e é insuflada até a artéria braquial colapsar. De seguida, a pressão é progressivamente diminuída, simultaneamente auscultando sobre a artéria com um estetoscópio colocado distalmente à braçadeira. Assim que a pressão desce abaixo da pressão sistólica, ouve-se o primeiro som, provocado pelo fluxo turbulento pela zona obstruída – sons de Korotkoff. À medida que a pressão baixa e atinge a pressão diastólica, o fluxo torna-se laminar e deixa de se ouvir qualquer som. Controlo do fluxo sanguíneo Até aqui descreveram-se os conceitos básicos da circulação no que toca ao transporte de sangue pela rede vascular. No entanto, o fluxo de sangue que efetivamente chega aos diferentes tecidos é regulado de forma muito precisa em função das necessidades do próprio tecido. Por exemplo, órgãos mais sensíveis como o encéfalo, o coração ou os rins têm um fluxo mais elevado comparado com o músculo esquelético em repouso. Ao iniciar um exercício vigoroso, o fluxo de sangue no músculo aumenta consideravelmente, mas mantém-se constante nos outros órgãos. Controlo local (metabólico) O fluxo é ajustado, a nível local, pela existência de esfíncteres pré-capilares, estruturas musculares que através da sua contração e relaxamento diminuem ou aumentam, respetivamente, o fluxo sanguíneo dos respetivos tecidos. Esta atividade dos esfíncteres depende da taxa de metabolismo celular: quando o metabolismo aumenta, são produzidas substâncias que têm um efeito vasodilatador (CO2, ácido lático, adenosina,…), causando o relaxamento do esfíncter pré-capilar e permitindo um fluxo maior de sangue. Autorregulação O aumento da pressão arterial leva a um aumento do fluxo de sangue, como vimos previamente. Alguns órgãos têm a capacidade intrínseca de manter um fluxo de sangue constante, apesar de variações acentuadas da pressão arterial. Esta capacidade é muito importante em órgãos nobres, tais como o cérebro ou os rins. Estes são mais suscetíveis a danos provocados por aumento da pressão e, por outro lado, são mais resistentes a reduções da pressão arterial: reduzem o fluxo quando a pressão aumenta e aumentam o fluxo quando a pressão diminui. Controlo nervoso e hormonal Estes mecanismos extrínsecos podem ajudar a aumentar ainda mais o fluxo de sangue nos tecidos, quando os mecanismos locais não são suficientes (por exemplo durante exercício vigoroso ou choque circulatório). Nestas situações ocorre ativação do SN simpático, que proporciona um aumento do débito cardíaco e da pressão arterial. Adicionalmente, permite desviar o fluxo sanguíneo para os locais de maior necessidade, reduzindo o fluxo para a pele e trato digestivo. Regulação da pressão arterial Como vimos acima, para haver fluxo é necessário haver um gradiente de pressão que faça mover o sangue até aos tecidos. Dito de outra forma, os tecidos podem ser muito eficientes a regular o seu fluxo de sangue de acordo com as necessidades metabólicas, mas para que tal seja possível é imprescindível que haja pressão sanguínea adequada nos vasos sanguíneos para que o sangue flua adequadamente ao longo de toda a rede vascular. O estado patológico resultante da incapacidade de manter uma pressão arterial adequada chama-se choque circulatório, e pode levar à morte. Por outro lado, a pressão arterial demasiado elevada provoca danos nos tecidos, em especial no próprio coração e vasos sanguíneos, como acontece na hipertensão arterial. Assim, um princípio básico da circulação é que a regulação da pressão arterial é, geralmente, independente quer do controlo de fluxo sanguíneo local (isto é, das necessidades dos tecidos), quer do débito cardíaco. Dito de outra maneira, quaisquer que sejam o fluxo de sangue nos tecidos e o débito cardíaco, é imprescindível a manutenção da pressão arterial dentro de um determinado intervalo de valores. Os mecanismos de regulação da pressão arterial dividem-se em regulação de curto prazo e regulação de longo prazo. - Regulação a curto prazo Estes mecanismos atuam rapidamente (segundos a minutos), respondendo a alterações que ocorrem a todo o momento, tais como mudanças de posição. São mediados essencialmente pelo SN autónomo, centralizado no centro vasomotor localizado no bolbo raquidiano. Estes mecanismos não influenciam a pressão arterial no longo prazo, e caso haja uma alteração sustentada eles adaptam-se em poucos dias ao novo valor (por exemplo na hipertensão arterial). Reflexo barorrecetor Este mecanismo é muito importante para a regulação momentânea da PAM, e relaciona-se estreitamente com o reflexo barorrecetor descrito para o coração, respondendo a alterações da pressão arterial. O ramo aferente do reflexo parte de sensores de estiramento localizados maioritariamente nas paredes da artéria carótida interna e do arco aórtico – chamados barorrecetores. Estes sensores enviam esta informação pelos nervos glossofaríngeo (IX) e vago (X) a uma área no bolbo raquidiano que integra a informação de vários sensores, o centro vasomotor. A partir daqui, são ativados ou inibidos os sistemas simpático ou parassimpático. Desta forma, uma diminuição da pressão arterial provoca um menor estiramento dos barorrecetores, que leva o barorreflexo a provocar um aumento da estimulação simpática e redução da parassimpática, provocando vasoconstrição para manter a pressão arterial num intervalo de valores normais. O inverso acontece com uma subida da pressão arterial. Este mecanismo atua de forma praticamente instantânea. Este reflexo ajuda-nos, por exemplo, a manter a perfusão cerebral adequada quando nos levantamos a partir da posição deitada. Se o fizermos de forma muito rápida, podemos sentir uma tontura devida à redução da pressão arterial cerebral; esta tontura desaparece porque o reflexo barorrecetor entra em ação e repõe rapidamente a pressão arterial em níveis adequados. Mecanismo medular suprarrenal A estimulação simpática, além do seu efeito sobre o coração e vasos sanguíneos mediado pelos nervos, também leva ao aumento da secreção de adrenalina e noradrenalina pela medula suprarrenal. Estas hormonas exercem um efeito semelhante ao SN simpático, aumentando o DC e a PAM. Reflexo quimiorrecetor Este mecanismo reage a alterações do pH, dióxido de carbono e oxigénio, fatores que traduzem as necessidades metabólicas globais dos tecidos, e é acionado nas situações de emergência em que há compromisso metabólico dos tecidos. A diminuição do O2, do pH e aumento do CO2 refletem uma diminuição da perfusão dos tecidos e o reflexo provoca então um aumento do tónus vascular através da ativação do SN simpático, elevando a PAM e facilitando o fluxo de sangue. Resposta isquémica do sistema nervoso central Em situações de emergência, este mecanismo é acionado para proteger o encéfalo de situações de isquemia. Nestas situações, regiões do bolbo sensíveis a pressão arterial, pH, CO2 e O2 desencadeiam uma estimulação simpática marcada, que leva a vasoconstrição intensa e, por vezes, elevações acentuadas da PAM. Este aumento das resistências vasculares periféricas leva também a uma distribuição de sangue de tecidos periféricos para o encéfalo. - Regulação a longo prazo O ajuste a longo prazo envolve mecanismos mais persistentes do que os descritos previamente. Atuam sobretudo regulando o volume e composição dos líquidos corporais, especificamente o sangue. A modificação do débito urinário permite aumentar ou reduzir o volume de sangue, permitindo dessa forma a manutenção da pressão arterial dentro de determinados valores. Por esse motivo, o rim assume um papel essencial nestes mecanismos. Sistema renina-angiotensina-aldosterona Este sistema é composto por várias hormonas. Inicia-se na renina, hormona produzida no rim e que converte o angiotensinogénio em angiotensina I. No pulmão, a enzima conversora da angiotensina transforma a angiotensina I em angiotensina II. Esta é uma potente substância vasoconstritora, que aumenta as resistências periféricas e o retorno venoso, gerando assim um aumento da pressão arterial. Além do efeito vascular, a angiotensina II estimula a libertação de outra hormona no córtex da glândula suprarrenal, a aldosterona. Esta atua nos rins para aumentar a retenção de água e iões pelos rins, reduzindo a diurese e aumentando o volume sanguíneo. Como se depreende, a diminuição da pressão arterial leva a um aumento de libertação da renina pelos rins, estimulando todo este circuito. Este sistema é de tal forma importante na regulação da pressão arterial a longo prazo que alguns dos fármacos mais utilizados para o tratamento da pressão arterial atuam sobre este sistema, como por exemplo os inibidores da enzima conversora da angiotensina I. Hormona antidiurética A hormona antidiurética, também chamada vasopressina, tem um efeito duplo: causa vasoconstrição e reduz a perda urinária de água. Ela é libertada pela hipófise, estimulada por sensores do hipotálamo que detetam reduções na pressão arterial e aumento da osmolaridade plasmática, como ocorre em situações de desidratação. Peptídeo natriurético auricular Hormona libertada por células cardíacas auriculares, em resposta a um estiramento das paredes auriculares que ocorre em situações de sobrecarga de volume e aumento do retorno venoso. Tem um efeito natriurético, ou seja, estimula a perda urinária de sódio e água, reduzindo o volume de sangue. Deslocamento de fluidos Útil em situações de desidratação prolongada, em que o volume de sangue é mantido através da passagem de fluido do espaço intersticial para o espaço vascular. Esta transferência de fluido inverte-se quando há administração excessiva de fluidos intravenosos. Reação de stress-relaxamento É uma característica intrínseca das células musculares lisas vasculares, que relaxam quando aumenta o volume vascular e contraem quando o volume vascular diminui, atenuando as variações de pressão provocadas por estas alterações de volume.

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