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Escola Secundária de Silves
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This document analyzes the Portuguese morality play, "Auto da Barca do Inferno." It examines the different characters and their actions, highlighting the comedic elements and moral themes present in the work. The analysis focuses on the dialogue between characters and on the use of comedy to convey their moral failures.
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Procurador Procurador Procurador Estando o Corregedor nesta prática1 com o Procurador (P.) – personagem-tipo que Arrais infernal, chegou...
Procurador Procurador Procurador Estando o Corregedor nesta prática1 com o Procurador (P.) – personagem-tipo que Arrais infernal, chegou um Procurador2, carre- representa um administrador de bens. gado de livros, e diz o Corregedor ao Procurador: O P. apresenta-se carregado de livros de leis, pelos quais se devia orientar. CORR. Ó senhor Procurador! PROC. Bejo-vo-las mãos, Juiz! Que diz esse arrais? Que diz? Percurso da personagem: 680 DIABO Que serês bom remador. Entrai, bacharel doutor, vv. 678-679 – atitude bajuladora do P. para com e irês dando na bomba. o juiz, o C. v. 680 – o D. impõe-se, interrompendo a conversa PROC. E este barqueiro zomba. entre o P. e o C. Jogatais3 de zombador? v. 682 – a bomba era um instrumento que ajudava a tirar a água que ia entrando nas naus 685 Essa gente que aí está, pera onde a levais? DIABO Pera as penas infernais. PROC. Dix! Nom vou eu pera lá! vv. 688 e 691 – cómico de linguagem Outro navio está cá, 690 muito milhor assombrado.4 DIABO Ora estás bem aviado! Entra, muitieramá! CORR. Confessaste-vos, doutor? vv. 693-704 – diálogo entre o C. e o P. PROC. Bacharel sou... Dou-me ò demo! vv. 694-696 – cómico de carácter: como achou que não ia morrer, não confessou todos os 695 Não cuidei que era extremo5, pecados nem de morte minha dor. E vós, senhor Corregedor? CORR. Eu mui bem me confessei, vv. 698-700 – cómico de carácter: não confessou mais tudo quanto roubei todos os seus roubos 700 encobri ao confessor… PCH9LLABID © Porto Editora 1. prática: conversa. 2. Procurador: homem que trata dos negócios dos outros por procuração. 3. Jogatais: Gracejais. 4. v. 690: de aspeto mais agradável. 5. v. 695: Fim, na hora extrema. 35 Auto da Barca do Inferno à lupa Porque, se o nom tornais6, PCH9LLABID © Porto Editora PROC. vv. 701-704 – cómico de carácter e de situação: o P. afirma que depois de ter o dinheiro é muito não vos querem absolver, difícil devolvê-lo e é muito mao de volver7 depois que o apanhais. 705 DIABO Pois porque nom embarcais? PROC. Quia speramus in Deo.8 vv. 706-708 – cómico de linguagem: uso do latim DIABO Imbarquimini in barco meo...9 macarrónico v. 707 – como o C. utiliza o latim, o D. também o faz Pera que esperatis mais? Vão-se ambos ao batel da Glória, e, chegando, diz o Corregedor ao Anjo: Percurso da personagem: CORR. Ó arrais dos gloriosos, v. 709 – apóstrofe 710 passai-nos neste batel! v. 710 – cómico de carácter: discurso pomposo e 10 tom autoritário do C. para com o A. ANJO Oh! Pragas pera papel, vv. 711-712 – apóstrofe; condenação das ações pera as almas odiosos! do C. e do P. pelo A. Como vindes preciosos11, v. 713 – ironia sendo filhos da ciência! vv. 715-716 – cómico de carácter: o C. tenta, à 12 semelhança da Alcoviteira, convencer o A. a 715 CORR. Oh! habeatis clemência passá-los para o Céu e passai-nos como vossos! Hou, homens dos briviairos13, JOANE vv. 717-720 – apóstrofe Nestes versos, é ao Parvo que cabe novamente o rapinastis coelhorum papel de acusador; cómico de linguagem: uso do et pernis perdiguitorum14 latim macarrónico; cómico de carácter: o Parvo 720 e mijais nos campanairos! confunde os livros de lei com os de orações; CORR. Oh! Não nos sejais contrários, argumentos de acusação do Parvo (aceitaram subornos e profanaram sepulturas: aqui uma pois nom temos outra ponte15! referência ao desrespeito pelo Sacramento da 16 JOANE Beleguinis ubi sunt? Reconciliação, já que, aquando da Confissão, Ego latinus macairos.17 omitiram ou mentiram ao sacerdote). vv. 721-722 – cómico de carácter: o C. continua a revelar a postura referida nos vv. 715-716 725 A justiça divinal ANJO v. 723 – G. V. vai, ao longo deste diálogo, referindo, vos manda vir carregados pelas palavras de diferentes personagens, vários porque vades embarcados elementos responsáveis pela aplicação da justiça. Assim, a condenação é coletiva vv. 723-724 – cómico de linguagem: uso do latim macarrónico vv. 725-728 – condenação final pelo A.: G. V. pretende denunciar a corrupção e a aplicação de 6. tornais: restituís. 7. volver: entregar. 8. v. 706: Porque esperamos a misericórdia de Deus. 9. v. 707: Embarcai na uma justiça parcial minha barca. 10. Pragas pera papel: Malditos sejam os v. 726 – duplo sentido de “carregados” (adereços processos. 11. preciosos: ridículos. 12. habeatis: tende. cénicos/pecados) 13. briviairos: breviários. 14. vv. 718-719: Roubastes coelhos/e pernas de perdigotos. 15. outra ponte: outra passagem. 16. v. 723: Onde estão os beleguins? (antigos empregados judiciais). 17. v. 724: Eu falo latim macarrónico. 36 Procurador neste batel infernal. v. 729 – cómico de linguagem e de situação: l8 usa uma fórmula de juramento. O C. invoca CORR. Oh, nom praza a São Marçal São Marçal, que era o santo protetor contra os 730 com a ribeira, nem com o rio! incêndios, pois tem medo do fogo do Inferno Cuidam lá que é desvario haver cá tamanho mal. PROC. Que ribeira é esta tal! Percurso da personagem: JOANE Parecês-me vós a mi 735 como cagado nebri19, vv. 734-737 – cómico de linguagem mandado no Sardoal20. v. 737 – O Parvo reforça a indicação dada pelo A. Embarquetis in zambuquis!21 de embarcarem para o Inferno vv. 738-739 – O C. conforma-se com a sentença CORR. Venha a negra prancha cá! final e pede a prancha para poder entrar na barca Vamos ver este segredo. do Inferno 22 vv. 740-741 – cómico de situação: apesar do P. 740 PROC. Diz um texto do Degredo... tentar dissertar sobre a situação a partir do DIABO Entrai, que cá se dirá! Degredo (texto básico do Direito Canónico, da autoria do monge italiano João Graciano) e ainda argumentar, o D., já sem paciência, corta-lhe a E tanto que foram dentro no batel dos conde- palavra, reduzindo-o a um simples condenado nados, disse o Corregedor a Brísida Vaz, porque a vv. 742-743 – cómico de situação: ao entrar na conhecia: barca, o C. depara-se com as personagens que já nela estão e reconhece a Alcoviteira, por já ter presidido a julgamentos em que esta se CORR. Oh! Estês muitieramá apresentava como ré senhora Brísida Vaz! vv. 744-745 – cómico de carácter: = Nem aqui 23 BRÍS. Já siquer estou em paz, estou em paz, que não me deixáveis (em paz) na 745 que não me leixáveis lá. terra. Ou seja, a A. tinha sido frequentemente julgada e castigada pelos seus crimes vv. 746-747 – cómico de situação: a A. imita o Cada hora sentenciada: início do pregão lido em praça pública para “Justiça que manda fazer…”24 anunciar o castigado e a respetiva pena vv. 748-749 – metáfora: o C. acusa a Alcoviteira CORR. E vós… tornar a tecer de reincidir nos crimes e urdir outra meada. v. 750 – “juiz d’alçada” – um juiz superior, para 25 750 BRÍS. Dizede, juiz d’alçada : quem iam as apelações dos inferiores.2 vem lá Pero de Lixbõa26? vv. 750-753 – apóstrofe; cómico de situação: Brísida pergunta ao C. se também levarão Pero de Levá-lo-emos à toa Lixboa, um conhecido escrivão da Fazenda de e irá nesta barcada. Contas da Casa da Imposição. Pela referência jocosa à expressão “à toa”, percebemos que seria judeu v. 753 – “barcada” – a lotação de passageiros que 18. São Marçal: advogado contra os incêndios. 19. nebri: uma barca ou barco de passageiros pode falcão, ave de rapina adestrada na caça. 20. Sardoal: Vila comportar.2 PCH9LLABID © Porto Editora do distrito de Santarém. 21. v. 737: Embarcai no zambuco! 22. texto do Degredo: texto básico do Direito Canónico; decreto. 23. siquer: pelo menos. 24. v. 747: início do pregão que revelava o motivo da pena. 25. juiz d’alçada: juiz superior. 26. Pero de Lixbõa: escrivão da Fazenda de Contas da Casa da Imposição. 37