Alimentação Saudável dos 0 aos 6 Anos (2019) - PDF

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2019

Carla Rêgo, Carla Lopes, Catarina Durão, Elisabete Pinto, Helena Mansilha, Luís Pereira-da-Silva, Margarida Nazareth, Pedro Graça, Ricardo Ferreira, Rui Matias Lima, Susana Vale

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alimentação saudável nutrição infantil criança 0-6 anos saúde infantil

Summary

Este documento português fornece orientações sobre alimentação saudável para crianças de 0 a 6 anos. O guia aborda as necessidades nutricionais em diferentes fases do desenvolvimento, bem como recomendações práticas para a diversificação alimentar. As informações são úteis para profissionais de saúde, educadores e cuidadores.

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ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS LINHAS DE ORIENTAÇÃO PARA PROFISSIONAIS E EDUCADORES 2019 Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos Linhas de Orientação para Profissionais e Educadores FICHA TÉCNICA Portugal. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde. Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos – L...

ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS LINHAS DE ORIENTAÇÃO PARA PROFISSIONAIS E EDUCADORES 2019 Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos Linhas de Orientação para Profissionais e Educadores FICHA TÉCNICA Portugal. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde. Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos – Linhas De Orientação Para Profissionais E Educadores Lisboa: Direção-Geral da Saúde, 2019. ISBN: 978-972-675-292-9 1ª Edição - Outubro de 2019 PALAVRAS CHAVE Alimentação Saudável; Nutrição; Infância; Educação; Orientações EDITOR Direção-Geral da Saúde Alameda D. Afonso Henriques, 45 1049-005 Lisboa Tel.: 218 430 500 Fax: 218 430 530 E-mail: [email protected] www.dgs.pt AUTORES Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável Carla Rêgo (Coordenação) Centro da Criança e do Adolescente - Hospital CUF Porto. ProNutri CINTESIS – Center for Health, Technology and Services Research – Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; Universidade Católica Portuguesa, CBQF - Centro de Biotecnologia e Química Fina - Laboratório Associado, Escola Superior de Biotecnologia – Porto, Grupo Nacional de Estudo e Investigação em Obesidade Pediátrica (GNEIOP). Carla Lopes Departamento Ciências da Saúde Pública e Forenses, e Educação Médica |Unidade de Epidemiologia, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; Grupo de Investigação em Epidemiologia da Nutrição e da Obesidade – EPIUnit, Instituto de Saúde Pública, Universidade do Porto. Catarina Durão Nutrição e Metabolismo, Faculdade de Ciências Médicas, | NOVA Medical School | Universidade Nova de Lisboa; Grupo de Investigação em Epidemiologia da Nutrição e da Obesidade – EPIUnit, Instituto de Saúde Pública, Universidade do Porto. Elisabete Pinto Universidade Católica Portuguesa, CBQF - Centro de Biotecnologia e Química Fina - Laboratório Associado, Escola Superior de Biotecnologia; Grupo de Investigação em Epidemiologia da Nutrição e da Obesidade – EPIUnit, Instituto de Saúde Pública, Universidade do Porto. Helena Mansilha Departamento da Infância e Adolescência - Centro Materno-Infantil do Norte; Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Universidade do Porto. Grupo Nacional de Estudo e Investigação em Obesidade Pediátrica (GNEIOP). Luís Pereira-da-Silva Medicina da Mulher, da Infância e da Adolescência, Faculdade de Ciências Médicas | NOVA Medical School |, Universidade Nova de Lisboa; Área da Mulher, da Criança e do Adolescente, Hospital Dona Estefânia - Centro Hospitalar de Lisboa Central; Dietética e Nutrição, Escola Superior de Tecnologias da Saúde de Lisboa - Instituto Politécnico de Lisboa. Margarida Nazareth Universidade Católica Portuguesa, CBQF - Centro de Biotecnologia e Química Fina - Laboratório Associado, Escola Superior de Biotecnologia – Porto. Bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia SFRH/BD/89293/2012. Pedro Graça Direção-Geral da Saúde; Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto. Ricardo Ferreira Serviço de Pediatria Médica. Gastrenterologia e Nutrição Pediátrica; Hospital Pediátrico de Coimbra Rui Matias Lima Direção-Geral da Educação Susana Vale Departamento de Ciências do Desporto da Escola Superior de Educação do Porto, Politécnico do Porto (ESE-PP); Centro de Investigação e Inovação em Educação - ESE-PP; Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer – FADEUP Lisboa, outubro 2019 MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 3 Aos educadores, Aos profissionais, Aos decisores, Às crianças de hoje, para que sejam uma geração saudável no futuro! MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 5 Índice Nota introdutória............................................................................................................................................. 15 1. Introdução.................................................................................................................................................... 17 2. Particularidades do crescimento e desenvolvimento............................................................................. 19 2.1 No 1º ano de vida.................................................................................................................................. 21 2.2 Nos 2º e 3º anos de vida....................................................................................................................... 23 2.3 Dos 3 aos 6 anos................................................................................................................................... 24 3. Necessidades Nutricionais: Recomendações...................................................................................... 27 3.1 No 1º ano de vida.................................................................................................................................. 30 3.2 Nos 2º e 3º anos de vida....................................................................................................................... 34 3.3 Dos 3 aos 6 anos................................................................................................................................... 40 4. Recomendações alimentares..................................................................................................................... 45 4.1 Alimentação láctea exclusiva............................................................................................................... 46 4.2 Fórmulas infantis................................................................................................................................... 54 4.3 Diversificação alimentar....................................................................................................................... 58 4.4 Alimentação nos 2º e 3º anos de vida................................................................................................. 72 4.5 Alimentação dos 3 aos 6 anos............................................................................................................. 82 4.6. Nas situações de necessidades alimentares especiais................................................................... 93 5. Recomendações de Atividade Física........................................................................................................ 101 6. A realidade em Portugal e a problemática da obesidade. Conhecer para mudar............................ 107 7. Pontos sensíveis de mudança.................................................................................................................. 113 8. Como promover a aquisição de hábitos alimentares saudáveis: propostas práticas...................... 115 9. Segurança dos alimentos.......................................................................................................................... 123 10. Conclusões................................................................................................................................................ 127 11. Referências bibliográficas....................................................................................................................... 129 MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 7 Índice de gráficos, tabelas e figuras Tabelas Tabela 1. Características do crescimento no 1º ano de vida..................................................................... 21 Tabela 2. Metas motoras durante o 1º ano de vida e momento de aquisição de outras capacidades..... 22 Tabela 3. Características do crescimento do 1º ao 5º ano de vida............................................................ 23 Tabela 4. Diferentes conceitos utilizados para caraterizar a ingestão nutricional..................................... 29 Tabela 5. Recomendações energéticas para lactentes com 7-11 meses (EFSA, 2013).............................. 31 Tabela 6. Recomendações proteicas para lactentes com 6 e 12 meses (EFSA, 2012)............................... 31 Tabela 7. Recomendações em micronutrientes para lactentes com 7-11 meses (EFSA, 2017a)............... 32 Tabela 8. Recomendações energéticas para crianças nos 2º e 3 anos de vida (1- 3 anos) (EFSA, 2013)... 34 Tabela 9. Recomendações proteicas para crianças de 2-3 anos (EFSA, 2012)........................................... 37 Tabela 10. Recomendações em micronutrientes para crianças nos 2º e 3º anos de vida (1-3 anos) (EFSA, 2017a)........................................................................................................................................................ 37 Tabela 11. Recomendações energéticas para crianças em idade pré-escolar (3-6 anos) (EFSA, 2013)..... 40 Tabela 12. Recomendações proteicas para crianças em idade pré-escolar (3-6 anos) (EFSA, 2012)........ 41 Tabela 13. Recomendações em micronutrientes para crianças em idade pré-escolar (3-6 anos) (EFSA, 2017a)........................................................................................................................................................ 42 Tabela 14. Composição em energia e macronutrientes (valores médios) do colostro e do leite maduro (a termo) na espécie humana (Godhia, 2013; Michaelsen, 2015)................................................................. 47 Tabela 15. Lactação: recomendações nutricionais (água e macronutrientes) (EFSA, 2017a).................... 47 Tabela 16. Lactação: recomendações nutricionais (micronutrientes) (EFSA, 2017a)................................ 48 Tabela 17. Contraindicações definitivas e temporárias à amamentação.................................................. 53 Tabela 18. Considerações gerais que suportam a recomendação de uma fórmula infantil num lactente saudável..................................................................................................................................................... 54 Tabela 19. Composição (valores médios) em energia e macronutrientes do leite humano maduro (de termo) e do leite de vaca (Michaelsen, 2015)........................................................................................... 55 Tabela 20. Regras para a utilização de uma fórmula infantil em recém-nascidos de termo, com mais de 7 dias de vida................................................................................................................................................ 57 Tabela 21. Fatores determinantes para o sucesso e a segurança da diversificação alimentar. Conceito de “janelas de treino”..................................................................................................................................... 60 Tabela 22. Conteúdo em fibra de alguns hortícolas.................................................................................. 62 Tabela 23. “Papas” infantis: diferenças na composição relativamente à segurança nutricional, adição de açúcares e risco nutricional....................................................................................................................... 63 Tabela 24. Teor energético de algumas frutas, considerados sem casca (por 100 g de fruta cru)............ 63 Tabela 25. Conteúdo proteico, em gordura total e saturada e em ferro de algumas carnes e peixes...... 64 Tabela 26. Conteúdo proteico, em hidratos de carbono, fibra e ferro das leguminosas (consideradas secas e cruas)....................................................................................................................................................... 65 MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 9 Tabela 27. Suplementação em vitaminas e minerais recomendadas para um lactente (0-12 meses) e criança pequena (12-36 meses) filhos de mãe vegetariana, e que pratiquem uma dieta vegetariana..... 70 Tabela 28. Características cognitivas na fase pré-operativa (2-7 anos) e alimentação............................. 83 Tabela 29. Orientações relativas a comportamentos alimentares e contexto das refeições.................... 87 Tabela 30. Tamanho das porções recomendadas em idade pré-escolar (adaptado de WHO/CINDI 2006).................................................................................................................................................................... 90 Tabela 31. Orientações relativas ao consumo de alimentos para crianças de 3-6 anos............................ 92 Tabela 32. Caracterização das diferentes dietas vegetarianas ou veganas............................................... 94 Tabela 33. Suplementação em vitaminas e minerais recomendadas para a gestante e para a lactante que pratique uma dieta vegetariana................................................................................................................ 95 Tabela 34. Formas de apresentação de alergia à proteína do leite de vaca (APLV).................................. 96 Tabela 35. Cuidados a ter em lactentes e crianças com alergia à proteína do leite de vaca (APLV)......... 97 Tabela 36. Procedimentos a ter em consideração num lactente / criança com Doença Celíaca............... 98 Tabela 37. Exemplos de dimensões e contextos da atividade física........................................................ 101 Tabela 38. Recomendações de atividade física, comportamento sedentário e sono para lactentes, crianças de 1 a 3 anos e em idade pré-escolar...................................................................................................... 104 Tabela 39. Prevalência de excesso de peso /risco de obesidade + obesidade na população pediátrica portuguesa (critério da OMS).................................................................................................................. 107 Tabela 40. Resultados relevantes do EPACI Portugal 2012 que devem servir de ponto de mudança de atitudes dos cuidadores de lactentes e crianças pequenas (1-3 anos).................................................... 108 Tabela 41. Resultados da coorte Geração XXI (G21), que devem servir de ponto de mudança de atitudes dos cuidadores de crianças em idade pré-escolar (Lopes, 2014)............................................................. 109 Tabela 42. Propostas de mudança nas atitudes em ambiente familiar e escolar (berçários, creches e jardins-de-infância).................................................................................................................................. 113 Tabela 43. Exemplos de aplicação prática do levantamento dos gostos alimentares na promoção de comportamentos saudáveis na escola..................................................................................................... 121 Tabela 44. Regras de segurança dos alimentos que devem ser respeitadas em ambiente escolar e em casa.................................................................................................................................................................. 125 Figura Figura 1. Curvas de percentis do índice de massa corporal (IMC), por sexo.............................................. 20 Figura 2. Curvas de velocidade de crescimento (ganho em altura) em função da idade.......................... 23 Figura 3. Diferentes biótipos e sua associação com o estado de nutrição e a saúde................................ 25 Figura 4. Idade do ressalto adipocitário: identificação precoce de risco futuro de obesidade................. 26 Figura 5. Proposta de diversificação alimentar para um lactente saudável (independentemente da existência de história positiva para atopia familiar).................................................................................. 66 Figura 6. Proposta de diversificação alimentar para um lactente vegetariano (independentemente da existência de história positiva para atopia familiar).................................................................................. 69 MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 10 Figura 7. Roda da Alimentação Mediterrânica.......................................................................................... 75 Figura 8. Modelo ecológico adaptado aos determinantes da alimentação da criança.............................. 82 Figura 9. Comparação do tamanho das porções de alimentos destinados a crianças em idade pré-escolar (A) com as destinadas a adultos (B) (Fotografia: Catarina Durão)............................................................ 89 Figura 10. Modo de disponibilização das mesas no refeitório escolar (mesa corrida e longa – 14 alunos). (Fotografia: Rui Lima.)............................................................................................................................. 117 Figura 11. Modo de disponibilização das mesas no refeitório escolar (mesa em retângulo pequeno – 8 alunos). ( Fotografia: Rui Lima.)............................................................................................................... 117 Figura 12. Modo de disponibilização das mesas no refeitório escolar (mesa em quadrado – 8 alunos). (Fotografia: Rui Lima.)............................................................................................................................. 118 Figura 14. Crianças em preparação de uma salada de frutas no âmbito do Projeto “5 ao dia”. (Fotografia: Rui Lima.)................................................................................................................................................. 119 Figura 13. Criança em preparação culinária............................................................................................. 119 Figura 15. Crianças em preparação de uma sopa e salada de hortícolas................................................ 119 Figura 16. Associação entre alimentos e personagens do mundo criativo das crianças......................... 122 MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 11 Lista de abreviaturas AF - Atividade Física AI - Adequate Intake (Ingestão Adequada) APC - Associação Portuguesa de Celíacos APLV - Alergia à Proteína do Leite de Vaca AR - Average Requirement BSIJ - Boletim de Saúde Infantil e Juvenil BLW - Baby-Led Weaning COSI - Childhood Obesity Surveillance Initiative CS - Comportamento Sedentário DGS - Direção-Geral da Saúde DHA - Ácido docosahexaenóico EAR - Estimated Average Requirement EFSA - European Food Safety Authority (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos) EPA - Ácido ecosapentahenóico EPACI - Estudo do Padrão Alimentar e de Crescimento Infantil ESPGHAN - European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition FAO - Food and Agriculture Organization (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) FOS - Fruto-oligossacarideos GOS - Galacto-oligossacarídeos HDL - High Density Lipoprotein (proteína de alta densidade do colesterol) HMOs - Human Milk Oligosaccharides (Oligossacáridos do Leite Materno) IAN-AF - Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física IgAS - Imunoglobulina A Secretora IL - Interleucina IMC - Índice de massa corporal IOM/FNB - Institute of Medicine / Food and Nutrition Board LCPUFA - Long Chain Polyunsaturated Fatty Acids (ácidos gordos poliinsaturados de cadeia longa) LDL - Low Density Lipoprotein (proteína de baixa densidade do colesterol) LTI - Lower Threshold Intake MB – Metabolismo Basal MET - Metabolic Equivalent (Equivalente Metabólico) MUFA - Monounsaturated Fatty Acids ONU - Organização das Nações Unidas OMS - Organização Mundial da Saúde RDA - Recommended Dietary Allowance MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 13 RNI - Reference Nutrient Intake SI - Safe Intake SPP - Sociedade Portuguesa de Pediatria TNF - Tumoral Necrose Factor (Fator de Necrose Tumoral) UI - Unidades Internacionais UL - Tolerable Upper Intake Level VET - Valor energético total WHO - World Health Organization (Organização Mundial da Saúde) MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 14 CAPÍTULO Nº 1 – Introdução Nota introdutória As ciências da nutrição estão em permanente evolução e em áreas sensíveis como a saúde das crianças mais pequenas, onde a alimentação é um determinante essencial do desenvolvimento saudável, é fundamental uma atualização permanente. Por outro lado, apesar de existirem diversos documentos sobre a alimentação da criança são poucos os que se dedicam aos primeiros anos de vida com uma visão multidisciplinar sobre este tema e que utilizem uma linguagem cientificamente adequada, mas ao mesmo tempo compreensível para uma larga franja da população com responsabilidades na área. Foi com estas preocupações que convidamos uma equipa constituída por diversos profissionais desde a saúde até à educação, com larga experiência e liderados pela pediatra Carla Rêgo que dispensa apresentações nesta área. Foi este grupo que durante muitos meses construiu este manual que agora vê a luz do dia. Ao longo do documento mistura-se a procura pela evidência científica mais recente com a experiência pessoal e profissional dos envolvidos, tendo existindo um enorme cuidado em criar peças de fácil leitura, diversos gráficos e quadros que permitissem sintetizar a cada momento os pensamentos e linhas de orientação descritas em cada capítulo. Sabemos hoje que os primeiros meses no ventre da mãe e os primeiros anos de vida de uma criança vão determinar, em parte, a sua carga de doença ao longa da sua vida adulta. Por esta razão, uma estratégia nacional para a promoção da alimentação saudável como a que a Direção-Geral da Saúde preconiza através do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) não poderia deixar de apoiar fortemente esta publicação. E em particular em Portugal onde a prevalência de excesso de peso atinge 29,6% das crianças com idades dos 6 aos 9 anos e 32,6% das crianças com idades compreendidas entre 1 e 3 anos. Esperamos agora que os seus utilizadores, profissionais de saúde, de educação, pais e educadores fiquem com informação de qualidade e disponível gratuitamente para tomadas de decisão mais informadas. Outubro 2019 Pedro Graça Maria João Gregório MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 15 CAPÍTULO Nº 1 – Introdução 1. Introdução A alimentação é determinante para a sobrevivência de uma espécie. Na espécie humana, está provada uma forte associação entre a sua adequação e o crescimento, o desenvolvimento e a expressão do binómio saúde/doença ao longo da vida (Aggett, 2000; Singhal, 2001; Toschke, 2004; Koletzko, 2005; Lanigan, 2009; Koletzko, 2017). A ciência vem demonstrando, com robustez crescente, a existência de um forte impacto da alimentação e do estado de nutrição nos primeiros anos de vida e a programação da saúde futura do indivíduo (Gluckman P, 2007; Lanigan, 2009; Koletzko, 2012, Koletzko, 2017). Efetivamente, os primeiros meses/anos de vida são determinantes não apenas para a aquisição e sedimentação de hábitos alimentares saudáveis, mas também na expressão máxima do potencial individual de crescimento e de desenvolvimento neurocognitivo e ainda na modulação individual do risco de doenças crónicas do adulto, nomeadamente da doença cardiovascular, diabetes e cancro, entre outras (Gruszfeld, 2013; Zalewski, 2017). A esta influência precoce da alimentação e da nutrição na expressão futura da saúde chama-se “programação” que, como se depreende, não é apenas metabólica, mas também comportamental (Koletzko, 2017). Ao período entre o momento da conceção e o final dos 2 anos de idade, período de extrema vulnerabilidade às influências ambientais e particularmente nutricionais, denomina-se como “janela dos primeiros 1000 dias” (Blomfield, 2013; Koletzko, 2017). Não sendo tema deste documento, importa, no entanto, referir que provavelmente a janela de programação não será de 1000, mas sim de 1100 dias (ou mais …), tendo em conta que o estado nutricional e a alimentação da mulher antes de engravidar também são fortemente influenciadoras destes eventos futuros no seu descendente, com efeitos transgeracionais (Blomfield, 2013; Koletzko, 2017). Tendo em conta estes conceitos, torna-se fácil de entender que, numa base individual, mas sobretudo numa base populacional e numa perspetiva de saúde pública, importa otimizar o crescimento, o desenvolvimento cognitivo e o estado global de saúde do lactente e da criança, desde os primeiros dias de vida, suportados numa alimentação e nutrição saudáveis. Importa, ainda, ter a noção de que os primeiros anos de vida são um período crítico e de extrema vulnerabilidade, sendo as necessidades fisiológicas em nutrientes relativamente mais elevadas do que as necessidades em energia. Uma dieta de elevada qualidade nutricional torna-se, pois, particularmente importante. Acresce que os hábitos alimentares, o estilo de vida e os comportamentos estabelecidos nesta idade tendem a persistir até à idade adulta. A escola desempenha um importante papel na prevenção, uma vez que pode permitir, de uma forma efetiva, atingir um largo número e um amplo espetro de intervenientes, desde a criança, aos educadores, aos cuidadores, à família e aos membros da comunidade (WHO, 1998). A escola, e concretamente os berçários, as creches e os jardins-de- infância, são o local onde uma grande percentagem de crianças portuguesas passa muitas horas do seu dia e realiza um número significativo de refeições. Por esse motivo, são locais estratégicos para a promoção de hábitos alimentares e de atividade física saudáveis, que, como referido, persistem para a vida (Department of Health and Children – Ireland, 2004). Acresce ainda o facto de as crianças nesta idade demonstrarem uma grande permeabilidade à modulação dos seus comportamentos, particularmente se a informação for veiculada em ambiente de grupo, partilhada entre pares e apresentada de uma forma lúdico-educativa (Krashen, 1982; Kohn, 2004; WHO-CINDI, 2008). Tendo como objetivo desenhar e implementar uma política de alimentação e nutrição na escola, é importante que todos os intervenientes unam esforços. O resultado será necessariamente mais efetivo se as atitudes forem concertadas entre todos os atores que de alguma forma intervenham na dinâmica da escola: educadores (educadores de infância, cuidadores e pais), profissionais da saúde e do exercício, e criança. Compete aos educadores, quer na MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 17 CAPÍTULO Nº 1 – Introdução qualidade de pais, quer de professores/educadores, quer ainda de responsáveis pelas instituições ou representantes do poder político local, a importante tarefa de promover e incentivar atitudes positivas face a escolhas e comportamentos alimentares saudáveis. Compete aos profissionais de saúde – médicos, enfermeiros e nutricionistas e do exercício, promover e supervisionar a oferta de uma alimentação adequada e promover um estilo de vida ativo, visando a promoção da saúde para a vida. Compete à criança perceber as regras que lhe são explicadas e encontrar coerência e prazer em cumpri-las. Esta atitude coletiva, responsável, concertada e educativa, resultará necessariamente na expressão máxima da saúde das gerações futuras (CINDI- WHO, 2006). Este manual pretende traçar linhas orientadoras para a promoção de uma alimentação saudável para lactentes e crianças até aos 6 anos, fornecendo aos cuidadores e decisores informações sobre o estado da arte, sempre que possível suportadas na evidência científica. Tem como base para a sua elaboração a literatura científica, as recomendações dos comités de nutrição e de atividade física nacionais e internacionais, bem como a experiência dos seus autores, e procura adequar-se à realidade multicultural do nosso país, bem como às “novas tendências” no que às opções alimentares diz respeito. Pretende ainda capacitar os cuidadores e os profissionais de saúde com ferramentas que garantam a otimização do crescimento nesta fase crucial da vida, baseada numa oferta alimentar equilibrada e variada e na prática de exercício físico, adequados a cada escalão etário. Como objetivo último, pretende corresponsabilizar todos os intervenientes na promoção e na implementação de comportamentos saudáveis, que se espera que persistam ao longo da vida e resultem numa melhor saúde das gerações futuras, entendida num conceito holístico. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 18 CAPÍTULO Nº 2 – Particularidades do crescimento e desenvolvimento 2. Particularidades do crescimento e desenvolvimento O crescimento e o desenvolvimento são fenómenos biológicos básicos que caracterizam a idade pediátrica. Têm uma abrangência multifatorial e estão fortemente associados a aspetos socioeconómicos, biológicos e ambientais. Um perfil saudável de crescimento e desenvolvimento é dos melhores indicadores do estado de saúde da criança (Bier, 2008). “Crescer” significa aumentar o volume e o tamanho dos tecidos e órgãos, em resultado do aumento do número e do volume das células. Quando acontece de uma forma harmoniosa e equilibrada nos diferentes compartimentos (osso, músculo, tecido adiposo, …) é apelidado de saudável (Wells, 2003). A vigilância do crescimento durante a idade pediátrica (em Portugal até aos 18 anos) pressupõe a observação regular em consultas de “Saúde Infantil e Juvenil”, com uma periodicidade mínima definida pela Direção-Geral da Saúde e que consta do Boletim de Saúde Infantil e Juvenil (BSIJ). Nestas consultas, entre outras avaliações, procede-se à quantificação do peso, do comprimento (até aos 2 anos) ou da altura (a partir dos 2 anos), bem como do perímetro cefálico (até aos 2 anos) (DGS, 2013). Após estes procedimentos, o profissional de saúde deve registar os valores obtidos em local apropriado para o efeito e localizá-los nas curvas de percentis do BSIJ. É importante o seu preenchimento regular, pois permite não somente avaliar a adequação do crescimento através da comparação com um padrão de referência, mas também vigiar a trajetória individual. As curvas que constam do BSIJ em Portugal são as curvas propostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (WHO, 2006; de Onis, 2007). Importa referir que as diferentes curvas de peso, comprimento/altura e perímetro cefálico, correspondentes a diferentes percentis, refletem todas perfis normais de crescimento, isto é, as crianças que crescem ou aumentam de peso no percentil 3 não são menos saudáveis do que as crianças que crescem, ou aumentam de peso no percentil 50 ou 97. Se a trajetória de crescimento numa determinada curva de percentil ou canal de percentil apenas define as características individuais, já o cruzamento de curvas de percentis (para cima: catch-up growth ou para baixo: catch-down growth) ou ainda uma grande discrepância entre o percentil de peso e o da altura, devem merecer a maior atenção. De notar que não é raro assistir-se a um “acerto” de trajetória do perfil de crescimento entre o primeiro e o segundo ano de vida, resultante da transição da influência predominante do ambiente intrauterino e da nutrição no crescimento pós- natal para o perfil de crescimento geneticamente determinado (Karlberg, 1987; Michaelsen, 2015). Assim, um cruzamento de percentis neste período não será preocupante, desde que a criança se encontre bem e retome a sua trajetória acima ou abaixo, mas paralela às curvas. Para além das medidas somáticas referidas, a utilização de alguns índices permite ter uma noção mais adequada acerca do estado de nutrição e da saúde. O exemplo de um índice frequentemente usado é o Índice de Massa Corporal (IMC), que relaciona o peso com o comprimento/estatura [peso(kg)/comprimento ou estatura2 (m)] (DGS, 2013), constituindo um instrumento muito útil ao refletir as variações do desenvolvimento do tecido adiposo em idade pediátrica (Freedman, 2009). Também existem curvas percentiladas para este índice, por sexo e idade (Figura 1) (WHO, 2006). MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 19 CAPÍTULO Nº 2 – Particularidades do crescimento e desenvolvimento Figura 1. Curvas de percentis do índice de massa corporal (IMC), por sexo. (WHO Multicentre Growth Reference Study Group. WHO Child Growth Standards, 2013) Muito embora seja importante interpretar os parâmetros somáticos relativamente a valores de uma população de referência (curvas de percentis), será mais assertivo perspetivar a trajetória individual de crescimento e maturação de cada criança através da sua avaliação periódica, de forma a detetar precocemente desvios dessa trajetória e tendo como objetivo máximo aproveitar em pleno o potencial genético de que a criança é portadora. Daqui se depreende que cada criança tem o seu padrão genético de crescimento e, quando saudável, a alimentação e um estilo de vida ativo apenas permitem a sua expressão máxima. Esta constatação resulta, numa perspetiva prática, no facto de que não podemos “comparar crianças” em nenhum aspeto do seu crescimento e desenvolvimento, mas sim avaliar a evolução e o crescimento de cada criança per si, tendo em conta a sua família, as suas características individuais e os padrões de referência. Importa deixar claro que o crescimento deve ser regularmente vigiado pelo médico assistente, a quem compete a interpretação dos diferentes parâmetros que o integram. MENSAGENS A RETER 1. As crianças não são todas iguais, nem na forma como crescem, pelo que não devem ser comparadas. 2. Cada criança tem o seu padrão de crescimento, tendo em conta a sua herança genética e o padrão de crescimento que registou na vida intrauterina. 3. Compete ao médico assistente proceder à avaliação periódica do crescimento, a um intervalo mínimo temporal definido no BSIJ. Os valores encontrados devem ser registados e o seu posicionamento interpretado individualmente, após registo nas curvas de percentis. 4. Desvios não esperados na trajetória individual de crescimento (cruzamento de percentis) devem merecer atenção especial. 5. Uma alimentação e um estilo de vida adequados permitirão expressar ao máximo o potencial genético de crescimento e prevenir o desenvolvimento de doença, a breve e longo prazo. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 20 CAPÍTULO Nº 2 – Particularidades do crescimento e desenvolvimento 2.1 No 1º ano de vida O primeiro ano de vida, particularmente o primeiro semestre, é caracterizado por uma elevada velocidade de crescimento e de desenvolvimento, a maior que ocorre em toda a vida do ser humano (Karlberg, 1987; WHO, 2006; WHO, 2009; Michaelsen, 2015). As diferentes etapas do crescimento somático (peso, comprimento e perímetro cefálico), do desenvolvimento neurológico, motor, sensorial e cognitivo e da maturação dos diferentes órgãos, sistemas e enzimas digestivas são determinantes para as decisões relativas à alimentação do lactente. Efetivamente, cada etapa do desenvolvimento nas diferentes áreas mencionadas é um marco de segurança nutricional e de saúde, pelo que o seu tempo de aquisição deve ser bem conhecido e respeitado. No que concerne ao crescimento, ele é resultante da interação entre múltiplos fatores, de entre eles nutricionais, orgânicos e psicossociais. Assim, para que este ocorra de uma forma saudável nesta fase da vida, importa haver, para além da saúde em geral, uma adequada oferta alimentar. Sendo esta o maior determinante do crescimento neste período, é, no entanto, imprescindível haver um ambiente hormonal saudável, nomeadamente dependente das hormonas da tiróide e do crescimento, mas também um ambiente familiar e social garantes de afeto e estimulação (Karlberg, 1987). Na Tabela1 poderão ser observadas algumas características do crescimento somático no 1º ano de vida. Tabela 1. Características do crescimento no 1º ano de vida. Peso Regista um aumento de 15 – 30 g/dia nos primeiros 3 meses O peso ao nascimento duplica cerca dos 4 meses e triplica cerca dos 12 meses Nos primeiros meses de vida a curva de peso pode expressar o tipo de aleitamento#. Comprimento Aumenta cerca de 25 cm no 1º ano Perímetro cefálico Aumenta cerca de 1 cm / mês no 1º ano NOTA: cada lactente deve ser avaliado” de per si” tendo em conta as características ao nascimento (ambiente in útero) e individuais (genéticas) # A alimentação com fórmula infantil poderá resultar numa curva defletida até ao 3º-4º mês Paralelamente a esta elevada velocidade de crescimento, é também nesta importante fase da vida que ocorrem as grandes transformações neuromotoras e cognitivas. Efetivamente, até aos 3-4 meses a atividade motora é reduzida, sendo cerca dos 4 meses que se regista o controlo cefálico (segura a cabeça) para aos 6 meses o lactente ser capaz de adquirir a posição sentada (controlo axial) (WHO, 2006). A partir deste momento, a par de uma grande evolução cognitiva, o lactente vai desenvolvendo uma atividade física exploratória do ambiente que o rodeia e uma sociabilização crescentes. Estas aquisições permitem-lhe ir descobrindo não apenas os novos alimentos que lhe são progressivamente oferecidos (aprende a pegar e a levar à boca, depois a moer e finalmente a mastigar) mas também o ambiente que o rodeia. Cerca dos 7-8 meses, por vezes, aprende a gatinhar e, cerca dos 12 meses, a andar (WHO, 2006). A evolução motora durante o 1º ano de vida pode ser observada na Tabela 2. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 21 CAPÍTULO Nº 2 – Particularidades do crescimento e desenvolvimento Tabela 2. Metas motoras durante o 1º ano de vida e momento de aquisição de outras capacidades. Idade Metas motoras e aquisição de outras capacidades 2 Meses Ri ao som de vozes conhecidas e segue com os olhos os movimentos e as pessoas Eleva a cabeça e o tronco quando deitado sobre a barriga (tummy time) 3 Meses Agarra objetos; ri para as pessoas 4 Meses Balbucia, ri e tenta imitar sons; segura a cabeça 6 Meses Senta com suporte; rola no chão; muda objetos de mão Senta sem suporte; responde ao seu nome; encontra objetos parcialmente escondidos. 7 Meses Inicia movimentos de vaivém com a boca para moer alimentos (“báscula”); leva alimentos à boca, sozinho (controle oculomotor) 9 Meses Arrasta-se; balbucia “mamã” e “papá” 12 Meses Anda com ou sem suporte; diz pelo menos uma palavra; gosta de imitar pessoas; mastiga alimentos Adaptado de WHO Multicentre Growth Reference Study Group. Acta Paediatrica 2006; 450 (Suppl):86-95 Do atrás exposto facilmente se depreende que, em menos de 1 ano o lactente passa, progressivamente, de um “estilo de vida” quase inativo para um estilo de vida com elevada atividade motora, sensorial e social, com importante repercussão na componente alimentar. Enquanto no 1º semestre de vida o leite materno, rico em gordura, garante, em exclusivo, as necessidades para o rápido crescimento somático e a acelerada maturação registada a nível do sistema nervoso central, a partir dos 5-6 meses a desaceleração da velocidade de crescimento e o aumento da atividade motora (espontânea e consequente à exploração do meio que o rodeia) obrigam a uma mudança no perfil da oferta alimentar, traduzida por uma menor necessidade em energia e gordura e uma maior necessidade em hidratos de carbono, fonte de eleição para o trabalho muscular. Finalmente, é durante esta fase da vida que vai progressivamente aumentando o volume gástrico (permitindo a aceitação de maior quantidade de alimentos), e vão maturando as enzimas digestivas, permitindo a aceitação e digestão de outros alimentos que não o leite (ver subcapítulo 4.3). Os tempos de aquisição e maturação das capacidades motoras, neurocognitivas e metabólicas são “janelas de treino” de excelência para a programação de um comportamento alimentar adequado e garantes de um crescimento e desenvolvimento saudáveis. MENSAGENS A RETER 1. O 1º ano é a fase em que mais se cresce durante toda a vida. A elevada velocidade de crescimento corporal é acompanhada por marcantes aquisições motoras, sensoriais e cognitivas, bem como endócrinas e metabólicas. 2. Importa respeitar o padrão maturativo de cada lactente para que o processo de alimentação decorra com segurança. 3. O conhecimento e respeito pelas “janelas de treino” (motor, sensorial e metabólico) das competências associadas à alimentação, é determinante para a segurança do lactente, bem como para a programação de um comportamento alimentar saudável para a vida. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 22 CAPÍTULO Nº 2 – Particularidades do crescimento e desenvolvimento 2.2 Nos 2º e 3º anos de vida Tal como durante o 1º ano, o crescimento e desenvolvimento no 2º e 3º anos de vida são processos dinâmicos e complexos. Dependem e são modulados pelos ambientes social, cultural e económico da família e da comunidade em que a criança está inserida, sendo determinantes da saúde futura. Após uma elevada velocidade de crescimento que caracteriza o primeiro ano de vida, esta diminui drasticamente, permanecendo baixa e estável até à adolescência. As características do crescimento nos primeiros anos de vida podem ser observadas na Tabela 3 e na Figura 2. Tabela 3. Características do crescimento do 1º ao 5º ano de vida. 1º ano 2º ano 3º - 5º ano Peso (kg/ano) 7 2,3 1 -2 Comprimento/Altura (cm/ano) 25 12 6 -8 Perímetro cefálico 1 cm/mês 2 cm/ano - Adaptado de WHO, 2006; Kelly, 2014 Figura 2. Curvas de velocidade de crescimento (ganho em altura) em função da idade. Adaptado de Michaelsen, 2015; Kelly, 2014 A desaceleração da velocidade de crescimento após o 1º ano está na base da chamada “anorexia fisiológica do 2º ano de vida”. A par de uma significativa redução do apetite, e consequentemente da ingesta alimentar, ocorre, frequentemente, um desinteresse pela comida, ambos resultantes da diminuição das necessidades nutricionais. Este comportamento é frequentemente interpretado pelos cuidadores e pelos pais como preocupante e patológico, quando na realidade é expectável e fisiológico (Bloom, 2009). Outra característica do crescimento nesta fase da infância é o facto de não ocorrer a uma velocidade uniforme, mas sim “em degrau”, ou seja, a períodos de crescimento significativo seguem-se períodos de estagnação, refletindo as tão frequentes variações normais do apetite nesta idade (Bloom, 2009). Estas particularidades justificam que a MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 23 CAPÍTULO Nº 2 – Particularidades do crescimento e desenvolvimento avaliação e a interpretação das medidas somáticas (peso e comprimento) não deva ser feita a intervalos curtos, mas sim, pelo menos a 6 meses, devendo a correta interpretação dos dados ter em conta a trajetória do crescimento individual e as curvas de crescimento (curvas de percentis da OMS), competindo a monitorização ao médico assistente da criança (Turck, 2013). O cálculo e a monitorização do IMC são particularmente importantes, devendo o seu valor ser também interpretado com base nas curvas percentiladas de referência (WHO, 2006). O IMC retrata com sensibilidade a adequação nutricional e é um marcador indireto da adiposidade (massa gorda) corporal (Freedman, 2009; Horan, 2015). Sendo reconhecida a existência de estabilidade e persistência da obesidade desde a idade pré-escolar até à vida adulta (tracking), o IMC constitui, pois, um excelente parâmetro de monitorização de “risco nutricional”. Efetivamente, um IMC elevado aumenta a probabilidade de a obesidade pediátrica persistir na idade adulta, sendo a preditividade mais baixa na idade pré-escolar e aumentando significativamente até à adolescência (Rolland-Cachera, 1987; Rolland- Cachera, 2013). Esta noção é crucial para a implementação de estratégias de prevenção ou tratamento. Ao invés, um IMC baixo deve alertar para um crescimento deficiente e comprometido, podendo exigir abordagem diagnóstica e de suporte nutricional. A par do crescimento físico, nesta faixa etária continua a decorrer a maturação fisiológica dos órgãos e dos sentidos, bem como o crescente desejo de afirmação e a estruturação da personalidade. Estas características devem ser aproveitadas para desenvolver a autonomia da criança, paralelamente à aprendizagem e cumprimento de regras. De facto, o ato normal de alimentar depende da integração bem-sucedida das funções fisiológicas, mas também das relações interpessoais, numa fase muito precoce do desenvolvimento. Importa, pois, entender a alimentação como um ato complexo e não apenas uma mera reposição calórica (Birch, 1998). MENSAGENS A RETER 1. O 2º e 3º anos de vida são caraterizados por uma desaceleração da velocidade de crescimento acompanhada de menores necessidades nutricionais e, consequentemente, menos apetite. 2. A “anorexia fisiológica” do 2º ano, bem como alguns padrões comportamentais muito próprios, espelham esta característica do padrão de crescimento. 3. Deve ser respeitado o apetite da criança tendo como lema “Importa que os cuidadores ofereçam variedade e qualidade. A criança gere a quantidade”. 4. O crescimento ocorre “em degraus”, pelo que, numa criança saudável, a monitorização dos seus marcadores somáticos deve ocorrer em intervalos de 6 meses e não menores. 5. O IMC é um importante parâmetro para monitorizar o risco nutricional, nomeadamente de excesso de peso – obesidade. 2.3 Dos 3 aos 6 anos O período dos 3-6 anos é definido como a “idade pré-escolar”, sendo o crescimento e o desenvolvimento frequentemente marcados pelo início do contacto com outro tipo de formadores/cuidadores, para além dos pais, uma vez que é nesta idade que muitas crianças iniciam a frequência dos jardins-de-infância. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 24 CAPÍTULO Nº 2 – Particularidades do crescimento e desenvolvimento O biótipo característico de uma criança desta idade é predominantemente longilíneo, sem grande espessura de tecidos moles (pele e tecido celular sub-cutâneo), cursando esta fase da vida com uma velocidade de crescimento constante mas lenta, em que o IMC atinge o seu nadir (Boom, 2009). No entanto, e ao longo dos últimos anos, temos assistido a uma alteração da percepção do “biótipo saudável” e à aceitação crescente de um biótipo excessivo como sendo o biótipo “normal”, subjetividade essa resultante da distorção, pelo senso comum, do que é um estado nutricional adequado. De facto, a impressão clínica subjetiva do biótipo da criança é importante: a criança obesa para além de ser mais volumosa é habitualmente mais alta (embora a estatura inflacionada nesta idade seja resultante de sobrenutrição e não se confirme no final da adolescência); a criança com malnutrição aguda corresponde a um défice de peso para a estatura, ou seja, alta mas emagrecida; a criança com malnutrição crónica reflete um défice de estatura para a idade, isto é, pode até ser proporcionada, mas tem baixa estatura - Figura 3 (Secker, 2012). Figura 3. Diferentes biótipos e sua associação com o estado de nutrição e a saúde. Como as curvas percentiladas do IMC refletem, com alguma sensibilidade, o perfil de desenvolvimento do tecido adiposo ao longo da idade pediátrica, neste período as crianças apresentarão a sua menor percentagem de massa gorda corporal total (Freedman, 2009). É ainda durante este período que ocorre o “ressalto adipocitário” fisiológico (adiposity rebound), ou seja, um aumento sustentado do IMC a partir dos 5-6 anos e até ao final do crescimento (Rolland-Cachera, 1987). O ressalto adipocitário coincide com o início das mudanças corporais que caracterizam o dimorfismo sexual (maior aumento de massa gorda no sexo feminino e maior aumento de massa muscular no sexo masculino) e quando precoce (aumento do IMC antes dos 5-6 anos), parece estar relacionado com um risco acrescido de desenvolvimento de sobrepeso/obesidade, excesso de massa gorda e risco metabólico (resistência à insulina e doença cardiovascular), bem como uma indesejável maturação precoce (idade óssea avançada e menarca precoce, com comprometimento da estatura final). (Figura 4) (Rolland-Cachera, 2013). Mais uma vez importa perceber que, mais do que o valor absoluto do IMC é importante saber interpretar a trajetória deste parâmetro, ou seja, o seu padrão de curva. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 25 CAPÍTULO Nº 2 – Particularidades do crescimento e desenvolvimento Figura 4. Idade do ressalto adipocitário: identificação precoce de risco futuro de obesidade. AR: adipocity rebound (ressalto adipocitário). Com permissão de Rolland-Cachera, 2013. A partir dos 5 anos de idade também pode ser útil determinar a relação entre a estatura e o perímetro abdominal. A estatura deve ser superior ao dobro do perímetro abdominal (Brambilla, 2013; Horan, 2015), caso contrário poderá ser um indicador de sobrepeso/obesidade ou, mesmo na sua ausência, de excessiva acumulação de gordura intra- abdominal com consequências metabólicas futuras indesejáveis. MENSAGENS A RETER 1. A idade entre os 3-6 anos é caraterizada por uma velocidade de crescimento constante, mas lenta. 2. A figura da criança saudável é carateristicamente longilínea, com reduzida gordura corporal (criança “seca”). 3. Aos 5-6 anos ocorre o “ressalto adipocitário” fisiológico, caraterizado por um aumento do IMC e início das diferenças corporais entre sexos (dimorfismo sexual). 4. A aceleração precoce (antes dos 5-6 anos) do IMC, está associada a maior risco futuro de obesidade e outras comorbilidades cardiometabólicas (diabetes, hipertensão arterial, doença coronária, etc.). MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 26 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações 3. Necessidades Nutricionais: Recomendações A nutrição e a alimentação, esta última como comportamento, têm tido um papel crucial na evolução biológica e no desenvolvimento humano. De facto, o organismo é, em certo sentido, o produto da sua própria nutrição que se entende como sendo o processo pelo qual o ser vivo digere os alimentos, utiliza a energia e incorpora os nutrientes, processo esse que tem o seu auge em idade pediátrica pelos fenómenos biológicos básicos a ela associados: a programação, o crescimento e a maturação (Williams, 2017). As “necessidades nutricionais” compreendem, por definição, o aporte suficiente de nutrientes para suprir as necessidades fisiológicas, ou seja, a quantidade de nutrientes sistematicamente necessários para assegurar o melhor crescimento e composição corporal esperados para o grupo etário, tendo em conta a atividade física e social (Aggett, 1997; FAO/ WHO/ ONU, 2004; Koletzko, 2008). Têm como objetivo último garantir o alcance do máximo potencial genético e minimizar o risco de doença, quer de imediato quer a longo prazo (Koletzko, 2017). Assim, o incumprimento das necessidades nutricionais, traduzido pelo excesso ou défice do aporte calórico, acompanhado ou não de desequilíbrio dos nutrientes fornecidos, tem repercussões a curto prazo (ao comprometer o crescimento e o desenvolvimento harmoniosos), mas também a longo prazo, ao hipotecar a saúde futura (Koletzko, 2017). O termo “recomendações nutricionais” refere-se a um conjunto de valores de referência para energia e nutrientes destinados a populações de indivíduos saudáveis (FAO/ WHO/ ONU, 2004). Conceptualmente, estes valores de referência são baseados nas necessidades fisiológicas de um dado nutriente, que se definem como a quantidade e forma química desse nutriente necessárias, sistematicamente, para manter a saúde e desenvolvimento normais, sem distúrbio do metabolismo de qualquer outro nutriente (Aggett, 1997). As recomendações dos aportes nutricionais consideram uma complexidade de fatores, tais como a eficiência da absorção e conversão para formas ativas dos diferentes nutrientes, a sua retenção corporal, a sua biodisponibilidade e interdependência absortiva e metabólica (Aggett, 1997). Efetivamente, a alimentação consiste na ingestão de alimentos mais ou menos complexos (matriz dietética) e não de cada um dos nutrientes per si. Também o processamento e os métodos de conservação dos alimentos, bem como os métodos culinários utilizados, terão de entrar na equação do ajuste da bioequivalência (Aggett, 2010). A correspondente necessidade nutricional será, como referido, a ingestão suficiente para satisfazer as necessidades fisiológicas e idealmente a satisfação das necessidades nutricionais deve ser alcançada sem processos homeostáticos exacerbados e sem depleção ou excedentes excessivos no organismo (Aggett, 1997; Koletzko, 2008). Uma vez que as necessidades nutricionais variam de indivíduo para indivíduo, as recomendações nutricionais conjugam o conhecimento sobre necessidades nutricionais individuais com a evidência de estudos que estimam a distribuição da ingestão de nutrientes necessária para alcançar um resultado específico, numa determinada população considerada saudável. Assim, as recomendações nutricionais consistem numa estimativa de valores de referência destinados a grupos populacionais, e fornecem um meio através do qual podemos avaliar a probabilidade de indivíduos numa população estarem vulneráveis a uma deficiência nutricional. Contudo, não servem para diagnosticar uma deficiência nutricional individual, nem permitem determinar, com exatidão, as necessidades nutricionais em estados de doença (Aggett, 1997; Koletzko, 2008). O que as recomendações nutricionais permitem é avaliar e planear a ingestão nutricional e determinar a provável adequação dessa ingestão em indivíduos, bem como a prevalência de adequação (ou inadequação) em grupos populacionais (Murphy, 2007). Também são usadas para avaliar a adequação nutricional em inquéritos alimentares, servem de base a políticas nutricionais e a programas de educação alimentar e fornecem valores de referência para MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 27 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações regulamentação e rotulagem de produtos alimentares, bem como são essenciais para orientar a composição adequada da dieta (ou de uma refeição) e para ajudar na formulação de recomendações alimentares (Koletzko, 2008). O estabelecimento de recomendações nutricionais para crianças baseia-se em evidência científica disponível relativamente a crianças saudáveis e no conhecimento atual acerca da ingestão necessária para assegurar um bom estado de saúde e, como refere uma revisão de Nazareth et al., (2016), existem diferentes recomendações nutricionais para diferentes faixas etárias elaboradas por distintos organismos internacionais, como a Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), a World Health Organization (WHO), a European Food Safety Authority (EFSA) ou o Institute of Medicine/Food and Nutrition Board (IOM/FNB) dos Estados Unidos da América (EUA). Para além disso, alguns países apresentam recomendações nutricionais elaboradas por comités nacionais, embora este não seja o caso de Portugal, onde não existem recomendações nutricionais específicas (Nazareth, 2016). Nesta revisão, é feita uma análise comparativa das diferentes recomendações nutricionais em idade pediátrica, concluído-se que a EFSA é o comité que esclarece, com maior clareza, a metodologia usada no desenvolvimento das suas recomendações. Tendo em conta este facto, mas também por estas recomendações serem mais recentes, por serem baseadas numa metodologia sólida que inclui as recomendações dos outros dois comités e por se destinarem à população europeia, os autores sugerem a sua adoção para a população pediátrica portuguesa (Nazareth, 2016). O processo de desenvolvimento de recomendações nutricionais baseia-se normalmente no conceito estatístico de que as necessidades nutricionais variam de pessoa para pessoa e que essa variação assume uma distribuição normal (gaussiana) na população, importando conhecer as seguintes definições (King, 2007; Koletzko, 2008; Manson, 2016): Necessidade média (Average Requirement – AR) que corresponde à ingestão nutricional estimada como adequada para satisfazer as necessidades nutricionais conhecidas de 50% dos indivíduos de uma dada população. A AR é usada para estimar a prevalência de inadequação da ingestão num grupo; Ingestão de Referência Populacional (Population Reference Intake - PRI) que corresponde à ingestão nutricional considerada adequada para satisfazer as necessidades nutricionais conhecidas de 97,5% dos indivíduos de uma dada população. Num indivíduo, a ingestão usual igual ou acima deste nível pressupõe uma baixa probabilidade de inadequação. O PRI não deve ser usado para avaliar a prevalência de inadequação da ingestão de grupos; Ingestão Adequada (Adequate Intake – AI) valor que também traduz as necessidades de ingestão adequada de determinado nutriente em indivíduos saudáveis, sendo utilizado sempre que não existe evidência científica suficiente para estabelecer uma PRI ou uma AR. Uma média da ingestão habitual igual ou superior ao valor de AI implica uma baixa prevalência de ingestão inadequada. Se a ingestão média for inferior ao valor de AI a prevalência de inadequação não poderá ser determinada. Importa ainda definir o conceito de limite superior – Tolerable Upper Intake Level (UL), ou Upper Nutrient Level (UNL) – que corresponde ao valor máximo de ingestão de um dado nutriente até ao qual é provável não existir risco de efeitos adversos. Acima desta quantidade, o nutriente não deve ser ingerido, pois pode representar um risco para a saúde. Os conceitos apresentados, embora sejam similares nas recomendações emanadas em diferentes países, apresentam-se com denominações diferentes como descrito na Tabela 4. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 28 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações Tabela 4. Diferentes conceitos utilizados para caraterizar a ingestão nutricional. EUA FAO/WHO União Europeia (EFSA) Dietary Reference Intakes Dietary Reference Values Dietary Reference Values (Murphy,2002, FNB/IOM) (FAO/WHO/ONU, 2004) (EFSA, 2017a) EAR EAR AR Estimated Average Requirement Estimated Average Requirement Average Requirement RDA RNI PRI Recommended Dietary Allowance Reference Nutrient Intake Population Reference Intake AI AI AI Adequate Intake Adequate Intake Adequate Intake SI Safe Intake - - LTI Lower Threshold Intake UL UL UL Tolerable Upper Intake Level Tolerable Upper Intake Tolerable Upper Intake Level Level Ao fornecerem uma estimativa da provisão adequada de nutrientes para populações consideradas saudáveis, as recomendações nutricionais não determinam o nível ótimo de fornecimento de nutrientes para um indivíduo. Assim, crianças doentes, malnutridas, ou ainda crianças que necessitem de recuperação de crescimento (catch-up growth), podem ter necessidades nutricionais marcadamente diferentes das estimadas pelas PRI (Koletzko, 2008). Pelas razões atrás expostas, neste documento faremos apenas referências às recomendações energéticas e nutricionais propostas pela EFSA. MENSAGENS A RETER 1. Não ingerimos nutrientes, mas sim alimentos. A utilização pelo organismo dos diferentes nutrientes de cada alimento depende de múltiplos fatores. 2. As necessidades nutricionais são estimadas numa base populacional e não individual e são suportadas por consensos de comissões de peritos. Têm como objetivo indicar intervalos de segurança relativamente ao aporte dos diferentes nutrientes, visando a prevenção de défices, excessos ou ainda desequilíbrios nutricionais que possam comprometer a saúde e o pleno desenvolvimento das populações pediátricas. 3. As recomendações nutricionais são um conjunto de valores de referência para a energia e os nutrientes, estimados para populações de indivíduos saudáveis. 4. As recomendações da EFSA são as mais atuais e as mais adequadas à população pediátrica portuguesa. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 29 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações 3.1 No 1º ano de vida Conforme já referido, as necessidades nutricionais definem-se como as quantidades de energia e nutrientes necessárias para assegurar o adequado funcionamento do organismo, a saúde e a nutrição, bem com um crescimento e desenvolvimento adequados (Aggett, 1997; FAO/WHO, 2004; Koletzko, 2015). Nos primeiros meses de vida a velocidade de crescimento do lactente é muito elevada, o que implica elevadas necessidades nutricionais por kg de peso. É fundamental um correto suprimento destas necessidades, de forma a maximizar o seu potencial de crescimento. O leite materno é o alimento ideal para cobrir as necessidades nutricionais do pequeno lactente, sendo recomendado o aleitamento materno em exclusivo durante o primeiro semestre de vida (WHO, 2001; ESPGHAN, 2009; AAP, 2012; Aggett, 2010). Por essa razão não foram propostas pela EFSA recomendações nutricionais para esta faixa etária. Exceção deve ser feita à vitamina K (cuja suplementação é obrigatória ao nascimento) e à vitamina D, cuja suplementação deve ocorrer de uma forma universal, numa dose diária de 400 Unidades Internacionais (UI), desde o nascimento até ao final do 1º-2º anos de vida (WHO, 2001; ESPGHAN, 2009; AAP, 2012). A partir dos 6 meses de vida, o leite materno em exclusivo não consegue suprir as necessidades nutricionais do lactente, sendo, pois, necessária a introdução progressiva de outros alimentos, enquanto se mantém o leite materno. A partir do segundo semestre de vida já estão estabelecidos valores nutricionais de referência (EFSA, 2010a; EFSA, 2017a). Os valores diários de referência estabelecidos pela EFSA para lactentes dos 7 aos 11 meses têm por base, nalguns casos, a extrapolação a partir da ingestão de lactentes exclusivamente amamentados, de crianças mais velhas ou de adultos, enquanto noutros se baseia numa abordagem multifatorial ou na observação dos dados de ingestão de estudos populacionais (EFSA, 2017a). Energia e macronutrientes Em lactentes dos 7 aos 11 meses, as necessidades médias (AR) de energia foram estabelecidas a partir do dispêndio energético total estimado pelo método da água duplamente marcada (em crianças de termo, saudáveis, exclusivamente amamentadas nos primeiros 4 meses de vida e com adequada massa corporal), acrescido da energia necessária ao crescimento, não sendo considerado o nível de atividade física (EFSA, 2013). Tendo em conta as necessidades energéticas totais, a parcela correspondente à energia necessária ao crescimento decresce de cerca de 40% no 1º mês de vida para cerca de 3% aos 12 meses (Butte, 2005). Na Tabela 5, apresentam-se as necessidades médias de energia (AR), por idade (EFSA, 2013). A decisão de apresentar apenas as necessidades médias (AR) tem por objetivo evitar uma sobrestimativa e, consequentemente, uma ingestão excessiva de energia. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 30 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações Tabela 5. Recomendações energéticas para lactentes com 7-11 meses (EFSA, 2013). AR AR Rapazes Raparigas Kcal/dia Kcal/dia 7 meses 636 7 meses 573 8 meses 661 8 meses 599 9 meses 688 9 meses 625 10 meses 725 10 meses 656 11 meses 742 11 meses 673 AR, Average Requirement No que diz respeito aos macronutrientes, para os hidratos de carbono [apresentados percentualmente em relação ao valor energético total diário (VET)] estão apenas estabelecidos valores de referência a partir dos 12 meses (EFSA, 2010b). No que diz respeito às fibras, não foram propostos, pela EFSA, valores para o 1º ano, enquanto no que respeita ao açúcar o seu consumo está totalmente contraindicado. As proteínas são apresentadas em g/kg/dia e g/dia, tendo sido utilizada a abordagem da WHO/FAO/ONU (FAO/WHO, 2007), pelo que as necessidades a partir dos 6 meses são obtidas pelo método fatorial (EFSA, 2012) - Tabela 6. Tabela 6. Recomendações proteicas para lactentes com 6 e 12 meses (EFSA, 2012). Peso de referência* PRI AR PRI Rapazes Raparigas Rapazes Raparigas Idade (meses) g/kg/dia g/kg/dia Kg Kg g/dia g/dia 6 1,12 1,31 7,7 7,1 10 9 12 0,95 1,14 10,2 9,5 12 11 AR, Average Requirement; PRI, Population Reference Intake * Peso de referência baseado no percentil 50 para crianças europeias (van Buuren, 2012) Por último, a ingestão recomendada para os lípidos totais é expressa em intervalo percentual relativamente ao valor energético total. A sua ingestão adequada é de 40% do VET nos primeiros anos de vida, uma vez que são constituintes fundamentais das membranas celulares, do sistema nervoso central e da retina, e ainda o veículo das vitaminas lipossolúveis. Não são propostos pela EFSA valores de referência para a maioria dos componentes dos lípidos, sendo importante referir que apenas relativamente aos ácidos gordos saturados e aos ácidos gordos trans é feita a referência “o mais baixo possível” (EFSA, 2010c; Nazareth,2016). Além disso, estabeleceu-se como valor diário de referência uma ingestão adequada (AI) de 4% do VET para o ácido linoleico e de 0,5% para o ácido α-linolénico e ainda uma AI de 100mg de ácido docosahexaenoico (DHA) dos 7 até aos 24 meses (EFSA, 2010c; Nazareth,2016). MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 31 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações Micronutrientes Com exceção das vitaminas A, B1, niacina e dos minerais ferro e zinco , em que se estabeleceu o valor de Average Requirement (AR), e consequente Population Reference Intake (PRI), nos restantes micronutrientes foi apenas possível estabelecer uma AI ou apenas a PRI para esta faixa etária no caso da vitamina C. No que diz respeito ao sódio, o desenvolvimento do documento da EFSA está em curso, mas ainda não foi publicado. No entanto, importa referir que no 1º ano de vida não deve ser adicionado sal à preparação e confeção culinária dos alimentos, pois a sua ingestão (para além do sódio intrínseco dos alimentos) não é recomendada. Na Tabela 7 apresentam-se as recomendações nutricionais da EFSA relativamente aos micronutrientes para lactentes (EFSA, 2017a). Tabela 7. Recomendações em micronutrientes para lactentes com 7-11 meses (EFSA, 2017a). PRI/AI* AR 7-11 meses 7-11 meses Vitaminas Lipossolúveis Vitamina A (μg/dia) 250 190 Vitamina D (μg/dia) 10* n.d. Vitamina E (mg/dia) 5* n.d. Vitamina K (μg/dia) 10* n.d. Vitaminas Hidrossolúveis Vitamina B1 (mg/MJ) 0,1 0,072 Vitamina B2 (mg/dia) 0,4* n.d. Vitamina B6 (mg/dia) 0,3* n.d. Vitamina B12 (μg/dia) 1,5* n.d. Niacina (mg NE/MJ) 1,6 1,3 Colina (mg/dia) 160* n.d. Ácido fólico (μg DFE/dia) 80* n.d. Vitamina C (mg/dia) 20 n.d. Ácido pantoténico (mg/dia) 3* n.d. Biotina (μg/dia) 6* n.d. Minerais Cálcio (mg/dia) 280* n.d. Ferro (mg/dia) 11 8 Selénio (μg/dia) 15* n.d. Zinco (mg/dia) 2,9 2,4 Magnésio (mg/dia) 80* n.d. Fósforo (mg/dia) 160* n.d. Iodo (μg/dia) 70* n.d. Cobre (mg/dia) 0,4* n.d. Molibdénio (μg/dia) 10* n.d. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 32 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações PRI/AI* AR 7-11 meses 7-11 meses Manganês (mg/dia) 0,02-0,5* n.d. Sódio (g/dia)** n.d. n.d. Flúor (mg/dia) 0,4* n.d. Crómio (μg/dia) n.a. n.a. Potássio (mg/dia) 750* n.d. PRI - Population Reference Intake; AI - Adequate Intake; AR - Average Requirement; n.d. - não disponível; n.a. - não apropriado estabelecer; NE - Niacin Equivalents; MJ - Megajoules; DFE - dietary folate equivalentes. MENSAGENS A RETER 1. O leite materno, em exclusivo, é o alimento ideal para suprir as necessidades nutricionais do lactente nos primeiros seis meses de vida, pelo que não estão disponíveis recomendações da EFSA para esta faixa etária. 2. A partir dos seis meses de vida é essencial a introdução progressiva de outros alimentos, além do leite materno, estando já disponíveis recomendações. 3. As necessidades em proteína variam entre 9 – 12 g/dia, entre os 6-12 meses. 4. A ingestão de lípidos deve corresponder a 40% do valor energético total diário, uma vez que estes são constituintes fundamentais das membranas celulares, da retina e do sistema nervoso central. 5. Não existem recomendações relativas aos hidratos de carbono e à fibra, mas a adição de açúcar está contraindicada até aos 12 meses. 6. A ingestão de sal (de adição) está contraindicada no 1º ano de vida. 7. Deve ser feita a suplementação com vitamina D (40UIi/dia) pelo menos durante o 1º ano de vida. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 33 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações 3.2 Nos 2º e 3º anos de vida Os princípios gerais a considerar no cumprimento das necessidades nutricionais nesta faixa etária devem ter em conta os seguintes pressupostos: a) O cumprimento das necessidades nutricionais deve respeitar a identidade cultural da população, pelo que diferentes padrões alimentares podem cumprir os mesmos objetivos; b) É fundamental respeitar os sinais de autorregulação do conteúdo energético diário característicos deste grupo etário, isto é, permitir que sejam as crianças a determinar a quantidade de alimentos, bem como a variabilidade da quantidade de refeição para refeição; c) A distribuição do conteúdo energético pelos macronutrientes e sua qualidade (hidratos de carbono, lípidos e proteínas) deve ser assumida pelos cuidadores (família e escola), garantindo a qualidade da dieta; d) É fundamental que a oferta seja variada dentro dos grandes grupos de alimentos, isto é, variar as carnes, os peixes, os frutos, as leguminosas, os farináceos, etc. Energia e macronutrientes O conteúdo energético da dieta deve permitir o crescimento e o desenvolvimento adequados, pelo que deve ser o necessário para atingir e manter o peso corporal desejável a cada momento de avaliação, conferindo uma dinâmica contínua e continuada das necessidades nutricionais. Na Tabela 8 são apresentadas as necessidades médias em energia para crianças nos 2º e 3º anos de vida (EFSA, 2013). Tabela 8. Recomendações energéticas para crianças nos 2º e 3 anos de vida (1- 3 anos) (EFSA, 2013). Baixo (Sedentário) AR por nível de atividade física kcal/dia Rapazes 1 ano 777 2 anos 1028 3 anos 1174 Raparigas 1 ano 712 2 anos 946 3 anos 1096 AR, Average Requirement * A EFSA estima as necessidades energéticas médias considerando o metabolismo basal (MB), sendo este calculado através da equação preditiva de Henry (2005) e utilizando a mediana da estatura e da massa corporal que constam nas curvas de crescimento da OMS para crianças do 1 aos 2 anos (WHO Multicentre Growth Reference Study Group, 2006) e das curvas de crescimento de crianças da União Europeia (UE) para crianças e adolescentes dos 3 aos 17 anos (van Buuren, 2012). O MB é depois multiplicado pelo nível de atividade física ajustado para idade, sendo também tido em conta o dispêndio energético necessário para o crescimento (1%). Para esta faixa etária, entre 1-3 anos, a EFSA considera apenas o nível de atividade física baixo ou sedentário (1.4 PAL). Nesta faixa etária, a distribuição do conteúdo energético da dieta pelos macronutrientes deve respeitar 45-60% de hidratos de carbono, 35-40% de lípidos e a proteína é calculada em g/kg/dia, sendo determinante a qualidade nutricional dentro de cada grupo (EFSA, 2010b; EFSA 2010c; EFSA, 2012). No que respeita aos hidratos de carbono, os digeríveis são a principal fonte de energia do corpo humano, enquanto os hidratos de carbono não digeríveis, vulgarmente chamados fibra, são importantes pela sua função de regulação MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 34 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações do trânsito intestinal (volume fecal), bem como pela sua função prebiótica (estimulação e desenvolvimento de uma microflora saudável), para além de outras funções metabólicas benéficas. Relativamente aos açúcares livres (adicionados ou naturalmente presentes em alguns alimentos) a EFSA não estabeleceu limite superior, mas alerta que o alto consumo de açúcar aumenta o risco de cáries (EFSA, 2018). Já a OMS recomenda um consumo inferior a 10% (idealmente inferior a 5%) enquanto a European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) define os 5% como valor máximo, tendo em conta o valor energético total (EFSA, 2018). Importa referir que o açúcar naturalmente presente nos frutos inteiros (frutose), bem como a lactose nas quantidades naturalmente presentes no leite (humano, vaca, cabra), não são considerados açúcares livres. Ao invés, os açúcares (mono ou dissacáridos) adicionados a alimentos ou bebidas (pela indústria, na confeção, ou pelo consumidor), bem como os naturalmente presentes no mel, xaropes, sumos e concentrados de fruta, são açúcares livres. Estudos recentes demonstram uma forte associação entre o consumo de frutose, nomeadamente na dependência de bebidas açucaradas, e o risco de esteatose (doença hepática gorda não alcoólica) e doença hepática gorda não alcoólica, já em idade pediátrica (Ribeiro, 2018). O açúcar deve, pois, ser apenas consumido como parte de uma refeição principal e na sua forma natural. A quantidade total diária de fibra a ingerir por crianças desta faixa etária varia entre 6 e 9,8g por dia para raparigas de 1 ano e rapazes de 3 anos, respetivamente (EFSA, 2010b; EFSA, 2017a). No que respeita aos lípidos, para além das funções previamente referidas como constituintes estruturais essenciais das membranas celulares e veículo das vitaminas lipossolúveis, são ainda uma forma eficaz de armazenamento de energia. Neste grupo etário devem constituir 35-40% da energia ingerida, sendo muito importante a sua distribuição qualitativa (EFSA, 2010c). Tal como para o lactente, também para a criança pequena a EFSA não propõe valores de referência para a maioria dos componentes dos lípidos. No entanto, no que diz respeito à gordura saturada da dieta refere que o seu valor deve ser o mais baixo possível, enquanto a OMS diz que, para crianças a partir dos 2 anos, a ingestão não deve ultrapassar os 8% da carga energética total, com uma proveniência essencialmente da gordura láctea e da gordura animal da carne (EFSA, 2010c; WHO, 2010). A gordura láctea, apesar de saturada, não parece ser aterogénica (Givens, 2016; Mancini, 2015; Fattore, 2014; Innis, 2016; Berry, 2009), apresentando-se na forma de triacilglicerol (três ácidos gordos ligados a uma molécula de glicerol), em que o ácido palmítico (ácido gordo saturado) se apresenta como ß-palmitato em cerca de 40%, isto é, esterificado na posição 2. Esta posição está associada a maior absorção intestinal desta gordura, bem como a maior absorção de cálcio, pois as posições 1 e 3 facilitam a formação de sabões e excreção fecal destes nutrientes. De facto, a posição do palmitato na molécula do glicerol bem como outras alterações na estrutura das moléculas de triacilglicerol decorrentes de processos de inter-esterificação, parecem influenciar o perfil lipídico pós-prandial do plasma e o seu metabolismo. Importa referir que o recente alerta da EFSA (2016) quanto ao óleo de palma (ácido palmítico) utilizado na indústria alimentar está relacionado com os contaminantes gerados no processo de refinação e não propriamente com as suas características nutricionais. De igual modo, relativamente à gordura polinsaturada da dieta a EFSA não estabelece nenhum valor diário de referência, mas segundo a OMS esta não deve ultrapassar os 15 % e os 11 % da carga calórica total, respetivamente dos 6 aos 24 meses e a partir dessa idade (WHO, 2010). Os ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa (LC-PUFA) das famílias ómega 3 e ómega 6 são importantes constituintes das membranas celulares (especialmente cérebro e retina) que podem ser sintetizados a partir dos respetivos ácidos gordos essenciais ómega 3 e ómega 6 [ácido linoleico (C18:2n-6, LA) e ácido alfa-linolénico (C18:3n-3, ALA)], ou ingeridos como nutrientes preformados na dieta. O equilíbrio entre ácidos gordos ómega 3 e ómega 6 tem importante influência na modulação da resposta alérgica e MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 35 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações inflamatória (Mena, 2008; EFSA, 2010c). A EFSA (EFSA, 2010c) estabeleceu como valor diário de referência uma ingestão adequada (AI) de 4% do valor energético para o ácido linoleico e de 0,5% para o ácido α-linolénico. Os ácidos gordos ómega 3 major são o ácido eicosapentaenóico (C20:5n-3, EPA) e o ácido docosahexaenóico (C22:6n-3, DHA). O peixe gordo e vários mariscos são excelentes fontes de EPA e DHA, presumindo-se que as necessidades nutricionais aos 2 – 3 anos de idade poderão ficar asseguradas com uma a duas refeições de peixe gordo/semana ou 250 mg/dia de EPA e DHA. Relativamente à família dos ácidos gordos ómega 6, os óleos vegetais e os frutos gordos (amêndoa, noz, avelã, castanha) são os seus maiores fornecedores, pelo que devem fazer parte de uma dieta equilibrada. Também no que diz respeito à gordura monoinsaturada da dieta, a EFSA não estabelece nenhum valor de referência para este grupo etário. O azeite, utilizado cru ou como gordura culinária, é constituído por cerca de 78% de ácidos gordos monoinsaturados (MUFA), em que o ácido oleico é um dos maiores componentes bioativos, a par de muitos outros constituintes com capacidade antioxidante (vitamina E, carotenos, compostos fenólicos, entre outros) (Rodrigues, 2012). O colesterol tem um papel vital no organismo humano, sendo um componente essencial de todas as membranas celulares e da mielina, bem como percursor de hormonas esteroides, de lipoproteínas e dos ácidos biliares, desempenhando estes, por seu turno, uma função essencial para a absorção intestinal do colesterol, de outros lípidos e de vitaminas lipofílicas (A,D,E,K). Não sendo essencial (porque é sintetizado endogenamente), não é pacífico ter um valor de referência como teto, tendo em conta a sua importância. Efetivamente a EFSA não o define, alertando, no entanto, para a limitação da ingestão de ácidos gordos saturados, que parece estar associada à elevação da fração aterogénica do colesterol (LDL-c: lipoproteína de baixa densidade - colesterol) (EFSA, 2010c). Também não é desejável a ingestão excessiva de colesterol, pela consequente elevação do seu teor sérico e especialmente se da sua fração LDL-c. Finalmente, a gordura trans, resultante da hidrogenação de óleos vegetais e cujas fontes são essencialmente os alimentos processados e pré-preparados, está associada a efeitos metabólicos deletérios, nomeadamente a aterogenicidade. A EFSA não estabelece nenhum valor, dizendo apenas que deve ser o mais baixo possível, enquanto a OMS recomenda um consumo inferior a 1% a partir dos 2 anos (EFSA, 2010c; WHO, 2010). As proteínas da dieta são os únicos macronutrientes azotados, fonte de aminoácidos essenciais para o crescimento e a manutenção tecidulares, bem como indispensáveis na constituição de numerosíssimos fatores bioativos funcionais, quer de carácter imunológico, quer hormonal, enzimático, inflamatório e de transporte, entre outros. A qualidade da proteína está na dependência da sua utilização, bem como do teor em aminoácidos essenciais (não sintetizados no organismo) e, portanto, dependentes do aporte da dieta. Os alimentos de origem animal com um elevado conteúdo proteico são a carne, o peixe, os ovos e o leite e derivados, cuja proteína tem elevada qualidade. Os alimentos de origem vegetal com teores mais elevados de proteína são os cereais, as leguminosas e os frutos gordos, como as nozes, mas a sua qualidade nutricional é inferior. De notar, que o tratamento tecnológico muitas vezes dado às proteínas durante o seu processo de extração ou durante a produção de alimentos, pode modificar as suas características, as suas propriedades e a sua qualidade nutricional. As recomendações relativamente às necessidades proteicas para crianças no 2º e 3º anos de vida podem ser observadas na Tabela 9. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 36 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações Tabela 9. Recomendações proteicas para crianças de 2-3 anos (EFSA, 2012). Peso de referência* PRI AR PRI Rapazes Raparigas Rapazes Raparigas g/kg/dia g/kg/dia Kg Kg g/dia g/dia 1 ano 0,95 1,14 10,2 9,5 12 11 2 anos 0,79 0,97 12,7 12,1 12 12 3 anos 0,73 0,90 14,7 14,2 13 13 AR, Average Requirement; PRI, Population Reference Intake * Peso de referência baseado no percentil 50 para crianças europeias (van Buuren, 2012) Micronutrientes Os micronutrientes são elementos essenciais, necessários em pequenas quantidades diárias (daí a designação de micronutriente) e não são sintetizados no organismo, pelo que a sua adequação depende exclusivamente do aporte exógeno, nomeadamente da ingestão na dieta. São responsáveis por assegurar a homeostasia e a saúde, pois desempenham inúmeras funções fisiológicas. São eles os minerais, as vitaminas e os flavonóides, entre outros. A necessidade em micronutrientes de crianças de 2-3 anos pode ser observada na Tabela 10 (EFSA, 2017a). Tabela 10. Recomendações em micronutrientes para crianças nos 2º e 3º anos de vida (1-3 anos) (EFSA, 2017a). PRI/AI* AR 1-3 anos 1-3 anos Vitaminas Lipossolúveis Vitamina A (μg/dia) 250 205 Vitamina D (μg/dia) 15*(1) n.d. Vitamina E (mg/dia) 6*(2) n.d. Vitamina K (μg/dia) 12* n.d. Vitaminas Hidrossolúveis Vitamina B1 (mg/MJ) 0,1 0,072 Vitamina B2 (mg/dia) 0,6 0,5 Vitamina B6 (mg/dia) 0,6 0,5 Vitamina B12 (μg/dia) 1,5* n.d. Niacina (mg NE/MJ) 1,6 1,3 Colina (mg/dia) 140* n.d. Ácido fólico (μg DFE/dia) 120 90 Vitamina C (mg/dia) 20 15 Ácido pantoténico (mg/dia) 4* n.d. Biotina (μg/dia) 20* n.d. Minerais Cálcio (mg/dia) 450 390 Ferro (mg/dia) 7 5 Selénio (μg/dia) 15* n.d. Zinco (mg/dia) 4,3 3,6 Magnésio (mg/dia) 170* n.d. Fósforo (mg/dia) 250* n.d. MINISTÉRIO DA SAÚDE | DIREÇÃO-GERAL DA SAÚDE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL DOS 0 AOS 6 ANOS 37 CAPÍTULO Nº 3 – Necessidades nutricionais: recomendações PRI/AI* AR 1-3 anos 1-3 anos Iodo (μg/dia) 90* n.d. Cobre (mg/dia) 0,7* n.d. Molibdénio (μg/dia) 15* n.d. Manganês (mg/dia) 0,5* n.d. Sódio (g/dia) n.d. n.d. Flúor (mg/dia) 0,6*

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