Meningoencefalites - Práticas em Pediatria 2017.2 PDF

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UCB

2017

Isabela Moura

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meningoencefalite infecção sistema nervoso central medicina

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Este documento apresenta um resumo da meningoencefalite, descrevendo as infeções do sistema nervoso central. O documento aborda diferentes tipos de microrganismos que podem causar a meningoencefalite e a via de invasão do SNC.

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Práticas em Pediatria 2017.2 MENINGOENCEFALITES - Carlinhos Isabela Moura - MED UCB XXVI INFECÇÃO - Infecção: presença de um microrganismo no corpo humano, que leva a um desequilíbrio e induz a alteração da homeostasia, gerando manifestações clínicas. As manifestações clínica...

Práticas em Pediatria 2017.2 MENINGOENCEFALITES - Carlinhos Isabela Moura - MED UCB XXVI INFECÇÃO - Infecção: presença de um microrganismo no corpo humano, que leva a um desequilíbrio e induz a alteração da homeostasia, gerando manifestações clínicas. As manifestações clínicas podem ser decorrentes tanto da resposta do hospedeiro (ex: hepatite B) quanto da atuação direta do agente infeccioso (ex: hepatite A). - O que favorece a presença da infecção: qualquer coisa que diminua a capacidade do hospedeiro de se defender de determinado ataque (diminua sua imunocompetência), ou que leve ao favorecimento do agente (ex1: baixas condições de higiene do local => maior proliferação e transmissão; ex2: o trato urinário é um local em que a E. coli consegue se aderir por meio de suas adesinas, colonizando e eventualmente rompendo a homeostasia, causando assim o dano — infecção urinária => maior patogenicidade/virulência, nesse exemplo devido ao ambiente propício). - Portanto, sempre levar em consideração que os fatores de risco para estados infecciosos são basicamente aqueles que FAVORECEM o agente e DESFAVORECEM o hospedeiro. - É importante também entender que a competência imune não compreende apenas a imunidade humoral e celular, mas também a presença de barreiras físicas que impeçam a invasão/proliferação. - Colonização: presença de um microrganismo capaz de se multiplicar em determinado local, porém não sendo capaz de levar a uma alteração da homeostasia, logo, sem levar à presença de manifestações clínicas. - Contaminação: presença de um microrganismo em objetos inanimados. INFECÇÃO DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Como o microrganismo atinge o SNC? - Solução de continuidade: rompimento das barreiras físicas de proteção. Microrganismos externos. - Via hematogênica: é necessária a presença de bacteremia (não é necessária sepse, que é a presença do agente associada a resposta inflamatória sistêmica). Por que nestes casos a bacteremia causaria infecção preferencialmente ao SNC, e não a outros sistemas a princípio/concomitantemente? Fatores: i) proximidade do sítio nervoso à árvore respiratória superior, devendo-se sempre considerar os microrganismos respiratórios como sendo agentes causadores de infecções nervosas, e ii) incompetência do sistema imune uma vez que há rompimento da barreira hematoencefálica (BHE) e o agente atinge o SNC (células da Glia são fixas). - Por contiguidade: infecções em locais próximos se estendem ao SNC, por aumento da porosidade das estruturas causada pela inflamação. Microrganismos mais comuns: via aérea superior (Streptococcus, Heamophilus influenzae, etc). - Sendo assim, independente da via de infecção, normalmente a história do paciente com uma meningoencefalite se inicia com uma IVAS. Ocorre acúmulo de germes que vencem as defesas das vias aéreas. A transmissão, portanto, ocorre geralmente por via respiratória. - Ocorre, portanto, de preferência em crianças institucionalizadas (creches, salas de aula) ou que tem contato com contactantes que frequentam esse tipo de ambiente; possui predomínio no inverno (pessoas confinadas respirando o mesmo ar). - Epidemiologia: inverno, crianças pequenas, com imunocompetência ruim, sem vacinação, sem ama- mentação, desnutridas, que frequentam creches, escolas (informações importantes na ANAMNESE). !1 Práticas em Pediatria 2017.2 MENINGOENCEFALITES - Carlinhos Isabela Moura - MED UCB XXVI BACTÉRIAS - Recém-nascidos: germes que habitam o trato genital feminino (Gram-negativos entéricos — E. coli, Klebsiella, Salmonella, Enterobacter —, Streptococcus, Listeria monocytogenes). - Lactentes: bactérias da pele e do trato respiratório (Streptococcus pneumoniae — pneumococo, Haemophilus influenzae tipo B — Hib, Neisseria meningitidis — meningococo). - Crianças maiores/adolescentes/adultos: pneumococo, meningococo. Hib pode até causar infecção, porém não é grave. - Idosos: pneumococo, meningococo, Hib. Se a infecção for causada por outros tipos de agentes que não bactérias, a epidemiologia será muito específica e a anamnese irá demonstrar os fatores associados para o raciocínio diagnóstico (ex: fungo adquirido em caverna). Alguns agentes podem causar infecção de uma forma em que não seja necessária uma epidemiologia tão específica, mas que seja necessária uma epidemia. Portanto, há mais chance de adquirir uma infecção do SNC em períodos de epidemias de vírus de transmissão respiratória. Vírus que possuem mais facilidade de se desenvolver junto ao material orgânico do SNC: caxumba, CMV, etc. Com o advento da imunização, os vírus se tornaram mais comuns que as bactérias. PATOGÊNESE Ao conseguir quebrar a barreira hematoencefálica e atingir o SNC por meio do polígono de Willis (disseminação hematogênica), o microorganismo se coloniza e uma resposta inflamatória é desencadeada. Os principais sinais da resposta inflamatória aguda estão relacionados à resposta vascular com vasodilatação gerando rubor e calor, aumento da permeabilidade vascular gerando edema, aumento da pressão tissular causando dor (compressão às terminações nervosas), seguindo-se a perda de função (pêntade de Virchow). Pelo fato da caixa craniana ser um compartimento fechado, o afluxo aumentado de sangue secundário à resposta inflamatória causa aumento da pressão intra-craniana de modo difuso, assim como um edema vasogênico/intersticial. Embora o SNC possua um mecanismo de autorregulação da PIC, a medida que a pressão aumenta, a compressão das estruturas impede o sangue de circular livremente e alcançar os neurônios, havendo prejuízo no transporte de oxigênio. Sem oxigênio, a célula se despolariza (sódio entra para a célula e potássio sai da célula) porém não consegue se repolarizar, havendo perda da função. Com a entrada de sódio, ocorre também entrada de água, iniciando-se desta maneira um edema celular. Se o edema for importante, a célula pode se romper. Da pêntade de Virchow, o único sinal ausente é a dor, pois não existem nociceptores no tecido nervoso. O aumento da pressão causa compressão do córtex (substância cinzenta) contra a calota craniana, causando hipóxia e, a depender da região cefálica afetada, gera sintomas específicos. Como o aumento da pressão é difuso, ocorre comprometimento cortical também difuso, podendo haver alterações relacionadas a todos os lobos cerebrais (frontal, parietais, temporais, occipital). Se houver compressão da medula (substância branca), onde estão presentes as fibras nervosas, há diminuição da transmissão do impulso nervoso. A depender da magnitude do processo, pode haver inclusive compressão de nervos cranianos. Se houver !2 Práticas em Pediatria 2017.2 MENINGOENCEFALITES - Carlinhos Isabela Moura - MED UCB XXVI compressão dos núcleos cerebrais, que comandam o sistema nervoso autônomo (centro do vômito, centro respiratório, centro vasomotor, etc), pode haver alteração do controle de vasodilatação/vasoconstrição, incoordenação respiratória, vômitos, etc. Quando o estímulo do vômito é periférico, há estimulação dos receptores gastrintestinais e o sinal é conduzido ao sistema nervoso, sinalizando ao organismo por meio do arco-reflexo que o agente causador seja eliminado. Desta maneira, as náuseas são iniciadas com o intuito de provocação do vômito. Quando o estímulo é de origem central, como nos casos de aumento da PIC, não há náuseas, pois houve estímulo direto do centro do vômito. É popularmente/erroneamente designado de vômito em jato, pois todo vômito é em jato. Se houver compressão das meninges, lá sim há presença de nociceptores, causando portanto dor, caracterizada pela cefaleia holocraniana. Todas as manifestações causadas pelo aumento da PIC caracterizam a SÍNDROME DE HIPER- TENSÃO INTRACRANIANA. Para a maioria dos autores, há também uma alteração comportamental importante, caracterizando também uma SÍNDROME COMPORTAMENTAL (agressividade, agitação, irritabilidade). Porém, a alteração comportamental não é o principal fator que chama a atenção do quadro, e sim a síndrome de hipertensão intracraniana precedida por como astenia, redução do apetite, febre alta, caracterizando um SÍNDROME INFECCIOSA. As meninges se estendem ao longo da medula e acompanham os nervos periféricos em sua emergência. Com a irritação meníngea, há também irritação das raízes nervosas motoras, causando a rigidez de nuca, que é manifestada pela limitação passiva da flexão do pescoço. Os sinais de Kernig, Brudzinski e Lasègue são manobras provocativas que causam flexão da coluna vertebral e consequentemente distensão das meninges, com encurtamento do espaço das raízes nervosas já inflamadas e sua compressão, provocando dor. Esses sinais caracterizam a SÍNDROME DE IRRITAÇÃO MENINGORRADICULAR. Ela pode ou não estar presente. Quando presente, há a certeza de uma meningite associada. Quando ausente, há apenas a encefalite. A meningoencefalite portanto se caracteriza pela inflamação do encéfalo e da medula espinhal, associada a síndrome infecciosa + síndrome de hipertensão intracraniana + síndrome comportamental + síndrome de irritação meningorradicular. Sinal de Kernig Sinal de Brudzinski Sinal de Lesègue DIAGNÓSTICO - Exames inespecíficos: - Hemograma: leucocitose. Sua interpretação é complementar, e depende do que foi encontrado na anamnese e exame físico. A alteração varia de acordo com o agente causador da infecção. - Provas de atividade inflamatória. Não comprova a infecção, apenas a inflamação. - Hemocultura. Comprova a bacteremia, mas não a infecção no SNC. !3 Práticas em Pediatria 2017.2 MENINGOENCEFALITES - Carlinhos Isabela Moura - MED UCB XXVI - Exame que comprova a infecção no SISTEMA NERVOSO CENTRAL: coleta do liquor. - Punção liquórica + análise do liquor. - A punção na região lombar é a mais realizada pois neste local encontra-se apenas a cauda equina, não havendo possibilidade de lesão medular. - Outras formas de obtenção do líquor: transfontanelar (RN), suboccipital, etc. - Contra-indicação ABSOLUTA à punção lombar: presença de infecção no local da punção (piodermite). - Contra-indicação relativa: hipertensão intracraniana. Em neonatos, a punção pode ser realizada pois a presença de fontanelas não deixa a hipertensão ser severa. Em crianças maiores, a punção é contra- indicada por risco de herniação. Apesar da PIC elevada, o risco de herniação é raro. Deve-se realizar uma TC de crânio para excluir a possibilidade de HIC. - Se a punção não for realizada, deve-se obrigatoriamente tratar o paciente agressivamente. - O liquor é um fluido filtrado do sangue através da barreira hematoencefálica. Em situações normais, células não devem ultrapassar essa barreira. Se houver um processo inflamatório na membrana, há aumento de sua permeabilidade/porosidade, havendo extravasamento de células. Por ser um filtrado sanguíneo, sua composição irá depender das células presentes no sangue, portanto existe certa especificidade a depender da etiologia da meningoencefalite. - Avaliação do liquor: - Pressão de abertura - Coloração/Aspecto: o liquor normal é límpido e incolor como “água de rocha”. O aumento dos elementos figurados causa turvação no LCR, variando sua intensidade de acordo com a quantidade e o tipo desses elementos. - Contagem de células: contagem global (citometria) e contagem específica (citologia). - Bioquímico: dosagem de glicose e proteínas são as principais. A glicorraquia normal deve corresponder a pelo menos 2/3 da glicemia. - Prova do látex: pesquisa de antígenos bacterianos. Devem ser solicitados especificamente. - Exame microbiológico: detecta a presença de bactérias por meio da bacterioscopia (o método de coloração deve ser específico para o que se deseja pesquisar), cultura (o meio de cultura deve ser específico para o que se deseja pesquisar) e PCR (pesquisa do material genético; em geral é muito caro, portanto seu uso é restrito aos vírus). - Reação de Pandy: pesquisa de anticorpos bacterianos. !4 Práticas em Pediatria 2017.2 MENINGOENCEFALITES - Carlinhos Isabela Moura - MED UCB XXVI TRATAMENTO - O diagnóstico altamente específico é para direcionar o tratamento. - Medidas de suporte (se processo viral, apenas as medidas de suporte são suficientes): - Oxigenação. - Aporte hídrico e calórico: não se faz restrição hídrica, a quantidade de água necessária é aquela que mantém o paciente euvolêmico. Tomar cuidado com uma possível intensificação da HIC. - Cuidado ambiental: a depender do ambiente, pode-se aumentar a excitabilidade do paciente (ex: risco de convulsão) e a transmissibilidade do agente potencialmente patogênico (isolamento respiratório por 24-48h após o início da antibioticoterapia). - Corticóide: não se utiliza com o intuito de reduzir edema cerebral. Pode-se fazer uso de corticoide com o objetivo de redução de dano, como em casos de proteinorraquia muito elevada que esteja obstruindo os condutos e impedindo a livre circulação do LCR. - Manitol: reduzir a PIC em quadros convulsivos não responsivos a anticonvulsivantes. Deve-se associar as duas drogas. - Antibioticoterapia (se processo bacteriano): - Recém-nascido: penicilina — ampicilina (gram+) + aminoglicosídeo — gentamicina (gram-). - As cefalosporinas de 3ª geração são transportadas no sangue através da albumina, desta maneira competindo com a bulirrubina pelo sítio de ligação. A bilirrubina livre circulando em um sistema em que a barreira hematoencefálica se encontra inflamada, como nas meningoencefalites, propicia a impregnação dos núcleos e desenvolvimento de Kernicterus. Portanto, não se deve usar cafelosporinas de 3ª geração em recém-nascidos. - Crianças/adultos: ceftriaxona (cefalosporina de 3ª). PROFILAXIA - DOENÇA DE NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA. - Vacina Hib. - Vacina pneumococo. - Vacina meningococo A e B (não há para C). QUIMIOPROFILAXIA - Rifampicina: tuberculose. - Haemophilus: contactantes próximos (familiares) e colegas de classe. - Pneumococo: contactantes próximos (familiares). !5

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