Introdução à Farmácia 2024/25 PDF

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Instituto Politécnico do Porto, Escola Superior de Saúde

António Carvalho

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This document is an introductory lecture to the course of Pharmacy, which explores the historical origins of medicine and pharmacy, tracing their development from ancient times. It examines the early understanding of diseases and the initial treatments utilized, highlighting the role of herbs and natural remedies.

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INSTITUTO POLITÉCNICO DO PORTO Escola Superior de Saúde Curso de Farmácia Disciplina: Introdução à Farmácia, teórica Ano letivo: 2024/25 1ºSemestre Docente: António Carvalho Introdução à Farmácia Perde-se no tempo a forma como a Medicina e a Farmácia surgiram, há cerca de 80.000 mil anos os...

INSTITUTO POLITÉCNICO DO PORTO Escola Superior de Saúde Curso de Farmácia Disciplina: Introdução à Farmácia, teórica Ano letivo: 2024/25 1ºSemestre Docente: António Carvalho Introdução à Farmácia Perde-se no tempo a forma como a Medicina e a Farmácia surgiram, há cerca de 80.000 mil anos os Homens Primitivos já faziam os primeiros registos da existência de plantas que eram usadas com fins medicinais, gravando em ossos de animais tais referências. Para estes povos a doença tinha origem em espíritos malignos, invadindo os corpos e provocando as doenças, os curandeiros foram os primeiros a manipular as plantas com fins terapêuticos com o intuito de expulsar os espíritos malignos causadores de doença. Independentemente da sua origem cultural a Medicina-Farmácia e Religião andaram de mãos dadas até há bem pouco tempo. A doença era causada ou por Acão direta dos deuses ou por intervenção do demónio. Desta interpretação factual resultavam práticas de diagnóstico e terapêuticas especificas, o diagnóstico baseava-se essencialmente em saber qual o pecado que o doente praticou, que demónio se apoderara do seu corpo e quais os seus objetivos dos deuses. A terapêutica tinha como objetivo a reconciliação do doente-pecador com os deuses, através da oração e de sacrifícios bem como a expulsão dos demónios tendo na sua base técnicas de encantamento e magia. Estas características da mitologia mesopotâmica e egípcia relacionadas com a doença surgem do mesmo modo na mitologia e medicina greco-romana. A Farmácia desde o seu início sempre teve uma ligação “visceral” com a Medicina, paulatinamente ao longo da sua história foi-se efetuando a separação e autonomia entre estas enquanto ciência. O termo Farmácia segundo alguns autores deriva do termo Grego Pharmakon significando remédio. Asclépio A Medicina racional grega não implicou uma rutura com as crenças mágico-religiosas, mantendo-se um florescente culto a Asclépio, depois latinizado como esculápio. Asclépio é filho de Apolo e da ninfa Coronis. Como deus solar (não o deus do sol: Hélios), Apolo é também deus da saúde (Alexikakos), devido às propriedades profiláticas do sol. O facto de Apolo ter tirado o filho do ventre da mãe no momento em que esta se encontrava na pira funerária, confere-lhe o simbolismo de deus da medicina logo à nascença: a 1 vitória da vida sobre a morte. Acusado de diminuir o número dos mortos, Asclépio foi morto por um raio de Zeus. Esta saga heroica, cantada pelo poeta Píndaro (522 - 443 a.C.), traduziu-se depois na deificação de Asclépio, transformado em Deus e tornado imortal por vontade divina. O seu culto terá começado em Epidauro, mas também existiam templos ou santuários (asklépieia) em outros locais, como Kos, Knidos e Pérgamo, onde os sacerdotes se dedicavam à cura de doentes A cura nos templos de Asclépio era feita através da incubatio, que consistia em os doentes passarem a noite no templo, normalmente em grupo, onde eram revisitados individualmente pelo deus nos seus sonhos. Este curavaos dando-lhes indicações a seguir no seu tratamento ou praticando um milagre, que tomava a forma de uma administração de medicamentos ou de um ato cirúrgico, praticado pelo próprio deus. A ausência de incompatibilidade entre a medicina racional grega e o culto de Asclépio é atestada pelo facto de este ser geralmente considerado o patrono dos médicos, um papel que seria anterior ao da difusão do seu culto como deus. O próprio juramento de Hipócrates se inicia com a invocação aos deuses: “Juro por Apolo médico, por Asclépio, por Higeia e Panaceia, por todos os deuses e deusas, fazendo-os minhas testemunhas, que eu cumprirei inteiramente este juramento de acordo com as minhas capacidades e discernimento”. Hipócrates Figura: Teoria dos Humores. A fisiologia de Hipócrates, e, portanto, a sua patologia geral, segundo as quais a vida era mantida pelo equilíbrio entre quatro humores: Sangue, Fleuma, Bílis Amarela e Bílis Negra, procedentes, respetivamente, do coração, cérebro, fígado e baço. Cada um destes humores teria diferentes qualidades: o sangue era quente e húmido, a fleuma era fria e húmida, a bílis quente e seca e a bílis negra 2 fria e seca. Segundo o predomínio natural de um destes humores na constituição dos indivíduos, teríamos os diferentes tipos fisiológicos: o sanguíneo, o fleumático, o bilioso ou colérico e o melancólico. A doença seria devida a um desequilíbrio entre os humores, tendo como causa principal as alterações devidas aos alimentos, os quais, ao serem assimilados pelo organismo, davam origem aos quatro humores. Entre os alimentos, Hipócrates incluía a água e o ar. A febre seria devida à reação do corpo para cozer os humores em excesso. O papel da terapêutica seria ajudar a physis a seguir os seus mecanismos normais, ajudando a expulsar o humor em excesso ou contrariando as suas qualidades. Deu grande importância à dieta, aos exercícios corporais e utilizou as ventosas e mesmo a sangria, embora não lhes atribuísse a importância que vieram posteriormente a ter. Os medicamentos eram encarados como um recurso secundário É tradicionalmente atribuído a Hipócrates uma vasta obra constituída por mais de cinquenta livros constituindo o Corpus Hippocraticum, sabendo-se no entanto que apenas uma parte dessa obra foi escrita por Hipócrates. Hipócrates é considerado o fundador da Ética Médica, sendo o seu nome associado a um Juramento ainda utilizado em vários países, embora com adaptações várias, pelos médicos recém-licenciados. Este juramento parece ser anterior ao próprio Hipócrates e constituir um contrato entre um aluno e o seu mestre médico. Existem poucas diferenças entre a medicina grega e romana. O deus grego da medicina Asclépio, chama-se Esculápio e muitos dos médicos influentes em Roma, como Galeno, são de origem grega. A profissão médica tinha estatuto social baixo e a prática da medicina era considerada como pouco adequada para os cidadãos romanos. Entre as figuras mais importantes da medicina e da farmácia em Roma destacam-se figuras como Dioscórides e Galeno. Dioscórides É considerado o fundador da Farmacognosia através da sua obra, constituída em 5 livros nela se descrevem cerca de 600 plantas, 35 fármacos de origem animal e 90 de origem mineral dos quais só cerca de 130 já apareciam no Corpus Hippocraticum e 100 ainda são considerados como tendo atividade farmacológica. A sua influência foi enorme até ao séc. XVIII existindo inúmeras traduções do grego para um grande número de línguas. Dioscórides não seguiu nenhuma escola ou sistema médico em particular: a sua obra é essencialmente empírica e manteve-se afastada das controvérsias médicas do seu tempo, apesar disso procurou desenvolver um método para observar e classificar os fármacos pelas suas afinidades, observadas através da ação no corpo humano, foi claramente esquecido nos séculos seguintes pelos editores e comentadores da sua obra que a reorganizaram colocaram os fármacos por ordem alfabética. Da mesma forma que aconteceu com a anatomia, a matéria médica e a botânica ganharam uma nova perspetiva durante o Renascimento. O movimento inicia-se 3 com o interesse pelo estudo direto dos autores clássicos. As obras de Galeno, Dioscórides encontravam-se disponíveis durante a Idade Média, mas o seu estudo era normalmente feito através de autores árabes. As compilações elaboradas por estes autores apresentavam várias vantagens, como a síntese entre as complementaridades de Galeno e Dioscórides. Galeno Nasceu em Pérgamo no ano de 129, estudando aí Medicina, foi médico de gladiadores e foi viver para Roma onde veio a atingir uma posição conceituada, vindo a ser posteriormente nomeado médico do filho do imperador Marco Aurélio. Baseou-se na Medicina Hipocrática para criar um sistema de patologia e terapêutica de grande complexidade e coerência interna. Galeno escreveu bastante sobre farmácia e medicamentos, apesar de nas suas obras se encontrarem apenas cerca de 450 de referências a fármacos, menos de metade do que se podia encontrar na obra de Dioscórides. Do ponto de vista terapêutico a grande linha de força do galenismo foi a transformação da patologia humoral numa teoria racional e sistemática em relação à qual se tornava necessário classificar os medicamentos. Assim tendo em vista utilizar os medicamentos que tivessem propriedades opostas às da causa da doença, galeno classificou-os em três grandes grupos, segundo um critério fisiopatologico humoral, o primeiro grupo incluía os simplicia, aqueles que possuíam apenas uma das quatro qualidades, seco, húmido, quente e frio, o segundo grupo era dos compósita, quando estes possuíam mais do que uma qualidades, e finalmente o terceiro grupo que incluía os que atuavam segundo um efeito especifico inerente à própria substancia como os purgantes e outros. A aplicação dos medicamentos na terapêutica galénica dependia de vários fatores, como a personalidade do doente, a sua idade, raça e o clima, que afetavam a própria natureza da mistura dos humores no corpo humano. O temperamento das crianças seria mais sanguíneo e dos idosos mais fleumático, pelo que os primeiros necessitavam de um medicamento frio em maior grau que os últimos para o tratamento de uma febre, o atributo do medicamento era essencialmente qualitativo e não quantitativo, a dose não seria tão importante, ao contrário das qualidades que o medicamento evidenciava, estas mais importantes. Para a determinação das qualidades tanto presentes nas doenças como nos medicamentos a patologia e a farmacologia galénicas recorriam aos caracteres organolépticos, principalmente ao sabor e ao odor. Assim aos quatro gostos primários amargo, azedo, salgado e doce correspondiam respetivamente os pares de qualidades quente e seco, seco e frio, frio e húmido e húmido e quente na patologia galénica. Naturalmente as especiarias pelas fortes perceções gustativas e olfativas causadas, não só se tornavam mais fáceis de classificar como evidenciavam uma forte atividade farmacológica. Assim, segundo Galeno os coentros tinham qualidades moderadamente quente, por serem ligeiramente doces e adstringentes. Neste quadro teórico é fácil de compreender a utilização terapêutica da pimenta nas dores de cabeça. Sendo uma droga quente e seca, seria adequada para o tratamento de afeções provocadas por uma concentração 4 excessiva de Linfa (Fria e Húmida) na cabeça. Este tratamento é descrito numa conhecida passagem da Crónica de D. Dinis como tratamento da Rainha D. Isabel nas suas dores de cabeça. Depois de atada de pés e mãos era lançado pimenta moída pelo nariz. Desde a antiguidade que as especiarias são utilizadas na terapêutica, o Corpus Hippocraticum referia-se à utilização medicinal de várias especiarias, como a pimenta, o incenso, a mirra, os cominhos, o anis, o tomilho entre muitas outras. Paracelso A primeira corrente médica europeia oposta à Teoria dos Humores desenvolveu-se no século XVI com Paracelso (1493-1541). Theophrastus Philippus Aureolus Bombastus von Hohenheim nasceu na Suíça e era filho de um médico. O nome ``Paracelso'' só foi adotado por volta de 1529, significando “acima de Celso''. Aulo Cornelio Celso era o autor romano de uma De Medicina, que tinha sido redescoberta e impressa há pouco tempo, estando no auge da sua fama. A educação de Paracelso foi mais prática e mística do que seria usual num médico do seu tempo. Com o pai aprendeu a medicina, a botânica, a mineralogia, a metalurgia e a filosofia natural. Aprendeu as artes mágicas e o ocultismo. Também frequentou a escola de minas em Huttenberg e chegou a ser aprendiz nas minas de Schwaz. Neste contexto, desenvolveu um maior interesse pelas manifestações da cultura contemporânea e local, dos camponeses e artesãos e menor veneração pela cultura clássica dos humanistas do seu tempo. Desta forma a obra de Paracelso caracterizou-se por uma profunda religiosidade, por uma simultânea hostilidade à religião organizada e à medicina oficial, e aproximou-se da magia e da alquimia. Embora se mantivesse formalmente como católico, Paracelso desenvolveu uma visão radical, reformista e profética da religião, onde a salvação se encontraria na descoberta das marcas da presença de Deus no mundo natural e na fé popular. Paracelso manifestou grande distanciamento em relação à Medicina universitária do seu tempo, embora ela próprio tenha ensinado durante algum tempo numa Faculdade de Medicina e possa ter estudado noutra. Em Basileia, onde o ensino era parte das suas funções como médico da cidade, Paracelso deu aulas em alemão e não em latim e anunciou que não ensinaria a partir dos autores clássicos, como Hipócrates ou Galeno, mas da sua própria experiência. A filosofia química de Paracelso, o seu pensamento médico e filosófico, é constituída por um conjunto de várias ideias mestras. A primeira é a recusa da teoria humoral como paradigma explicativo da saúde e da doença, substituindo- a por uma filosofia natural de base química. Paracelso não negou a existência dos quatro humores e dos quatro elementos clássicos (Fogo, Ar, Água e Terra), mas deu-lhes um papel inteiramente acessório, passivo, em relação a três outros elementos ou substâncias primárias, o Sal, o Enxofre e o Mercúrio. Este três são deno minados os tria prima e constituiriam os princípios do corpóreo (sal), do inflamável (enxofre) e do volátil (mercúrio). Central no pensamento de Paracelso é a ideia da unidade entre o macrocosmo (o universo, tanto na sua parte terrestre como extra-terrestre) e o microcosmo (o corpo humano). Os corpos vivos seriam 5 compostos tanto de minerais como de espíritos astrais (essentia). Ao pensarmos numa conceção química da natureza e da vida à luz do nosso pensamento de hoje, poderemos imaginar uma teoria assente nos materiais, mas o mundo é visto por Paracelso como controlado por forças espirituais, dirigidas em última análise por um grande mago, Deus. Entre as forças espirituais imaginadas por Paracelso encontram-se sementes, as semina, enviadas diretamente por Deus e os archei, princípios que controlavam vários processos vitais. Mesmo as causas externas das doenças seriam essências espirituais, mas seriam reais e específicas para cada doença. Este era um conceito novo em relação à teoria humoral, onde as doenças seriam originadas por uma conjunção de causas não específicas. Outra das ideias mestres de Paracelso consistia na adesão à teoria das assinaturas. Segundo esta teoria, exposta em grande detalhe no livro Phytognomonica (1588) de Giambattista della Porta (1538-1615), a terra, enquanto palco destinado por Deus para a caminhada do homem para a sua salvação, encontrar-se-ia cheio de animais, vegetais e minerais úteis para o homem, nomeadamente para o seu tratamento, que aí teriam sido colocados pelo Criador para o seu usufruto, e que teriam sido devidamente marcados, assinados, através da sua forma, cor, textura, para que o homem reconhecesse a sua utilidade e a grandeza divina. Assim, um fruto com a forma de um coração teria a assinatura da sua utilidade para doenças cardíacas, ou outro com a forma de um fígado para as doenças hepáticas Durante o Renascimento, o velho conceito galénico dos odores e sabores das drogas como manifestação das qualidades dos medicamentos, junto com o aperfeiçoamento das técnicas de destilação pelos árabes, levou ao desenvolvimento do conceito de princípio ativo e ao aparecimento da química farmacêutica. A aplicação da destilação por via húmida a especiarias e outras drogas aromáticas permitiu a obtenção de essências, onde o odor e o sabor da droga original encontravam-se concentrados. Daí se desenvolveu a ideia de ser possível extrair das drogas um princípio ativo ou essência, que concentrasse as suas qualidades e ação terapêutica, eliminando os componentes supérfluos e aumentando o efeito farmacológico. Um raciocínio análogo foi desenvolvido para as drogas minerais, mas aplicando técnicas metalúrgicas por via seca para a purificação dos metais. Daqui se desenvolveram em paralelo as novas técnicas da química farmacêutica, utilizando as duas vertentes, húmida e seca, aplicadas respetivamente às drogas vegetais e às drogas minerais. A difusão das técnicas de destilação, expostas em livros como o Liber de arte destilandi de Simplicibus (1500) de Hieronimus Brunschwig (1450-1512), popularizou a utilização de essências de especiarias e drogas aromáticas, chamadas vulgarmente águas destiladas, como as essências, quintas-essências ou águas de canela. A separação entre a Medicina e a Farmácia O início do desenvolvimento da medicina e da farmácia monástica é marcado pela fundação no ano 529 no Mosteiro de Montecassino e pela necessidade estatuída em se criar um local próprio para cuidar de enfermos 6 ligado a um serviço religioso e dedicado a esse serviço, surgindo assim a figura do irmão enfermeiro e das celas para enfermos, a que se seguiram as enfermarias, as boticas e os jardins botânicos. Mais tarde a Escola de Salermo foi o centro da formação médica na Europa até finais do séc. XII. Os médicos aí formados espalham-se por todo o continente ao mesmo tempo que se criavam as universidades e se desenvolvia o ensino da Medicina. Algum ensino médico começou a ser ministrado ainda nas escolas clericais, a necessidade de criação de universidades resulta da vontade de professores e alunos em criarem uma estrutura própria, independente das estruturas iniciais clericais, muitas outras universidades pela Europa foram criadas nos anos seguintes. No ensino da medicina o aluno passava por três fases, cada uma das quais correspondendo a um título: bacharel, licenciado e magister, este substituído mais tarde pelo título de doutor. O bacharelato era obtido através de um ou mais exames, depois de 4 anos de estudo, 1 em artes e 3 em medicina. O licenciado tinha de que desenvolver um certo número de textos na forma de lições próprias, assim como assistir a 3 séries de lições teóricas e uma prática, este título dava licença para o exercício da Medicina. Quem quisesse ensinar na universidade teria de obter o título de magister, devendo para isso submeter-se a 2 novos exames e a um período de prática. No séc. XIII depois de este título ter sido introduzido na Faculdade de Direito em Bolonha o título de doutor começou a ser igualmente concedido substituindo o de magister nas Faculdades de Medicina. O desenvolvimento do ensino universitário da medicina deu-se ao mesmo tempo que sofreu um novo impulso o comercio das especiarias orientais através do mediterrâneo, crescendo o número daqueles que se dedicavam ao comercio ambulante de drogas e especiarias. Estes comerciantes, os especieiros, foram sofrendo um progressivo processo de especialização na preparação de medicamentos, aumentando a sua perícia e formação técnica e perdendo progressivamente o carácter ambulante, à medida que a partir do séc. XI a formação medica em geral e a assimilação do saber médico greco-romano aumentavam e que as condições económico-sociais, o desenvolvimento do comercio e crescimento das cidades, o permitiam. O Processo de nobilitação da profissão médica, associado ao domínio do latim e ao ensino universitário, implicava o abandono progressivo das funções manuais, incluindo a preparação de medicamentos, deixando o campo aberto para o crescimento do número de boticários. O mesmo processo de separação se deu entre a medicina chamada de dogmática e a cirurgia, que juntamente com a farmácia constituíam a Medicina ministrante. Ao mesmo tempo os médicos passavam a ter um ensino universitário com professores altamente especializados, os farmacêuticos e cirurgiões mantinham um tipo de formação baseado na aprendizagem com um mestre estabelecido. Os boticários cujo nome se encontra etimologicamente relacionado com a existência de um armazém fixo, foram surgindo por toda a Europa, substituindo os especieiros. O mundo árabe foi o primeiro a desenvolver uma divisão de trabalho entre médicos e farmacêuticos. No Iraque criaram-se estabelecimentos dirigidos por comerciantes de fraca preparação técnico-cientifica, para a venda de medicamentos. 7 A separação de facto entre as duas profissões foi seguida pela separação legal. Em França por volta de 1162 uma postura municipal determina a separação efetiva entre as duas profissões. Em 1240 em Nápoles reafirmou a obrigatoriedade de um curso de tipo superior em Salermo para os médicos ao mesmo tempo que proibiu qualquer sociedade entre médicos e farmacêuticos determinando quês estes deveriam dispensar os medicamentos segundo as receitas médicas e as normas provenientes de Salermo Em Portugal a obrigatoriedade dessa separação foi determinada em 1462. Os primeiros boticários terão surgido em Portugal provavelmente ainda no século XIII. É natural, contudo, que anteriormente já existissem outros profissionais especializados na preparação ou comércio de medicamentos. Os boticários surgiram depois dos especieiros e coexistiram com estes ainda durante algum tempo. O primeiro diploma respeitante à profissão farmacêutica que se conhece em Portugal data de 1338 e determinou a obrigatoriedade de serem examinados pelos médicos do rei todos os que exerciam os ofícios de médico, cirurgião e boticário na cidade de Lisboa. A Farmácia em Portugal nos séculos XVII e XVIII Do ponto de vista da terapêutica, a grande inovação deste período foi o aparecimento da farmácia química. Alguns medicamentos químicos, como o antimónio, já eram utilizados entre nós nos princípios do século XVII. Durante o Século XVII, o antimónio foi popularizado na forma de um remédio secreto, os Pós de Quintílio e vieram instalar-se em Portugal vários químicos e destiladores, na sua maioria estrangeiros. Apesar de todos estes desenvolvimentos a utilização dos medicamentos químicos só foi aceite de forma pacífica pela comunidade médica portuguesa em finais do século. A aceitação dos medicamentos químicos refletiu-se na literatura farmacêutica, particularmente na 2ª edição da Farmacopeia Lusitana (1711) A literatura farmacêutica portuguesa era praticamente inexistente até ao Século XVIII, mas todas se destinavam a ser consultadas por médicos. Só depois da grande expansão do número de entradas na profissão farmacêutica, que se observa desde finais do Século XVII, é que começam a aparecer livros escritos por e para os boticários. Refletindo o destaque da Farmácia Conventual, o primeiro formulário escrito por um boticário e em língua portuguesa, a Farmacopeia Lusitana (1704). A Farmacopeia Lusitana foi escrita para ser utilizado no ensino da Farmácia aos praticantes. Apesar da introdução da química na literatura, observou-se uma resistência passiva à difusão das técnicas químicas na prática farmacêutica. Observou-se uma tendência para a aquisição a terceiros de medicamentos químicos já transformados, de forma a evitar a realização de operações laboratoriais. A grande maioria das boticas não tinha nem as instalações nem o equipamento necessário para a manipulação química, o que resultou da ausência de investimento nas novas técnicas de preparação de medicamentos. A procura de medicamentos era grande e incluía o fornecimento para o império. Além disso, os lucros líquidos das boticas seriam 8 relativamente elevados, pelo que os boticários podiam obter lucros mesmo comprando as matérias-primas já com alto grau de transformação. Os valores das boticas não eram muito elevados e só uma pequena parte do património era constituído pelo capital fixo, como o mobiliário e os instrumentos. Durante toda a primeira metade do século XVIII, assistiu-se em Portugal a uma forte aceleração do número de praticantes que entravam anualmente na profissão farmacêutica através do exame perante o físico-mor. Em vez do enriquecimento dos boticários, observou-se o aumento do seu número. As dificuldades da Farmácia portuguesa dos séculos XVII e XVIII em acompanhar as principais transformações técnico-científicas do seu tempo foram principalmente devidas às suas características sócio-económicas. O seu carácter de ofício mecânico e toda a estrutura sócio-profissional do sistema farmacêutico português de setecentos travaram a renovação técnico-científica até ao século XIX. O nível cultural dos aprendizes era baixo e os filhos dos boticários mais bem-sucedidos, a quem os pais podiam providenciar uma formação adequada, procuravam ascender a níveis sociais mais elevados. A posição social andava a par com a situação económica. Os dados correspondentes a impostos mostram que os médicos ocupavam um lugar muito distanciado do dos restantes profissionais. As poupanças que ficavam nas mãos dos boticários eram em grande parte desviadas para investimentos nobilitantes e não investidas na botica. Muitos boticários aplicavam o seu dinheiro em atividades e rendimentos alheios à farmácia, destacando-se a aquisição de bens de raiz, o empréstimo a juros e o investimento dirigido à ascensão social dos filhos. A posse da botica raramente era reservada aos filhos mais velhos, para os quais preferencialmente se canalizavam importantes recursos tendo em vista a sua entrada no clero. As boticas eram assim transmitidas para os filhos segundos, viúvas, filhas que casavam com praticantes, sobrinhos e outros, o que facilitava a entrada na profissão a partir de níveis sociais mais baixos. Perante este panorama, não é de estranhar que tenham sido muito poucos os boticários dos séculos XVII e XVIII a destacarem-se do ponto de vista científico ou cultural. Até ao séc. XIX, a transmissão dos saberes era realizada através da aprendizagem nas boticas. O acesso à profissão tinha lugar por via de um exame realizado após período de aprendizagem de quatro ou mais anos. No campo das profissões da saúde o ensino de nível superior estava reservado apenas aos médicos através da Universidade de Coimbra. O ensino superior na área da farmácia só se verificou verdadeiramente e 1836, com a criação das Escolas de Farmácia anexas à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e às Escolas Médico-cirúrgicas de Lisboa e Porto. Abriu-se deste modo um novo ciclo profissional aliado ao ensino superior. Tutelado pelos professores de Medicina, e de uma dupla forma de acesso ao exercício profissional. Apesar da existência de Escolas de Farmácia, foi mantido a antiga forma de acesso ao título profissional por via da aprendizagem nas boticas, seguido de um exame final realizado na Faculdade e nas Escolas Médico-cirúrgicas. Deste modo as Escolas de Farmácia não podiam deixar de ser muito rudimentares com uma frequência muito reduzida. Só mais tarde é que se criou a obrigatoriedade de frequência universitária como via exclusiva de acesso à profissão 9 Ética, Moral e Deontologia A palavra Ética tem origem Grega do termo Ethos significando modo de ser, carácter, através do latim mos significando costumes de onde derivou a palavra moral. Em Filosofia Ética poderá significar o que é bom para o indivíduo e para o grupo enquanto sociedade. Moral poder-se-á entender como o conjunto de preceitos, costumes, valores normativos que regulam o comportamento do indivíduo no seu grupo social. Não se poderá confundir Ética e Moral apesar da linha ténue que as separa, enquanto a moral é normativa, a ética é eminentemente teórica procurando explicar e justificar as práticas normativas de uma dada sociedade, bem como fornecer um conjunto de soluções para os dilemas mais comuns. Todavia se na sua origem etimológica, ética e moral são sinónimos sendo a primeira de origem grega e a segunda a sua tradução para o latim, na atualidade revestem-se de particularidades diferenciadoras bem demarcadas, apesar da linha ténue que as separa. Também no escopo legalista a ética não poderá ser confundida com lei, se bem que esta poderá ser influenciada por princípios basilares éticos, como ser absolutamente omissa quanto a questões éticas, sendo estas insuscetíveis de criar sanções para a sua não obediência. Mais modernamente, com a criação de um grande número de profissões do seu próprio código de ética profissional ou código deontológico, sendo este um conjunto de normas de carácter imperativo onde todos os profissionais adstritos a esse código devem cumprir. Deste modo conseguiu-se que as normas éticas anteriormente insuscetíveis de promover uma sanção pela sua inobservância, se revelassem como autênticas normas jurídicas aquando da sua incorporação nesses mesmos códigos deontológicos, ou seja passaram a ter força de lei. Aliais o seu não cumprimento, pode resultar em sanções executadas pela sociedade profissional (ordem profissional), que em última instância pode mesmo suspender temporariamente ou definitivamente o exercício dessa mesma profissão. Princípio da Dignidade Humana Com o final da segunda guerra mundial onde 70% da Europa encontravase destruída, com mais de 50 milhões de mortos 6 milhões de judeus e outras pessoas consideradas indesejáveis, como membros de etnia cigana, eslavos, homossexuais, portadores de deficiências, testemunhas de Jeová e dissidentes políticos exterminados de uma forma nunca antes vista. Milhares de judeus eram usados como cobaias em diversas experiências, o que acarretou a propagação de doenças como tifo e tuberculose. Face a esta nova realidade onde os sistemas jurídicos fracassaram incapazes, de encontrar culpados e estabelecer sanções punitivos, com o julgamento de Nuremberg ficou marcada uma nova visão do Direito e do Homem. Nasce uma nova conceção tendo por base o Direito Natural, esse mesmo Direito é um 10 conjunto de Direitos inatos anterior à própria constituição de Estado e devendo ser respeitado por este bem como por todos. O conceito de pessoa como categoria espiritual, como subjetividade, que possui valor em si mesmo, como ser de fins absolutos e que em consequência, é portador de direitos subjetivos ou direitos fundamentais. A ideia de que cada homem na sua vida social não se confunde com a vida do Estado na constante procura do equilíbrio entre a liberdade e autoridade estatal, que o deve respeitar enquanto indivíduo. A Declaração Universal dos Direitos Humanos Proclamada pela Assembleia-geral da Organização das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948. Mesmo assim, 8 Estados Membros da ONU permitira-se uma surpreendente abstenção, prenúncio de mau-augúrio para a “Guerra-fria” e para violações flagrantes nesses países, que convém recordar: Arábia Saudita, Bielorrússia, Checoslováquia, Jugoslávia, Polónia, Ucrânia, União Sul-Africana e URSS. Para elaborar um documento tão importante e decisivo como a Declaração Universal foi constituída uma Comissão da qual foi o principal obreiro o cidadão francês René Cassin, uma das Personalidades mais marcantes deste século e grande humanista. Presidente da Associação dos Antigos Combatentes da França (ele próprio vítima da I Guerra Mundial de 19141918) exerceu os mais elevados cargos a que o seu talento e honorabilidade podiam aspirar. Foi professor de Direito da Universidade de Nice, ascendeu Tribunal Europeu dos Direitos da Homem, de Estrasburgo e suprema consagração, foi eleito Prémio Nobel da Paz. Não admira, pois, que o documento tenha a marca do seu talento e da sua generosidade humanista. A declaração Universal dos Direitos do Homem é, porventura, o documento mais notável criado no século XX, muito mais abrangente e generoso do que os grandes documentos que a Humanidade consagra no domínio dos direitos humanos: A Magna Carta de 1215, o Bill of Rights de 1689, a Declaração da Independência dos Estados Unidos de 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Uma das primeiras realizações da ONU no que respeita as Direitos Humanos foi a adoção pela Assembleia Geral, a 10 de Dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem. A Assembleia proclamou que esta declaração seria o «Ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações». e convidou todos os Estados Membros e todos os povos a encorajar e assegurar o respeito universal e efetivo dos direitos e liberdades que aí seriam enunciados. A 10 de Dezembro de cada ano, dia do aniversário da adoção da Declaração, celebra-se em todo o mundo o Dia dos Direitos do Homem. A Declaração é formada por um preâmbulo e 30 artigos que elencam os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais de que são titulares todos os Homens e Mulheres, de todo o mundo, sem qualquer discriminação. 11 Os Artigos 1º e 2º deste texto estipulam que se podem prevalecer de todos os direitos e liberdades proclamados na Declaração, «sem distinção alguma, nomeadamente da raça, da cor, do sexo, da língua, da religião, da opinião política ou de outra opinião política ou de outra opinião, da origem nacional ou social, da fortuna ou de qualquer outra situação». Os Artigos 3º a 21º enunciam os direitos civis e políticos reconhecidos para todo o ser humano, nomeadamente: O direito à vida, à liberdade e segurança da pessoa; O direito de não ser escravo nem servo de alguém; O direito de não ser submetido à tortura nem sacrifícios ou tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes; O direito de reconhecimento em todo o lugar da sua personalidade jurídica, o direito de não ser detido ou exilado arbitrariamente; o direito a que a sua causa seja ouvida em circunstâncias de igualdade e publicamente por um tribunal independente e imparcial; o direito de ser presumido inocente até prova em contrário; O direito de circular livremente; o direito a uma nacionalidade; O direito de se casar e fundar uma família; O direito à propriedade; O direito à liberdade de pensamento; de consciência e de religião, à liberdade de opinião e de expressão; O direito de liberdade de reunião e de associação pacíficas; O direito de tomar parte na direção de assuntos públicos e aceder em condições de igualdade, às funções públicas. Os Artigos 22º a 27º enunciam os direitos económicos, sociais e culturais de todo o ser humano, nomeadamente: O direito à segurança social; O direito ao trabalho; o direito ao salário igual por um trabalho igual; o direito de se fundar com outros sindicatos e de se filiar a sindicatos; O direito ao repouso e ao divertimento; O direito a um nível de vida suficiente para assegurar a saúde e bemestar; O direito à educação; O direito de participar livremente à vida cultural da comunidade; Os Artigos 28º e 29º reconhecem a toda a pessoa o direito que vigora, no plano social e no plano internacional, uma ordem tal que os direitos e liberdades enunciados na Declaração possam aí encontrar um efeito pleno. Esses artigos esclarecem que os direitos não podem ser limitados a não ser no caso de assegurar o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades de outrem e que todos têm deveres perante a comunidade em que estão inseridos Finalmente, o Artigo 30ª adverte que, nos termos da Declaração, nenhum Estado, grupo ou indivíduo pode reivindicar qualquer direito «de se entregar a alguma atividade ou praticar algum ato destinado a destruir quaisquer direitos e liberdades enunciadas» na Declaração. 12 Finalmente, o Artigo 30ª adverte que, nos termos da Declaração, nenhum Estado, grupo ou indivíduo pode reivindicar qualquer direito «de se entregar a alguma atividade ou praticar algum ato destinado a destruir quaisquer direitos e liberdades enunciadas» na Declaração. Em muitos pontos importantes a Declaração limita-se a remeter para “leis” que cada Estado emanará por disciplina em assuntos que não foram devidamente tratados no texto internacional. Deste ponto de vista, o Artigo 29 (artigo de extrema importância porque indica quais são as limitações dos Direitos Humanos), é o que mais deixa transparecer dúvidas quanto ao seu conteúdo. Ao referir quais as limitações, afirma que estas devem estar “determinadas pela lei” e logo a seguir fala da “moral”, e da “ordem pública”, “do bem-estar geral da sociedade democrática”, etc. É evidente que se trata de conceitos muito vagos, que só poderão ser definidos concretamente pelas leis nacionais: desta forma será a legislação de cada Estado a tomar a última decisão. Mas mais perigosas do que as ambiguidades são as frases genéricas existentes na Declaração. No Artigo 28º, por exemplo, é enunciado um direito de forma bastante obscura, «toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração». Mas, como deverá ser a “ordem social” propícia ao cumprimento dos Direitos Humanos? O que se entende por “ordem internacional”? E sobretudo, em que condições poderá favorecer a referida ”ordem” na observância dos Direitos Humanos? Como estas existem muitas outras perguntas em relação às dúvidas suscitadas pelo vocabulário utilizado, que para além das dúvidas permite que muitos Estados continuem a exercer violações dos Direitos mais essenciais do ser humano sem nada possa desenvolvido contra eles. A Declaração é um documento cada vez mais imprescindível na nossa sociedade, contudo muitos são aqueles que lutam pelo “reajuste” de certos pormenores que podem ter uma influência vital na vida de milhares de pessoas. Mesmo assim continuam todos anos a serem divulgados pela Amnistia Internacional milhares de violações aos Direitos do Homem em centenas de Países, e Portugal não tem conseguido escapar a este constante e embaraçoso atropelo. Mais tarde e com a consciencialização de um desenvolvimento nas áreas da ciência da vida, nomeadamente na medicina, gerou-se no plano internacional por parte da comunidade médica a necessidade de acautelar esse desenvolvimento face ao indivíduo detentor de um conjunto de Direitos anteriormente já explanados. Em 1964 surgiu a Declaração de Helsínquia pela Associação Médica Mundial e sucessivamente alterada, é, pois, um documento oficial da organização internacional representativa dos médicos e constitui desde a sua adoção, a magna carta da experimentação levada a cabo em seres humanos. Embora não tenha estatuto legal é tratada e reconhecida como código de conduta à escala global da investigação médica, tendo sido nomeadamente aceite pala CIOMS (organização de pesquisa médica ligada à OMS) e sendo 13 referida praticamente em todos os protocolos de pesquisa ou de ensaios clínicos apresentados a comissões de ética institucionais. Mais tarde e no seguimento deste nível de preocupações, em Portugal surgiu em 1990, promulgado pelo Presidente da República, que constitui a Lei nº 14/90 de 9 de Junho, que constituiu o "Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida" (CNECV). A sua primeira competência, da qual fluem as restantes, é a de "analisar sistematicamente os problemas morais suscitados pelos progressos científicos nos domínios da biologia, da medicina ou da saúde em geral". Este conselho é formado por diversos peritos, sendo o Presidente nomeado pelo Primeiro Ministro, os restantes elementos são provenientes das mais diversas áreas desde as Ciências Sociais bem como da Medicina e da Biologia. Competindo ao Conselho analisar sistematicamente os problemas ético-morais suscitados pelos progressos no domínio da biologia, da medicina. Ao Conselho compete-lhe emitir pareceres sobre os problemas suscitados pelo Presidente da República, Assembleia da República, membros do Governo entre outros, deste modo resulta o carácter meramente consultivo e não vinculativo desses mesmos pareceres emitidos Desde a sua existência o Conselho já se pronunciou ao longo da sua história, a título exemplificativo sobre matérias como: Parecer sobre Transplantes de Tecidos e Órgãos. Parecer sobre o Registo Nacional de Não-Dadores. Parecer sobre os Critérios de Verificação da Morte Cerebral Parecer sobre o Projeto de Lei nº 7887/x – “Direitos dos doentes à informação e ao consentimento informado”. Parecer sobre os Projetos de Lei relativos às declarações antecipadas de vontade. Parecer sobre informação de saúde e registos informáticos de saúde. Parecer sobre a Biologia Sintética. Parecer sobre aspetos Éticos da experimentação animal. Parecer sobre procriação medicamente assistida e gestação de substituição. Parecer sobre as Propostas de Lei nº 266/2012 e nº 323/2012 em material de investigação e ensaios clínicos. Parecer sobre os bancos de sangue e tecido do cordão umbilical e placenta. Parecer sobre as Propostas de Portaria que regulamentam o Modelo de Testamento Vital e o Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV). Parecer relativo a alimentação compulsiva em reclusos em greve de fome. Parecer sobre o Despacho relativo à colheita de órgãos em pessoas com paragem cardio-respiratória irreversível. 14 Relatório e Parecer sobre o Projeto de Decreto Regulamentar referente à regulamentação da Lei 25/2016 de 22 de agosto que regula o acesso à gestação de substituição. Parecer sobre o Projeto lei nº 242/XIII/2ª (BE) reconhece o Direito à autodeterminação de Género. Parecer sobre a transmissão de informação relativa às Diretivas Antecipadas de Vontade. Parecer sobre os projetos de Lei nº 726/XIII (3. a) PAN – Utilização de cannabis para fins medicinais. Parecer sobre o Projeto de lei nº 418/XIII/2a “Regula o acesso à morte medicamente assistida” Em 1995 criou-se em Portugal ainda no seguimento deste nível de preocupações, as Comissões de Ética Hospitalares, dentro do mesmo espírito são órgãos multidisciplinar, tendo como objetivo promover e garantir a Dignidade Humana e a sua integridade. Este órgão reveste também o carácter consultivo, mas circunscrito ao ambiente hospitalar propriamente referido, tendo um mandato de 3 anos não remunerados. Se não é difícil aquilatar a importância da existência do Conselho Nacional Ética para as Ciências da Vida pelo seu carácter generalista, no que toca ao seu âmbito de aplicação, igual importância dever-se-á atribuir às Comissões de Ética Hospitalares, dada a sua aplicabilidade em concreto, pelas questões suscitadas no dia-a-dia no ambiente hospitalar, e nem sempre fáceis de resolver pelos clínicos envolvidos, será deste modo um instrumento fundamental quando devidamente utilizado para uma pacificação das questões controvertidas envolvidas. Desde a Idade Media que os grupos profissionais se organizavam, no sentido corporativo do exercício da própria profissão. No advento do Estado Novo criou- se A Ordem dos Médicos, com a Constituição da República Portuguesa de 1933, criou-se institucionalmente as Ordens Profissionais para as demais profissões tendo por base a licenciatura, como grau académico. Particulares circunstâncias políticas permitiram ao Estado o controlo das Ordens Profissionais, estávamos, pois, perante um estado ditatorial levado a cabo por Salazar. Num passado mais recente e após o 25 de Abril de 1974, e na iminência de um novo ciclo político, social e económico, estas mesmas Ordens Profissionais deveriam pelo seu carácter auto-regulador, regulamentarem de uma forma cabal o exercício profissional que cada uma estaria adstrita. Deste modo sob um ponto de vista simplista, estas deveriam ser instrumentos fundamentais para a regulação da atividade profissional, mas também e essencialmente uma forte garantia face à sociedade do bom funcionamento profissional das demais atividades. Os Códigos Deontológicos não são mais do que autênticos instrumentos normativos, que regulam cada profissão, vinculada a uma especifica Ordem Profissional. Estes para além de incorporarem as questões éticas implícitas quer a um nível geral quer mesmo especificamente no exercício de uma determinada 15 profissão, incorporam também normas que regulam a própria atividade bem como o seu poder disciplinar da própria ordem face aos seus elementos. A carreira das Tecnologias da Saúde ainda não tem uma Ordem Profissional, porventura como resultado da diversidade profissional, bem como de eventuais interesses difusos dos diversos intervenientes nesta tão grande área profissional, esperam-se que num futuro próximo tal venha a verificar-se. Devendo para tal incorporar na sua génese princípios conformadores com carácter universalmente aceites, vertidos em questões éticas amplamente conhecidas e implícitas na atuação de cada área profissional, nomeadamente a Farmácia e o que dela pode resultar da relação Técnico de Farmácia-Doente. Serviço Nacional de Saúde Plasmado no art. 64º da Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976 “o direito à protecção da saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito…”, mas como é que o Estado, nomeadamente o Estado Português se organiza e presta este bem escasso? Poder-se-á afirmar que com a 2ª guerra mundial nasceu um novo paradigma, resultante das necessidades impostas pelas diversas populações dizimadas, maltratadas e carentes de um conjunto de serviços que só poderiam ser supridos pelo Estado. Cerca de 70% da Europa encontrava-se destruída, mais de 50 milhões de mortos, no fundo, uma Europa que renascia das cinzas. Destas mesmas cinzas surgia uma população carenciada também em cuidados de saúde expetante no fornecimento destes serviços por parte do Estado. Por outro lado, esta expectativa do lado da população vinha-se densificando desde o final do século XIX com a revolução industrial, por um lado pelas perdas de produtividade associadas aos acidentes de trabalho, por outro lado pelas doenças de carácter infecto-contagiosas. Surge assim a necessidade de prestar cuidados de saúde aos trabalhadores com carácter geral. Na Alemanha por volta de 1883, adotou-se uma norma que obrigava os empregadores a contribuir para um esquema de seguro doença a favor dos trabalhadores mais carenciados, sendo este esquema posteriormente alargado a trabalhadores menos carenciados, o sistema Bismark, tratou-se do primeiro exemplo de um modelo de segurança social imposta pelo Estado. Este movimento conduziu posteriormente, à criação de um sistema de seguros obrigatórios que cobria os riscos de doença temporária, invalidez permanente, velhice e morte prematura, tratava-se, pois, de um seguro partilhado entre o empregador e trabalhador. 16 Nasce nomeadamente na Grã-Bretanha uma nova forma de organização, criando um modelo onde o peso da responsabilidade do próprio Estado aumenta de uma forma nunca vista. Em 1911, a prestação de cuidados de saúde tinha por base o financiamento a partir das participações dos trabalhadores a favor de mútuas que se responsabilizavam pelo pagamento daqueles que prestavam cuidados de saúde. Alicerçado nas dificuldades impostas pela 2ª guerra mundial, em 1942 o Relatório Beveridge, define os serviços de saúde como condição fundamental para a instituição de um sistema de segurança social na Grã-Bretanha, baseado num Estado interventor devendo para isso cobrir um grande número de riscos sociais “do berço à sepultura”, este sistema assentava na universalização da cobertura. Neste sistema nasceram grandes princípios, enformadores para outros sistemas de saúde de diversos países. O primeiro grande princípio é o da responsabilidade do Estado pelo assegurar os cuidados de saúde das populações devendo estes cuidados terem carácter gratuito. O segundo princípio é o princípio da universalidade, os cuidados de saúde devem estender-se para toda a população. O terceiro é o princípio da igualdade, segundo este, o padrão geral dos cuidados de saúde prestados deve ser igual independente das condições sociais económicas ou geográficas da população. Estes dois sistemas ainda hoje de uma forma mitigada subsistem, o modelo Bismarckiano e o modelo Beveridgiano. O Sistema de Saúde Nacional em Portugal Em Portugal poder-se-á evidenciar a influência destes dois sistemas com preponderância do sistema Beveridgeano. Apesar da preponderância do lado público no que concerne à prestação de cuidados de saúde, o sector privado também tem uma atuação importante dentro do próprio sistema, quer prestando serviços diretamente à população quer convencionando com o próprio Estado para a prestação dos mesmos cuidados de saúde substituindo o primeiro nesta tarefa. O Sistema Nacional de Saúde para além das políticas sociais, económicas evidenciadas na base e definição desse mesmo sistema, é composto por diversos organismos multidisciplinares que no seu conjunto devem atuar no sentido da prestação de cuidados de saúde à população. Para isso foi criado o Ministério da Saúde como entidade responsável por levar a cabo as grandes políticas de saúde definidas no plano nacional. No fundo o nosso sistema é constituído na sua base pelos centros de saúde onde se evidenciam a execução de cuidado de saúde primários, tendo como objetivo 17 a promoção e vigilância da saúde, a prevenção, diagnostico e o tratamento da doença dirigindo-se à família e à comunidade. Mais recentemente foram criadas as Unidades de Saúde, esta figura jurídica é constituída por agrupamentos de hospitais e de grupos personalizados de centros de saúde, cabendo-lhes assegurar a continuidade da prestação de cuidados de saúde. O modelo de integração evoluiu, para o de Sistemas Locais de Saúde, pretendendo-se deste com este sistema a criação de mecanismos convergência, de participação ativa e de co-responsabilização de outros serviços e instituições, público e privados que, numa determinada área geográfica, desenvolvam atividades na área da saúde. Um Sistema de Saúde Local é constituído por centros de saúde, hospitais e outros serviços e instituições público e privadas com ou sem fim lucrativos, cabendo-lhe assegurar a promoção da saúde, a continuidade da prestação de cuidados e racionalização da utilização dos recursos. Estes sistemas não se desenvolveram como o legislador pretendia. Os Hospitais Públicos são serviços de interesse público, instituídos, organizados e administrados com o objetivo de prestar à população assistência médica curativa e de reabilitação, competindo-lhes colaborar na prevenção da doença, no ensino e na investigação científica. Numa fase inicial os hospitais públicos eram pessoas coletivas de direito públicas dotadas de autonomia administrativa e financeira, devendo-se organizar-se e ser administrados em termos de gestão empresarial. Os problemas sentidos na gestão dos hospitais públicos constituíram matéria de inúmeras publicações nas últimas duas décadas. Recentemente a alteração do estatuto dos hospitais no sentido de os aproximar do modo de funcionamento de uma empresa pública apontando para a descentralização e flexibilização do sector público, culminou com a criação de uma figura jurídica nova a Entidade Pública Empresarial (EPE), tendo na sua essência a flexibilização anteriormente apontada no âmbito da gestão hospitalar, capaz de agilizar o processo administrativo com evidencias na melhoria na prestação de cuidados médicos. É, pois, uma fuga do Estado para o Direito Privado. O tempo vai passando e os insucessos vão marcando de uma forma contundente a organização hospitalar Portuguesa, ainda recentemente o atual governo numa tentativa de minorar estes efeitos perversos reforçados pela crise económica e financeira mundial, reorganizou o parque hospitalar nacional fundindo diversos hospitais criando vários novos centros hospitalares através do DL Lei Nº 30/2011. Tem sido preocupação dos diversos governos procurar racionalidade à oferta de serviços públicos, de forma a concentrar os equipamentos e os recursos humanos, caros e escassos, de forma a garantir a qualidade dos cuidados e assegurar a acessibilidade das populações. Esta procura da racionalização e da eficácia tem conduzindo ao longo dos anos, a diversos modelos de coordenação dos hospitais ou de regionalização hospitalar. 18 Deste modo em 2014 com a necessidade de garantir a obtenção de resultados em saúde, exige uma qualificação do parque hospitalar e o seu planeamento estratégico. Neste contexto, a categorização dos diferentes hospitais e a definição da respetiva carteira de valências afirmam-se como instrumentais ao alinhamento dos diferentes atores no planeamento e operacionalização da oferta de cuidados de saúde hospitalares, devendo pois, obedecer a um sistema de classificação compreensível, assentar numa base populacional, em linha com a área de influência direta e indireta, e ter em consideração as necessidades em saúde, garantindo-se assim, a proximidade, complementaridade e hierarquização da rede hospitalar. o parque hospitalar foi consagrado pela Portaria nº 82/2014, classificando os hospitais segundo quatro grupos: O Grupo I obedece às seguintes características: Área de influência direta para as valências existentes entre 75.000 e 500.000 habitantes; Valências médicas e cirúrgicas de medicina interna, neurologia, pediatria médica, psiquiatria, cirurgia geral, ginecologia, ortopedia, anestesiologia, radiologia, patologia clínica, imunohemoterapia e medicina física e de reabilitação; Outras valências, nomeadamente, oftalmologia, otorrinolaringologia, pneumologia, cardiologia gastrenterologia, hematologia clínica, oncologia médica, radioterapia, infeciologia, nefrologia, reumatologia e medicina nuclear; -Não exerce as valências de genética médica, farmacologia clínica, imunoalergologia, cardiologia pediátrica, cirurgia vascular, neurocirurgia, cirurgia plástica, reconstrutiva e estética, cirurgia cardiotorácica, cirurgia maxilofacial, cirurgia pediátrica, e neuroradiologia. O Grupo II obedece às seguintes características: Valências médicas e cirúrgicas do Grupo I, acrescido das valências de oftalmologia, pneumologia, cardiologia, reumatologia, gastrenterologia, nefrologia, hematologia clínica, infeciologia, oncologia médica, neonatologia, imunoalergologia, ginecologia/obstetrícia, dermato- venerologia, otorrinolaringologia, urologia, cirurgia vascular, neurocirurgia, anatomia patológica, medicina nuclear e neurorradiologia; Não exerce as valências de farmacologia clínica, genética médica, cardiologia pediátrica, cirurgia cardiotorácica e cirurgia pediátrica. O Grupo III obedece às seguintes características: Abrange todas as especialidades médicas e cirúrgicas, sendo que as áreas de maior diferenciação e subespecialização estão sujeitas a autorização do membro do Governo responsável pela área da saúde, sob proposta da Administração Central do Sistema de Saúde. 19 O Grupo IV corresponde aos hospitais especializados: Oncologia; Medicina Física e Reabilitação; Psiquiatria e Saúde Mental. Atualmente e com o fim de reestruturar/organizar o SNS, com objetivos claros de melhorar a prestação de cuidados focado no doente, através de uma integração de cuidados e de uma aparente gestão racional da prestação de cuidados, o DL nº 102/2023 integra os hospitais, centros hospitalares e agrupamentos de centros de saúde numa única entidade, que adota a organização integrada das Unidades Locais de Saúde, deste modo são criadas 39 ULS Hospitalares. Com este modelo de organização e o novo Estatuto do SNS, pretende-se um sistema mais eficiente focado no doente. O Hospital enquanto instituição prestadora de cuidados de saúde, dever- se-á organizar internamente para levar a cabo este grande objetivo. Nesta organização, seja ela de carácter local. Distrital, regional, ou central, a Farmácia como serviço integrante desta mesma organização, leva a cabo uma imprescindível tarefa, que é suprir aos serviços clínicos as necessidades fármaco/terapêuticas dos doentes ai internados ou em regime de ambulatório. O medicamento adquire hoje uma dimensão especial no contexto global da medicina. O Serviço Farmacêutico é um departamento com autonomia científica, técnica e de gestão dos órgãos de administração hospitalar, perante os quais respondem pelo resultado do seu exercício. Também ao nível da distribuição de medicamentos, a farmácia hospitalar tem tido a necessidade de adaptação a novos conceitos de trabalho. Utilizando novas tecnologias, reduzindo-se a possibilidade de erros de medicação, garantindo-se qualidade, rentabilização dos recursos humanos, reduz-se os custos com stocks desnecessários, e melhorando-se a eficiência. Por confronto com os métodos clássicos de distribuição de medicamentos, vê-se surgir nos hospitais portugueses, a distribuição individual diária em dose unitária associada à prescrição informatizada, permitindo um rápido acesso ao perfil farmacoterapêutico do doente. Torna-se habitual nos dias de hoje nas farmácias hospitalares encontraram-se os dois tipos de distribuição de medicamentos, de um lado o pioneiro sistema clássico, melhorado com a introdução de novos mecanismos informatizados de dispensa semi-automática levada a cabo pelos Pyxis. Por outro lado, o sistema de distribuição em dose unitária, também aqui adjuvado por sistemas de distribuição semi-automáticos, a referir-se o Kardex e o FDS. Independentemente da implementação de um sistema ou outro de distribuição o objetivo é fornecer de uma forma qualitativa, e com a segurança terapêutica exigida, rentabilizando os recursos existentes, de forma a assegurar as necessidades fármaco/terapêuticas dos doentes. 20 Ao longo dos anos a indústria farmacêutica veio substituir as farmácias hospitalares na sua capacidade de produção de fármacos. Este desenvolvimento da indústria farmacêutica ficou-se a dever há existência de maquinaria obsoleta por parte das farmácias hospitalares, e à incapacidade de produzir novos fármacos e nas quantidades necessárias ao nível hospitalar, estava ditada a extinção de uma forma geral a produção de medicamentos ao nível hospitalar. Perante esta dificuldade e tendo o fornecimento garantido pela indústria farmacêutica, esta extinta capacidade produtiva deu lugar à produção de fórmulas pediátricas quer na vertente de formulas magistrais, quer também na produção de nutrições parentéricas, onde devido à personalização da dosagem a industria não pode produzir este tipo de fármacos. Não obstante e não muito diferente da generalidade das coisas da vida, aquilo que hoje é rapidamente se transfigura e dá lugar a uma nova realidade, verifica- se nos dias de hoje um regresso a áreas anteriormente abandonadas como da manipulação clínica de medicamentos, numa tentativa quase desesperante de otimizar recursos e reduzir custos, em ambiente hospitalar. Atualmente, e de uma forma transversal a área da farmácia, atravessa uma crise como nunca vista, de um lado as farmácias comunitárias, aquelas que foram consideradas num passado recente como a “galinha dos ovos dourados”, paulatinamente vão fechando portas, ditadas pelas dificuldades financeiras que marcam a nossa atualidade, bem como pela redução de margem de lucro impostas pelo valor referencial dos medicamentos genéricos. No outro lado encontra-se uma farmácia hospitalar numa luta constante entre a ausência de recursos, e a necessidade de fornecer soluções farmacêuticas aos seus doentes. As origens da profissão de Técnico de Farmácia, remontam ao início do século vinte. O mais antigo documento conhecido em Portugal data de 1901. No início dos anos sessenta, é publicamente reconhecido a importância desta e doutras atividades no contexto das profissões de saúde. Paralelamente à valorização do papel social desta atividade, é institucionalizada a sua formação assegurando, assim, o seu desenvolvimento. Entretanto, o Regulamento Geral da Farmácia Hospitalar publicado nesse no ano de 1962, pelo Ministério da Saúde e Assistência, divide o pessoal dos Serviços Farmacêuticos em: Farmacêuticos e Preparador de Laboratório Farmacêutico. A década de setenta ficou marcada pela criação da Carreira de Técnicos Auxiliares dos Serviços Complementares de Diagnóstico e Terapêutica, englobando treze profissões: audiometristas, cardiografistas, dietistas, ergoterapeutas, fisioterapeutas, neurofisiografistas, optometristas, ortofonistas, ortoptistas, preparadores de laboratório, protésicos, radiografistas e radioterapeutas. Este decreto, para além de ter alargado o leque das profissões e dos profissionais alterando algumas designações, mantém a designação de Preparadores de Laboratório para os atuais Técnicos de Farmácia. Em 1982, finalmente são criadas em Portugal as Escolas Técnicas dos Serviços de Saúde (E.T.S.S.) de Coimbra, Porto e Lisboa que sucedem aos Centros de Formação criados em 1961 e reestruturados em 1980. Nestas escolas passam 21 a ser ministrados entre outros, o curso de Preparador de Laboratório Farmacêutico. O reconhecimento sócio-profissional e a natureza específica, própria destas atividades profissionais, culmina em 1985 coma criação da Carreira de Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica, onde estão englobadas 18 profissões de saúde, surgindo a nova designação profissional de Técnico de Farmácia, designação que perdura até ao momento. Este novo estatuto de carreira integra funções de natureza técnica e insere-se no grupo de pessoal técnico. Ao nível das suas funções, o Técnico de Diagnóstico e Terapêutica atua em conformidade com o pré-diagnóstico, o diagnóstico e a prescrição terapêutica efetuadas pelo médico ou técnico superior da sua equipa de saúde, devendo para o efeito programar, executar as técnicas adequadas e comunicar os resultados aos restantes elementos da mesma equipa. O enquadramento profissional dos Técnicos de Farmácia, associado ao progressivo reforço da identidade e especificidade da profissão, por via da transmissão de saberes em escola, foi determinante para o engrandecimento do estatuto sócio-profissional verificado. O aparecimento constante de novas tecnologias fez surgir a necessidade de profissionais cada vez mais especializados e vocacionados para áreas específicas da saúde. As crescentes exigências de qualidade das prestações de saúde, bem como a valorização do papel social desta atividade, justificam plenamente a integração das E.T.S.S. do Porto, Coimbra e Lisboa no Sistema Educativo Nacional, ao nível do Ensino Superior Politécnico, conferente do grau académico de Bacharel, passando a designarem-se por Escolas Superiores de Tecnologia da Saúde1. Com a criação das Escolas Superiores de Tecnologia da Saúde, é reconhecido o elevado nível da formação dos profissionais do grupo de Diagnóstico e Terapêutica, onde se insere o Técnico de Farmácia. O estatuto legal da carreira dos técnicos de diagnóstico e terapêutica ganhou especial relevo com o Decreto-Lei nº 564/99 de 21 de Dezembro, que refere como conteúdo funcional do Técnico de Farmácia: o desenvolvimento “de actividades no circuito do medicamento, tais como análises e ensaios farmacológicos; interpretação da prescrição terapêutica e de fórmulas farmacêuticas, sua preparação, identificação e distribuição, controlo da conservação, distribuição e stocks de medicamentos e outros produtos, informação e aconselhamento sobre o uso do medicamento”. Todavia com a entrada em vigor em 01 de Janeiro de 2009 do novo “regime de vínculos carreiras e remunerações na Função Publica” veio mais uma vez relançar a incerteza de um sistema justo e coerente quanto a sua regulamentação face aos demais profissionais. 22 O novo enquadramento jurídico/legal laboral, ainda que tardio e após a reestruturação das carreiras profissionais na função pública, em 2017 e após muitos avanços e recuos entre Sindicatos e Governo publicou-se o novo regime jurídico, plasmado no Decreto-lei nº 110/2017 e Decreto Lei nº 111/2017, visando o enquadramento legal anteriormente referido. De menor importância, mas nem por isso de se assinalar, a nova carreira profissional passar-se-á a designar de Técnico Superiores de Diagnóstico e Terapêutica, para além de regulamentar, o acesso, a carreira e os perfis de competências e os seus conteúdos funcionais visam enquadrar e atualizar o atual exercido profissional resultante da evolução académica, científica e tecnológica. Não obstante, tendo esta profissão um carácter predominantemente técnico e tecnológico, a sua identidade profissional e social não tem como única fonte a tecnologia, dado que a sua formação e ensino é, agora, sedimentado, não apenas na técnica – “o saber fazer”, mas também na ciência – “o saber saber”. Em 1999 as Escolas Superiores de Tecnologia da Saúde foram autorizadas a conferirem os graus de bacharel e de licenciado e no ponto 2º, determina a estrutura e duração dos Cursos, da seguinte forma: “Os Cursos organizam-se em dois ciclos, conduzindo o primeiro ao grau de bacharel e o segundo ao grau de licenciado. O 1º ciclo dos Cursos tem a duração de seis semestres. O 2º ciclo dos Cursos tem a duração de dois semestres”. Atualmente a implementação do Processo de Bolonha veio clarificar e consolidar o ensino das Tecnologias da Saúde, promovendo deste modo a possibilidade de incrementar de uma forma inequívoca a consolidação na formação académica, com a realização do curso de Mestrado na área de Farmácia. Decorrente da evolução da formação e consequente melhoria da identidade socio-profissional, o ensino dos técnicos de farmácia já não é só da responsabilidade das Escolas Superiores de Tecnologia da Saúde de Coimbra, Lisboa e Porto como aconteceu durante décadas, mas que o mesmo se estende atualmente a outros estabelecimentos de ensino superior públicos, e estabelecimentos de ensino privados e/ou cooperativos. Consciente das suas competências teóricas e técnicas, o Técnico Superior de Farmácia é hoje um profissional de saúde cujo desempenho e responsabilidade na gestão e controlo do uso dos medicamentos, é por muitos reconhecidos. A evolução a que se assiste na prestação de cuidados de saúde em Portugal, com particular enfoque na melhoria de qualidade de vida dos utentes, exige uma intervenção ativa destes profissionais. Dada a sua qualificação técnica e científica relacionada com o medicamento, julgamos que as vantagens seriam enormes, sobretudo do ponto de vista social. Tendo em conta o papel que os Técnicos Superiores de Farmácia poderiam desempenhar nos Cuidados Primários de Saúde, principalmente, no aconselhamento do uso dos medicamentos, apoio aos idosos na medicação ao domicílio, higiene e segurança na administração de medicamentos, entre outros, seria um claro benefício para a saúde pública. 23 Neste contexto de mudanças tecnológicas e evoluções sociais, culturais e económicas, devemos caminhar no sentido de alargar o campo de intervenção e autonomia destes profissionais. A profissão de Técnico Superior de Farmácia, enquanto exercício de uma atividade, caracteriza-se hoje pelo elevado grau de autonomia, por um domínio de saberes e práticas próprias, pelo nível de relação com o utente, pela diversidade dos campos de atuação, promovendo uma intensa interação com outros profissionais, configurando um registo de funções de conceção e aplicação. Este perfil pressupõe a existência de um profissional competente, ativo, consciente e responsável. Todavia, para a posse de um corpo de saberes próprio, específico e autónomo, é necessário uma formação também especifica, traduzida na obtenção de conhecimentos teóricos fundamentais e capacidades práticas, bem como atitudes e formas de comportamento. Para terminar a área de intervenção do Técnico Superior de Farmácia é bastante amplo, desde a farmácia de oficina, farmácia hospitalar, parafarmácias e industria farmacêutica, a consolidação com um crescimento profissional reconhecido pela comunidade, só depende de todos nós enquanto profissionais, docentes e alunos a exigirem cada vez mais um nível de conhecimento elevado, marcando posteriormente a prática profissional de um modo diferenciador, o facilitismo é inimigo da prestação de um serviço de qualidade, bem hajam aqueles que pugnam por este preceito. Alguma bibliografia recomendada: SERRÃO, Daniel – A ética e os valores em saúde: o desenvolvimento humano e a prestação de cuidados. Acção Médica, Lisboa: Associação dos Médicos Católicos Portugueses. Nº1 2001 OLIVEIRA ASCENÇÂO, José de – Estudos de Direito da Bioética. Vol.II. Edições Almedina. 2008 PITA, João Rui — História da farmácia, 3ª ed. revista, Coimbra, MinervaCoimbra, 2007 SIMÕES, Jorge – Retrato Político da Saúde: Dependência do percurso e inovação em saúde da ideologia ao desempenho. Edições Almedina. 2004 24

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