A Virtude do Egoísmo PDF

Summary

Este documento aborda a ética objetivista, argumentando que a razão é fundamental para a sobrevivência humana. Ele destaca a importância do pensamento, do trabalho produtivo, da racionalidade, da produtividade e do orgulho como valores intrínsecos para o sucesso numa vida plena e bem-sucedida. Discute como o homem deve ser razoável e não um animal, escolhendo os seus valores e ações em lugar da imitação ou violência.

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são os valores que sua sobrevivência requer? Esta é a pergunta a ser respondida pela ciência da ética. E é por isto, senhoras e senhores, que o homem precisa de um código de ética. Agora você pode avaliar o significado das doutrinas que dizem que a ética é o território do irracional, que...

são os valores que sua sobrevivência requer? Esta é a pergunta a ser respondida pela ciência da ética. E é por isto, senhoras e senhores, que o homem precisa de um código de ética. Agora você pode avaliar o significado das doutrinas que dizem que a ética é o território do irracional, que a razão não pode guiar a vida do homem, que os seus objetivos e valores devem ser escolhidos pelo voto ou pelo capricho — que a ética não tem nada a ver com a realidade, com a existência, com as nossas ações e preocupações práticas — ou que o objetivo da ética está além do túmulo, que os mortos precisam da ética, não os vivos. A ética não é uma fantasia mística — nem uma convenção social nem um luxo subjetivo e dispensável a ser trocado ou descartado em qualquer emergência. A ética é uma necessidade objetiva e metafísica da sobrevivência do homem — não pela graça do sobrenatural, nem de seus vizinhos, nem de seus caprichos, mas pela graça da realidade e da natureza da vida. Cito, do discurso de Galt: “O homem tem sido chamado de ser racional, mas a racionalidade é uma questão de escolha — e a alternativa que sua natureza lhe oferece é: ser racional ou ser animal suicida. O homem tem que ser homem — por escolha; ele tem que ter a sua vida como um valor — por escolha; ele tem que aprender a sustentá-la — por escolha; descobrir os valores que ela requer e praticar suas virtudes — por escolha. Um código de valores aceito por escolha é um código de moralidade.” O critério de valor da ética Objetivista — o critério pelo qual alguém julga o que é bem ou mal — é a vida do homem, ou: aquilo que é exigido para a sobrevivência do homem enquanto homem. Dado que a razão é o meio básico de sobrevivência do homem, aquilo que é próprio para a vida de um ser racional é o bem; aquilo que a nega, que se opõe a ela ou a destrói, é o mal. Dado que tudo que o homem necessita tem que ser descoberto por sua própria mente e produzido por seu próprio esforço, os dois pontos essenciais do método de sobrevivência próprios a um ser racional são; pensamento e trabalho produtivo. Se alguns homens escolhem não pensar, mas sobreviver imitando e repetindo como animais treinados a rotina dos sons e movimentos que aprenderam de outros, nunca fazendo um esforço para compreender seu próprio trabalho, ainda assim continua a ser verdade que sua sobrevivência é tornada possível somente por aqueles que efetivamente escolheram pensar e descobriram os movimentos que eles estão repetindo. A sobrevivência de tais parasitas mentais depende de uma chance cega; sua mentes desfocadas são incapazes de saber a quem imitar, quais movimentos são seguros para seguir. Eles são os homens que marcham para o abismo, rastejando atrás de cada destruidor que lhes promete assumir a responsabilidade da qual eles fogem: a responsabilidade de serem conscientes. Se alguns homens tentam sobreviver por meio da força bruta ou da fraude, saqueando, roubando, trapaceando ou escravizando os homens que produzem, ainda assim é verdade que a sobrevivência destes homens só é possível devido ao esforço realizado por suas vítimas, por aqueles homens que escolhem pensar e produzir os produtos de que eles, os saqueadores, estão se apossando. Tais saqueadores são parasitas incapazes de sobrevivência, que existem destruindo aqueles que são capazes, aqueles que estão perseguindo um curso de ação próprio ao homem. Os homens que tentam sobreviver, não por meio da razão, mas por meio da força, estão utilizando o método de sobrevivência dos animais. Mas, assim como os animais não seriam capazes de sobreviver usando o método das plantas, rejeitando a locomoção e esperando que o solo os alimente — também o homem não pode sobreviver usando o método dos animais, rejeitando a razão e contando com homens produtivos para servirem como suas presas. Tais saqueadores podem alcançar seus objetivos por curto tempo, ao preço da destruição: a destruição de suas vítimas e a sua própria. Como prova, ofereço-lhe qualquer criminoso ou ditador. O homem não pode sobreviver, como faz um animal, agindo segundo a necessidade do momento. A vida de um animal consiste de uma série de ciclos separados, sempre repetidos de novo, como o ciclo de criar os seus filhotes, ou de estocar comida para o inverno; a consciência de um animal não consegue integrar toda a história de sua vida; ela só consegue integrar um desses ciclos para em seguida começar um ciclo novo, sem conexão com o passado. A vida do homem é um todo contínuo: por bem ou por mal, cada dia, ano e década de sua vida encerra a soma de todos os dias que ele já viveu. Ele pode alterar suas escolhas, ele é livre para mudar a direção de seu rumo, ele é até mesmo livre para, em muitos casos, reparar as consequências de seu passado — mas ele não é livre para escapar delas, nem para viver sua vida com impunidade segundo as necessidades do momento como um animal, um playboy ou um marginal. Se o homem quer ser bem-sucedido na tarefa da sobrevivência, e para que suas ações não sejam dirigidas para sua própria destruição, o homem deve escolher seu rumo, seus objetivos, seus valores nos termos e no contexto de uma vida. Nenhuma sensação, percepção, impulso ou “instinto” pode fazê-lo; apenas sua mente pode. Tal é o significado da definição: aquilo que é exigido para a sobrevivência do homem enquanto homem. Isto não significa uma sobrevivência momentânea ou meramente física. Não significa a sobrevivência física momentânea de um brutamontes sem cérebro, que espera que outro brutamontes lhe esmague seu crânio. Não significa a sobrevivência física momentânea de uma massa de músculos rastejante que está disposta a aceitar qualquer condição, obedecer a qualquer criminoso e render quaisquer valores pelo propósito de obter o que é conhecido como “sobrevivência a qualquer preço”, que pode ou não durar uma semana ou um ano. “A sobrevivência do homem enquanto homem” significa os termos, métodos, condições e objetivos exigidos para a sobrevivência de um ser racional através de toda a duração de sua vida — em todos aqueles aspectos da existência que estão abertos à sua escolha. O ser humano não pode sobreviver senão como ser humano. Ele pode abandonar seus meios de sobrevivência, sua mente, ele pode transformar-se numa criatura sub-humana e pode também converter sua vida num breve lapso de agonia — assim como seu corpo pode existir por um espaço de tempo no processo de desintegração por enfermidade. Mas ele não pode ter sucesso, como sub-humano, em alcançar nada a não ser o sub-humano — como o demonstram os horrores dos períodos antirracionais da história do homem. O homem tem que ser homem por escolha — e é tarefa da ética ensiná-lo a viver como homem. Para a ética Objetivista o critério de valor é a vida humana — e o propósito ético de cada indivíduo, sua própria vida. A diferença entre “critério” e “propósito” neste contexto é o que segue: um “critério” é um princípio abstrato que serve como uma medida ou calibre para guiar as escolhas do homem para o alcance de um propósito concreto e específico. “Aquilo que é exigido para a sobrevivência do homem enquanto homem” é um princípio abstrato que se aplica a cada homem individualmente. A tarefa de se aplicar este princípio em um propósito concreto e específico — o propósito de viver uma vida adequada a um ser racional — pertence a cada homem individualmente, e a vida que ele tem que viver é a sua própria. O homem deve escolher seus atos, valores e objetivos pelo critério daquilo que é adequado ao homem — a fim de alcançar, manter, preencher e gozar este valor último, este fim em si mesmo, que é sua própria vida. Valor é aquilo pelo qual agimos para ganhar e/ou manter — virtude é o meio pelo qual ou o ganhamos e/ou mantemos. Os três valores fundamentais da ética Objetivista — os três valores que, juntos, são os meios para e a realização do nosso valor supremo, ou seja, nossa própria vida — são: Razão, Propósito, Autoestima, com suas três virtudes correspondentes: Racionalidade, Produtividade, Orgulho. O trabalho produtivo é o propósito central da vida de um homem racional, o valor central que integra e determina a hierarquia de todos seus outros valores. A Razão é a fonte, a pré-condição de seu trabalho produtivo — Orgulho é o resultado. Racionalidade é a virtude básica do homem, a fonte de todas as suas outras virtudes. O vício básico do homem, a fonte de todos os seus males, é o ato de desfocar sua mente, a suspensão de sua consciência, o qual não é cegueira, mas a recusa de ver, e não é ignorância, mas a recusa de saber. A irracionalidade é a rejeição do meio de sobrevivência do homem e, portanto, um compromisso para um rumo de destruição cego; aquilo que é anti-mente, é anti-vida. A virtude da Racionalidade significa o reconhecimento e aceitação da razão como a nossa única fonte de conhecimento, nosso único juízo de valores e nosso único guia de ação. Significa nosso total comprometimento para com um estado de atenção pleno e consciente, com a manutenção de um foco mental completo em todas as questões, em todas as escolhas, em todas as nossas horas de vigília. Significa um compromisso com a mais completa percepção da realidade dentro de nossas possibilidades e com a expansão ativa e constante de nossa percepção, isto é, de nosso conhecimento. Significa um compromisso com a realidade de nossa própria existência, isto é, com o princípio de que todos os nossos objetivos, valores e atos acontecem dentro da realidade, e, portanto, que não devemos nunca colocar nenhum valor ou consideração, em absoluto, acima de nossa percepção da realidade. Significa um compromisso com o princípio de que todas as nossas convicções, valores, objetivos, desejos e ações devem ser baseados em, derivados de, escolhidos e validados por um processo de pensamento — um processo de pensamento tão preciso e tão escrupuloso, dirigido por uma aplicação implacavelmente rígida da lógica, quanto a nossa mais completa capacidade permitir. Significa nossa aceitação da responsabilidade de formar nossos próprios julgamentos e de viver pelo trabalho de nossa própria mente (que é a virtude da independência). Significa que não devemos nunca sacrificar nossas convicções às opiniões ou desejos de outros (que é a virtude da integridade) — que nunca devemos tentar falsear a realidade, por qualquer maneira que seja (que é a virtude da Honestidade) — que nunca devemos procurar ou conceder o não-obtido e o não-merecido, nem em matéria, nem em espírito (que é a virtude da Justiça). Significa que nunca devemos desejar efeitos sem causas, e que nunca devemos decretar uma causa sem assumir a total responsabilidade por seus efeitos — que não devemos nunca agir como um zumbi, isto é, sem saber nossos próprios propósitos e motivos — que nunca devemos tomar nenhuma decisão, formar qualquer convicção ou procurar qualquer valor fora de contexto, isto é, separado ou em contradição com a soma total e integrada de nosso conhecimento — e, acima de tudo, que nunca devemos procurar evadir-nos com contradições. Significa a rejeição de toda e qualquer forma de misticismo, isto é, qualquer apelação a alguma fonte de conhecimento não-sensorial, não-racional, não-definível, sobrenatural. Significa um compromisso com a razão, não em momentos esporádicos, em questões selecionadas, ou em emergências especiais, mas como uma filosofia de vida permanente. A virtude da Produtividade é o reconhecimento do fato de que o trabalho produtivo é o processo pelo qual a mente humana sustenta sua vida, o processo que liberta o homem da necessidade de ajustar-se ao meio ambiente, como fazem todos os animais, e que lhe dá o poder de ajustar o meio ambiente a si próprio. O trabalho produtivo é o caminho da realização ilimitada do homem e exige deste os maiores atributos de seu caráter: sua habilidade criativa, sua ambição, sua autoafirmação, sua recusa em suportar desastres que ele não provocou, sua dedicação ao objetivo de transformar a Terra na imagem de seus valores, “Trabalho produtivo” não significa a realização dos movimentos inconscientes de alguma tarefa. Significa a busca de uma carreira produtiva, escolhida conscientemente, em qualquer linha de empenho racional, grande ou modesta, e em qualquer nível de habilidade, O eticamente relevante aqui não é o grau da habilidade de um homem, nem o nível de importância de seu trabalho, mas o mais completo e o mais resoluto uso de sua mente. A virtude do Orgulho é o reconhecimento do fato “de que assim como o homem deve produzir os valores físicos que necessita para sustentar sua vida, assim também ele precisa adquirir os valores de caráter que fazem sua vida merecer ser sustentada — que, assim como o homem é um ser que faz sua própria fortuna, assim também é um ser que faz sua própria alma”. (A Revolta de Atlas) A virtude do Orgulho pode ser melhor descrita pelo termo: “ambição moral”. Significa que um indivíduo deve conquistar o direito de considerar a si próprio como seu mais alto valor, através da realização de sua própria perfeição moral. A perfeição moral se conquista não aceitando jamais códigos de virtudes irracionais impossíveis de serem praticadas e nunca deixando de praticar as virtudes que se reconhece serem racionais — se conquista não aceitando jamais uma culpa não-merecida e nunca merecendo alguma ou, se efetivamente a mereceu, nunca deixando-a sem correção — nunca resignando-se passivamente diante de qualquer imperfeição em seu caráter pessoal — não colocando jamais nenhuma preocupação, desejo, medo ou estado de espírito momentâneo acima da realidade de sua própria autoestima. E, acima de tudo, significa a sua rejeição do papel de animal de sacrifício, a rejeição de qualquer doutrina que pregue a autoimolação como uma virtude ou dever moral. O princípio social básico da ética Objetivista é que, assim como a vida é um fim em si mesma, assim também todo ser humano vivo é um fim em si mesmo, não o meio para os fins ou o bem-estar dos outros — e, portanto, que o homem deve viver para seu próprio proveito, não se sacrificando pelos outros, nem sacrificando os outros para si. Viver para seu próprio proveito significa que o propósito moral mais alto do ser humano é a realização de sua própria felicidade. Em termos psicológicos, a questão da sobrevivência do homem não confronta sua consciência como uma questão de “vida ou morte”, mas como uma questão de “felicidade ou sofrimento”. A felicidade é o estado de triunfo da vida, o sofrimento é o sinal de alerta do fracasso, da morte. Assim como o mecanismo de prazer-dor do corpo humano é um indicador automático do bem- estar de seu organismo, um barômetro de sua alternativa básica – vida ou morte — também o mecanismo emocional da consciência do homem está programado para executar a mesma função, como um barômetro que registra a mesma alternativa por meio de duas emoções básicas: alegria ou sofrimento. As emoções são os resultados automáticos dos juízos de valor do homem integrados pelo seu subconsciente; as emoções são estimativas daquilo que promove ou ameaça os valores do homem, daquilo que está a favor ou contra ele — calculadores-relâmpago que lhe dão o somatório de seu lucro ou prejuízo. Mas, enquanto o critério de valor que opera o mecanismo de prazer-dor físico do corpo humano é automático e inato, determinado pela natureza de seu organismo, o mesmo não ocorre com o critério de valor que opera seu mecanismo emocional. Dado que o homem não possui conhecimento automático, tampouco pode ter valores automáticos; dado que ele não possui ideias natas, tampouco pode ter juízos de valores inatos. O homem nasce com um mecanismo emocional, da mesma forma como nasce com um mecanismo cognitivo; mas, ao nascer, ambos são “tábula rasa”. É a faculdade cognitiva do homem, sua mente, que determina o conteúdo de ambos. O mecanismo emocional do homem é como um computador eletrônico que sua mente tem que programar — e a programação consiste dos valores que sua mente escolhe. Mas como o trabalho da mente do homem não é automático, seus valores, como todas as suas premissas, são produto ou de seu pensamento ou de suas evasões: o homem escolhe seus valores por um processo consciente de pensamento — ou os aceita por omissão, por associações subconscientes, por fé, por autoridade de alguém, por alguma forma de osmose social ou por imitação cega. As emoções são produzidas pelas premissas do homem, sustentadas consciente ou subconscientemente, explícita ou implicitamente. O homem não tem escolha quanto a sua capacidade de sentir que algo é bom ou mau para si, mas o que ele considera bom ou mau, o que lhe dá alegria ou dor, o que ama ou odeia, deseja ou do que sente medo, depende de seu critério de valor. Se escolhe valores irracionais, troca o papel de guardião de seu mecanismo emocional pelo de destruidor. O irracional é o impossível; é o que contradiz os fatos da realidade; fatos não podem ser alterados por um desejo, mas podem destruir aquele que o deseja. Se um homem deseja e busca as contradições — se quer guardar o bolo e comê-lo ao mesmo tempo —-, ele desintegra sua consciência; transforma sua vida interior numa guerra civil de forças cegas ocupadas com conflitos sombrios, incoerentes, sem sentido nem significado (que, a propósito, é o estado interior da maioria das pessoas, atualmente). Felicidade é aquele estado da consciência que provém da realização dos próprios valores. Se um homem valoriza o trabalho produtivo, sua felicidade é a medida do sucesso alcançado no seu serviço. Mas se um homem valoriza a destruição como um sádico — ou a autotortura, como um masoquista —, ou a vida além-túmulo, como um místico —, ou a excitação momentânea como um corredor de automóveis —, sua pretensa felicidade é a medida de seu sucesso no serviço de sua própria destruição. Deve ser acrescentado que o estado emocional de todos aqueles irracionais não pode ser adequadamente designado como felicidade ou mesmo prazer: é meramente um alivio de momento de seu estado crônico de terror. Nem a vida, nem a felicidade podem ser alcançadas por meio da busca de caprichos irracionais. Assim como o homem é livre para tentar sobreviver por qualquer meio casual, como um parasita, um vagabundo ou um saqueador, ele não o é para ser bem-sucedido em seu intento além do acaso do momento; assim também é livre para buscar a felicidade em qualquer fraude irracional, qualquer capricho, qualquer desilusão, qualquer fuga impensada da realidade, mas não é livre para ser bem-sucedido em seu intento, além do acaso do momento, nem para fugir das consequências. Cito, do discurso de Galt: “ A Felicidade é o estado de alegria não- contraditória — uma alegria sem punição ou culpa, uma alegria que não entra em conflito com nenhum de teus valores e não atua para a tua própria destruição... Felicidade é possível apenas para um homem racional, que deseja apenas objetivos racionais, procura apenas valores racionais e encontra sua alegria apenas em atos racionais”. A manutenção da vida e a busca da felicidade não são duas questões separadas. Considerar a própria vida como o valor último, e a própria felicidade como o mais alto propósito, são dois aspectos da mesma realização. Existencialmente, a atividade de perseguir objetivos racionais é a atividade de manter a própria vida; psicologicamente, seu resultado, recompensa e concomitância é um estado emocional de felicidade. É experimentando a felicidade que o indivíduo vive plenamente cada hora, ano ou a totalidade da vida. E quando se experimenta o tipo de felicidade pura que é um fim em si mesma — o tipo que nos faz pensar; “ Por isto vale a pena viver” — o que estamos saudando e afirmando em termos emocionais é o fato metafísico de que a vida é um fim em si mesma. Mas o relacionamento de causa e efeito não pode ser invertido. É apenas através da aceitação da própria vida como princípio fundamental e pela busca dos valores racionais que a vida requer, que se alcança a felicidade — não tornando a “felicidade” como um princípio indefinido e irredutível e então tentando viver por essas diretrizes. Se você conquistar aquilo que é bom pelo critério racional de valor, isto o fará necessariamente feliz; mas aquilo que o faz feliz, por algum critério emocional indefinido, não é necessariamente o bom. Aceitar “qualquer coisa que faça feliz” como um guia de ação significa: ser guiado apenas por caprichos emocionais. Emoções não são ferramentas de cognição; ser guiado por caprichos — por desejos cuja fonte, natureza e significado não se sabe — é transformar a si mesmo num robô cego, operado por demônios que não podem ser conhecidos (por vãos intentos de evasão), um robô nocauteando seu próprio cérebro imobilizado contra as paredes da realidade que se recusa a ver. Esta é a falácia inerente ao hedonismo — em qualquer variante do hedonismo ético, quer pessoal ou social, quer individual ou coletivo. A “Felicidade” pode ser corretamente entendida como o propósito da ética, mas não como a sua base. A tarefa da ética é definir o código de valores adequado para o homem e, deste modo, dar-lhe o meio de alcançar a felicidade. Afirmar, como os hedonistas éticos fazem, que “qualquer valor que lhe dê prazer é correto”, equivale a declarar que “o valor correto pode ser qualquer um que você decida valorizar” — que é um ato de abdicação intelectual e filosófica, um ato que simplesmente proclama a futilidade da ética e convida todos os homens a agirem irrefletidamente ao acaso. Os filósofos que tentaram legar um código de ética supostamente racional, deram à Humanidade apenas a escolha de caprichos: a busca “egoísta” dos próprios caprichos (como a ética de Nietzsche) — ou o altruísmo servil aos caprichos de outros (como a ética de Bentham, Mill, Comte e de outros hedonistas sociais, não importando se eles permitirem ao homem incluir seus próprios caprichos entre os milhões de outros, ou aconselharem-no a transformar-se em alguém totalmente desinteressado, pronto para ser devorado pelos outros). Quando um “desejo”, sem levar em conta sua natureza ou causa, é tomado como uma premissa ética, e a gratificação de qualquer e todo desejo é tomada como um objetivo ético (como “a maior felicidade para o maior número”) — os homens não têm escolha, exceto odiar, ter medo e lutar uns contra os outros, porque seus desejos e interesses necessariamente colidem. Se “desejo” é o critério ético, então o desejo de um homem de produzir e o desejo de outro homem de roubá-lo têm igual validade ética; o desejo de um homem de ser livre, e o desejo de outro de escravizá-lo, têm igual validade ética; o desejo de um homem de ser amado e admirado por suas virtudes, e o desejo de outro homem de um amor e admiração não merecida têm igual validade ética. E, se a frustração de qualquer desejo constitui um sacrifício, então um homem que possui um automóvel, o qual lhe é roubado, está sendo sacrificado, mas também o homem que quer ou - ‘aspira” ter um automóvel cujo proprietário se recusa a dar-lhe — e estes dois “sacrifícios” possuem igual status ético. Se é assim, então a única escolha do homem é roubar ou ser roubado, destruir ou ser destruído, sacrificar os outros a qualquer desejo próprio ou sacrificar a si mesmo a qualquer desejo dos outros; então a única alternativa ética do homem é ser um sádico ou masoquista. O canibalismo moral de todas as doutrinas hedonistas e altruístas consiste na premissa de que a felicidade de um homem implica prejuízo de outro. Atualmente, a maioria das pessoas considera esta premissa como um absoluto inquestionável. E quando alguém fala do direito do homem de existir pelo seu próprio interesse, racional, a maioria das pessoas aceita automaticamente que isto implica o seu direito de sacrificar os outros. Tal suposição é a confissão de suas próprias crenças de que prejudicar, escravizar, roubar ou assassinar está no auto-interesse do homem — a que ele deve altruisticamente renunciar. A ideia de que o auto-interesse do homem pode ser satisfeito por um relacionamento que não implique o sacrifício de ninguém, nunca ocorreu àqueles apóstolos humanitários do desinteresse, que proclamam seu desejo de alcançar a fraternidade entre os homens. E não ocorrerá a eles, ou a qualquer um, contanto que o conceito “racional” seja omitido do contexto de “valores”, “desejos”, “auto-interesse” e ética. A ética Objetivista orgulhosamente advoga e defende o egoísmo racional — que significa; os valores exigidos pela sobrevivência do homem enquanto homem — ou seja, os valores exigidos pela vida humana — não são os valores produzidos pelos desejos, emoções e “aspirações”. Os sentimentos, os caprichos ou as necessidades de brutamontes irracionais, que nunca superaram a prática primordial dos sacrifícios humanos, que nunca descobriram uma sociedade industrial e não podem conceber nenhum auto-interesse, exceto aquele de aproveitar-se do saque da ocasião, são valores destrutivos à sobrevivência do homem. A ética Objetivista sustenta que o bem humano não requer sacrifício e não pode ser alcançado pelo sacrifício de ninguém; sustenta que os interesses racionais dos homens não se chocam — que não há conflito de interesses entre homens que não desejam o imerecido, que não fazem sacrifícios, nem os aceitam, que se tratam entre si como comerciantes, trocando valor por valor. O princípio da troca é o único princípio ético racional para todos os relacionamentos humanos, pessoais e sociais, particulares e públicos, espirituais e materiais. É o princípio de justiça. Um negociante é um homem que merece aquilo que adquire e não dá, nem toma, aquilo que não é merecido. Ele não trata os homens como senhores ou escravos, mas como pessoas iguais e independentes. Ele trata com os homens por meio de uma troca livre, voluntária, não-forçada e não-coagida — uma troca que beneficia ambas as partes por seu próprio julgamento independente. Um comerciante não espera ser pago por suas negligências, mas por suas realizações. Ele não transfere a outros o peso de seus fracassos e não hipoteca sua vida em garantia pelo fracasso de outros. Em questões espirituais — (por “espiritual”, quero dizer: “pertencente à consciência do homem”) — a moeda ou o meio de troca é diferente, porém o princípio é o mesmo. Amor, amizade, respeito, admiração são a resposta emocional de um homem às virtudes de outro, o pagamento espiritual dado em troca do prazer pessoal egoísta que um homem tira das virtudes de caráter de outro. Somente um brutamontes ou um altruísta afirmaria que a valorização das virtudes de outra pessoa é um ato de desinteresse, e no que concerne ao próprio interesse e prazer, não faz diferença se alguém trata com um gênio ou um bobo, se encontra um herói ou um facínora, se casa com a mulher ideal ou com uma prostituta. Em questões espirituais, um negociante é um homem que não procura ser amado por suas fraquezas ou fracassos, apenas por suas virtudes, e que não troca seu amor pelas fraquezas ou fracassos de outros, mas apenas pelas suas virtudes. Amar é dar valor. Somente um homem racionalmente egoísta, um homem que se autoestima é capaz de amar — porque é o único homem capaz de manter valores firmes, consistentes, descompromissados e não-traídos. O homem que não valoriza a si mesmo, não pode valorizar ninguém ou nada. É somente com base no egoísmo racional — com base na justiça — que os homens podem ajustar-se para viver juntos numa sociedade livre, pacifica, próspera, benevolente e racional. O homem pode tirar algum benefício pessoal da vida em sociedade? Sim — se for uma sociedade humana. Dois grandes valores a serem ganhos com a existência social são: conhecimento e comércio. O homem é a única espécie que pode transmitir e expandir seu estoque de conhecimento de geração para geração; o conhecimento potencialmente disponível a um homem é maior do que aquele que ele seria capaz de adquirir em toda a sua vida; cada homem beneficia-se incalculavelmente pelas descobertas de outros. O segundo grande benefício é a divisão do trabalho: ela capacita o homem a dedicar seu esforço a um campo de trabalho em particular e a negociar com outros que se especializaram em outros campos. Essa forma de cooperação permite a todos os homens que tomam parte nela, deter mais conhecimento, habilidade e retorno produtivo pelos seus esforços do que poderiam alcançar se cada um tivesse de produzir tudo do que precisasse numa ilha deserta ou numa fazenda que se auto- sustentasse. Mas estes verdadeiros benefícios indicam, delimitam e definem que tipo de homens podem ser de valor e em que tipo de sociedade: somente homens racionais, produtivos e independentes numa sociedade racional, produtiva e livre. Parasitas, vagabundos, saqueadores, brutamontes, facínoras não são de nenhum valor para o ser humano — nem podem obter nenhum benefício de vida numa sociedade engendrada para suas necessidades, exigências e proteção, uma sociedade que os trata como animais de sacrifício e os penaliza por suas virtudes a fim de recompensá-los por seus vícios, o que significa: uma sociedade baseada na ética do altruísmo. Nenhuma sociedade pode ter valor para a vida do homem, se o preço é a renúncia do direito à vida. O princípio político básico da ética Objetivista é: nenhum homem pode iniciar o uso de força física contra os outros. Nenhum homem — ou grupo, ou sociedade, ou governo — possui o direito de assumir o papel de um criminoso e começar a utilização da compulsão física contra qualquer homem. Os homens têm o direito de usar a força física apenas em retaliação e apenas contra aqueles que iniciam seu uso. O princípio ético envolvido é simples e bem definido; é a diferença entre assassinato e legítima defesa. Um assaltante procura ganhar um valor ou riqueza matando sua vítima; a vítima não fica mais rica matando o assaltante. O princípio é: nenhum homem pode obter qualquer valor de outro recorrendo à força física. O único propósito moral adequado de um governo é proteger os direitos do homem, o que significa: protegê-lo da violência física – proteger seu direito à sua própria vida, sua própria liberdade, sua própria propriedade e a busca de sua própria felicidade. Sem os direitos de propriedade, nenhum outro é possível. Não tentarei, numa breve preleção, discutir a teoria política do Objetivismo. Aqueles que estão interessados a encontrarão bem detalhada em A Revolta de Atlas. Direi somente que cada sistema político é baseado em e originado de uma teoria ética — e que a ética Objetivista é a base moral exigida por aquele sistema político-econômico que, hoje, está sendo destruído em todo o mundo, destruído precisamente por falta de uma defesa filosófica e de uma validação moral; o sistema americano original, o Capitalismo. Se ele perecer, perecerá por negligência, falta de exploração e de identificação: nenhum outro assunto tem sido tão ocultado por tantas distorções, falsos juízos e descrições enganosas. Atualmente, poucas pessoas conhecem o que é capitalismo, como funciona e qual foi sua história real. Quando digo “capitalismo", quero dizer um capitalismo completo, puro, não-controlado e desregulamentado do tipo laissez-faire — com uma separação entre Estado e economia, da mesma maneira e pelas mesmas razões da separação do Estado e da igreja. Um sistema puro de capitalismo jamais existiu, nem mesmo na América; vários graus de controle governamental o estavam boicotando e distorcendo desde o seu início. O capitalismo não é um sistema do passado; é o sistema do futuro — se a espécie humana tiver um futuro. Para aqueles que estão interessados na história e nas causas psicológicas pelas quais os filósofos traíram o capitalismo, mencionarei que as discuto no ensaio de meu livro intitulado For the new intelectual. A presente discussão precisa ser confinada ao assunto da ética. Apresentei os fundamentos mais simples de meu sistema, mas são suficientes para indicar de que maneira a ética Objetivista é a moralidade da vida — mesmo contra as três escolas principais de teoria ética, a mística, a social e a subjetiva, que trouxeram o mundo ao presente estado e que representam a moralidade da morte. Essas três escolas diferem apenas em seu método de abordagem, não em conteúdo. Em conteúdo, são simplesmente variantes do altruísmo, a teoria ética que considera o homem como um animal de sacrifício; a teoria que assegura que este homem não tem o direito de existir para seu próprio interesse, que servir aos outros é a única justificativa de sua existência, e que o auto sacrifício são o seu valor, virtude e dever morais mais altos. As diferenças se verificam apenas sobre a pergunta de quem deve ser sacrificado a favor de quem. O altruísmo sustenta a morte como seu objetivo último e critério de valor — e é lógico que a renúncia, resignação, auto-rejeição e qualquer outra forma de sofrimento, incluindo autodestruição, são as virtudes que defende. E, obviamente, estas são as únicas coisas que os profissionais do altruísmo têm alcançado e estão conseguindo agora. Observe que estas três escolas de teoria ética são contra a vida, não meramente em conteúdo, mas também em seu método de abordagem. A teoria mística da ética é explicitamente baseada na premissa de que o modelo ético de valor é estabelecido além-túmulo pelas leis ou exigência de uma outra dimensão sobrenatural, que é impossível ao homem praticar a ética, que ela é inconveniente e oposta à vida do homem na Terra, e que o homem deve levar a culpa por isso e sofrer através de toda a sua existência terrestre, e expiar pela culpa de ser incapaz de praticar o impraticável. A Idade das Trevas e a Idade Média são um monumento real a esta teoria da ética. A teoria social da ética substituiu Deus pela “sociedade” — e, apesar de afirmar que seu principal interesse é a vida na Terra, não é a vida do homem, não a de um indivíduo, mas a vida de uma entidade sem corpo, o coletivo, que, em relação a cada indivíduo, consiste de todos, exceto dele próprio. No que diz respeito ao indivíduo, seu dever ético é ser o escravo abnegado, sem direitos e destituído de voz, de qualquer necessidade, reivindicação ou exigência declaradas pelos outros. O lema “cada um por si” — que não é aplicável ao capitalismo, — é aplicável à teoria social da ética. Os monumentos reais a esta teoria são a Alemanha Nazista e a Rússia Soviética. A teoria subjetivista da ética é, no sentido estrito da palavra, não uma teoria, mas uma negação da ética. E mais: é a negação da realidade, não simplesmente da existência do homem, mas de todas as existências. Apenas o conceito de um universo heracliteano, indeterminado, fluido e plástico poderia permitir a alguém pensar ou pregar que o homem não precisa de princípios objetivas de ação — que a realidade lhe dá um cheque em branco — que nada que ele escolha como o bem ou mal, lhe servirá — que o capricho de um homem é um padrão moral válido e que a única pergunta é como obter sucesso com isto. O monumento real desta teoria é o estado atual de nossa cultura. Não é a imoralidade dos homens que é responsável pelo colapso que agora ameaça destruir o mundo civilizado, mas o tipo de moralidade que os homens têm sido incitados a praticar. A responsabilidade pertence aos filósofos do altruísmo. Eles não têm razão de estar chocados pelo espetáculo de seu próprio sucesso, e nenhum direito de condenar a natureza humana: os homens lhes têm obedecido e trouxeram seus ideais morais para a mais completa realidade. É a filosofia que estabelece os objetivos dos homens e determina seu rumo; é apenas a filosofia que pode salvá-los agora. Hoje, o mundo está enfrentando uma escolha: se a civilização deve sobreviver, é a moralidade altruísta que os homens precisam rejeitar. Terminarei com as palavras de John Galt, que eu dirijo, como ele o fez, a todos os que defendem o altruísmo, o do passado ou o do presente. “Vocês tem usado o medo como sua arma, e têm trazido morte aos homens, punindo-os por rejeitarem a sua moralidade. Nós lhes oferecemos a vida, como recompensa por aceitar a nossa”. 2. SAÚDE MENTAL VERSUS MISTICISMO E AUTO SACRIFÍCIO Nathaniel Branden O padrão de saúde mental — de funcionamento mental biologicamente apropriado — é o mesmo que o de saúde física: a sobrevivência e o bem-estar do homem. Uma mente é saudável até o ponto em que o seu método de funcionamento é tal que pode munir o homem com o controle da realidade que a base e o avanço de sua vida requerem. A marca distintiva deste controle é a autoestima. A auto-estima é a consequência, expressão e recompensa de uma mente inteiramente comprometida com a razão. Esta, a faculdade que identifica e integra o material provido pelos sentidos, é a arma básica de sobrevivência do homem. Compromisso com a razão é compromisso com a manutenção de um foco intelectual pleno; com a constante expansão do entendimento e conhecimento que se tem; com o princípio de que as ações de um indivíduo devem ser consistentes com suas convicções; que nunca se deve tentar tapear a realidade ou colocar qualquer consideração acima da realidade; que nunca se deve permitir a si mesmo contradições que nunca se deve tentar subverter ou sabotar a função correta da consciência. A função correta da consciência é a percepção, a cognição e o controle da ação. Uma consciência desobstruída, uma consciência integrada, uma consciência pensante é uma consciência saudável. Uma consciência bloqueada, tergiversada, fragmentada por conflitos e dividida contra si mesma, desintegrada por medo ou imobilizada por depressão, dissociada da realidade, é uma consciência insalubre. (Para uma discussão mais completa desta questão, veja o capítulo de título Objetivismo e psicologia, em meu livro Who is Ayn Rand?). No objetivo de lidar positivamente com a realidade — para procurar e alcançar os valores que a sua vida requer — o homem necessita autoestima; precisa ser confiante de sua eficácia e valor. Ansiedade e culpa, os antípodas da autoestima e a insígnia da doença mental, são os desintegradores do pensamento, os deturpadores de valores e paralisadores da ação. Quando um homem de autoestima escolhe os seus valores e estabelece as suas metas, quando projeta seus propósitos de longo alcance, os "quais unificarão e guiarão suas ações — é como uma ponte lançada ao futuro, pela qual sua vida passará, uma ponte sustentada pela convicção de que a sua mente é competente para pensar, julgar, valorizar, e de que ele é merecedor de apreciar estes valores. Este senso de controle da realidade não é o resultado de práticas, habilidade ou conhecimentos especiais, Não depende de sucessos ou fracassos em particular. Reflete o relacionamento fundamental que se tem com a realidade, a convicção que se tem, a eficácia e o valor fundamentais. Reflete a certeza de que, em essência e em princípio, se está certo para a realidade. A autoestima é um juízo metafísico. É este o estado psicológico que a moralidade tradicional torna impossível, até o ponto em que o homem o aceita. Nem o misticismo, nem o credo do auto sacrifício, são compatíveis com saúde mental e autoestima. Estas doutrinas são destrutivas existencial e psicologicamente. (1) A manutenção da vida e a conquista da autoestima requerem do homem o mais completo exercício da sua razão — mas moralidade, conforme ensinam aos homens, baseia-se e requer fé. A fé é o compromisso da consciência de um indivíduo com crenças das quais não se tem nenhuma evidência sensorial ou prova racional. Quando um homem recusa a razão como o seu critério de julgamento, apenas um critério alternativo permanece para ele: seus sentimentos. Um místico é um homem que trata os seus sentimentos como armas de cognição. A fé consiste em igualar o sentimento com o conhecimento. Para praticar a “virtude” da fé, deve-se estar pronto para suspender a visão e o julgamento; deve-se estar pronto para viver com o ininteligível, com aquilo que não pode ser conceituado ou integrado ao resto do conhecimento que se tem, e para induzir uma ilusão de entendimento similar a um transe. Deve-se estar pronto para reprimir a faculdade crítica e contê-la, como sua culpa; deve- se estar pronto para sufocar quaisquer perguntas que emerjam em protesto — para estrangular qualquer ímpeto de razão convulsivamente procurando insistir na sua função própria de protetora da vida do indivíduo e de sua integridade cognitiva. Lembre que todo o conhecimento do homem e todos os conceitos deste têm estrutura hierárquica. O fundamento e ponto inicial do pensamento do homem são suas percepções sensoriais; nesta base, o homem forma seus primeiros conceitos e então continua construindo o edifício do seu conhecimento, identificando e integrando novos conceitos numa escala cada vez maior. Se o pensamento humano é válido, este processo deve ser guiado pela lógica, “a arte da identificação não-contraditória” — e qualquer conceito novo que o homem forme deve ser integrado sem contradição à estrutura hierárquica de seu conhecimento. Introduzir na consciência de alguém qualquer ideia que não possa ser assim integrada, uma ideia não derivada da realidade, não validada por um processo da razão, não sujeita a exame ou julgamento racional — ou pior, uma ideia que se choca com o resto dos conceitos e compreensão de realidade de alguém — é sabotar a função integrativa da consciência, liquidar o resto das convicções de alguém e matar a capacidade do mesmo de ter certeza de qualquer coisa. Este é o significado da afirmação de John Galt em A Revolta de Atlas, de que “o suposto atalho para o conhecimento, que é a fé, nada mais é que um curto-circuito que destrói a mente”. Não há maior ilusão do que imaginar que se pode dar à razão o que é da razão e à fé o que é da fé. Esta não pode ser circunscrita ou delimitada; render a consciência de alguém em milímetros, é rendê-la no total. Ou a razão é um absoluto para uma mente ou não o é — e neste caso, não há espaço para traçar uma linha, nenhum princípio pelo qual traçá-la, nenhuma barreira que a fé não possa ultrapassar, nenhuma parte da vida de um ser que a fé não possa invadir: alguém se mantém racional até e a menos que seus sentimentos determinem algo diferente. A fé é a malevolência que nenhum sistema pode tolerar com impunidade; e o homem que sucumbir a ela, vai invocá-la precisamente naquelas questões onde mais precisar da razão. Quando alguém muda da razão para a fé, quando rejeita o absoluto da realidade, líquida o absoluto da sua consciência, e a sua mente se torna um órgão em que ele não pode mais confiar. Ela se torna o que os místicos chamam: um instrumento de distorção. (2) A necessidade de autoestima do homem implica a necessidade de um controle sobre a realidade — mas nenhum controle é possível em um universo que, pela própria concessão de alguém, contém o sobrenatural, o miraculoso e sem motivo, um universo no qual se está à mercê de fantasmas e demônios, no qual se deve lidar, não com o desconhecido, mas com o desconhecível; nenhum controle é possível, se o homem propõe, mas um fantasma dispõe; nenhum controle é possível, se o universo é uma casa mal- assombrada. (3) A vida e a autoestima requerem que o objeto e o interesse da consciência do homem sejam a realidade e este mundo — mas a moralidade, segundo ensinam aos homens, consiste em desprezar este mundo e o material disponível para a percepção sensorial e em contemplar uma realidade “diferente” e “maior”, um domínio inacessível para a razão e incomunicável pela linguagem, mas atingível através de revelação, de processos dialéticos especiais daquele estado superior de lucidez intelectual conhecido pelos zen- budistas como anti-mente, ou por morte. Existe apenas uma realidade — aquela que a razão pode conhecer. E se o homem escolhe não a perceber, nada mais há para ele perceber; se ele não tem consciência deste mundo, não será consciente em absoluto. O único resultado da projeção mística de “uma outra” realidade é que ela incapacita o homem psicologicamente para esta. Não foi contemplando o transcendental, o sagrado, o indefinível — não foi contemplando o inexistente — que o homem se ergueu da caverna e transformou o mundo material para tornar possível uma existência humana na Terra. Se for virtude renunciar à própria razão, e pecado usá-la; se for virtude aproximar-se do estado mental de um esquizofrênico, e pecado estar intelectualmente em foco; se for virtude censurar este mundo, e pecado torná-lo habitável; se for virtude mortificar a carne, e pecado trabalhar e agir; se for virtude menosprezar a vida, e pecado mantê-la e aproveitá-la — então não será possível nenhuma autoestima ou controle ou eficácia, nada será possível para o homem, exceto o sentimento de culpa e o terror de um patife pego num universo de pesadelo, um universo criado por algum sádico metafísico que lançou o homem em um labirinto onde a porta que dizia “virtude” levava à autodestruição, e a porta que dizia “eficácia” levava à autocondenação. (4) A vida e autoestima requerem que o homem se orgulhe do seu poder de pensar, do seu poder de viver. Mas a moralidade, segundo ensinam aos homens, impede o orgulho e especificamente o orgulho intelectual, considerado o mais grave dos pecados. A virtude começa, segundo ensinam aos homens, com humildade: com o reconhecimento do desamparo, da pequenez, da impotência de sua própria razão. O homem é onisciente? — reclamam os místicos. É infalível? Então, como ousa desafiar a palavra de Deus, ou dos representantes de Deus, e se colocar como o juiz de qualquer coisa? Orgulho intelectual não é — como os místicos irracionalmente inferem — uma pretensão de onisciência e infalibilidade. Ao contrário, precisamente porque o homem tem de lutar pelo conhecimento, precisamente porque a busca do conhecimento requer um esforço, os homens que assumem esta responsabilidade sentem corretamente orgulho. Às vezes, coloquialmente, toma-se o significado de orgulho por um fingimento de realização que alguém não alcançou de fato. Mas o fanfarrão, o vanglorioso, o homem que aparenta virtudes, não sente orgulho; ele meramente escolheu a maneira mais humilhante de revelar a sua humildade. O orgulho é a resposta pessoal para obter valores, o prazer que se sente pela própria eficácia. E é isto que os místicos têm como mal. Mas se a dúvida, não a confiança, é o estado moral próprio do homem; se a autodesconfiança, não a autoconfiança, é a prova de sua virtude — se o medo, não a autoestima, é a marca da perfeição; se a culpa, não o orgulho, é a sua meta — então a doença mental é um ideal moral, os neuróticos e psicóticos são os mais altos expoentes de moralidade, e os pensadores, os realizadores, são os pecadores, aqueles que são corruptos demais e arrogantes demais para buscar a virtude e o bem-estar psicológico, pela crença de que eles estão incapacitados a existir. A humildade é, por uma questão de necessidade, a virtude básica de uma moralidade mística: é a única virtude possível para homens que renunciaram à razão. O orgulho tem de ser merecido; é a recompensa do esforço e da conquista; mas para ganhar a virtude da humildade, precisa-se apenas se abster de pensar — nada mais é exigido —, e sentir-se-á modesto suficientemente rápido. (5) A vida e a autoestima requerem do homem lealdade para com os seus valores, para com a sua razão e os julgamentos dela, — mas a essência da moralidade, segundo ensinam aos homens, consiste em auto sacrifício: o sacrifício das suas razões a alguma autoridade maior, e o sacrifício dos seus valores a quem quer possa afirmar desejá-los. Não é necessário, neste contexto, analisar as inumeráveis maldades vinculadas pelo preceito do auto sacrifício. A irracionalidade deste e sua destrutividade foram completamente expostas em A Revolta de Atlas. Mas existem dois aspectos da questão que são especialmente pertinentes ao assunto da saúde mental. O primeiro é o fato de que auto sacrifício significa — e somente pode significar — sacrifício da razão. Um sacrifício, deve-se lembrar, significa a rendição de um valor maior a favor de um menor ou a algo sem valor. Se alguém desiste daquilo que não valoriza para obter aquilo que valoriza — ou se alguém desiste de um valor menor para obter um maior — isto não é um sacrifício, mas um ganho. Vamos mais longe. Lembremos que todos os valores de um homem existem numa hierarquia; ele valoriza algumas coisas mais do que outras; e, até o ponto em que é racional, a ordem hierárquica de seus valores é racional: isto é, ele valoriza as coisas na proporção da importância delas em servir à sua vida e bem-estar. O que é nocivo à sua vida e bem-estar, e também nocivo à sua natureza e necessidades enquanto ser vivo, ele desvaloriza. De modo inverso, uma das características da doença mental é uma escala de valores distorcida; o neurótico não valoriza as coisas de acordo com seu mérito objetivo, em relação à natureza dele e suas necessidades; ele frequentemente valoriza cada mínima coisa que o leva à autodestruição. Julgado por padrões objetivos, está engajado em um processo crônico de auto-sacrifício. Mas se sacrifício é virtude, não é o homem neurótico, mas o racional que precisa ser “curado”. Ele tem de aprender a violentar o seu próprio julgamento racional — reverter a ordem de sua hierarquia de valores — renunciar àquilo que sua razão escolheu como bom — voltar-se contra e invalidar sua própria consciência. Os místicos declaram que tudo que exigem do homem é que ele sacrifique sua felicidade? Sacrificar a sua felicidade é sacrificar os seus desejos; sacrificar os seus desejos é sacrificar os seus valores; sacrificar os seus valores é sacrificar o seu julgamento; sacrificar o seu julgamento é sacrificar a sua razão — e é nada menos do que isto que a crença do auto sacrifício almeja e exige. A raiz do egoísmo é o direito do homem — e necessidade — de agir segundo o seu próprio julgamento. Se o seu julgamento tiver de ser objeto de sacrifício — que tipo de eficácia, controle, ausência de conflito, ou serenidade de espírito será possível ao homem? O segundo aspecto pertinente aqui envolve, não somente a crença no auto sacrifício, mas todos os princípios anteriores de moralidade tradicional. Uma moralidade irracional, uma moralidade posta em oposição à natureza do homem, aos fatos da realidade e aos requisitos da sua sobrevivência, necessariamente força os homens a aceitarem a convicção de que há um choque inevitável entre o moral e o prático — que eles têm de escolher, ou serem virtuosos, ou serem felizes, serem idealistas ou bem-sucedidos, mas que não podem ser ambos. Esta visão estabelece um conflito desastroso no nível mais profundo do ser, uma dicotomia letal que o dilacera: ela o força a escolher entre tornar a si mesmo capaz de viver e merecedor de viver. Porém a autoestima e a saúde mental requerem que ele conquiste ambos. Se o homem considera a vida na Terra como o bem, se julga seus valores pelo critério daquilo que é próprio para a exigência de um ser racional, então não há nenhum choque entre os requisitos da sobrevivência e da moralidade — nenhum choque entre torná-lo apto para viver e torná-lo merecedor de viver; ele alcança o segundo alcançando o primeiro. Mas há um choque, se o homem considera a renúncia a este mundo como o bem, a renúncia à vida, à razão, à felicidade, ao seu eu. Sob uma moralidade anti-vida, o homem se torna merecedor de viver na mesma proporção em que se torna incapaz de viver — e na mesma proporção em que se torna capaz de viver, ele se torna não- merecedor de viver. À resposta dada por muitos defensores da moralidade tradicional é: “Ah, mas as pessoas não precisam ir a extremos” — significando: “Não esperamos que as pessoas sejam inteiramente morais. Esperamos que contrabandeiem algum interesse próprio nas suas vidas. Reconhecendo que as pessoas têm de viver, afinal de contas”. A defesa, então, deste código de moralidade, é que poucas pessoas serão suicidas o suficiente para tentar praticá-lo consistentemente. Hipocrisia é proteger o homem contra suas professadas convicções morais. O que isto faz à sua autoestima? E aquelas vítimas que são insuficientemente hipócritas? E a criança que se recolhe aterrorizada dentro de um universo autista porque não sabe enfrentar as alucinações dos pais, que lhe dizem que é culpada por natureza, que o seu corpo é o mal, que pensar é pecaminoso, que fazer perguntas é blasfemo, que duvidar é depravado, e que ela tem de obedecer às ordens de um fantasma sobrenatural, porque, se não o fizer, vai queimar eternamente no inferno? Ou a filha que sucumbe culpada do pecado de não querer devotar a sua vida a cuidar de seu pai doente, que só lhe deu motivos para sentir rancor? Ou o adolescente que foge para a homossexualidade porque lhe foi ensinado que sexo é mau, e que mulheres são para ser adoradas, mas não desejadas? Ou o homem de negócios que sofre um ataque de ansiedade porque, após anos sendo incitado a ser econômico e trabalhador, finalmente comete o pecado de ter sucesso, e agora é avisado de que deve ser mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus? Ou o neurótico que, em completo desespero, desiste da tentativa de resolver seus problemas, porque sempre ouviu pregar que esta terra é o reino da miséria, futilidade e perdição, onde nenhuma felicidade ou satisfação é possível ao homem? Se os defensores destas doutrinas carregam uma responsabilidade moral séria, há um grupo que talvez carregue uma responsabilidade ainda mais séria: os psicólogos e psiquiatras que vêem os destroços humanos destas doutrinas, mas que permanecem em silêncio e não protestam — que declaram que questões filosóficas e morais não concernem a eles, que a ciência não pode pronunciar julgamentos de valores — que desconsideram suas obrigações profissionais com a afirmação de que um código racional de moralidade é impossível e, através do seu silêncio, dão a sua aprovação ao assassinato espiritual. (Março de 1963) 3. A ÉTICA NAS SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA Ayn Rand Os resultados psicológicos do altruísmo podem ser observados no fato de que uma enorme quantidade de pessoas aborda o assunto da ética fazendo perguntas como: "Deve alguém arriscar a sua vida para ajudar um homem que está: a) se afogando, b) encurralado no meio do fogo, c) caminhando em direção à um caminhão que vem em alta velocidade, d) agarrado pelas unhas à beira de um abismo?” Considere as implicações de tal abordagem. Se um homem aceita a ética do altruísmo, sofre as seguintes consequências (na proporção do grau de aceitação): 1. Falta de autoestima — uma vez que sua preocupação primeira no domínio dos valores não é como viver sua vida, mas como sacrificá-la. 2. Falta de respeito pelos outros — uma vez que considera o gênero humano como um bando de mendigos condenados implorando pela ajuda de alguém. 3. Uma visão de pesadelo da existência — uma vez que crê que os homens estão encurralados em um "universo malevolente" onde desastres são a preocupação primária e constante de suas vidas. 4. E, de fato, uma indiferença letárgica à ética, uma amoralidade desesperançosamente cínica — uma vez que as suas perguntas envolvem situações que provavelmente nunca encontrará, que não trazem nenhuma relação com os verdadeiros problemas de sua própria vida e assim deixam-no viver sem princípios morais, quaisquer que sejam. Elevando a questão de ajudar aos outros à condição central e básica da ética, o altruísmo destruiu o conceito de qualquer benevolência ou boa vontade autêntica entre os homens. Ele doutrinou os homens com a ideia de que valorizar outro ser humano é um ato de abnegação, desta forma implicando que um homem não pode ter nenhum interesse pessoal nos outros — que valorizar o próximo significa sacrificar a si mesmo — que qualquer amor, respeito ou admiração que um homem possa sentir pelos outros não é e não pode ser uma fonte de seu próprio prazer, mas sim uma ameaça à sua existência, um cheque em branco de sacrifício assinado para os seus amados. Os homens que aceitam esta dicotomia, mas que escolhem o seu outro lado, os produtos últimos da influência altruísta desumanizadora, são aqueles psicopatas que não desafiam a premissa básica do altruísmo, mas proclamam sua rebelião contra o auto sacrifício anunciando que são totalmente indiferentes a qualquer coisa viva, e que não ergueriam uma palha para ajudar" um homem ou um cachorro deixado mutilado por um motorista que fugiu (geralmente um do tipo deles). A maioria dos homens não aceita e nem pratica nenhum dos lados da dicotomia viciosamente falsa do altruísmo, mas o resultado dela é um completo caos intelectual na questão dos relacionamentos humanos adequados e em questões como a natureza, propósito ou extensão da ajuda que se pode dar aos outros. Atualmente, uma grande quantidade de homens sensatos e bem intencionados não sabe identificar ou conceituar os princípios morais que motivam o seu amor, afeição ou boa vontade, e não consegue encontrar nenhuma orientação no campo de ética, dominada pelos chavões gastos do altruísmo. Sobre a questão de por que o homem não é um animal de sacrifício e por que ajudar os outros não é sua obrigação moral, encaminho ao A Revolta de Atlas. A presente discussão é concernente aos princípios pelos quais alguém identifica e avalia os exemplos que envolvem a ajuda não-sacrificada de um homem aos outros. “Sacrifício” é a rendição de um valor maior em favor de um menor ou carente de valor. Assim, o altruísmo gradua a virtude de um homem pelo grau a que ele rende, renuncia ou traí os seus valores (uma vez que a ajuda a um estranho ou inimigo é considerada como mais virtuosa, menos “egoísta” do que a ajuda àqueles que se ama). O princípio racional de conduta é exatamente o oposto: sempre age de acordo com a hierarquia dos seus valores, e nunca sacrifica um valor maior a um menor. Isto se aplica a todas as escolhas, incluindo as ações de um homem para com outro. Requer que se possua uma hierarquia definida de valores racionais (valores escolhidos e validados por um padrão racional). Sem tal hierarquização, não são possíveis nem uma conduta racional, nem juízos de valores e nem escolhas morais. O amor e a amizade são valores profundamente pessoais e egoístas: o amor é uma expressão e asserção da autoestima, uma resposta aos valores pessoais em outra pessoa. Ganha-se uma felicidade profundamente pessoal, egoísta, pela mera existência da pessoa que se ama. É a própria felicidade pessoal e egoísta que se busca, ganha e colhe do amor. Um amor “abnegado”, “desinteressado” é uma contradição, em termos: significa que se é indiferente ao que se valoriza. A preocupação pelo bem-estar daqueles que se ama é uma parte racional dos interesses egoístas de alguém. Se um homem que está perdidamente apaixonado por sua esposa gasta uma fortuna para curá-la de uma doença perigosa, seria absurdo afirmar que o faz como um “sacrifício” por ela, não por ele mesmo, e que não faz nenhuma diferença para ele, pessoal e egoisticamente, o fato de ela viver ou morrer. Qualquer ato que um homem empreende em benefício daqueles que ama não é um sacrifício, se, na hierarquia de seus valores, no contexto total das escolhas abertas a ele, é conquistado aquilo de maior importância pessoal (e racional) para ele. No exemplo acima, a sobrevivência da esposa é de maior valor para o marido do que qualquer outra coisa que o dinheiro dele possa comprar, é da maior importância para sua própria felicidade, e, por conseguinte, seu ato não é um sacrifício. Mas suponha que a deixasse morrer para gastar o seu dinheiro com o salvamento das vidas de dez outras mulheres, das quais nenhuma significasse nada para ele — como a ética do altruísmo requereria. Isto seria um sacrifício. Aqui a diferença entre Objetivismo e altruísmo pode ser vista mais claramente: se o sacrifício é o princípio moral da ação, então aquele marido deveria sacrificar a sua esposa pelas dez outras mulheres. O que distingue a esposa das outras dez? Nada exceto o seu valor para o marido, que tem de fazer a escolha — nada exceto o fato de que a felicidade dele requer a sobrevivência dela. A ética Objetivista dir-lhe-ia: o seu propósito moral mais alto é a conquista da própria felicidade, o dinheiro é seu, use-o para salvar a sua esposa, este é o seu direito moral e a sua escolha racional, moral. Considere a alma do moralista altruísta que estaria preparado para dizer ao marido o oposto. (E então pergunte a si mesmo se o altruísmo é motivado pela benevolência.) O método adequado de julgar quando ou se alguém deve ajudar uma outra pessoa é pela referência ao seu próprio auto-interesse racional e à sua própria hierarquia de valores: o tempo, o dinheiro ou esforço que se dá ou o risco que se corre deve ser proporcional ao valor da pessoa em relação à sua própria felicidade. Para ilustrar isto no exemplo favorito dos altruístas: a questão de salvar uma pessoa que está se afogando. Se a pessoa a ser salva é um estranho, é moralmente adequado salvá-la apenas quando o perigo para a sua própria vida é mínimo; quando o perigo é grande, é imoral tentar: somente a falta de autoestima pode permitir que alguém não valorize mais a sua vida do que a de um estranho qualquer. E, opostamente, se alguém está se afogando, não pode esperar que um estranho arrisque a sua vida por causa dele, lembrando que a vida dele não pode ser tão valiosa para este estranho quanto a própria vida deste.). Se a pessoa a ser salva não é um estranho, então o risco que se deveria estar pronto a correr é maior em proporção à importância do valor da pessoa para aquele que salva. Se é o homem ou mulher que se ama, então se deve estar pronto para dar a própria vida para salvá-lo(a) — pela razão egoísta de que a vida sem a pessoa amada poderia ser insuportável. Em oposição a isto, se um homem é capaz de nadar e salvar sua esposa que se afoga, mas se entra em pânico ou se entrega a um medo irracional e não- justificado — não o chamariam de “ egoísta”; condená-lo-iam moralmente pela sua traição a si mesmo e a seus próprios valores, ou seja: seu fracasso em lutar pela preservação de um valor crucial para sua própria felicidade. Lembre-se de que valores são aqueles pelos quais alguém age para obtê-los e/ou conservá-los, e que a felicidade de alguém deve ser conquistada pelo próprio esforço pessoal. Uma vez que a sua própria felicidade é o propósito moral de sua vida, o homem que fracassa em alcançá-la por razão de sua própria negligência, por causa de seu fracasso em lutar por ela, é moralmente culpado. A virtude envolvida em ajudar aqueles que se ama não é “abnegação” ou “sacrifício” mas integridade. Integridade é lealdade para com as convicções e valores que se tem. É a política de agir de acordo com os seus valores, de expressá-los, sustentá-los e traduzi-los na realidade prática. Se um homem professa amar uma mulher e ainda assim seus atos são indiferentes, desfavoráveis ou prejudiciais a ela, é a sua falta de integridade que o torna imoral. O mesmo princípio se aplica a relacionamentos entre amigos. Se o amigo de alguém está com problemas, este alguém deve agir por quaisquer meios — que não sejam de sacrifício — apropriados para ajudá-lo. Por exemplo, se o amigo está morrendo de fome, não é um sacrifício, mas um ato de integridade dar-lhe dinheiro para comida preferivelmente a comprar alguma engenhoca insignificante para si mesmo, porque o bem-estar do amigo é importante na escala de valores pessoais deste alguém. Se a engenhoca significa mais do que o sofrimento do amigo, então este alguém não tinha o direito de fingir ser amigo daquele. A implementação prática da amizade, afeição e amor consiste em incorporar o bem-estar (o bem-estar racional) da pessoa envolvida, a própria hierarquia de valores de alguém, e então agir de acordo. Mas esta é uma recompensa que os homens têm de ganhar através de suas virtudes e que não pode ser concedida a meros conhecidos ou estranhos. O que, afinal, dever-se-ia adequadamente conceder a estranhos? O respeito generalizado e a boa vontade que se deve conceder a um ser humano em nome do valor potencial que ele representa — até ou a menos que os perca por alguma razão. O homem racional não esquece que a vida é a fonte de todos os valores e, como tal, um vínculo comum entre os seres vivos (em oposição à matéria inanimada) e que outros homens são potencialmente capazes de conquistar as mesmas virtudes como suas próprias e assim serem de enorme valor para ele. Isto não significa que considere as outras vidas humanas intercambiáveis com a sua própria. Ele reconhece o fato de que a sua própria vida é a fonte, não apenas de todos os seus valores, mas da sua capacidade de valorar. Por conseguinte, o valor que concede a outros é somente uma consequência, uma extensão, uma projeção secundária do valor primário que é ele mesmo. “O respeito e a boa vontade que homens de autoestima sentem em relação a outros seres humanos são profundamente egoístas; eles sentem, de fato: ‘Outros homens têm valor porque eles são da mesma espécie que eu. Ao reverenciar entidades vivas, estão reverenciando suas próprias vidas. Esta é a base psicológica de qualquer emoção de solidariedade e qualquer sentimento de solidariedade de espécie.” Visto que os homens nascem carentes de dados ou padrões, quer cognitivos, quer morais, um homem racional julga estranhos como inocentes até que se provem culpados, e lhes concede aquela boa vontade inicial em nome de seu potencial humano. Depois, ele os julga de acordo com o caráter moral que demonstram. Se ele os achar culpados por males importantes, sua boa vontade será substituída por desprezo e condenação moral. (Se se valoriza a vida humana, não se pode valorizar os seus destruidores.) Se ele os achar virtuosos, lhes concederá valor pessoal e individual e reconhecimento, na proporção de suas virtudes. É no terreno desta boa vontade e respeito generalizados pelo valor da vida humana que se ajudam estranhos em uma situação de emergência — e apenas em uma situação de emergência. É importante diferenciar entre as regras de conduta em uma situação emergencial e as regras de conduta nas condições normais da existência humana. Isto não significa um padrão duplo de moralidade: o padrão e os princípios básicos permanecem os mesmos, mas a aplicação deles a cada caso requer definições precisas. Uma emergência é um evento não escolhido, não esperado, limitado no tempo, que cria condições sob as quais a sobrevivência humana é impossível — como uma enchente, terremoto, incêndio, naufrágio. Numa situação de emergência, o objetivo primeiro dos homens é combater o desastre, escapar do perigo e restaurar as condições normais (alcançar a terra firme, apagar o incêndio, etc.). Por condições "normais" eu quero dizer normais metafisicamente, normais na natureza das coisas e apropriadas à existência humana. Os homens podem viver em terra, mas não na água ou sob um incêndio violento. Uma vez que os homens não são onipotentes, é metafisicamente possível que desastres imprevisíveis os peguem de surpresa, caso em que sua única tarefa é retornar àquelas condições sob as quais suas vidas podem continuar. Por sua natureza, uma situação de emergência é temporária; se durasse, os homens pereceriam. Somente em situações de emergência deve-se ser voluntário para ajudar estranhos, se isto está ao nosso alcance. Por exemplo, um homem que valoriza a vida humana e se vê em um naufrágio, deve ajudar a salvar seus companheiros de viagem (embora não à custa de sua própria vida). Mas isto não significa que após todos eles chegarem à praia, ele deva devotar os seus esforços para salvar seus companheiros de viagem da pobreza, ignorância, neurose, ou quaisquer que sejam os problemas que possam ter. Tampouco significa que deva passar a sua vida navegando os sete mares a procura de vítimas de naufrágio a serem salvas. Ou, tomando um exemplo que pode ocorrer no dia a dia: suponhamos que se ouça dizer que o vizinho da porta ao lado está doente e sem dinheiro. Doença e pobreza não são emergências metafísicas, são parte dos riscos normais da existência; mas como o homem está temporariamente desamparado, pode-se trazer a ele comida e medicamentos. Se se tem condições financeiras (como um ato de boa vontade, não de obrigação) pode-se conseguir dinheiro entre os vizinhos para ajudá-lo. Mas isto não significa que se deva sustentá-lo dai em diante, nem que se se deva passar a vida procurando por homens famintos para ajudar. Nas condições normais da existência, o homem tem de escolher as suas metas, projetá-las no tempo, buscá-las e alcançá-las por seu próprio esforço. Ele não poderá fazer isto, se suas metas estiverem à mercê de e tiverem de ser sacrificadas a qualquer infortúnio que aconteça a outros. Ele não pode viver a sua vida através da orientação de regras aplicáveis apenas às condições sob as quais a sobrevivência humana é impossível. O princípio de que se deve ajudar aos homens em uma situação de emergência não pode ser estendido até considerar todo o sofrimento humano como uma emergência e a transformar o infortúnio de alguns em uma hipoteca sobre as vidas de outros. Pobreza, ignorância, doença e outros problemas deste tipo não são emergências metafísicas. Pela natureza metafísica do homem e da existência, aquele tem de manter a sua vida pelo seu próprio esforço; os valores de que precisa — como riqueza ou conhecimento — não lhe são dados automaticamente, como um presente da natureza, mas têm de ser descobertos e conquistados por seu próprio pensamento e trabalho. A única obrigação que se tem em relação aos outros, a este respeito, é manter um sistema social que deixe os homens livres para conquistarem, ganharem e manterem os seus valores. Todo código de ética é baseado e derivado da metafísica, ou seja: de uma teoria sobre a natureza fundamental do universo no qual o homem vive e age. A ética altruísta é baseada em uma metafísica de “universo malevolente” na teoria de que o homem, por sua natureza própria, é desamparado e condenado — que sucesso, felicidade, conquista são impossíveis para ele — que emergências, desastres, catástrofes são a norma de sua vida, e que sua meta primordial é combatê-los. Como a refutação empírica mais simples daquela metafísica — enquanto prova do fato de que o universo material não é desfavorável ao homem, e que catástrofes são a exceção, não a regra de sua existência — observe as fortunas feitas por companhias de seguro. Observe também que os defensores do altruísmo não são capazes de basear a sua ética em quaisquer fatos de existência normal e que eles sempre oferecem situações tipo “bote salva-vidas” como exemplos a partir dos quais tirar regras de conduta moral. (“O que você deve fazer se você e outro homem estiverem em um barco salva-vidas que só tenha capacidade para um?”, etc.) O fato é que os homens não vivem em barcos salva-vidas — e um barco salva-vidas não é o lugar em que se deve basear a metafísica. O propósito moral da vida de um homem é a conquista de sua própria felicidade. Isto não significa que ele seja indiferente a todos, que a vida humana não tenha nenhum valor para ele e que não tenha motivo para ajudar outros em uma emergência. Mas significa, isto sim, que não subordina a sua vida ao bem- estar de outros; não se sacrifica pelas necessidades deles; que o alívio do sofrimento deles não é sua preocupação prioritária; que qualquer ajuda que ele dê é uma exceção, não uma regra, um ato de generosidade, não de obrigação moral; que tudo isto é marginal e incidental — assim como os desastres são marginais e incidentais no curso da existência humana — e que valores, não desastres, são a meta, a primeira preocupação e a força motivadora de sua vida. (Fevereiro de 1963) 4. OS “CONFLITOS” DE INTERESSES ENTRE OS HOMENS Ayn Rand Alguns estudantes do Objetivismo acham difícil entender o princípio Objetivista de que “não existem conflitos de interesse entre homens racionais”. Uma pergunta típica é a seguinte: “Suponha que dois homens se candidatem para o mesmo emprego. Apenas um pode ser empregado. Não será este um exemplo de conflito de interesses, e não se beneficiará um deles à custa do sacrifício do outro?”. Existem quatro considerações inter-relacionadas envolvidas na visão dos interesses de um homem racional, mas ignoradas ou evadidas na pergunta acima e em todas as abordagens parecidas da questão. Eu as designaria como: (a) “Realidade”, (b) “Contexto”, (c) “Responsabilidade”, (d) “Esforço”. (a) Realidade. O termo “interesses” é uma ampla abstração que cobre todo o campo da ética. Inclui as questões de: valores do homem, seus desejos, metas e sua verdadeira conquista, na realidade. Os “interesses” de um homem dependem do tipo de meta que escolha buscar; sua escolha de metas depende dos seus desejos, estes dependem dos seus valores — e, para um homem racional, os valores dependem do juízo de sua razão. Os desejos (ou sentimentos ou emoções ou vontades ou caprichos) não são armas da cognição; não são um padrão válido de valor, nem um critério válido dos interesses do homem. O mero fato de um homem desejar algo não constitui uma prova de que o objeto do seu desejo é bom, nem de que a conquista é realmente de seu interesse. Alegar que os interesses de um homem são sacrificados toda vez que um desejo seu é frustrado, é ter uma visão subjetivista dos valores e interesses do homem. O que significa: acreditar que é adequado, moral e possível ao homem alcançar suas metas, indiferentemente de contradizerem os fatos da realidade ou não. O que significa: ter uma visão irracional ou mística da existência. O que significa: não merecer nenhuma consideração adicional. Ao escolher suas metas (os valores específicos que visa obter e/ou manter), um homem racional é guiado pelo seu pensar (por um processo da razão) — não por seus sentimentos ou desejos. Não considera desejos como premissas irredutíveis, como aquelas dadas, que é destinado irresistivelmente a buscar. Ele não considera “porque eu o quero” ou “porque eu tenho vontade” como uma causa ou validação suficiente de seus atos. Escolhe e/ou identifica seus desejos por um processo da razão e não age para realizar um desejo até e a menos que seja capaz de racionalmente validá-lo no contexto completo do seu conhecimento e dos seus outros valores e objetivos. Ele não age até que possa dizer: “Eu quero isto porque é certo.” A Lei de Identidade (A é A) é a consideração suprema de um homem racional no processo de determinar seus interesses. Ele sabe que o contraditório é o impossível, que uma contradição não pode ser alcançada na realidade, e que a tentativa de alcançá-la pode somente levar ao desastre e à destruição. Por conseguinte, não se permite ter valores contraditórios ou imaginar que a busca de uma contradição possa, um dia, ser de seu interesse. Apenas um irracionalista (ou místico ou subjetivista — em cuja categoria posiciono todos aqueles que consideram a fé, os sentimentos ou desejos como o padrão de valor de um homem) vive em um perpétuo conflito de interesses. Não somente os seus supostos interesses se chocam com os de outros homens, mas também se chocam entre si. Ninguém considera difícil descartar de uma consideração filosófica o problema de um homem que se lamenta de que a vida o colocou num conflito irreconciliável porque ele não pode comer a sobremesa e ao mesmo tempo guardá-la. Este problema não adquire validade intelectual por ser ampliado até englobar questões além de sobremesas — se for expandido para todo o universo, como nas doutrinas do Existencialismo, ou apenas para poucos caprichos e evasões eventuais, como nas visões da maior parte das pessoas a respeito dos seus interesses. Quando uma pessoa alcança o estágio de afirmar que os interesses do homem se conflitam com a realidade, o conceito “interesses” deixa de ser significativo — e o problema deste deixa de ser filosófico e se torna psicológico. (b) Contexto. Assim como um homem racional não possui nenhuma convicção fora de contexto — ou seja: sem relacioná-la com o resto do seu conhecimento e resolver quaisquer possíveis contradições —, também não possui ou busca nenhum desejo fora de contexto. E não julga o que é ou não é de seu interesse fora de contexto. Esquecer o contexto é uma das principais armas psicológicas de evasão. Com relação aos desejos do indivíduo, há duas formas de abandonar o contexto: as questões de alcance e de meios. Um homem racional vê seus interesses em termos de toda uma vida e seleciona as suas diretrizes de acordo, isto não significa que tenha de ser onisciente, infalível ou clarividente. Significa que ele não vive sua vida a curto prazo e não vagueia como um beberrão impulsionado pelo imprevisto. Significa que não considera nenhum momento como separado do contexto do resto de sua vida, e que não permite conflitos ou contradições entre os seus interesses de curto ou longo prazos. Ele não se torna seu próprio destruidor buscando um desejo, hoje, que destruirá todos os seus valores, amanhã. Um homem racional não se permite melancólicos desejos dirigidos a fins divorciados dos meios de que dispõe. Não se apega a um desejo sem saber (ou aprender) e considerar os meios pelos quais consegui-lo. Dado que sabe que a natureza não provê o homem de satisfação automática dos seus desejos; que as metas e valores de um homem devem ser conquistados pelo seu próprio esforço; que as vidas e esforços de outros homens não são sua propriedade e não estão lá para servir aos seus desejos — um homem racional não tem um desejo ou busca um objetivo que não possa ser alcançado direta ou indiretamente por seu próprio esforço. É com um entendimento adequado deste “indiretamente” que a questão social decisiva inicia-se. Viver em uma sociedade, ao invés de numa ilha deserta, não alivia o homem de sua responsabilidade de sustentar sua própria vida. A única diferença é que ele sustenta a sua vida comercializando os seus produtos ou serviços pelos produtos ou serviços de outros. E, neste processo de comércio, um homem racional não procura ou deseja nada mais ou nada menos do que seu próprio esforço possa ganhar. O que determina seus ganhos? O mercado livre, isto é: a escolha e julgamento voluntários dos homens que estão prontos a comercializar com ele seus próprios esforços. Quando um homem negocia com outros, está contando — explícita ou implicitamente — com a racionalidade deles, ou seja; com a habilidade destes de reconhecerem o valor objetivo do seu trabalho. (Um negócio baseado em qualquer outra premissa é um jogo de truques ou uma fraude.) Deste modo, quando um homem racional busca uma meta em uma sociedade livre, não se coloca à mercê dos caprichos, favores ou preconceitos de outros; depende somente do seu próprio esforço: diretamente, fazendo trabalho objetivamente de valor — indiretamente, através da avaliação objetiva do seu trabalho por outros. É neste sentido que um homem racional nunca mantém um desejo ou busca um objetivo que não possa ser alcançado por seu próprio esforço. Ele comercializa valor por valor. Nunca procura ou deseja o imerecido. Se decide alcançar um objetivo que requer a cooperação de muitas pessoas, nunca conta com nada mais do que a sua própria habilidade de persuadi-las, bem como a concordância voluntária delas. É desnecessário dizer que um homem racional nunca distorce ou corrompe seus próprios critérios e juízo para apelar à irracionalidade, estupidez e desonestidade de outros. Ele sabe que este rumo é suicida. Sabe que a única chance prática de se alcançar qualquer grau de sucesso ou qualquer coisa humanamente desejável repousa em negociar com aqueles que são racionais, indiferentemente de serem muitos ou poucos. Se, em qualquer circunstância dada, é possível obter vitória, somente a razão: pode lográ-la. E, em uma sociedade livre, indiferentemente de quão difícil seja a luta, a razão é que, por final, vence. Dado que nunca abandona o contexto das questões com as quais lida, um homem racional aceita aquela luta como de seu interesse — porque sabe que a liberdade é de seu interesse. Sabe que a luta para alcançar seus valores inclui a possibilidade de derrota. Também sabe que não há nenhuma alternativa e nenhuma garantia automática de sucesso pelo esforço humano, nem ao lidar com a natureza, nem com outros homens. Então ele não julga os seus interesses por nenhum fracasso específico, nem pelo alcance de nenhum momento em particular. Vive e julga a longo prazo. E assume a completa responsabilidade de saber que condições são necessárias para a conquista dos seus objetivos. (c) Responsabilidade. Esta última é a forma particular da responsabilidade intelectual da qual a maioria das pessoas foge. Essa fuga é a causa majoritária de suas frustrações e fracassos. A maior parte das pessoas tem desejos fora de qualquer contexto, como se fossem metas suspensas em um vácuo nebuloso, a névoa escondendo qualquer conceito sobre os meios para atingi-las. Elas se despertam mentalmente apenas o tempo suficiente para proferir um “eu desejo” e param aí, e esperam, como se o resto dependesse de alguma força desconhecida. Elas fogem é da responsabilidade de julgar o mundo social. Consideram o mundo como dado. “Um mundo que eu nunca construí” é a essência mais profunda de sua atitude — e procuram apenas se ajustar sem criticas aos requisitos incompreensíveis daqueles incognoscíveis outros que, estes sim, construíram o mundo, quem quer que tenham sido. Mas humildade e presunção são dois lados da mesma moeda psicológica. Na disposição de se entregar cegamente à mercê de outros, existe o privilégio implícito de fazer demandas cegas aos seus mestres. Existem inúmeras maneiras para este tipo de “humildade metafísica” se revelar. Por exemplo, há o homem que deseja ser rico, mas jamais pensa em descobrir que meios, ações e condições são necessários para alcançar a riqueza. Quem é ele para julgar? Nunca construiu o mundo — e “ninguém lhe deu uma oportunidade”. Existe a garota que deseja ser amada, mas nunca pensa em descobrir o que é o amor, que valores este requer, e se ela possui alguma virtude pela qual possa ser amada. Quem é ela para julgar? O amor, sente ela, é um benefício inexplicável — então simplesmente o almeja, sentindo que alguém a privou da sua quota na distribuição de benefícios. Há os país que sofrem profunda e genuinamente porque o seu filho (ou filha) não os ama, e que, simultaneamente, ignoram, se opõem a ou tentam destruir tudo que sabem das convicções, valores e diretrizes de seu filho, nunca pensando na conexão entre estes dois fatos, nunca fazendo uma tentativa de entender seu filho. O mundo que nunca construíram e que não ousam desafiar, disse-lhes que as crianças amam seus pais automaticamente. Existe o homem que quer um emprego, mas jamais pensa em descobrir que qualificações este requer, ou de que se constituí o fazer um bom trabalho. Quem é ele para julgar? Nunca construiu o mundo. Alguém lhe deve uma vida. Como? De alguma maneira. Um arquiteto europeu meu conhecido estava falando, um dia, da sua viagem para Porto Rico. Descreveu — muito indignado em relação ao universo como um todo — a sordidez das condições de vida dos porto-riquenhos. Então descreveu as maravilhas que a habitação moderna poderia fazer para eles, as quais havia sonhado em detalhes, incluindo refrigeradores elétricos e banheiros azulejados. Eu perguntei: “Quem pagaria por isto?” Ele respondeu, num tom de voz levemente ofendido, quase irado: “Ah, isto não cabe a mim me preocupar. A incumbência de um arquiteto é somente projetar o que deveria ser feito. Deixe que outra pessoa pense no dinheiro”. Esta é a psicologia de onde partiram todas as “reformas sociais” ou “serviços sociais” ou “experiências nobres” ou a destruição do mundo. Ao reduzir a responsabilidade pelos próprios interesses e pela própria vida, se reduz a responsabilidade de alguma vez ter de considerar os interesses e vida de outros — daqueles outros que devem, de alguma maneira, proporcionar a satisfação dos nossos próprios desejos. Quem quer que permita um “de alguma maneira” dentro de sua visão dos meios pelos quais seus desejos devem ser alcançados, é culpado daquela “humildade metafísica” que, psicologicamente, é a premissa de um parasita. Como apontou Nathaniel Branden em uma palestra, “de alguma maneira” sempre significa “alguém”. (d) Esforço. Uma vez que um homem racional sabe que deve conquistar suas metas por seu próprio esforço, sabe que nem a riqueza nem empregos nem quaisquer valores humanos existem em uma quantidade dada, limitada, estática, aguardando ser dividida. Ele sabe que todos os benefícios têm de ser produzidos, que o ganho de um homem não representa a perda de outro, que a realização de um homem não é obtida à custa daqueles que não a alcançaram. Portanto, ele nunca imagina ter algum tipo de direito a reivindicar o imerecido, unilateral, a qualquer ser humano - e nunca deixa os seus interesses à mercê de qualquer outra pessoa ou de uma ideia concreta, específica. Pode precisar de clientes, mas não de um cliente em particular — pode precisar de fregueses, mas não de um freguês em particular — pode precisar de um emprego, mas não de um emprego em particular. Se encontra competição, ou a enfrenta, ou escolhe um outro tipo de trabalho. Não existe um emprego tão baixo em que seu melhor e mais habilidoso desempenho passe despercebido e não apreciado: não em uma sociedade livre. Pergunte a qualquer gerente de empresa. Somente abúlicos, parasitas da escola da “metafísica da humildade”, veem todo competidor como uma ameaça, porque o pensamento de ganhar uma posição por mérito pessoal não faz parte de sua visão de vida. Eles consideram a si mesmos como mediocridades substituíveis que nada têm a oferecer e que lutam em um universo “estático”, pelo benefício sem causa de alguém. Um homem racional sabe que não se vive por meio de “sorte”, “chances” ou favores, que não existe algo como uma “única chance” ou uma única oportunidade, e que isto é garantido precisamente pela existência da competição. Ele não considera nenhuma meta específica e concreta ou valor como insubstituível. Sabe que apenas pessoas são insubstituíveis — apenas aquelas que se ama. Sabe, também, que não há conflitos de interesses entre homens racionais, nem mesmo na questão do amor. Assim como qualquer outro valor, o amor não é uma quantidade estática a ser dividida, mas uma resposta ilimitada a ser ganha. O amor por um amigo não é uma ameaça ao amor por outro, e nem o é o amor pelos vários membros de uma família, admitindo-se que eles o ganharam. A forma mais exclusiva — o amor romântico — não é uma questão de competição. Se dois homens estão apaixonados pela mesma mulher, o que ela sente por qualquer um deles não é determinado pelo que sente pelo outro e nem tampouco é tirado dele. Se ela escolhe um, o “perdedor” não poderia ter tido o que o “vencedor” ganhou. E somente entre pessoas irracionais, motivadas emocionalmente, cujo amor está divorciado de quaisquer critérios de valor, que rivalidades ocasionais, conflitos acidentais e escolhas cegas prevalecem. Mas então, quem quer que vença não vence totalmente. Entre os movidos-a-emoção, nem o amor nem qualquer outra emoção tem qualquer significado. Essas são, em breve essência, as quatro considerações majoritárias envolvidas na visão de um homem racional sobre os seus interesses. Agora retornemos à pergunta feita originalmente —- sobre os dois homens se candidatando ao mesmo emprego — e observemos de que maneira ela ignora ou opõe estas quatro considerações. (a) Realidade. O mero fato de que dois homens desejem o mesmo emprego não constituí prova de que qualquer um deles esteja qualificado para ele ou o mereça e de que seus interesses sejam prejudicados, se não o obtiver. (b) Contexto. Ambos devem saber que, se desejam o mesmo emprego, sua meta só se torna possível pela existência de um interesse empresarial capaz de prover emprego — que este interesse empresarial requer a disponibilidade de mais de um candidato para qualquer emprego — que se existisse somente um candidato, ele não conseguiria o emprego, porque o interesse empresarial teria que fechar as suas portas — e que sua competição para o mesmo emprego é de seu interesse, muito embora um deles perca naquele conflito específico. (c) Responsabilidade. Nenhum homem tem o direito moral de declarar que não quer considerar todas estas coisas, apenas quer um emprego. Não lhe é dado o direito a nenhum desejo ou “interesse” sem o conhecimento do que é requisitado para tornar sua execução possível. (d) Esforço. Quem quer que pegue o emprego, o ganhou (pressupondo- se que a escolha do empregador seja racional). Este benefício se deve ao seu próprio mérito — não ao “sacrifício” do outro homem, que nunca teve nenhum direito adquirido sobre o emprego. O fracasso em dar a um homem o que nunca lhe pertenceu dificilmente pode ser descrito como “sacrificar seus interesses”. Toda a discussão acima somente se aplica a relacionamentos entre homens racionais e não mais do que a uma sociedade livre. Nesta, não se tem de tratar com os que são irracionais. Um indivíduo é livre para evitá-los. Em uma sociedade carente de liberdade não existe, para ninguém, a possibilidade de buscar interesse algum; nada é possível, exceto a destruição gradual e geral. (Agosto de 1962) 5. NÃO SOMOS TODOS EGOÍSTAS? Nathaniel Branden Determinadas variantes desta pergunta são frequentemente levantadas como objeção àqueles que defendem uma ética de auto-interesse racional. Por exemplo, às vezes: “Cada um faz o que verdadeiramente quer fazer — do contrário, não faria”. Ou; “Ninguém se sacrifica realmente. Já que toda ação proposital é motivada por algum valor ou meta que o agente deseja, age-se sempre egoisticamente, sabendo-se ou não”. Para desembaraçar a confusão intelectual envolvida neste ponto de vista, consideremos que fatos da realidade conduzem a uma questão como egoísmo versus auto sacrifício, ou egoísmo versus altruísmo, e o que o conceito de “egoísmo” significa e necessariamente acarreta. A questão do egoísmo versus auto sacrifício emerge em um contexto ético. A ética é um código de valores que guia as escolhas e ações do homem — as escolhas e ações que determinam o propósito e o rumo de sua vida. Ao escolher suas ações e objetivos, o homem enfrenta alternativas constantes. Para optar, requer um critério de valor — um propósito ao qual suas ações devem servir e visar. “‘Valor’ pressupõe uma resposta à pergunta: de valor para quem e para que?” (A Revolta de Atlas). Qual deve ser o objetivo ou propósito das ações de um homem? Quem deve ser o pretendido beneficiário de suas ações? Deve ele sustentar, como seu propósito moral básico, a realização de sua própria vida e felicidade — ou deveria o seu propósito moral básico servir aos desejos e necessidades de outros? O choque entre egoísmo e altruísmo repousa em suas respostas conflitantes a estas perguntas. O egoísmo sustenta que o homem é um fim em si mesmo; o altruísmo, que o homem é um meio para os fins de outros. O egoísmo sustenta que, moralmente, o beneficiário de uma ação deveria ser a pessoa que age; o altruísmo, que, moralmente, o beneficiário de uma ação deveria ser outro, e não a pessoa que age. Ser egoísta é estar motivado pela preocupação com os próprios interesses. Isto exige que se considere o que constitui os interesses de um indivíduo e como alcançá-los — que valores e metas buscar, que princípios e políticas adotar. Se um homem não estiver interessado nesta questão, não se poderá dizer objetivamente que se interessa ou deseja seu auto-interesse; não se pode estar interessado em ou desejar aquilo de que não se tem conhecimento. O egoísmo vincula: (a) uma hierarquia de valores estabelecida pelo padrão dos auto-interesses de alguém, e (b) a recusa a sacrificar um valor maior a um menor ou a algo carente de valor. Um homem genuinamente egoísta sabe que somente a razão pode determinar o que é, na verdade, do seu auto-interesse, que buscar contradições ou tentativas de agir em provocação aos fatos da realidade é autodestrutivo — e a autodestruição não é de seu auto-interesse. “Pensar é do auto-interesse do homem; interromper a sua consciência, não. Escolher as suas diretrizes no contexto do seu conhecimento, seus valores e sua vida é do auto-interesse do homem; agir no impulso do momento, sem consideração ao seu contexto de longo prazo, não. Existir como um ser produtivo é do auto-interesse do homem; uma tentativa de existir como um parasita, não. Procurar a vida adequada a sua natureza é do auto-interesse do homem; procurar viver como um animal, não”. Porque um homem genuinamente egoísta escolhe as suas diretrizes orientado pela razão — e porque os interesses de homens racionais não se chocam — outros homens podem, frequentemente, beneficiar-se de suas ações. Mas o benefício de outros homens não é seu propósito ou objetivo básico; seu próprio benefício são seu propósito básico e objetivo consciente que dirigem suas ações. Para tornar este princípio inteiramente claro, consideremos um exemplo extremo de uma ação, que é, na verdade, egoísta, mas que, convencionalmente, poderia ser chamada de auto sacrifício: a disposição de um homem para morrer a fim de salvar a vida da mulher que ama. De que modo seria este homem o beneficiário de sua ação? A resposta é dada em A Revolta de Atlas — na cena em que Galt, sabendo estar por ser preso, diz a Dagny : “Se eles tiverem a menor suspeita a respeito do que somos um para o outro, vão colocá-la em uma sessão de tortura — quero dizer, tortura física — diante dos meus olhos, em meno

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