Summary

Este documento apresenta um resumo sobre a crise da subjetividade no século XX, focado nas teorias de filósofos como Karl Marx. Discute o materialismo histórico e a importância dos fatores econômicos na história.

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Do século XIX ao XX: a crise da subjetividade No mundo contemporaneo, diversos fatores produziram transformacoes, muitas vezes radicais, com rapidez desconcertante. As grandes descobertas tecnologicas no setor da automacao, da robotica e da microeletronica provocaram mudancas nas fabricas e no setor...

Do século XIX ao XX: a crise da subjetividade No mundo contemporaneo, diversos fatores produziram transformacoes, muitas vezes radicais, com rapidez desconcertante. As grandes descobertas tecnologicas no setor da automacao, da robotica e da microeletronica provocaram mudancas nas fabricas e no setor de servicos, alteraram a relacao entre cidade e campo e afetaram a maneira de as pessoas morarem e se comunicarem. Vivemos a era da globalizacao, na qual o mundo pode ser percebido como uma grande aldeia. Em epoca alguma da historia foi possivel falar na existencia de um mercado mundial de producao, distribuicao e consumo de bens e em uma cultura da “virtualidade real”, que liga todos os pontos do globo e influencia comportamentos. No turbulento seculo XX, vivemos duas guerras mundiais e inumeros conflitos, embora tambem tenha sido o seculo das reivindicacoes de muitos movimentos – do feminismo, do poder jovem, das minorias silenciadas por seculos –, o que revolucionou ideias e atitudes. Nesse panorama foi ampliada a chamada crise da razão. O que denominamos “crise da razao” consiste em um colapso da ideia de subjetividade, ideia que e a heranca mais relevante da modernidade. Desde Rene Descartes (1596-1650), os filosofos se ocuparam com questoes relativas ao conhecimento, sobre o que e possivel conhecer. Como representante da tendencia racionalista, Descartes procurou um metodo seguro que o conduzisse a verdade indubitavel. Porem, no final do seculo XIX, os chamados “mestres da suspeita” – Karl Marx, Friedrich Nietzsche e Sigmund Freud – provocaram desconfianca na capacidade humana de conhecer a realidade exterior e de ter acesso transparente a si mesmo. Nas decadas que se abriram para o seculo XX, varios pensadores debrucaram-se sobre a questao da “morte do sujeito”, que significa a desconstrucao do conceito de subjetividade como fora “construido” na Idade Moderna. De que modo, entao, contornar o impasse da descrenca na possibilidade do conhecimento como algo que dependeria da pessoa, do lugar e do tempo? CAPÍTULO 6 O sujeito em transformação Karl Marx: materialismo e dialética Em 1844, os alemaes Karl Marx e Friedrich Engels escreveram juntos A sagrada família, que deu origem a outras importantes parcerias intelectuais e a uma amizade que os reuniu em torno das mesmas conviccoes de pensamento. Atentos ao seu tempo, observaram que o avanco tecnico havia aumentado o poder humano sobre a natureza e havia sido responsavel por riquezas e progresso, mas, contraditoriamente, trouxe a exploracao crescente da classe operaria, cada vez mais empobrecida. Marx e Engels destacaram-se tambem por aproveitarem o conceito de dialetica do filosofo alemao Friedrich Hegel. Dando sequencia as criticas ao idealismo, eles realizaram uma inversao. De acordo com o materialismo, o movimento e a propriedade fundamental da materia e existe independentemente da consciencia. A materia, como dado primario, e a fonte da consciencia, e esta e um dado secundario, derivado, uma vez que e reflexo da materia. Porem, a consciencia humana, mesmo historicamente situada, nao e passiva: ao tomar conhecimento das relacoes que o determinam, o ser humano pode agir sobre o mundo, ate mesmo no sentido de uma acao revolucionaria, exercida contra o que lhe parecia determinante. O materialismo e dialético por reconhecer a estrutura contraditoria do real, que, em seu movimento constitutivo, passa por tres fases: a tese, a antitese e a sintese. O movimento da realidade e explicado, portanto, pelo antagonismo entre o momento da tese e o da antitese, cuja contradicao deve ser superada pela sintese. Desse modo, todos os fenomenos da natureza ou do pensamento encontram-se em constante relacao reciproca, nao podendo ser compreendidos isoladamente, isto e, fora dos fenomenos que os rodeiam. Os fatos pertencem a um todo dialetico e, como tal, fazem parte de uma estrutura. Materialismo histórico O materialismo historico e a aplicacao dos principios do materialismo dialetico ao campo da historia. Como o proprio nome indica, portanto, e a explicacao da historia por meio de fatores materiais, ou seja, economicos e tecnicos. A historia nao se explica pela acao dos individuos, como ate entao era admitido. Por exemplo, costuma-se explicar a historia pela atuacao de grandes figuras, como Cesar, Carlos Magno, Luis XIV, ou de grandes ideias, como o platonismo, o positivismo, o cristianismo, ou, ainda, pela intervencao divina. Marx inverte esse processo: no lugar das ideias, estao os fatos materiais; no lugar dos herois, a luta de classes, por exemplo, a contradicao entre senhor feudal e servo ou entre capitalista e proletario. Em razao disso, para Marx, a sociedade estrutura-se em dois niveis: a infraestrutura e a superestrutura. A infraestrutura constitui a base economica e engloba as relacoes do ser humano com a natureza no esforco de produzir a propria existencia. Assim, de acordo com o clima (frio, quente, seco ou chuvoso) e os instrumentos de trabalho (pedra, madeira, metal ou eletronicos), desenvolvem-se certas tecnicas que influenciam as relacoes de producao, ou seja, o modo pelo qual os seres humanos se organizam na divisao do trabalho social. E nesse sentido que, na historia, encontramos relacoes de senhores e servos e de capitalistas e proletarios. A superestrutura constitui o carater politico- -ideologico de uma sociedade, isto e, a forma como os individuos se organizam por meio de crencas religiosas, leis, literatura, artes, filosofia, concepcoes de ciencia etc. Para Marx, essas expressoes culturais refletem as ideias e os valores da classe dominante e, desse modo, tornam-se instrumentos de dominacao. Se o marxismo explica a realidade considerando a estrutura material, a ideia e algo secundario, nao por ser menos importante, mas no sentido de derivar de condicoes materiais. Em outras palavras, as ideias do direito, da literatura, da filosofia, das artes ou da moral estao diretamente ligadas ao modo de producao economico. Por exemplo: a moral medieval valorizava a coragem e a ociosidade da nobreza ocupada com a guerra, bem como a fidelidade, base do sistema de suserania e vassalagem. Do ponto de vista do direito, o emprestimo a juros era considerado ilegal e imoral em um mundo cuja riqueza era calculada de acordo com a posse de terras. Ja na Idade Moderna, com a ascensao da burguesia, o trabalho foi valorizado e, consequentemente, criticava-se a ociosidade. A legalizacao do sistema bancario, por sua vez, exigiu a revisao das restricoes morais aos emprestimos. Os exemplos dados dizem respeito a passagem do sistema feudal para o sistema capitalista, que determinou transformacoes da moral, do direito e das concepcoes religiosas. Portanto, para estudar a sociedade nao se deve, segundo Marx, partir do que os individuos dizem, imaginam ou pensam, e sim do modo pelo qual produzem os bens materiais necessarios a vida. Nietzsche: o critério da vida O filosofo Friedrich Nietzsche, nascido na Prussia, apos estudar filologia e teologia, tornou-se professor de filologia grega na cidade de Basileia, na Suica, mas abandonou a vida academica em razao da saude fragil e que se deteriorou ao longo do tempo. Em 1872, publicou seu primeiro livro, O nascimento da tragédia no espírito da música, seguido por O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo; Humano, demasiado humano; A gaia ciência; Para além do bem e do mal; A genealogia da moral; entre outros. A obra de Nietzsche nao e sistematica, o que explica a preferencia do autor por aforismos, alusoes e metaforas, numa escrita muitas vezes poetica, embora contundente e critica, como ocorre em Assim falou Zaratustra. Como conhecemos Nietzsche procedeu a um deslocamento do problema do conhecimento, alterando o papel da filosofia. Para ele, o conhecimento nao passa de uma interpretacao, de atribuicao de sentidos, sem jamais ser uma explicacao da realidade. Atribuir sentidos e, tambem, atribuir valores, ou seja, os sentidos sao construidos com base em determinada escala de valores que se quer promover ou ocultar. Se na linguagem comum a metafora e um ornamento e como tal nao tem significado de conhecimento propriamente dito, para o filosofo esse recurso assume um carater cognitivo: so utilizando esse recurso e possivel perceber as coisas no seu devir permanente, porque cada metafora intuitiva e criada individualmente e, por isso, escapa ao “grande edificio dos conceitos”, expressao que denota a sua critica as verdades aceitas desde sempre. O conceito, por sua vez, nada mais e do que “o residuo de uma metafora”. Assim expressou Nietzsche: “O que e a verdade, portanto? Um batalhao movel de metaforas, [...] antropomorfismos, enfim, uma soma de relaçoes humanas, que foram enfatizadas poetica e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, apos longo uso, parecem a um povo solidas, canonicas e obrigatorias: as verdades sao ilusoes, das quais se esqueceu que o sao, metaforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora so entram em consideraçao como metal, nao mais como moedas.” NIETZSCHE, F. Sobre verdade e mentira no sentido extramoral. 3. ed. Sao Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 48. (Coleçao Os Pensadores) Outro aspecto do carater interpretativo de todo conhecimento e a teoria do perspectivismo, que consiste em perseguir uma ideia sob diferentes perspectivas. Nao existe verdade absoluta, pois essa pluralidade de angulos nao nos leva a conhecer o que as coisas sao em si mesmas, mas e enriquecedora por nos aproximar mais da complexidade da vida em seu movimento. Genealogia A genealogia e o metodo de decifracao proposto por Nietzsche que permite desmascarar o modo pelo qual os valores sao construidos. Por esse metodo, e possivel descobrir lacunas, os espacos em branco mais significativos, o que nao foi dito ou foi reprimido. Com isso, e possivel identificar como determinados conceitos foram transformados em verdades absolutas e eternas. Como a vida e um devir – esta sempre em movimento –, nao e possivel reduzi-la a conceitos abstratos, a significados estaveis e definitivos. Portanto, esse metodo visa resgatar o conhecimento primeiro, que foi transformado em verdade metafisica, estavel e intemporal, ou seja, que nao esta sujeito a acao do tempo. Ao compreender a avaliacao que foi feita dos instintos, Nietzsche descobriu que o unico criterio que se impoe e a vida, e nao o ressentimento. Por isso, perguntou-se que sentidos atribuidos as coisas fortalecem nosso “querer viver” e quais o degeneram. Por exemplo, nada sabemos da natureza ou da essencia da honestidade, mas conhecemos numerosas acoes individualizadas consideradas honestas, portanto, diferentes entre si: ao reunir todas elas sob o conceito de honestidade, estamos diante de uma abstracao. O que se perde nesse processo e que, ao colocar seu agir sob a regencia das abstracoes, as intuicoes sao desprezadas para privilegiar apenas o conceito. A transvaloração dos valores Para Nietzsche, a tendencia de desconfiar dos instintos culminou com o cristianismo, que acelerou a domesticacao do ser humano. Em diversas obras, com seu estilo apaixonado e mordaz, Nietzsche fez uma analise historica da moral para mostrar em que circunstancias o ser humano se enfraqueceu, tornando-se doentio. Ao criticar a moral tradicional, Nietzsche preconizou a transvaloracao de todos os valores, ou seja, outros valores deveriam ser criados. Assim disse a filosofa brasileira Scarlett Marton, especialista na obra de Nietzsche: “A noçao nietzschiana de valor opera uma subversao crítica [...]. Se ate agora nao se pos em causa o valor dos valores ‘bem’ e ‘mal’, e porque se supos que existiram desde sempre; instituídos num alem, encontravam legitimidade num mundo suprassensível. No entanto, uma vez questionados, revelam-se apenas ‘humanos, demasiado humanos’; em algum momento e em algum lugar, simplesmente foram criados. Assim o valor dos valores esta em relaçao com a perspectiva a partir da qual ganharam existencia. Nao basta, contudo, relaciona-los com os pontos de vista que os engendraram; e preciso ainda investigar de que valor estes partiram para cria-los.” MARTON, S. Nietzsche: a transvaloraçao dos valores. Sao Paulo: Moderna, 1993. p. 50. (Coleçao Logos) Pelo metodo da genealogia, Nietzsche denuncia a falsa moral “decadente”, “de rebanho”, “de escravos”, cujos valores seriam a bondade, a humildade, a piedade e o amor ao proximo. Distinguiu, entao, a moral de escravos e a moral de senhores. Moral de escravos De acordo com Nietzsche, a moral de escravos e herdeira do pensamento socratico-platonico e da tradicao da religiao judaico-crista, porque esta baseada na tentativa de subjugacao dos instintos pela razao: o homem-fera e transformado em animal domestico. Essa moral estabelece um sistema de juizos que considera o bem e o mal valores metafisicos transcendentes, isto e, independentes da situacao concreta vivida. Negando os valores vitais, a moral de escravos procura a paz e o repouso, o que provoca passividade e diminuicao de sua potencia. Na conduta humana, orientada pelo ideal ascetico, a alegria e transformada em odio a vida, o odio dos impotentes, tornando-se vitima do ressentimento e da ma consciencia, ou seja, com sentimento de culpa. Desse modo, ao negar a alegria da vida, coloca a mortificacao como meio para alcancar a outra vida do alem, num mundo superior. Moral de senhores A moral de senhores e a moral positiva que visa a conservacao da vida e de seus instintos fundamentais. E positiva porque apoiada no sim a vida e por se configurar sob o signo da plenitude, do acrescimo. Funda-se na capacidade de criacao, de invencao, cujo resultado e a alegria, consequencia da afirmacao da potencia. O individuo que consegue se superar e o que atingiu o alem-do-homem. O sujeito alem-do-homem consegue reavaliar os valores, desprezar os que o diminuem e criar outros que estejam comprometidos com a vida. Freud: fundador da psicanálise O medico austriaco Sigmund Freud viveu em Viena e trabalhou na segunda metade do seculo XX com o neurologista frances Jean-Martin Charcot, que tratava mulheres histericas por meio de hipnose. Posteriormente, aperfeicoou sua compreensao a respeito de doencas psiquicas ate criar a teoria psicanalitica com base na hipotese do inconsciente. Para a psicanalise, todos os nossos atos tem uma realidade exterior representada na conduta externa, mas tambem carregam significados ocultos que podem ser interpretados. Usando uma metafora, pode-se dizer que a vida consciente e apenas a ponta de um iceberg, cuja parte submersa (de maior volume) simboliza o inconsciente. Outra inovacao da psicanalise encontra-se na compreensao da natureza sexual da conduta humana. A energia que preside os atos humanos e de natureza pulsional, que Freud denomina libido. E importante entender, porem, que para Freud a sexualidade nao se reduz a genitalidade – isto e, aos atos que se referem a atividade sexual propriamente dita –, porque seu significado e muito mais amplo, ao abranger toda e qualquer forma de gratificacao ou busca do prazer. As três instâncias do aparelho psíquico Ao descrever o aparelho psiquico, Freud delimita tres instancias diferenciadas: id, ego e superego. O id (do latim, “isto”) constitui o polo pulsional da personalidade, o reservatorio primitivo da energia psiquica; seus conteudos sao inconscientes, alguns inatos e outros recalcados. O ego (do latim, “eu”) e a instancia que age como intermediaria entre o id e o mundo externo; em contraste com o id, que contem as pulsoes, o ego enfrenta conflitos para adequa-las pela razao as circunstancias. Por isso o ego e tambem a sede do superego. O superego (ou “supereu”) e o que resulta da internalizacao das proibicoes impostas pela educacao, de acordo com os padroes da sociedade em que se vive. As forcas antagonicas que agem no ego exigem do individuo um ajuste regulador, o princípio de realidade, pelo qual equaciona a satisfacao imediata dos desejos, adequando o princípio do prazer as condicoes impostas pelo mundo exterior. Quando o conflito e muito grande e o ego nao suporta a consciencia do desejo, este e rejeitado, o que provoca o recalque (ou recalcamento), processo que ocorre inconscientemente e nao se confunde com a repressao, como vamos estudar adiante. No entanto, o que foi recalcado nao permanece no inconsciente, pois, sendo energia, precisa ser expandido, e reaparece na forma de sintomas, que podem ser decifrados em sua linguagem simbolica. Caso os sintomas permanecam obscurecidos pelo desconhecimento das causas, as consequencias sao as neuroses ou ate desordens mais graves. Caberia a pratica psicanalitica aplicar seu metodo para que o proprio paciente faca essa descoberta por meio da associacao livre. Um dos conceitos importantes da psicanalise e o complexo de Edipo – inspirado no mito grego em que Edipo mata o pai e se casa com a mae –, que consiste no desejo do menino pela mae e sua rivalidade em relacao ao pai, processo que ocorreria, para Freud, dos tres aos cinco anos de idade. Porem, por ser incestuosa, essa pulsao primaria entra em conflito com os interditos e o desejo edipiano e suprimido ou recalcado. Para Freud, esse complexo desempenha um papel fundamental na estruturacao da personalidade e na orientacao do desejo humano. Associação livre Ha varias maneiras de sondagem do inconsciente e, para Freud, os sonhos sao “a via regia para o inconsciente”, conforme aparece em seu livro A interpretação dos sonhos, publicado em 1900. O que recordamos de um sonho e seu conteudo manifesto, que as vezes nos parece incoerente e absurdo, mas essas deformacoes decorrem da resistencia, conceito criado para identificar as forcas defensivas do ego que, na vigilia, impedem a tomada de consciencia dos desejos recalcados no inconsciente. No entanto, todo sonho oculta um conteudo latente, a ser descoberto pela decifracao do simbolismo do recalcado. Algumas pessoas costumam procurar significados fixos para os sonhos, como se houvesse simbolos universais, mas, para Freud, tudo se inicia das associacoes livres feitas pelo proprio sujeito que sonha. Seguindo o fluxo espontaneo das ideias, ele da pistas para que se descubra o sentido oculto, enquanto o profissional que o assiste, apoiado pelas regras da pratica terapeutica psicanalitica, o auxilia a chegar aos pensamentos latentes do sonho. Alem dos sonhos, atos falhos e chistes sao fenomenos psiquicos que fornecem elementos adequados a interpretacao. Os atos falhos sao pequenos deslizes, como esquecimentos, trocas de nomes ou lapsos de linguagem aparentemente involuntarios, mas que podem ser interpretados porque “traem” algum segredo. O chiste consiste em gracejos feitos sem aparente intencao de ofender ou seduzir, mas que revelam forcas agressivas ou eroticas reprimidas. Sublimação e repressão Quando o ego se defronta com conflitos, reage de diversas maneiras. Uma delas e a sublimação, que consiste na busca de modos socialmente aceitaveis de realizacao das pulsoes do id, ou de pelo menos parte delas. E o que ocorre quando o individuo realiza desejos que nao tem por objetivo explicitamente a sexualidade, mas que podem lhe dar prazer, como a criacao artistica, a investigacao intelectual ou quando se dedica a atividades valorizadas pela cultura em que vive, seja no trabalho, seja na religiao etc. Outra reacao do ego pode ser a repressão, que nao se confunde com o recalque, apesar de esses conceitos serem muitas vezes usados como sinonimos. Como ja observamos, o recalque e um processo inconsciente, ao passo que a repressao resulta de um ato consciente, seja do proprio individuo – quando reprime seus desejos por considera-los contrarios a seus valores ou simplesmente improprios –, seja o ato de uma autoridade externa, como pais, a policia etc. Portanto, por ser consciente, e o sujeito que de modo autonomo “censura” o desejo em razao de motivacoes morais, e ele que obedece a agentes externos “repressores”. Psicanálise e cultura Em O mal-estar na cultura – tambem traduzido como O mal-estar na civilização –, Freud refletiu sobre o efeito da repressao dos instintos agressivos e sexuais e seus resultados na cultura, capazes de provocar um estado perigoso de frustracao. Ao observar que as forcas agressivas e egoistas precisavam ser controladas para permitir o convivio humano e a vida moral, Freud se perguntou em que medida essa renuncia poderia ser autodestrutiva a ponto de comprometer a felicidade. Concluiu com pessimismo que e alto o preco pago pelo individuo para tornar-se civilizado, mas ponderou: “O programa que o princípio do prazer nos impoe, o de sermos felizes, nao e realizavel, mas nao nos e permitido – ou melhor, nao nos e possível – renunciar aos esforços de tentar realiza-lo de alguma maneira. Para tanto, pode-se escolher caminhos muito diversos, colocando em primeiro lugar o conteudo positivo da meta, o ganho de prazer, ou o negativo, o de evitar o desprazer.” FREUD, S. O mal-estar na cultura. Porto Alegre: L&PM, 2010. p. 76. (Coleçao L&PM Pocket)

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