Estratégias para gestão escolar em tempos de avaliação: uma investigação em municípios do Ceará PDF
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2021
Anderson Gonçalves Costa, Esmeraldina Januário de Sousa, Eloisa Maia Vidal and Sofia Lerche Vieira
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This article discusses the uses,functions, and impacts of large-scale assessment policies based on the experiences of school principals in municipalities of Ceará. The study used semi-structured interviews that were analyzed using NVIVO 11 software. Principals develop and use strategies to manage the demands of large-scale assessments, but acknowledge the work overload and do not feel limited by the current management model.
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http://dx.doi.org/10.22420/rde.v15i33.1274 Estratégias para gestão escolar em tempos de avaliação: uma investigação em municípios do Ceará Strategies for school management in times of assessment: an investigation in municipalities of the state of Ceará Estrategias para la gestión escolar en tiemp...
http://dx.doi.org/10.22420/rde.v15i33.1274 Estratégias para gestão escolar em tempos de avaliação: uma investigação em municípios do Ceará Strategies for school management in times of assessment: an investigation in municipalities of the state of Ceará Estrategias para la gestión escolar en tiempos de evaluación: una investigación en municipios de Ceará ANDERSON GONÇALVES COSTA* Universidade Federal de Pernambuco, Recife- PE, Brasil. ESMERALDINA JANUÁRIO DE SOUSA** Secretaria Municipal da Educação de Fortaleza, Fortaleza- CE, Brasil. ELOISA MAIA VIDAL*** Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza- CE, Brasil. SOFIA LERCHE VIEIRA**** Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza- CE, Brasil. * Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Ceará. Atualmente é Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco, bolsista da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco. É membro do Grupo de Pesquisa Política Educacional, Gestão e Aprendizagem – GPPEGA/ UECE. E-mail:. ** Mestra em Educação pela Universidade Estadual do Ceará. Atualmente é doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará. É professora e supervisora escolar da Rede Pública Municipal de Fortaleza e membro do Grupo de Pesquisa Política Educacional, Gestão e Aprendizagem – GPPEGA/UECE. E-mail:. *** Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Política Educacional, Gestão e Aprendizagem – GPPEGA/UECE. E-mail:. ****Doutora em Filosofia e História da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará. Líder do Grupo de Pesquisa Política Educacional, Gestão e Aprendizagem – GPPEGA/UECE. E-mail:. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: 959 Anderson Gonçalves Costa, Esmeraldina Januário de Sousa, Eloisa Maia Vidal e Sofia Lerche Vieira RESUMO: O artigo aborda os usos, as funções e os impactos das políticas de avaliação em larga escala a partir da experiência de nove gestores/as de escolas públicas de cinco municípios do Ceará. Apli- caram-se entrevistas semiestruturadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo temático-categorial no software NVIVO 11. A aná- lise mostra que os/as diretores/as desenvolvem e utilizam um conjunto de estratégias para dar respostas às demandas estabelecidas pelas avaliações em larga escala. Eles/as têm consciência da sobrecarga de trabalho que incide sobre o cotidiano, mas não se percebem com sua autonomia limitada pelo contexto do modelo gerencial em vigência. Palavras-chave: Gestão escolar. Avaliação em larga escala. Ceará. ABSTRACT: The article discusses the uses, functions and impacts of large-scale assessment policies based on the experience of nine principals of public schools in five municipalities in Ceará. Semi- structured interviews were applied, transcribed and submitted to thematic-category content analysis in the NVIVO 11 software. The analysis shows that the principals develop and use a set of strategies to respond to the demands established by large-scale assessment. They are aware of the work overload that affects their daily lives, but they do not feel that their autonomy is limited by the context of the current management model. Keywords: School Management. Large Scale Assessment. Ceará. RESUMEN: El artículo discute los usos, funciones e impactos de las políticas de evaluación a gran escala a partir de la experiencia de nueve gestores/as de escuelas públicas en cinco municipios de Ceará, Brasil. Se aplicaron entrevistas semiestructuradas, transcritas y sometidas a análisis de contenido por categorías temáticas en el software NVIVO 11. El análisis muestra que los/as directores/as desarrollan y utilizan un conjunto de estrategias para responder a las demandas establecidas por las evaluaciones a gran escala. Son conscientes de la sobrecarga de trabajo que afecta a su día a día, pero no ven limitada su autonomía por el contexto del modelo de gestión actual. Palabras clave: Gestión escolar. Evaluación a gran escala. Ceará. 960 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: Estratégias para gestão escolar em tempos de avaliação: uma investigação em municípios do Ceará Introdução R esultante de pesquisa1 que teve como objetivo identificar o desenvolvimento das políticas de avaliação, de financiamento e formação de professores/as em cinco redes municipais do Ceará (cf. COSTA et al., 2019; FERREIRA et al., 2020; MARINHO et al., 2021; SOUSA, VIDAL & VIEIRA, 2020), este artigo busca verificar como diretores/as de escolas com diferentes perfis de resultados de aprendizagem se apro- priam das políticas de avaliação no cotidiano escolar e quais outras tendências podem ser observadas a partir do exercício do cargo. Parte-se do pressuposto de que há, nessa unidade da federação, ações políticas que condicionam a atuação dos/as agentes escola- res, com repercussão sobre as práticas de gestão e pedagógicas, influenciadas também pelas condições políticas e institucionais dos municípios. Se há, por um lado, elementos locais que justificam a investigação, não devem ser desconsideradas as injunções nacionais e transnacionais que têm reorientado os objetivos das políticas públicas de educação e as finalidades das escolas. Essas diferentes escalas de influência instauram processos de regulação educacional a fim de proceder com a coor- denação das ações das instituições e dos atores escolares (MAROY, 2011). Nos últimos anos, o estado do Ceará tem acionado políticas de accountability com o objetivo de melhorar a qualidade da educação de seus municípios. Assim, a avaliação tem servido como eixo estruturante da política educacional, mobilizando mecanismos de responsabilização com implicações materiais e simbólicas sobre os/as agentes escola- res (COSTA & VIDAL, 2020), fazendo da gestão escolar uma catalisadora dos objetivos que se espera. Para tanto, algumas estratégias são mobilizadas como alavancas de mudanças (LES- SARD & CARPENTIER, 2016), insuflando uma dinâmica de ação cujas consequências se busca aqui investigar. Nesse caso, podem ser citados: a) o Programa Aprendizagem na Idade Certa – Mais Paic, que envolve a formação de professores/as e de gestores/as, a dis- tribuição de materiais didáticos e a constituição de equipes de gestão locais; b) o rateio de impostos constitucionais atrelado a indicadores do sistema de avaliação; c) o Prêmio Escola Nota Dez – PEN10, que destina recursos financeiros às escolas a partir de suas classificações nas avaliações e, d) o instrumento que condiciona os anteriores, o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará – Spaece). Além dos componentes do sistema de regulação e accountability educacional desse estado, devem ser considera- das também iniciativas do Governo Federal, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb e, mais recente- mente, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Como todas essas estratégias deságuam nas escolas municipais, que detêm a maior quantidade de matrículas da educação básica, acabam fazendo dessas instituições loci pri- vilegiado de observação da regulação institucional, pois materializam tanto as orientações Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: 961 Anderson Gonçalves Costa, Esmeraldina Januário de Sousa, Eloisa Maia Vidal e Sofia Lerche Vieira que advêm do mais alto escalão da burocracia educacional como aquelas produzidas em níveis intermediários e locais (MAROY, 2011). Esse ativismo em torno de diversas políticas educacionais, de diferentes escalas de orientação, instaura uma nova dinâmica nas redes de ensino do país, já constatada em pesquisas sobre o tema que compartilham como as políticas de accountability e de gestão por resultados atravessam o trabalho da gestão esco- lar (CONTI, LIMA & NASCENTE, 2017; OLIVEIRA, DUARTE & CLEMENTINO, 2017). O artigo encontra-se dividido, além desta introdução, em cinco seções. A primeira discute as relações entre gestão escolar e avaliações em larga escala; a segunda apresenta o percurso metodológico da pesquisa, destacando os instrumentos utilizados, os parti- cipantes e os recursos analíticos; a terceira seção se debruça sobre os resultados a partir de software de análise qualitativa; a quarta discute as categorias de análise construídas a partir da pesquisa empírica; e a última trata das considerações do estudo. Gestão escolar e avaliações em larga escala As reformas ocorridas no âmbito do Estado, em marcha desde a década de 1990, instituíram um novo referencial de políticas educacionais que foi acompanhado pelo discurso da incapacidade dos sistemas educacionais de fornecerem cidadãos e cidadãs aptos/as a contribuir com o mundo globalizado. Influenciados pelo imediatismo desse pensamento, os Estados-nações começaram a cobrar mudanças rápidas nas políticas edu- cacionais, visando benefícios na economia nacional (LESSARD & CARPENTIER, 2016). Desde então, têm sido observadas tendências nas políticas nacionais mundo afora, como a descentralização e a centralização das políticas; a intensificação do Estado-avaliador e regulador; o aumento das avaliações em larga escala; a ênfase na obrigação de resultados e prestação de contas e a instituição de políticas de responsabilização (MAROY, 2011). Essas medidas, conforme Gary Anderson (2017), fomentam um espírito concorrencial que contri- bui para modificar a identidade pessoal e profissional dos/as agentes educacionais. Como resultado, a gestão escolar e o trabalho dos/as gestores/as mudaram conside- ravelmente nos últimos anos, com a reconfiguração do universo burocrático da escola, que passou a demandar maior eficiência e um perfil gerencial desse/a profissional. Essas transformações evidenciam a complexidade da gestão escolar como atividade profissio- nal, que tem se modificado de acordo com a natureza de suas ações, das demandas de determinado tipo de atividade, das políticas públicas, entre outros fatores. Stephen J. Ball (2001) adverte que a gestão escolar é um mecanismo-chave das reformas educacionais, operando, principalmente, para pôr em marcha os mecanismos processuais definidos por instâncias superiores (nacionais, internacionais e suprana- cionais). Essa é também a perspectiva de Anderson (2017) quando observa que a gestão escolar tem sido rearticulada pelas políticas e pelas práticas da Nova Gestão Pública 962 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: Estratégias para gestão escolar em tempos de avaliação: uma investigação em municípios do Ceará – NGP. Para o autor, esse novo paradigma muda o ambiente institucional das escolas e institui uma transição de um regime administrativo e burocrático para um regime baseado em resultados, que busca compensar déficits sociais tão somente pela ação de professores/as e de gestores/as. Os principais sinais da NGP na educação são a gestão local das escolas, a gestão esco- lar descentralizada e a influência acentuada de atores externos no cotidiano da escola, tendo como contraponto a diminuição das decisões colegiadas. Somam-se, ainda, práti- cas de mercado e quase-mercados, padronização do currículo e da avaliação e a ênfase em medidas de desempenho (ANDERSON, 2017). Essas iniciativas demandam mudan- ças no interior da escola a partir de forças exógenas, implicando no exercício do poder e na liderança dos gestores. Cada vez mais, os/as gestores/as escolares são incentivados/as a buscar mecanismos que possibilitem superar os obstáculos postos às instituições, sejam aqueles decorrentes da estrutura e da organização dos sistemas de ensino, sejam os conflitos resultantes da diversidade cultural, econômica e social (KOETZ, 2010). Em outros termos, com o advento da NGP e a adoção de mecanismos de responsabilização na educação, afirmou-se uma retórica contraditória em contextos de desigualdades marcantes e persistentes aos quais se cobra eficiência (SARAIVA, 2020). Dalila Oliveira, Alexandre Duarte & Ana Maria Clementino (2017) observam que as políticas educacionais têm repercutido no exercício da autonomia dos/as gestores/as, que se veem cada vez mais limitados/as em suas ações, próximo ao que Anderson (2017) chama de autonomia limitada, um reflexo da descentralização administrativa. Esses/as autores/as concordam que a diminuição da autonomia guarda relação com as políticas de avaliação e de responsabilização, pois os resultados tornaram-se a principal preocu- pação dos/as gestores/as educacionais e dos governos. Assim, embora a autonomia seja justificada pela maior liberdade para agir, na realidade, ela acaba por instaurar um maior controle burocrático, pois, ao bem da verdade, a autonomia alardeada guarda o espaço de controle das esferas políticas e normativas, a quem cabe a definição dos parâmetros de funcionamento dos sistemas garantindo a regulação educacional (LESSARD & CAR- PENTIER, 2016). Associada a essa tendência, têm-se adotado políticas de responsabilização das institui- ções escolares, por meio de medidas que estimulam o ‘ranqueamento’ das escolas a partir da avaliação de desempenho dos/as alunos/as (BROOKE, 2006). Esses rankings servem para ordenar escolas visando premiá-las, como também, para expor os seus resultados a partir das avaliações externas. Outrossim, esse modelo, que Alice Bonamino & Sandra Sousa (2012, p. 380) denominam “estratégia da mídia de divulgação” dos rankings, “introduz perspecti- vas concretas de interferência mais direta no que as escolas fazem e em como o fazem”. Na visão de Andy Hargreaves & Dean Fink (2006), o que há é uma obsessão por atingir determi- nados níveis de performance em português e matemática, em períodos cada vez mais curtos, Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: 963 Anderson Gonçalves Costa, Esmeraldina Januário de Sousa, Eloisa Maia Vidal e Sofia Lerche Vieira levando ao esgotamento dos/as professores/as e dos/as gestores/as escolares, além de repre- sentar a redução curricular (BONAMINO & SOUSA, 2012), em um visível favorecimento das disciplinas e conteúdos pertinentes às avaliações externas. As avaliações em larga escala garantem que o Estado tenha controle e ordem sobre o currículo escolar, o que facilita o alcance de metas baseadas em uma economia globa- lizada (SAURA & LUENGO, 2015). A justificativa para tal fato, segundo Alejandro Ferrer (1996), é a pressão das mudanças contextuais sobre os sistemas de ensino, alterações nos modos de administração e de controle desses sistemas; demanda social de informação e de prestação de contas; e um novo modelo de gestão educacional. A avaliação, como instrumento de monitoramento da educação básica, foi incorporada ao discurso da ação normativa brasileira, instrumentalizando processos de gestão gerencial (FREITAS, 2004). Nigel Brooke & Maria Amália Cunha (2011) apontam que a relação entre a avaliação em larga escala e a gestão está, justamente, na intensificação da aplicação dos resultados dessas avaliações, fato que denominam de uma “nova geração de políticas de gestão”. Para ambos, existe uma tendência de utilização dos resultados das avaliações como ins- trumentos de gestão com objetivos que vão desde avaliar e orientar a política educacional; propor políticas de incentivos salariais e de avaliação docente; informar as escolas sobre a aprendizagem dos/as alunos/as e definir as estratégias de formação continuada; informar ao público sobre os resultados obtidos; alocar recursos; até certificar e premiar alunos/as, gestores/as, professores/as e escolas. No caso dessa última tendência, podem ser realizadas premiações ou recompensas como forma de reconhecimento das melhores práticas de monitoramento e avaliação ou de gestão com base em resultados. Assim, além de proporcionar o reconhecimento das equipes empenhadas em utilizar as evidências disponíveis no ciclo de vida de uma polí- tica pública, esse tipo de mecanismo pode ser um meio de divulgação de boas práticas de monitoramento e avaliação e, dessa forma, de sensibilização geral dos/as agentes envolvi- dos (BAUER, ALAVARSE & OLIVEIRA, 2015). Por outro lado, essas práticas de avaliação em larga escala podem provocar ‘ajustamentos’ (CIANFLONE & ANDRADE, 2007) no traba- lho docente e da escola, como preparar os/as alunos/as para a prova, planejar o ensino com base nas matrizes dos testes padronizados e/ou produção de estatísticas no interior da escola. Metodologia do estudo A pesquisa é de natureza qualitativa, do tipo exploratória, e utilizou como instru- mento de coleta de dados um roteiro de entrevista semiestruturado, por considerar que ele permite a captação imediata das informações desejadas junto aos participantes (LÜDKE & ANDRÉ, 2014). Elegeram-se como tópicos das entrevistas os temas relacionados aos usos, às funções e aos impactos das políticas de avaliações em larga escala em interface com a gestão, o currículo e a comunidade escolar. As entrevistas foram gravadas e transcritas 964 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: Estratégias para gestão escolar em tempos de avaliação: uma investigação em municípios do Ceará e os/as participantes informados/as sobre as finalidades e a divulgação dos resultados, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. Buscou-se explorar amplamente as questões de pesquisa a partir do relato de nove gestores/as escolares. Os municípios foram selecionados por conveniência, a citar: a capi- tal, Fortaleza; Canindé; Limoeiro do Norte; Maracanaú e Sobral. Em cada município, foram selecionadas duas escolas2 considerando os extremos dos resultados do Ideb – anos iniciais, de 2017, de cada uma das redes escolares. O Quadro 1 apresenta os/as entrevis- tados/as e a codificação utilizada no software para caracterizar as fontes. Quadro 1: Códigos e caracterização das fontes Código Entrevistados E1SEAI Entrevista 1, Sobral, Escola, Alto Ideb E2SEBI Entrevista 2, Sobral, Escola, Baixo Ideb E3FEAI Entrevista 3, Fortaleza, Escola, Alto Ideb E4FEBI Entrevista 4, Fortaleza, Escola, Baixo Ideb E5LEAI Entrevista 5, Limoeiro, Escola, Alto Ideb E6LEBI Entrevista 6, Limoeiro, Escola, Baixo Ideb E7MEAI Entrevista 7, Maracanaú, Escola, Alto Ideb E8MEBI Entrevista 8, Maracanaú, Escola, Baixo Ideb E9CEAI Entrevista 9, Canindé, Escola, Alto Ideb Fonte: Elaborado pelos autores, 2021. As entrevistas foram transcritas e, depois, organizadas e codificadas no software NVIVO 11, quando foi realizada a análise de conteúdo temático-categorial. Essa etapa foi composta por três processos: pré-análise, codificação e interpretação do material (BAR- DIN, 2011), com suporte do software, por meio do qual foi possível realizar a leitura do material, associar as falas às categorias de análise e explorar o conteúdo codificado a partir da identificação de recorrência de assuntos. Os resultados da categorização das entrevis- tas são apresentados na seção a seguir. Resultados das análises Pela identificação de padrões e de tendências nas falas dos/as entrevistados/as, foi possível estabelecer oito categorias de análise que permitiram tornar compreensível e interpretar o material coletado. As categorias construídas são concernentes aos efeitos Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: 965 Anderson Gonçalves Costa, Esmeraldina Januário de Sousa, Eloisa Maia Vidal e Sofia Lerche Vieira das avaliações sobre o cotidiano da escola, a atuação dos/as gestores/as e dos/as professo- res/as e a relação com a comunidade escolar. O Gráfico 1 apresenta as categorias criadas no software, associadas às fontes – quantos sujeitos falaram sobre – e as referências, bem como a quantidade de excertos sobre aquela categoria. Gráfico 1: Matriz de categorização do corpus textual. 32 27 22 17 12 7 2 1 : Avaliação e 2 : Avaliação, 3 : Discussão 4 : Efeitos 5 : Estratégias 6 : Percepções 7 : Resultados 8 : Sobre -3 comunidade currículo e e utilização sobre a utilizadas sobre a das avaliações bônus e escolar aprendizagem dos resultados atuação do avaliação em prêmios gestor larga escala A : E1SEAI B : E2SEBI C : E3FEAI D : E4FEBI E : E5LEAI F : E6LEBI G : E7MEAI H : E8MEBI I : E9CEAI Fonte: Elaborado pelos/as autores/as, 2021 - a partir do software NVIVO 11. Observando os dados, constata-se que as categorias ‘estratégias utilizadas’, ‘avalia- ção, currículo e aprendizagem’ e ‘avaliação e comunidade’ foram associadas a todos os nove entrevistados, sendo que ‘estratégias utilizadas’ foi a que mais teve referências tex- tuais. Essa associação é reveladora do movimento que tem sido construído no interior das escolas e que será discutido na seção seguinte. Importante também observar que ‘sobre bônus e prêmios’ foi a categoria que menos teve referências e fontes associadas, o que poderia soar estranho para um estado da fede- ração com forte cultura de responsabilização. Por fim, em sua maioria, os/as gestores/ as fazem referências à ‘discussão e utilização dos resultados’, indicando a incidência de uma cultura de avaliação que passa, necessariamente, pela mediação da gestão escolar. 966 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: Estratégias para gestão escolar em tempos de avaliação: uma investigação em municípios do Ceará Análises e discussão a partir das entrevistas A análise das entrevistas permite identificar algumas linhas interpretativas quanto à percepção dos/as gestores/as sobre as avaliações em larga escala no ambiente escolar. A primeira delas – que sobressaiu dentre os relatos – é o uso de estratégias que visam o bene- fício da escola nos testes em larga escala. Embora os/as gestores/as informem dinâmicas muito peculiares, a maioria deles/as trata de iniciativas semelhantes entre as instituições. As estratégias anunciadas tanto são originárias das ações da gestão escolar – no exercício da criatividade que lhes cabe –, como são estimuladas pela gestão municipal a partir de políticas próprias, uma vez que a organização e a formalização das avaliações nas redes de ensino contribuem para a forma como elas são encaradas na esfera de abrangência da escola. Evidências dessa afirmação podem ser constatadas em estudos anteriores, quando se apontou para graus diferenciados de internalização das políticas de avaliação em larga escala nos municípios investigados, sendo estes mais robustos naqueles que possuíam avaliações próprias (COSTA et al., 2019). Verificou-se também que a formação continuada proposta por essas redes de ensino baseava-se em conteúdos voltados para a conciliação entre currículo escolar e matriz das avaliações externas em larga escala (FERREIRA et al., 2020). As estratégias relatadas podem ser categorizadas em quatro grupos: i) rotina escolar e cultura de avaliação; ii) material estruturado; iii) formação continuada e planejamento e iv) reforço no contraturno. Essas práticas, conforme observado, compartilham de um objetivo único: fornecer indicadores que possibilitem intervir onde for necessário, pre- parando os/as alunos/as para as avaliações. Os/as entrevistados/as se referem a “atividade avaliativa [trabalhada] de segunda a sexta- -feira” (E1SEAI) e, também, à realização de “reforços para alunos [...] isso é colocado em pauta durante o ano todo, para que esses alunos tenham resultado melhor no final do ano” (E8MEBI), bem como direcionamento do currículo escolar, pois relatam preparar “um mapa curri- cular para as turmas [avaliadas], voltadas principalmente para acentuar mais as duas disciplinas carro-chefe, que é português e matemática” (E9CEAI). Esses excertos retratam o envolvimento das escolas com as avaliações, que inega- velmente dão outro ritmo à rotina das instituições e intensificam a cultura de avaliar. A escola tem consciência da necessidade de se preparar para as avaliações e atua de forma intencional, desenvolvendo estratégias alinhadas ao que os exames demandam. A recorrência no uso dos testes simulados denota a preocupação em ‘preparar’ os/as alunos/as para as avaliações nacionais, estaduais ou municipais e ocorre em detrimento dos objetivos de uma avaliação formativa. Os relatos destacam que esses testes priorizam as disciplinas que são objeto das avaliações externas, notadamente português e mate- mática, induzindo a um estreitamento curricular, como já observaram outras pesquisas (OLIVEIRA, DUARTE & CLEMENTINO, 2017). Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: 967 Anderson Gonçalves Costa, Esmeraldina Januário de Sousa, Eloisa Maia Vidal e Sofia Lerche Vieira Uma vez que o estágio atual das políticas de avaliação no Brasil compartilha de práticas de accountability, os riscos ao estreitamento do currículo escolar são eminentes, mesmo havendo a possibilidade de situar, no plano das políticas de avaliação, uma discus- são das habilidades fundamentais de leitura e de matemática necessárias aos/às alunos/ as (BONAMINO & SOUSA, 2012). Outras pesquisas realizadas no estado do Ceará tam- bém têm denunciado o uso de estratégias que fomentam o estreitamento do currículo como um desdobramento das políticas de accountability promovidas pelo governo esta- dual (ARAÚJO, 2020; MOTA, 2018). Somam-se à dinâmica escolar o uso de incentivos internos que procuram envolver e estimular os/as estudantes na realização das avaliações, como quadro de exposição de melho- res alunos/as, uso de cores para aqueles/as que participam das aulas e destaque àqueles/as com poucas faltas no ano letivo. Com isso, é cobrada a participação dos/as alunos/as para que alcancem bons resultados nos testes e possibilitem o alcance das metas estabelecidas para as escolas. Tais estratégias são adotadas por gestores/as escolares porque atingir as metas “é a grande guilhotina que ameaça a cabeça das direções escolares” (OLIVEIRA, DUARTE & CLEMENTINO, 2017, p. 719), o que tanto estimula a assunção de um novo perfil de ges- tor/a, como materializações que possibilitem o aumento dos resultados. O acompanhamento individual dos/as alunos/as é outra estratégia utilizada, a fim de trabalhar habilidades e dificuldades específicas, levando a um desvirtuamento de políticas fomentadas pelo governo federal e estadual como o Programa Mais Educação e Mais Alfa- betização, apontados pelos/as gestores/as como auxílio ao aprendizado dos/as estudantes, mas reduzidas a iniciativas de reforço escolar. As formações continuadas dos/as professo- res/as e os materiais estruturados também se alinham aos objetivos das avaliações. Uma segunda linha interpretativa é a que envolve a relação currículo e aprendiza- gem. Os/as gestores/as, embora reconhecendo a importância da discussão curricular, deixaram transparecer que, em tempos de avaliação em larga escala, o currículo é perce- bido pelas matrizes de referência dos testes, com foco em séries e habilidades específicas e sob as orientações curriculares das secretarias municipais de educação. Extratos captados nas entrevistas corroboram esse propósito, quando afirmam que “um aluno do segundo ano, ele tem que ser um leitor de texto fluente, ele tem que compreender, tem que fazer uma avaliação de português, de matemática, de escrita” (E1SEAI), ou informam que “o Spaece pede aqueles conteúdos básicos [...] que já são incluídos dentro da grade curricular trabalhada pela escola” (E4FEBI), ou mesmo declarando que “[o currículo] vai se adaptando conforme a avaliação” (E5LEAI) e colocando parcela da responsabilidade pelos resultados no/a professor/a ao afirmar que “quanto mais habilidades o nosso professor trabalhar, melhores resultados nós vamos ter nessas avaliações” (E7MEAI). O material empírico aponta que há uma ‘inversão de prioridades’, como também cha- maram Celso Conti, Emília Lima e Renata Nascente (2017), em relação aos objetivos do currículo escolar, de modo que o aprendizado discente e o planejamento do/a professor/a 968 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: Estratégias para gestão escolar em tempos de avaliação: uma investigação em municípios do Ceará para alcance daquele é balizado pelas avaliações em larga escala. Embora essa evidência seja constante nas pesquisas sobre o tema, ainda há um campo de investigação a ser apro- fundado, sobretudo quanto à autonomia da escola na proposição de currículos próprios. Os relatos dos/as gestores/as participantes da pesquisa informam que, sendo o currículo escolar condicionado à avaliação, há uma tendência à ocultação do projeto pedagógico em favorecimento dos resultados nas avaliações, somado ao estreitamento do currículo. Os diferentes graus de regulação observados no estado do Ceará impulsio- nam esse fenômeno, uma vez que as escolas informam atender aos objetivos da avaliação estadual, da avaliação federal e das avaliações municipais, quando existem. Uma análise aprofundada das entrevistas revela que os/as gestores/as usufruem de uma ‘autonomia limitada’ (ANDERSON, 2017) e seguem à risca as orientações dos órgãos superiores em razão da pressão sobre o cargo que exerce. Não por acaso, compartilham de uma cultura de avaliação para mobilização da equipe escolar e, quando questionados/ as sobre os resultados da avaliação, revelam preocupação e responsabilização por estes. A discussão e o uso dos resultados é uma terceira linha interpretativa possível a partir da pesquisa empírica. Quando questionados/as se a escola analisava e discutia os resultados da avaliação externa e quais ações eram tomadas a partir destes, os/as diretores/as concentraram suas respostas na importância dos resultados para o planeja- mento, a definição de metas e a identificação das fragilidades do aprendizado discente. Essas ações demonstram que as escolas absorveram a lógica da eficiência alardeada pelas políticas de accountability educacional, revelando também que os/as profissionais da educação – e, no caso específico, o/a gestor/a escolar – têm redesenhada sua identi- dade profissional quanto mais se intensifica as demandas às escolas. Anderson (2017) sustenta que, no contexto da Nova Gestão Pública, surge um/a novo/a profissional da educação, cuja performance é pautada pela ação gerencial, com menor autonomia pro- fissional e maior controle da profissão. Os relatos dos/as gestores/as demonstram que, cada vez mais, esses/as profissionais se autorresponsabilizam pelos resultados escola- res, num contexto que já detém fortes estratégias de accountability. Ou seja, além de responder à pressão externa, há um grau de responsabilização subjetiva que acompanha os/as gestores/as diariamente: são preocupações com os resul- tados das avaliações nacionais, estaduais, com as demandas das secretarias municipais de educação e com as cobranças da equipe escolar e da comunidade. Em certa medida, essa realidade pode ser ilustrada pela metáfora empregada por Katina Pollock & Sue Winton (2016) para tratar de pressões sofridas por diretores/as escolares: um malaba- rismo com múltiplos sistemas de accountability, a partir do qual busca-se equilíbrio e negociação. O maior foco na figura do/a gestor/a, que tem adquirido centralidade crescente nos processos educativos, em razão do ativismo na condução de ações, torna a própria temática da accountability um tanto quanto delicada pelo fato de acontecer em diversos Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: 969 Anderson Gonçalves Costa, Esmeraldina Januário de Sousa, Eloisa Maia Vidal e Sofia Lerche Vieira níveis e demandar respostas dos/as gestores/as a diversos públicos (AFONSO, 2018). Cabe endossar que os/as gestores/as escolares lidam, ainda, com outros processos asso- ciados à gestão de recursos financeiros e às demandas administrativas, intensificando as pressões referidas anteriormente, sendo a informação e a justificação realidades constantes na atuação desse/a profissional. Eles/as estariam diante, portanto, de uma accountability múltipla (BARZANÒ, 2009), enfrentando diuturnamente o desafio de superar problemas que extrapolam suas condições de intervenção. As maiores cobranças às escolas são quanto aos seus resultados. Para aquelas com alto desempenho dos/as estudantes, há o desafio de manter sua proficiência. Para as que detêm menores resultados, resta o desafio de elevá-los. A centralidade dos siste- mas de avaliação é algo a se destacar, pois eles servem como mecanismo de prestação de contas dos serviços ofertados pela escola, embora as críticas destinadas por estu- diosos/as do tema, que vêem nesses instrumentos perspectivas muito limitadas de prestação de contas. Considerações finais As ações relatadas pelos/as gestores/as escolares não fogem à regra do que tem sido discutido pela literatura nacional e internacional, havendo, portanto, evidências locais que permitem constatar o grau de influência desses mecanismos. A preocupação das esco- las em mobilizar esforços em torno do tema informa que estas não se colocam alheias à situação. Procurando instituir práticas no cotidiano que buscam driblar obstáculos estru- turais, mesmo sob os riscos que tais práticas oferecem. Isso pela possibilidade de receber recursos financeiros e prestígio social, condicionados ao desempenho nas avaliações. A sobrecarga de atividades relativas à gestão escolar se faz presente no dia a dia dos/as dire- tores/as, e eles/as não percebem que sua autonomia é limitada pelo contexto do modelo gerencial em vigência. A assimilação das políticas de avaliação e a adesão aos mecanis- mos que as orientam impregna a gestão escolar, que por sua vez responde, adaptando-se e criando estratégias capazes de responder de forma imediata ao desejado ou estabelecido. Recebido em: 25/02/2021; Aprovado em: 16/08/2021. Notas 1 Pesquisa realizada no ano de 2018, no âmbito das disciplinas Política educacional e formação de professores e Laboratório de pesquisa em política educacional, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará – PPGE-UECE. As autoras e o autor agradecem aos/às pesquisadores/as envolvidos/as na coleta de dados nos munícipios: Ana Lídia Lopes, Anderson Costa, Carlos Henrique Viana, Claudia Men- des, Erineuda Amaral, Esmeraldina Januário, Hanuzia Ferreira, Hedilton Araújo, Iasmin Marinho, Liduina 970 Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 15, n. 33, p. 959-972, set./dez. 2021. Disponível em: Estratégias para gestão escolar em tempos de avaliação: uma investigação em municípios do Ceará Gomes, Lindolfo Júnior, Paulo Alexandre Queiroz, Ranulfo Freitas, Ridson Araújo, Thales Mesquita. O autor Anderson Gonçalves Costa contou com bolsa de pesquisa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES/ código de Financiamento 001. 2 Em uma escola do município de Canindé o diretor não compareceu no dia da entrevista, pois tinha se deslo- cado, juntamente com o Coordenador Pedagógico, para um roteiro de visitas às escolas anexas. Referências AFONSO, Almerindo Janela. O diretor enquanto gestor e as diferentes pressões e dilemas da prestação de contas na escola pública. Roteiro, Joaçaba, v. 43, n. esp, p. 327-344, dezembro de 2018. ANDERSON, Gary. Privatizando subjetividades: como a Nova Gestão Pública (NGP) está criando o “novo” profissional da educação. RBPAE, Brasília, v. 33, n. 3, p. 593-626, dezembro de 2017. ARAÚJO, Karlane Holanda. O Prêmio Escola Nota Dez e suas implicações à subjetividade das crianças do 2º do ensino fundamental do estado do Ceará. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2020. BALL, Stephen J. 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