Summary

A fictional story about a young man named Yehi Or, focusing on themes of morality, faith, and violence. The story is filled with vivid descriptions of battle and a questioning of the nature of good. Includes reflection on ideals of honor and duty.

Full Transcript

É estranho..., logo após traí-lo, aqui estou, novamente falando contigo, que cabeça cruel tu nos criaste, não que eu te culpe, não que eu te absolva, acho que a morte também me assusta, dizem que estás sempre ouvindo, então eu suplico ouça-me pelo menos em meus últimos momentos. Ato 1 - Glória *"M...

É estranho..., logo após traí-lo, aqui estou, novamente falando contigo, que cabeça cruel tu nos criaste, não que eu te culpe, não que eu te absolva, acho que a morte também me assusta, dizem que estás sempre ouvindo, então eu suplico ouça-me pelo menos em meus últimos momentos. Ato 1 - Glória *"Meu pai dizia que a honra de um homem estava na lâmina de sua espada e no peso de suas palavras. Eu acreditei nisto com todo o meu coração"* Desde cedo foi me ensinado sobre o certo e errado, sobre o pecado, sobre a honra, sobre tudo o que devemos seguir, mas são todas mentiras, certo e errado não passam de crenças, pecados não passam de atos impulsivos, honra não passa de ego disfarçado, não há o que seguir. O cheiro de pão fresco e o som de metal cortando o ar, assim começavam minhas manhãs, ao acordar, ia para cozinha e lá estava minha mãe, uma mulher simples que parecia sempre em paz, cantarolando enquanto preparava o desjejum, ela me olhava com seu sorriso estonteante, eu sorria de volta e ia comer, antes de me deixar sair minha mãe sempre rezava por mim, então eu saia. E lá estava meu pai, como sempre, balançando sua espada firmemente, eu o observava, sua forma era magnífica, eu tentava o imitar com um graveto, ele me ensinou tudo que podia, um homem justo, fiel às suas crenças e palavras, às vezes eu não o entendia, ele olhava para mim e seu olhar parecia distante, então ele dizia algo como "Meu filho, um homem vale pela força de suas palavras não pela força de sua espada", eu nunca o entendia. Eu sempre quis me tornar pelo menos metade do homem que meu pai foi, então decidi tornar-me também um cavaleiro. Foi mais difícil do que eu pensava, eu era obrigado a estudar e fazer tarefas banais mas persisti, aos dezessete ainda um escudeiro, fui informado que iamos recuperar nossas devidas terras, eu fiquei empolgado. Marchando em direção ao território inimigo, tudo em que eu conseguia pensar, era em como seria, a glória, a honra, mas ao chegar lá tudo que vi foi desespero e sangue, a batalha começou e eu estava paralisado, eu me convenci a lutar. Aquele sentimento, após o sentir pela primeira vez, não consegui mais pegar em uma espada sem sentir repulsa, a carne de um homem e sua vida, ambas tomadas por minhas mãos, estranhamente me elogiaram por tal feito horrendo, deve ser estranho na primeira vez pensei. Amigos que eu pensei que levaria para vida toda, morrendo ao meu lado, gritos de dor ao tomarem flechadas, implorando por piedade, com esperança de irem ao paraíso após morrerem. Então ganhamos, todos comemoraram, eu me perguntei o que estavam comemorando, centenas de pessoas morreram, amigos e inimigos, pessoas. Eu me consolei, eles estavam lutando em nome de Deus, com certeza agora estão no paraíso. Eu não sei o que esperava após a batalha, mas com certeza não aquilo, eles entravam em casas e roubavam seus bens, eram oferendas para Deus eles disseram, eles estupravam mulheres, estavam limpando-as em nome de Deus eles disseram, eles não tinham pena, mulheres, crianças todas eram mortas, eram pecadores eles disseram. **Essa é a vontade de Deus** **eles disseram** Ato 2 - Desonra *"A vontade de Deus é realmente sua vontade?, ou os desejos de um homem disfarçado?"* As batalhas continuaram, e minhas dúvidas me corroiam cada vez mais, quatro anos se passaram, eu me tornei um cavaleiro. Minha fé estava abalada, eu constantemente me encontrava olhando para o horizonte assim como meu pai, minha mente divagava, e eu me questionava. Em um acampamento no meio do nada eu tive uma conversa com um cavaleiro muito mais experiente que eu, ele me lembrava meu pai, eu lembro de nossa curta conversa claramente. Ele se aproximou, seu rosto marcado pela exaustão, mas seus olhos brilhavam com algo que parecia uma sabedoria amarga. \"Você acredita que é a espada que muda o mundo, garoto? Não seja tolo. Palavras são mais fortes que espadas. A Igreja move milhares de lâminas, dando discursos todo domingo. Homens morrem por palavras, matam por palavras, enquanto aqueles que as dizem sequer tocam no sangue que derramam. \"Durma bem, garoto. Amanhã, você será a espada de alguém.\" Velho maldito, não posso culpar-te por estar certo, no dia seguinte cumpri meu dever, mais uma vez, minha espada foi usada em nome de Deus, mas naquele dia foi diferente. Quando entrei na cidade o que vi não foram pagãos sendo mortos, e torturados, mas sim cristãos, por que estamos roubando o que já é de Deus, porque estamos limpando o que é de Deus, por que estamos matando imaculados? **Essa é a vontade de Deus?** Ato 3 - Ira *"Morte, Guerra, Fome e Pestilência, estes são os 4 cavaleiros do apocalipse, achei que só pudessem ser vistos no fim dos tempos, mas surpreendentemente eu os via frequentemente, e não era o Diabo que os trazia mas sim os homens que se denominavam de santos."* Ali minha fé foi rachada, pensei que pelo menos estava do lado certo, mas nem disso tinha mais certeza. Minhas dúvidas se tornaram certezas, os porcos dentro das igrejas, que se alimentavam da fome de seus seguidores me enfureciam, eu finalmente entendi o quão poderosas palavras são, permitem que até o mais fraco tenha um poder imensurável. Enquanto eu tinha minha epifania, eu senti um toque no ombro, um garoto devia ter uns 8 anos, suas roupas sujas de sangue e lama, ele me implorou por ajuda, eu mandei ele se esconder, mas era tarde demais, um homem estava vindo atrás dele, com fúria, ele tinha uma ferida de faca na coxa. O garoto se virou e sua cabeça foi ao chão... E a de meu companheiro foi junto. Naquele momento, minha espada já não servia a ninguém, eu fui testar quão forte era a palavra, eu subi em um cavalo, e sem olhar pra trás parti em direção a minha vela vila. Fiquei algumas horas viajando, e minha Ira não se acalmava, eu já tinha aguentado por tempo demais, invadi o castelo de meu senhor feudal, alguns tentaram me parar, nunca me considerei ruim com a espada mas naquele momento, quando minha espada servia somente a minha justiça, ela estava magnífica. Eu cheguei em seus aposentos, e lá estavam eles os homens que acabaram de matar milhares, se empanturrando e rindo sem preocupação alguma, meu corpo tremia de raiva. minha armadura suja de sangue, meu coração pesado como nunca antes. Eles me olharam por um momento, surpresos, talvez confusos com minha presença. Mas não demorou muito para que percebessem o motivo de eu estar ali. As risadas cessaram, os copos pararam no ar, e o silêncio se espalhou pelo salão. Um deles se levantou, o mais velho, o mais gordo, com a boca ainda cheia de carne. Sua túnica dourada brilhava sob a luz das tochas. Ele limpou os lábios com as costas da mão e falou, a voz carregada de falsa autoridade:\ *\"O que significa essa insolência? Deixe sua espada e ajoelhe-se diante de seu senhor.\"* Meu corpo não obedeceu. Minhas mãos apertaram o cabo da espada, e um calor tomou conta de mim, uma fúria que vinha de algum lugar que eu não reconhecia. Não respondi. Apenas avancei um passo, devagar, o som das botas contra o chão de pedra ecoando pelo salão. Outro deles tentou intervir, mais jovem, talvez pensando que poderia evitar o que estava por vir. *\"Calma, homem,\"* ele disse, as mãos erguidas em uma tentativa inútil de parecer conciliador. *\"A guerra mexe com todos nós. Descanse, beba algo. Amanhã você vai entender que tudo o que fizemos foi por Deus.\"* Essas palavras. *\"Por Deus.\"* Eu não aguentei. A lâmina cortou o ar antes que ele pudesse terminar a frase. Não houve tempo para um grito, apenas o som úmido de carne sendo rasgada e ossos quebrando. Ele caiu com um baque pesado, e o sangue começou a se espalhar pelo chão. Um murmúrio de horror percorreu os outros, mas antes que pudessem reagir, eu já estava avançando. Cortei o próximo no estômago, um golpe limpo e direto. O homem caiu de joelhos, tentando segurar as tripas que escorriam por entre seus dedos. Outro tentou fugir, mas a mesa atrapalhou seus movimentos, e meu golpe o alcançou na lateral do pescoço. Ele não chegou a ver o chão. Sobrou apenas um. Meu senhor feudal. O porco dourado que se dizia servo de Deus. Ele havia tentado correr, mas a porta estava bloqueada por seus próprios guardas mortos. Agora, tremia diante de mim, uma pilha de carne e ouro, apavorado, com os olhos arregalados e a boca tremendo. *\" Pelo amor de Deus\... pelo amor de Deus, pense no que está fazendo!\"* ele implorou, as mãos erguidas em súplica.\ Mas eu só conseguia ouvi-lo repetir *\"pelo amor de Deus, pelo amor de Deus\"*. Minha mente girava com as palavras. Quantos morreram pelo \"amor de Deus\"? Quantas mulheres foram violentadas, quantas crianças degoladas, quantos corpos queimados e abandonados em valas imundas\... tudo por essas palavras vazias. *\"Deus não está aqui,\"* eu disse, a voz firme, quase um sussurro, mas carregada de uma certeza que eu nunca tinha tido antes. *\"E nem você estará.\"* A espada atravessou seu peito com uma facilidade quase decepcionante. Ele tentou falar algo, mas apenas sangue escorreu de seus lábios. Quando caiu ao chão, o silêncio voltou. Eu permaneci ali por um momento, encarando o cadáver, esperando sentir algo. Alívio, justiça, paz. Mas tudo o que senti foi o peso da espada em minha mão e o calor do sangue que pingava dela. **Que tolo eu fui, quão fraca era a palavra?** **ELA É IMBATÍVEL** Não demorou muito para me caçarem, eu estava farto de tudo, eu saí do castelo, e o que me esperava eram dezenas de soldados, mesmo após a morte dos carregadores da palavra ela ainda estava de pé, mais forte do que antes. Eu tentei fugir mas eles eram muitos, enquanto corria em meu cavalo, fui recebido com uma chuva de flechas. *\"E aqui estou, falando contigo novamente. Que cabeça cruel tu nos criaste. Não que eu te culpe. Não que eu te absolva. Mas talvez agora, enquanto o sangue me deixa aos poucos e a morte se aproxima, possamos finalmente conversar. Apenas uma última vez.\"* Minha visão está ficando turva, mas ainda consigo ver o céu. Um azul tão calmo, tão distante de tudo o que vivi. Me pergunto se é isso o que as pessoas chamam de paz. Um céu que nunca foi tocado pela palavra, pelas espadas ou pelo sangue. O que você acha, hein, Deus? Será que esse céu também é teu? Ou apenas mais uma coisa que homens como eu destruíram, dizendo que faziam em teu nome? Eu achava que o fim seria diferente. Que haveria algo esperando. Um perdão. Uma resposta. Um propósito. Mas agora, enquanto meus pulmões queimam e o som dos cavalos e das armaduras se dissolve ao longe, vejo apenas vazio. *"Quantos mais irão morrer pela tua palavra?"* Penso no garoto. Naquele pequeno corpo que não pude salvar. Na cabeça que caiu como tantas outras, tão fácil, tão absurda. Me pergunto se ele teve tempo de orar. Se teve tempo de pedir a ti que o salvasse. E, se pediu, o que ouviu de volta? Nada, como eu? Penso no meu pai. No olhar distante que ele tinha quando dizia que a força de um homem estava nas palavras. Eu nunca entendi o que ele queria dizer, mas agora entendo. Ele sabia. Ele sabia que as palavras podiam mover montanhas, levantar exércitos e destruir vidas. Que tolo eu fui de achar que minha espada tinha peso. Que tolo de achar que podia mudar algo com aço. Ela é imbatível. A palavra. Não importa quantas espadas você quebre, quantos homens você derrube. A palavra permanece. Mesmo agora, enquanto meu corpo se despede do mundo, ela está lá, nos lábios dos homens que se dizem santos, nos sermões que ecoam pelas catedrais. Não importa o que fiz, o que tentei, o que gritei --- ela é maior do que todos nós. Talvez seja isso que me assuste na morte. Não o fim. Não o julgamento, se é que ele existe. Mas saber que, enquanto eu desapareço, ela continua. Sempre continuará. Acho que foi isso que o cavaleiro velho tentou me ensinar naquela noite. Que lutar contra ela é inútil. Que, no fim, somos todos apenas espadas nas mãos de homens que dominam as palavras. E eu? Eu fui uma espada quebrada. Minha respiração está falhando. Não sei quanto tempo me resta. Talvez um minuto, talvez menos. Eu me pergunto, Deus\... será que algum dia você vai responder? Será que algum dia você vai sair do silêncio e dizer algo, qualquer coisa? Porque se você estiver aí\... e se sempre esteve aí\...\ Por que ficou calado? E então, enquanto o mundo ao meu redor se apaga, minha mente retorna ao início. Ao cheiro do pão fresco e ao som da espada de meu pai cortando o ar. À minha mãe rezando por mim, pedindo que você me protegesse. Eu queria voltar para aquele momento, para aquela inocência, para aquele garoto que acreditava. Mas aquele garoto morreu. Morreu com a palavra. Yehi Or.

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