Vivenciando a Transexualidade: Impacto da Violência Psicológica (PDF)

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Centro Universitário UNIFAFIBE

2017

Bruna Áfrico Pardini, Vitor Hugo de Oliveira

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transexualidade violência psicológica identidade de gênero estudos de gênero

Summary

Este artigo analisa a transexualidade e como a violência psicológica afeta as vidas de pessoas trans e discute a importância do reconhecimento da identidade de gênero. O estudo discute conceitos como performatividade de gênero e a necessidade de mudança na sociedade para criar ambientes mais inclusivos para a comunidade trans.

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Pardini, B. A. & Oliveira, V. H. (2017). Impacto da violência psicológica e transexualidade. 110 ____________________________________________________________________________ V...

Pardini, B. A. & Oliveira, V. H. (2017). Impacto da violência psicológica e transexualidade. 110 ____________________________________________________________________________ Vivenciando a transexualidade: o impacto da violência psicológica na vida das pessoas transexuais 1 Bruna Áfrico Pardini Vitor Hugo de Oliveira Centro Universitário UNIFAFIBE RESUMO: O gênero é performático, uma forma de expressão da subjetividade humana que não possui relação com as características físicas e biológicas apresentadas por este. A sociedade é compreendida e dividida em normativas binárias de gênero, homem e mulher, determinadas pela existência dos órgãos genitais, causando sofrimento a quem não se encaixa nestes modelos pré-definidos, como as pessoas transexuais, que são constantemente vítimas de discriminação, transfobia e violência. Este artigo utiliza como base para definir a transexualidade a autodeclaração do sujeito enquanto narrativa de sua própria história. Outro conceito importante abordado é o de violência psicológica como sendo um atentado a identidade, autoestima e outras características pessoais do indivíduo, podendo causar grandes consequências para a saúde psicológica e para a vida diária de quem a sofre. O objetivo deste estudo é investigar a transexualidade nos dias atuais e as formas de violência às quais as pessoas trans estão sujeitas, em especial a psicológica, bem como a maneira que estas influenciam em seu cotidiano. O método de pesquisa utilizado foi o bibliográfico e os resultados apontam a existência de violência psicológica constante na vida desta população através do não reconhecimento de suas identidades e seus direitos básicos ao uso de um nome que os representem, uso do banheiro adequado com sua identidade de gênero, saúde, educação e emprego. Da mesma forma, foi perceptível a invisibilidade dessa população perante a sociedade e a falta de pesquisas científicas que embasem conhecimento e ações que possam modificar este cenário. Palavras-chave: Transexualidade, Gênero, Violência psicológica, Transfobia. __________________________________________________________________________________________________ Experiencing transsexuality: the impact of psychological violence in the lives of transgender people ABSTRACT: The gender is performative, a way of expression of human subjectivity which has no relation to the physical and biological characteristics presented by itself. The society is comprehend and divided into binary gender norms, man and woman, determined by existence of genitals, causing suffering on those who do not fit on these pre-defined models, like the transgender people who are constantly victims of discrimination, transphobia and violence. This article define transsexuality through the self-declaration of the subject as a narrative of his own history. Another important concept addressed is that of psychological violence as an attack on identity, self-esteem and other personal characteristics of the person, and may have great consequences for the psychological health and daily life of those who suffer. The aim of this study is to investigate the transsexuality nowadays and the ways of violence that the transgender people are subject, specially the psychological violence, as well as the way that they influence their daily routine. The research method used was the bibliographic review and the results shows the existence of the constantly psychological violence of this population, through the non-recognition of their identities and their basic rights to use a name that represents them, use of the appropriate bathroom with their gender identity, health, education and employment. Similarly, we can perceive the invisibility in front of the society and the absence of scientific research that could create enough knowledge and actions that could modify this scenario. Keywords: Transsexuality, Gender; Psychological violence, Transphobia. 1 Bruna Áfrico Pardini. End. Correspondência: Rua Alfredo Góri, nº 95, Pedro Cavallini, CEP 14784-309, Barretos, SP, Brasil, e-mail: [email protected] ______________________________________________Psicologia - Saberes & Práticas, n.1, v.1, 110-118, 2017. Pardini, B. A. & Oliveira, V. H. (2017). Impacto da violência psicológica e transexualidade. 111 ____________________________________________________________________________ Bento (2008) afirma que a sociedade divide o Introdução ser humano binariamente e de forma baseada nos órgãos genitais: todos devem ser enquadrados em apenas duas possibilidades de gênero – homem por Este artigo se propõe a investigar a possuir um pênis ou mulher por possuir vagina, e transexualidade nos dias atuais, bem como elucidar evidencia o fato de que todos os contextos sociais algumas formas de violência, especialmente a têm seu funcionamento baseado neste olhar psicológica às quais as pessoas trans estão naturalizado, causando sofrimento para os indivíduos submetidas e as consequências destas em suas que não se encaixam nesta normativa. Evidencia-se vidas cotidianas. Segundo Butler (2015), a diante desse contexto, a necessidade de modificar diferenciação entre sexo e gênero se deu para este olhar, em especial no que concerne às políticas contestar o modelo biologicamente determinante, públicas e as garantias de direitos. conceituando o sexo enquanto algo definido pelo Passamani (2014) diz que as expressões de órgão genital (homem-pênis e mulher-vagina) e o gênero e sexualidade que foge ao olhar naturalizado gênero enquanto construção social. Entretanto, a e normativo estão propensas à preconceito. Abarca- autora postula que a noção de que o gênero é se aqui também a noção de opressão e violência “culturalmente” aprendido também revela um modo psicológica com os quais se deparam aqueles que determinista de funcionamento, embora modifique o transgridem a norma. O autor ainda denota a cultura agente determinante, sendo que este deixa de ser a machista que rege a sociedade como sendo biologia e passa a ser a cultura. Sobre isso a autora responsável por uma profunda diferenciação afirma que: Em algumas explicações, a ideia de que psicológica e, porque não, social, entre homens e o gênero é construído sugere certo determinismo de mulheres que culminaria em espaços cada vez mais significados do gênero, inscritos em corpos divididos para ambos, ajudando a distanciá-los e anatomicamente diferenciados, sendo esses corpos contribuindo para a estigmatização das pessoas compreendidos como recipientes passivos de uma lei trans. cultural inexorável. (Butler, 2015, p. 28). Da Silva, Coelho e Caponi (2007) Para Butler (2015) o gênero é performático, conceituam violência psicológica como atentados à ou seja, a identidade de gênero configura-se através identidade e outras características do ser humano, da expressividade do sujeito de sua própria vivência, como a autoestima e apontam que estas podem ser de modo que este não é determinado pela cultura ou por ação ou omissão, uma vez que neste último não pelos conhecimentos da biologia e sim pela maneira há a tentativa de evitar uma exposição à violência do indivíduo de experenciar à si mesmo e ao mundo psicológica. Tendo este olhar para a violência à sua volta. psicológica, é possível correlacioná-la a situações às Alves e Moreira (2015) dissertam acerca de quais pessoas transexuais são expostas todos os um olhar interessante para se pensar a dias ao não terem suas identidades respeitadas das transexualidade, sendo este a autodeclaração do mais variadas formas, sendo nítida a percepção de sujeito enquanto forma de anunciar para a sociedade que seus espaços na sociedade são pequenos e sua identidade de gênero – que em nada se escassos. relaciona ao órgão genital e sim à sua identificação. Bonassi et al. (2015) explicitam o fato de que Sob essa forma de pensar, valoriza-se a narrativa do as violências psicológicas têm seu início, na maioria indivíduo acerca de sua própria história e sobre o das vezes, no ambiente doméstico e podem tomar seu ser, de modo a compreender seu direito à proporções tais, ao ponto do indivíduo ser expulso de identidade. O contrário a isso seria o determinismo casa como punição por sua identidade de gênero. biológico, onde um órgão sexual determina quem o Nota-se que o ambiente familiar, aquele que deveria indivíduo deve ser e de que modo sua vida deve ser ser sinônimo de proteção, por vezes torna-se fonte experenciada. O presente artigo irá considerar a de humilhações, violência e insegurança. narrativa da pessoa enquanto forma de definição de seu gênero, para evidenciar que este se torna ativo e Métodos sujeito de sua própria vida, bem como valorizar seu desempenho de gênero – sua própria A pesquisa realizada foi de caráter expressividade. bibliográfico, através de livros e artigos científicos ______________________________________________Psicologia - Saberes & Práticas, n.1, v.1, 110-118, 2017. Pardini, B. A. & Oliveira, V. H. (2017). Impacto da violência psicológica e transexualidade. 112 ____________________________________________________________________________ indexados nas bases de dados: BVS-PSI, Scielo, estivesse embasada em determinantes biológicos, Google Acadêmico e PEPSIC, bem como banco de ou seja, os órgãos genitais, ou ainda culturais, como dados de universidades brasileiras. Nestas bases de se apenas a cultura subsidiasse a escolha pelo dados foram digitados os descritores: identidade de gênero ao qual a pessoa pertence. gênero; transexualidade; violência psicológica e Dessa forma, para a compreensão deste transexualidade; violência psicológica; artigo, deve-se considerar o exposto por Alves e transexualidade e uso do banheiro; transexualidade Moreira (2015) sobre autodeclaração dos sujeitos, e nome social; transexualidade e preconceito; levando em consideração os pensamentos e homens trans. Dentro dos artigos encontrados, foram sentimentos destes próprios em relação à sua realizadas as leituras dos resumos para selecionar expressividade e vivência de gênero e de si mesmos, aqueles que melhor contribuiriam para o tema e, em de modo que estes não sejam sujeitos passivos de seguida, a leitura completa destes. uma sociedade que apenas lhes apresenta as fórmulas de gênero nas quais devem se encaixar, Resultados e Discussão mas sim sujeitos ativos de sua própria história, com a possibilidade de dar voz a seus sentimentos e A apresentação e discussão acerca dos sensações internas. resultados encontrados perpassarão situações cotidianas às quais estão submetidas as pessoas Nome e o direito à identidade transexuais, de modo que seja possível compreender aspectos amplos de suas vidas e os impactos que O nome é a maneira através da qual o cada questão levantada pode acarretar. Para que os indivíduo apresenta – se enquanto pessoa para a assuntos possam ser mais bem desenvolvidos, sociedade e, de forma geral, a primeira informação optou-se por subdividi-los em tópicos. concedida acerca de si mesmo à terceiros, de modo Após explanar sobre tais situações, os que este deve ser capaz de representá-lo e, resultados serão pensados à luz do conceito de efetivamente, anunciá-lo. Alves e Moreira (2015, p. violência psicológica, aplicável nas determinadas 60) denotam a importância do nome na vida das situações que serão aqui descritas. pessoas “O nome revela um papel no mundo, papel subjetivo, social, afetivo, sexual, familiar, entre Transexualidade muitos outros. Ele faz parte dos atos performáticos do cotidiano, reiterando narrativas e discursos do Silva et.al. (2016) denota que há uma sujeito e do social sobre o sujeito. O nome antecede confusão em diferenciar os termos sexualidade e o corpo, o gênero e o sexo, pois anuncia os identidade de gênero, dificultando o entendimento e mesmos”. a atenção especializada voltada para essa Levando em consideração a definição acima população. Os autores afirmam que, por muito explicitada, torna-se importante uma reflexão acerca tempo, a heterossexualidade enquanto norma foi tida do nome utilizado pelas pessoas transexuais, uma como a vertente correta para a sexualidade, e que, vez que seus nomes de registro civil podem, em sua ainda sob essa influência, o gênero e a sexualidade grande maioria, não corresponderem à pessoa que são confundidos. Sexualidade está relacionada à anunciam ser. O nome que lhe é designado no direção do desejo das pessoas, ao passo que o momento de seu nascimento, ainda pautado no gênero se refere à sua identidade, a quem este binarismo de gênero (homem/mulher – pênis/vagina) indivíduo sente ser. aceito socialmente, não corresponde, por vezes, ao Silva et al. (2016) afirmam que a população desenvolvimento de consciência da pessoa sobre o trans (abreviação de transexual ou transexualidade) gênero que melhor lhe contempla. Como alternativa, poderia ser definida como pessoas que vivem uma tem-se o uso do nome social, escolhido pela própria experiência entre gêneros, de modo que estariam pessoa e que, de acordo com Alves e Moreira entre os gêneros masculino e feminino. Para eles, a (2015), é tido como uma forma de identificação de população trans é tida como pessoas pertencentes à gênero, sendo capaz de anunciar o indivíduo que o um gênero oposto ao que lhes foram designados. escolheu. Não foi possível encontrar uma definição Dias (2015) pontua que o uso do nome exata para a transexualidade, sem que esta correspondente ao gênero do transexual é importante para ______________________________________________Psicologia - Saberes & Práticas, n.1, v.1, 110-118, 2017. Pardini, B. A. & Oliveira, V. H. (2017). Impacto da violência psicológica e transexualidade. 113 ____________________________________________________________________________ proporcionar-lhe o sentimento de pertença e, ainda, Cruz (2008) e Bonassi et al. (2015) auxiliam ajudar a reduzir situações vexatórias aos quais estes no pensamento acerca das causas de tal realidade, possam ser submetidos em função de um nome que pontuando que essa população encontra dificuldades não os represente. Alves e Moreira (2015) apontam em manter-se na escola, sendo esses acerca da que, a partir de 2008, legislações oportunizam o uso resistência por algumas pessoas ao uso de seu do nome social no âmbito da educação e Holanda nome social, conflito no uso do banheiro, bem como (2015) coloca que, desde 2011, os trabalhadores de dificuldade nos relacionamentos sociais. repartições públicas têm o direito de utilização do Bonassi et al. (2015) afirmam que em nome social no ambiente do trabalho. Entretanto, decorrência da baixa escolaridade, do preconceito da sabe-se que em muitos locais, ainda não há o sociedade e do abandono familiar, muitas pessoas respeito à tais garantias, forçando-os à serem transexuais têm como uma das poucas alternativas tratados por nomes e pronomes que não os retrate, restantes, senão a única, a prostituição, sendo que, causando situações de humilhação e constrangimento. na pesquisa apresentada por eles, 58% dos sujeitos Além disso, trata-se de dois âmbitos sociais que não trabalhavam como profissionais do sexo. Os autores contemplam a totalidade dos espaços de vivência ainda revelaram que haviam, entre os participantes entre indivíduos transexuais e cisgêneros e, portanto, da pesquisa, pessoas que não possuem Carteira de não são suficientes para oferecer bem-estar e Trabalho e/ou não contribuem com o Instituto conforto para as pessoas trans em sua relação com Nacional de Seguridade Social (INSS), bem como há o mundo. ainda aqueles que sequer possuem Carteira de Nesse sentido, Dias (2015) ressalta que, de Identidade (RG). Realidades como essas parecem acordo com o resguardo a dignidade da pessoa distantes, entretanto conforme apresentado, humana previsto constitucionalmente, não é correto representa a situação atual de muitas pessoas que um indivíduo seja forçado a viver com um nome transexuais no Brasil. É possível perceber a atrelado a um gênero que não lhe represente em invisibilidade dessas pessoas no meio social - visto função de preconceitos da sociedade e/ou que algumas sequer possuem documentação dificuldades legais relativas ao direito ao nome mínima, ou seja, sequer são consideradas cidadãos, social. A autora chama a atenção ao fato de que as pessoas de direitos e deveres; pode-se também pessoas trans estão expostas cotidianamente a prever problemas em decorrência destas realidades: situações de extremo constrangimento em função do em caso de doenças, acidentes, aposentadoria ou uso do nome de registro civil. condições que impossibilitem o exercício profissional, quem é responsável por garantir à estas pessoas Acessibilidade à educação e emprego condições dignas de vida, se elas não estão cobertas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e/ou A escola é um espaço para transmissão de sequer tem suas identidades reconhecidas? conhecimento, socialização e preparação para o Bento (2008) diz que a sociedade, por vezes, futuro: é a partir da base aprendida na escola que acredita que as pessoas transexuais realizam as outras aprendizagens podem ser realizadas, sendo mudanças corporais para viverem da prostituição, que muitas profissões têm seu caminho definido pelo entretanto é o contrário: o preconceito e a violência ensino fundamental e médio e, em seguida, o ensino com que são tratados forçam-os a este caminho superior. Bonassi et al. (2015) em pesquisa com profissional. A autora ainda chama a atenção para a pessoas transexuais verificaram que 33,9% dos violência à qual estão submetidos os profissionais do sujeitos entrevistados haviam parado os estudos, sexo, que são brutalizados e marginalizados. sendo que apenas 25,8% chegaram a concluir o ensino médio. Quando se pensa em ensino superior, Saúde e identidade de gênero os índices são ainda mais alarmantes: segundo os autores, apenas 8,1% desses sujeitos puderam A transexualidade ainda é vista nos manuais concluir um curso de ensino superior. É possível classificatórios como uma patologia. A “Classificação notar que se trata de índices muito baixos e que Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à denunciam uma realidade que precisa ser observada Saúde – décima versão” (CID 10, p.210) a classifica mais de perto e requer uma intervenção para que como um subtipo de transtorno de identidade sexual, possa ser alterada. F64.0 “Transexualismo” como sendo um desejo de ______________________________________________Psicologia - Saberes & Práticas, n.1, v.1, 110-118, 2017. Pardini, B. A. & Oliveira, V. H. (2017). Impacto da violência psicológica e transexualidade. 114 ____________________________________________________________________________ viver socialmente como o sexo oposto ao biológico e Matos, homem trans e vice-presidente do IBRAT condiciona esse contexto à insatisfação corporal e a (Instituto Brasileiro de Transmasculinidade) vem consequente vontade de realizar cirurgias para chamar a atenção ao fato de que ainda existem “adequação corporal” enquanto define como poucas pesquisas que se destinam a compreender “Transvestismo de duplo papel” (F64.1) aludido à uso os efeitos das terapias hormonais à longo prazo na de vestimenta de roupas do „sexo oposto‟ sem vida e saúde das pessoas transexuais, sendo esta qualquer intenção de mudanças corporais para apenas uma das demandas necessárias e passíveis adequação corporal à outro sexo. Pontua ainda o de pesquisas. Não obstante, Bonassi et al. (2015) F64.2 “Transtorno de identidade sexual na criança salientam também que, para a Psicologia, a com critérios específicos para designar o que seria transexualidade ainda se configura em algo pouco um desconforto relacionado ao sexo que lhe foi explanado e, como consequência, que ainda gera designado no público infantil. Já o Manual dúvidas quanto á suas especificidades. Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais V – O acesso dessa população à saúde também DSM V (2014) classifica o conceito de Disforia de é precário. Bonassi et al. (2015, p. 89) encontraram Gênero para designar pessoas cuja vivência de em sua pesquisa que “Apenas 26% dessas pessoas gênero difere daquela que lhe foi imposta no possuem plano de saúde, 67% disseram que nos nascimento e oferece critérios diferentes para o últimos doze meses acharam que precisavam de diagnóstico em crianças, adolescentes e adultos. consulta médica, mas não procuraram e 82% Jesús (2013), em pesquisa sobre o conceito relataram nunca ter feito exame de próstata ou de patologização e despatologização das ginecológico”. Os autores levantam possíveis causas identidades transexuais, levanta que os movimentos que os levariam a evitar atendimento médico, entre sociais que lutam pelos direitos da população eles, a falta de respeito ao nome social, causando transexual ainda se sentem desconfiados em relação situações de grande constrangimento frente às á despatologização, em função do medo de perder pessoas desconhecidas. Têm-se também situações os poucos direitos conquistados em relação á saúde de omissão, negligência ou descaso para com a das pessoas trans ainda atrelados ao diagnóstico pessoa trans nos locais de saúde. Tal situação patologizante. Em contrapartida, o discurso despatologizante denuncia a falta de preparo dos profissionais em defende que os mesmos direitos deveriam ser receber essa demanda e que pode acarretar ofertados sem a necessidade de um diagnóstico e problemas de saúde para essa população, uma vez sim de acordo com a identidade de gênero de cada que não há o atendimento às suas demandas de indivíduo. saúde e também não é possível realizar serviços de Teixeira (2009) e Bonassi et al. (2015) prevenção. problematizam o fato de que o direito à saúde e Silva et al. (2015) também dissertam acerca identidade da pessoa trans está atrelado à visão da da falta de preparo dos profissionais e da saúde em transexualidade enquanto doença, uma vez que, geral para o atendimento dessa demanda e levantam para garantir o direito à terapia hormonal e o acesso a vulnerabilidade da população trans às doenças às possíveis cirurgias para a modificação de algum sexualmente transmissíveis e até mesmo o aspecto do corpo que cause desconforto relacionado desenvolvimento de psicopatologias como à transexualidade, é necessário ter o diagnóstico depressão, ansiedade, entre outras, uma vez que fechado, bem como acompanhamento psicológico. não há uma atenção dos setores de saúde e em Portanto, é possível pensar que, para haver a função da precariedade da vida em todos os setores despatologização das identidades transexuais, é sociais aos quais a maioria deles estão inseridos. importante haver uma modificação na forma de Pode-se aqui relacionar a exposição ás doenças acesso à saúde, tornando estes processos sexualmente transmissíveis à maior fonte de trabalho independentes de um diagnóstico. e renda das pessoas trans, conforme explanado A saúde das pessoas transexuais ainda é um anteriormente, que é a prostituição e a violência às tópico novo no campo de pesquisa, e que precisa ser quais são submetidos em decorrência da mesma, explorado pelas diversas áreas de conhecimento da podendo sujeitar-se a não utilizar os métodos de saúde, a fim de construir ações mais embasadas proteção - quando pressionados a não usá-los, pois cientificamente e melhorar a qualidade de vida dessa é preciso conservar esta única fonte de população. Pierre (2015), através da fala de Lam sobrevivência. ______________________________________________Psicologia - Saberes & Práticas, n.1, v.1, 110-118, 2017. Pardini, B. A. & Oliveira, V. H. (2017). Impacto da violência psicológica e transexualidade. 115 ____________________________________________________________________________ Violência psicológica e transexualidade trabalho formal e uma forma de vida com mais acessibilidade à direitos e saúde. Segundo Oliveira e Porto (2016 como citado A invisibilização das pessoas transexuais Antunes, 2010) a expectativa de vida de travestis e causa danos à identidade e autoestima dos mesmos, transexuais no Brasil é, em média, 35 anos enquanto uma vez que a sociedade muitas vezes não os a população geral em 2013 é de 74,9 anos. Os reconhece em seus gêneros autodeclarados, autores pontuam que as maiores causas para esse ignorando sua narrativa de gênero e denominando- grande índice de mortalidade são: violência os de forma que não condiz com suas vivências. transfóbica, infecção por HIV/AIDS e intervenções Além disso, dificulta o olhar mais atento e próximo às médicas clandestinas. demandas específicas desta população, bem como a As pessoas transexuais estão sujeitas à elaboração de políticas públicas que correspondam a diferentes formas de violência, sendo que Cruz e tais demandas. Sousa (2014) afirmam que o termo transfobia pode Bonassi et al. (2015) pesquisaram acerca de ser utilizado para designar a violência direcionada as violências psicológicas sofridas por pessoas trans e pessoas transexuais e as travestis, de forma que expõem a dificuldade no entendimento do termo todas as violências aqui citadas podem ser “violência psicológica” por parte dos entrevistados, consideradas transfobia. Bonassi et al. (2015), em bem como o fato de que este tópico está tão pesquisa com pessoas transexuais, revelaram que, arraigado no cotidiano das pessoas transexuais que, entre os sujeitos entrevistados, os tipos de violências quando perguntadas, muitas pessoas não à que foram submetidos, em ordem quantitativa, conseguem identificar essas situações como um tipo foram: discriminação 87%, violência psicológica 76%, de violência por serem constantes em seus dias. violência física 62%, violência institucional 43%, Diante disso, torna-se necessário refletir acerca de negligência 39%, violência sexual 30%, abuso uma realidade onde a violência faz parte do financeiro 21%, tortura 9%, trabalho escravo 7%, esperado para o dia-a-dia, e o respeito à identidade tráfico de pessoas 4% e exploração infantil 3%. é sempre o comportamento recebido com surpresa, Neste artigo, será dada ênfase à violência sendo possível perceber que há uma situação de psicológica que, segundo Ministério da Saúde, grande vulnerabilidade na população trans. As define-se como “toda ação ou omissão que causa ou situações de violência psicológica encontradas pelos visa a causar dano à autoestima, à identidade ou ao autores na pesquisa foram: humilhação 68%, desenvolvimento da pessoa” (Brasil, 2002, p. 20), hostilização 55%, ameaça 56%, tendo como exemplos práticas como insultos calúnia/injúria/difamação 54%, perseguição 36% e constantes, humilhação, ridicularização, entre outras chantagem 26%, sendo que ainda 66% das pessoas possibilidades. Com base nessa definição, pode-se que responderam à pesquisas já sofreram relacionar este conceito com os tópicos discriminação em função de sua identidade de apresentados até o momento, tendo em vista que gênero. deslegitimar a identidade das pessoas trans, ao A partir do entendimento dos dados negar-se à trata-los de acordo com o gênero e nome encontrados por Bonassi et al. (2015), desenha-se correspondente, e coibir a utilização do banheiro de um cenário onde a violência psicológica é uma acordo com o gênero que melhor lhe representa são constante na vivência das pessoas transexuais, ações que causam danos à autoestima e à acompanhando-os em todos os contextos por onde identidade da pessoa em questão. passam: família, escola, emprego, espaços públicos Do mesmo modo, ao dificultar o acesso à e até mesmo em discursos encontrados no dia-a-dia educação e, consequentemente, a uma oportunidade que visam desacreditar a identidade de gênero que de trabalho diferente da prostituição, causam não não se delimita à partir do órgão sexual, entretanto apenas danos à autoestima e à identidade, como ainda há poucos estudos correlacionando os dois afeta diretamente o desenvolvimento dessas conceitos. pessoas, uma vez que os impede de apoderar-se de Silva (2013) disserta acerca da discriminação conhecimentos acadêmicos e da possibilidade de sofrida pelas pessoas trans e outros integrantes da aprimorar potencialidades e habilidades através das comunidade LGBT que tem sua existência como alvo quais poderiam obter uma vaga no mercado de de piadas, jogos de palavras e expressões vexatórias, piadas e comentários preconceituosos. ______________________________________________Psicologia - Saberes & Práticas, n.1, v.1, 110-118, 2017. Pardini, B. A. & Oliveira, V. H. (2017). Impacto da violência psicológica e transexualidade. 116 ____________________________________________________________________________ Pode-se afirmar ainda que essas pessoas têm sua Como demonstrado e discutido nos imagem atrelada a estereótipos que não podem resultados, o preconceito contra aquilo que se representar todas as pessoas trans e que diferencia das normativas sociais reflete-se na vida desconsideram suas subjetividades. das pessoas transexuais, de modo que estes não se sentem pertencentes à sociedade e suas tentativas Considerações Finais de convivência em determinados setores importantes para a garantia de direitos e cidadania como a As pessoas transexuais contam com poucas família, escola e o trabalho formal se tornam oportunidades de desfrutar de direitos que lhes intoleráveis, trazendo consequências que aumentam deveriam ser assegurados enquanto cidadãos e as os índices de prostituição, doenças e consequências disso apresentam-se na baixa vulnerabilidades. Portanto, é seguro afirmar que escolarização dessa população que acarreta, junto a ações de combate a transfobia são necessárias para transfobia, o pequeno número de pessoas trans que este cenário possa ser modificado e os espaços inseridas no mercado de trabalho formal, sendo que vistos como ameaçadores possam se tornar muitas delas precisam recorrer à prostituição como sinônimo de proteção, acolhimento e segurança. caminho de sobrevivência. Com base nestas reflexões, pretende-se que Os resultados encontrados através desta este artigo possa auxiliar para a elaboração de novas pesquisa demonstram que a população trans na e necessárias pesquisas sobre o tema e que possa realidade brasileira é um grupo em vulnerabilidade à servir como mais um embasamento para a violência, sendo possível perceber a importância de elaboração de ações que favoreçam essa população. pesquisas que se proponham a conhecer essa É importante ressaltar também que os realidade de modo que possam embasar políticas homens e mulheres transexuais possuem diferentes públicas e programas sociais que visem acolher e demandas em serviços como saúde, segurança, trabalhar as demandas dessa população em uma educação, entre outros e é necessário que pesquisas tentativa de reduzir a vulnerabilidade à doenças, a sejam realizadas a fim de descobrir as violência e a prostituição. especificidades de cada público e que as Denota-se que a psicologia é um campo do necessidades possam ser cobertas, de modo que saber científico que pouco se propõe a pesquisar não se exclua um destes durante a elaboração de sobre as pessoas trans, ainda que esteja programas para melhor atendê-los. Pensando nisso, diretamente relacionada à saúde destes pacientes, lembra-se que as pesquisas que contemplam os uma vez que as cirurgias para a mudança de homens trans são ainda mais escassas. aspectos corporais relacionados à transexualidade Para finalizar, é possível perceber que esta é ainda contam como um dos pré-requisitos o uma realidade que requer mudanças para garantir acompanhamento psicológico. É importante que a uma melhor qualidade de vida para a população psicologia amplie seus conhecimentos sobre o trans e diminuir a transfobia, sendo que esta assunto, de forma que os profissionais possam mudança deve ocorrer dentro da sociedade como um pensar intervenções que propiciem maior qualidade todo, de modo que possa minimizar as diferenças de vida nos aspectos psicológicos e sociais e sociais entre essa população e o restante da promovam autonomia e acolhimento. sociedade. O cenário da violência vivenciada pela população trans torna necessário refletir sobre vidas Referências onde a discriminação e a violência psicológica é a regra vivida diariamente e não a exceção. Torna Almeida, G. (2012). Homens trans: novos matizes na necessário pensar sobre a saúde psicológica de aquarela das masculinidades? Revista de Estudos Femininos. 20(2), 513-523. pessoas às quais é negada sua própria existência e Recuperado em 20 de fevereiro de 2106 de as quais seus discursos são silenciados, sua http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext concepção acerca de si mesmo é invalidada, ou seja, &pid=S0104-026X2012000200012 pessoas que não se enquadram na norma do binarismo de gênero e, por causa disso, estão em Alves, C. E. R., & Moreira, M. I. G. (2015). Do uso do constante tentativa de encaixar-se em uma nome social ao uso do banheiro: sociedade que as invisibiliza. 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