Embriologia Veterinária (PDF)
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Poul Hyttel, Fred Sinowatz, Morten Vejlsted
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Embriologia Veterinária de Hyttel é um livro completo que abrange diversos aspectos da embriologia. O livro explora a história da embriologia, os mecanismos celulares e moleculares, a reprodução comparativa, e o desenvolvimento de vários sistemas, incluindo nervoso, gastropulmonar e urogenital. O livro é voltado para estudantes e profissionais da área veterinária.
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Embriologia veterinária Poul Hyttel University of Copenhagen, Denmark Fred Sinowatz LMU Munich, Germany Morten Vejlsted University of Copenhagen, Denmark Saunders Elsevier Table of Contents Cover im...
Embriologia veterinária Poul Hyttel University of Copenhagen, Denmark Fred Sinowatz LMU Munich, Germany Morten Vejlsted University of Copenhagen, Denmark Saunders Elsevier Table of Contents Cover image Title page Copyright Revisão científica e tradução Colaboradores Agradecimentos Introdução Prefácio Capítulo 1: História da embriologia Capítulo 2: Mecanismos celulares e moleculares do desenvolvimento embrionário Desenvolvimento embrionário inicial e períodos gestacionais Diferenciação Modelagem Morfogênese Modificações epigenéticas e ciclos de vida Resumo Capítulo 3: Reprodução comparativa Puberdade e ciclo estral Manutenção hormonal da prenhez Resumo Capítulo 4: Gametogênese Células germinativas primordiais Os cromossomos, a mitose e a meiose Citodiferenciação dos gametas Resumo Capítulo 5: Fertilização Transporte do espermatozoide no trato genital feminino Capacitação Interações entre os espermatozoides e a zona pelúcida Adesão e fusão de espermatozoide e ovócito Ativação ovocitária Resumo Capítulo 6: Clivagem embrionária e blastulação Clivagens e ativação do genoma Compactação Blastulação Alongamento do blastocisto Resumo Capítulo 7: Gastrulação, dobramentos embrionários e formação do celoma Desenvolvimento do âmnio Fases iniciais da gastrulação Formação inicial do mesoderma e endoderma O ectoderma e seus derivados iniciais O mesoderma e seus derivados iniciais O endoderma e seus derivados iniciais As células germinativas primordiais Resumo Capítulo 8: Neurulação Formação do tubo neural: neurulação primária e secundária Crista neural Resumo Capítulo 9: Placentação comparada Desenvolvimento do concepto peri-implantação Mudanças no endométrio e reconhecimento materno da prenhez Classificação da placenta Diferenças entre as espécies Prenhez ectópica Resumo Capítulo 10: Desenvolvimento do sistema nervoso central e periférico Placa neural Tubo neural Linhagens celulares do sistema nervoso central Diferenciação histológica do sistema nervoso central Desenvolvimento da medula espinhal Desenvolvimento do cérebro Sistema nervoso periférico Resumo Capítulo 11: Olho e orelha Desenvolvimento do olho Orelha Resumo Capítulo 12: Desenvolvimento das células do sangue, do coração e do sistema vascular Formação das células do sangue O coração O sistema arterial O sistema venoso Circulação antes e após o nascimento Resumo Capítulo 13: Desenvolvimento do sistema imune Linfócitos Órgãos linfoides e tecidos Resumo Capítulo 14: Desenvolvimento do sistema gastropulmonar Cavidades oral e nasal e palato O intestino anterior Intestino médio Intestino posterior Resumo Capítulo 15: Desenvolvimento do sistema urogenital Desenvolvimento do sistema urinário Desenvolvimento dos órgãos genitais do macho e da fêmea Resumo Capítulo 16: Sistema musculoesquelético O desenvolvimento dos ossos (osteogênese) Esqueleto axial Esqueleto apendicular Crânio Sistema muscular Resumo Capítulo 17: Sistema tegumentar Epiderme Derme (cório) Subcutâneo Apêndices epidérmicos Resumo Capítulo 18: Lista cronológica comparativa do desenvolvimento Capítulo 19: Teratologia História da teratologia Princípios gerais Períodos críticos de suscetibilidade ao desenvolvimento anormal Causas das malformações Classificação das malformações Malformações dos órgãos Malformações congênitas do sistema cardiovascular Malformações congênitas do sistema nervoso Malformações congênitas do sistema urinário Malformações congênitas do sistema genital Malformações congênitas do sistema digestivo Anormalidades congênitas do sistema musculoesquelético Resumo Capítulo 20: A galinha e o camundongo como modelos de embriologia Capítulo 21: Tecnologias em reprodução assistida Inseminação artificial Ovulação múltipla e transferência de embriões Produção in vitro de embriões Criopreservação de oócitos e embriões Clonagem e modificações genéticas de embriões através de transferência nuclear de células somáticas Células-tronco Tecnologias de reprodução assistida em seres humanos Resumo Índice remissivo Copyright © 2012 Elsevier Editora Ltda. Tradução autorizada do idioma inglês da edição publicada por Saunders – um selo editorial Elsevier Limited. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. ISBN: 978-85-3525195-1 Copyright © 2010 by Elsevier Limited. This edition of Essentials of Domestic Animal Embryology, First Edition by Poul Hyttel, Fred Sinowatz, Morten Vejlsted is published by arrangement with Elsevier Limited. ISBN: 978-0-7020-2899-1 Capa Folio Design Editoração Eletrônica Thomson Digital Elsevier Editora Ltda. Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, n° 111 – 16° andar 20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ Rua Quintana, n° 753 – 8° andar 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP Serviço de Atendimento ao Cliente 0800 026 53 40 [email protected] Consulte também nosso catálogo completo, os últimos lançamentos e os serviços exclusivos no site www.elsevier.com.br Nota Como as novas pesquisas e a experiência ampliam o nosso conhecimento, pode haver necessidade de alteração dos métodos de pesquisa, das práticas profissionais ou do tratamento médico. Tanto médicos quanto pesquisadores devem sempre basear-se em sua própria experiência e conhecimento para avaliar e empregar quaisquer informações, métodos, substâncias ou experimentos descritos neste texto. Ao utilizar qualquer informação ou método, devem ser criteriosos com relação a sua própria segurança ou a segurança de outras pessoas, incluindo aquelas sobre as quais tenham responsabilidade profissional. Com relação a qualquer fármaco ou produto farmacêutico especificado, aconselha-se o leitor a cercar-se da mais atual informação fornecida (i) a respeito dos procedimentos descritos, ou (ii) pelo fabricante de cada produto a ser administrado, de modo a certificar-se sobre a dose recomendada ou a fórmula, o método e a duração da administração, e as contraindicações. É responsabilidade do médico, com base em sua experiência pessoal e no conhecimento de seus pacientes, determinar as posologias e o melhor tratamento para cada paciente individualmente, e adotar todas as precauções de segurança apropriadas. Para todos os efeitos legais, nem a Editora, nem autores, nem editores, nem tradutores, nem revisores ou colaboradores, assumem qualquer responsabilidade por qualquer efeito danoso e/ou malefício a pessoas ou propriedades envolvendo responsabilidade, negligência etc. de produtos, ou advindos de qualquer uso ou emprego de quaisquer métodos, produtos, instruções ou ideias contidos no material aqui publicado. O Editor CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ H999e Hyttel, Poul Embriologia veterinária / [Poul Hyttel, Fred Sinowatz, Morten Vejlsted]; [tradução Antônio Chaves de Assis Neto … et al.]. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2012. 455p. : il. ; 25 cm Tradução de: Essentials of domestic animal embryology Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-3525195-1 1. Animais domésticos - Embriologia. 2. Embriologia veterinária. I. Sinowatz, Fred, 1929-2008. II. Vejlsted, Morten 12-1874. CDD: 636.089264 CDU: 636.09:612.64 Revisão científica e tradução SUPERVISÃO DA REVISÃO CIENTÍFICA Antônio Chaves de Assis Neto Professor-doutor do Departamento de Cirurgia (Setor de Anatomia) da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP) Mestre e Doutor em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres pela USP Pós-doutor pela Universidade da Califórnia, Davis – Estados Unidos Felipe Perecin Professor-doutor do Departamento de Ciências Básicas da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP Médico Veterinário pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP), Jaboticabal Doutor em Medicina Veterinária pela FCAV-UNESP, Jaboticabal Pós-doutor pela FZEA-USP REVISÃO CIENTÍFICA Aline Adriana Bolzan (Cap. 11) Professora Doutora do Departamento de Cirurgia da FMVZ-USP Residência em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais pela FCAV-UNESP, SP Medica Veterinária pela FCAV-UNESP, Jaboticabal Mestre e Doutora em Cirurgia Veterinária (Oftalmologia) pela FCAV/UNESP, Jaboticabal Antônio Chaves de Assis Neto (Caps. 1, 9, 10, 12, 16, 17, 20, 21 e Índice - parte) Felipe Perecin (Caps. 3, 4, 5, 6, 7, 8, 13, 14, 15, 18 e Índice - parte) Flávio V. Meirelles (Cap. 2) Professor Associado Professor Livre-docente pela FZEA-USP, Pirassununga Médico Veterinário pela UNESP, Jaboticabal Mestre pela Universidade de Montreal Doutor pela FMRP-USP, Ribeirão Preto Ricardo De Francisco Strefezzi (Cap. 19) Professor-doutor do curso de Medicina Veterinária da FZEA-USP Médico Veterinário Mestre e Doutor em Patologia Experimental e Comparada pela USP TRADUÇÃO Antônio Chaves de Assis Neto (Caps. 1, 9, 14 e Índice - parte) Cláudia Barbosa Fernandes (Cap. 6) Professora Doutora do Departamento de Reprodução Animal, FMVZ-USP Medica Veterinária pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) Mestre e Doutora em Reprodução Animal pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da UNESP, Botucatu Cláudia Lima Verde Leal (Cap. 4) Professora Livre-Docente do Departamento de Ciências Básicas da FZEA-USP, Pirassununga Médica Veterinária pela FCAV-UNESP, Jaboticabal Mestre em Zootecnia (Melhoramento Genético Animal) pela FCAV-UNESP, Jaboticabal Doutora em Medicina Veterinária (Reprodução Animal) pela FMVZ-USP Daniele dos Santos Martins (Cap. 15) Professora-doutora do Departamento de Zootecnia da FZEA-USP Médica Veterinária pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos (UNIFEOB) Mestre em Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres pela FMVZ-USP Doutora e Pós-doutora em Ciências pela FMVZ-USP Érika Branco (Cap. 17) Professora Doutora da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Belém Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa Morfológica Animal da UFRA Médica Veterinária pelo UNIFEOB Doutora em Ciências pela FMVZ-USP Fabrizio Grandi (Cap. 19) Graduado em Medicina Veterinária pela FMVZ-USP Residência em Anatomia Patológica Veterinária pela FMVZ-UNESP, Botucatu Mestre e doutorando pelo Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB-UNESP) Revisor científico dos periódicos Veterinary Clinical Pathology, Comparative Clinical Pathology e Veterinary World. Felipe Perecin (Cap. 2 e Índice - parte) Fernando Yutaka Moniwa Hosomi, M.V., MSc. (Cap. 8) Prefeitura Municipal de São Paulo - PMSP Secretaria Municipal de Saúde - SMS Coordenação de Vigilância em Saúde - COVISA Centro de Referência Nacional de Controle de Zoonoses Urbanas - CCZ Subgerência de Vigilância e Controle de Animais Domésticos – SVCAD Flávia Thomaz Verechia Pereira (Cap. 16) Professora adjunta da UNESP, Dracena Docente de Anatomia, Histologia e Embriologia Animal Médica Veterinária George Shigueki Yasui (Cap. 7) Zootecnista pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) Mestre em Produção Animal pela UENF Mestre e Doutor em Fisheries Sciences pela Hokkaido University Juliana Lopes Almeida (Cap. 21) Médica Veterinária pela Universidade Federal de Pelotas Mestre em Ciências Agrárias (Reprodução Animal) pela Universidade de Brasília PhD em Patologia Comparativa pela Universidade da Califórnia, Davis – Estados Unidos Luciano Andrade Silva (Caps. 3 e 18) Professor Doutor do curso de Medicina Veterinária no Departamento de Zootecnia da FZEA-USP Médico Veterinário pela UFV PhD in Animal Molecular and Cellular Biology pela Universidade da Flórida, Gainesville – Estados Unidos Mestre em Medicina Veterinária (Reprodução Animal) pela UFV Luiz Felipe de Moraes Barros (Cap. 11) Médico Veterinário pela FMVZ-USP Mestre e Doutor em Ciências (Clínica Cirúrgica Veterinária) pela FMVZ-USP Lilian de Jesus Oliveira (Caps. 12 e 13) Médica Veterinária pela FMVZ-USP Mestre em Ciências (Anatomia dos Animais Domésticos e Silvestres) pela FMVZ- USP Doutora em Animal Molecular and Cellular Biology pela University of Florida, EUA Pós-doutoranda do Departamento de Ciências Básicas da FZEA-USP Nicolle Gilda Teixeira de Queiroz Hazarbassanov (Cap. 10) Especialista em laboratório do Laboratório de Farmacologia Aplicada e Toxicologia da FMVZ-USP Médica Veterinária formada pela FMVZ-USP Doutora em Ciências (Oncologia) pela Fundação Antonio Prudente - Hospital A. C. Camargo Ricardo José Garcia Pereira (Cap. 20) Professor-doutor de Reprodução de Aves do Departamento de Reprodução Animal da FMVZ-USP Simone Cristina Méo Niciura (Cap. 5) Pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, São Carlos Médica Veterinária pela FCAV-UNESP, Jaboticabal Mestre e Doutora em Medicina Veterinária (Reprodução Animal) pela FCAV- UNESP, Jaboticabal Colaboradores Diversos pesquisadores altamente qualificados demonstraram entusiasmo e prontidão em contribuir com este livro. Keith J. Betteridge, BVSc MVSc PhD FRCVS University Professor Emeritus Department of Biomedical Sciences Ontario Veterinary College University of Guelph, Ontario Canada Gry Boe-Hansen, DVM Phd Lecturer School of Veterinary Science University of Queensland, Australia Henrik Callesen, DVM PhD DVSc Research Professor Department of Genetics and Biotechnology Faculty of Agricultural Sciences, Aarhus University, Denmark Ernst-Martin Füchtbauer, PhD Dr.habil Associate Professor Department of Molecular Biology Aarhus University Denmark Vanessa Hall, PhD Post Doc Department of Basic Animal and Veterinary Sciences Faculty of Life Sciences, University of Copenhagen Denmark Poul Hyttel, DVM Phd DVSc Professor Department of Basic Animal and Veterinary Sciences Faculty of Life Sciences, University of Copenhagen Denmark Palle Serup, Phd Director of Research Department of Developmental Biology Hagedorn Research Institute Denmark Fred Sinowatz, Dr.med vet. Dr.med Dr.habil Professor Institute of Veterinary Anatomy, Histology and Embryology LMU Munich, Germany Gábor Vajta, MD PhD DVSc Scientific Director Cairns Fertility Centre Australia Adjunct Professor, University of Copenhagen, Denmark Adjunct Professor, James Cook University, Australia Morten Vejlsted, DVM Phd Assistant Professor Department of Large Animal Sciences Faculty of Life Sciences, University of Copenhagen, Denmark Introdução Ao longo dos últimos 20 anos, os esforços da pesquisa científica moderna rapidamente aumentaram nossos conhecimentos acerca dos processos normais e anormais de desenvolvimento dos animais domésticos. À medida que o nosso profundo conhecimento sobre os mecanismos celulares e moleculares aumenta, também aumenta o reconhecimento do potencial de uso e da aplicação bem-sucedida desse conhecimento para incrementar a produção animal de alimentos e fibras. É durante o desenvolvimento embrionário e fetal, da formação dos gametas até o parto, que os poderosos avanços na manipulação genética molecular e nas tecnologias de reprodução assistida são empregados, levando a grandes impactos na produção animal ao redor do mundo. Como resultado desses avanços, continua a existir uma necessidade não atendida de um texto contemporâneo sobre o desenvolvimento dos animais domésticos para ser utilizado como base para a educação e treinamento dos veterinários, zootecnistas e biólogos do desenvolvimento. Embriologia veterinária preenche essa necessidade fornecendo aos estudantes, aos professores e aos veterinários uma apresentação aprofundada dos processos cronológicos elaborados que culminam com a formação de estruturas embrionárias funcionais, do desenvolvimento dos gametas até o período periparto. À medida que o nosso entendimento dos processos precisos e orquestrados do desenvolvimento animal avançam, e os genomas dos animais são desvendados e analisados, a importância do desenvolvimento animal torna-se central para entender e melhorar o crescimento animal, para a manutenção da saúde e para determinar as causas subjacentes das doenças. Embora uma quantidade razoável de textos de boa qualidade acerca da embriologia humana esteja disponível (como o Langman’s Medical Embryology), o foco em uma única espécie continua a ser uma séria limitação para veterinários e outros profissionais que trabalham com animais, não permitindo uma visão abrangente das amplas e distintas variações que existem entre as espécies domésticas, com referência especial aos processos de blastogênese, implantação e placentação. Certamente, a obra referência de Bradley Patton, Embryology of the pig, publicada em inglês em 1927, proporcionou um maravilhoso relato descritivo e ilustrado deste modelo de desenvolvimento embrionário mamífero frequentemente utilizado. Uma publicação descritiva concisa do desenvolvimento em suínos, The embryonic pig: a chronological account foi posteriormente publicada por A. W. Marrable, em 1971. Em 1984, Drew Noden e Alexander de Lahunta, reconhecendo a falta de um texto adequado de embriologia dos animais domésticos que fosse útil para estudantes de veterinária, publicaram The embryology of domestic animals: developmental mechanisms and malformation. Este livro, uma importante contribuição para a bibliografia veterinária por muitos anos, apresentava um material descritivo tradicional, sistema a sistema, da anatomia do desenvolvimento dos animais domésticos, incluindo aves; os autores incluíram também muitos experimentos relevantes e casos clínicos de referência ao longo do livro. Infelizmente, uma edição revisada jamais foi produzida e a obra não está mais disponível. Mais recentemente, uma obra alemã primorosamente detalhada, Lehrbuch der Embryologie der Haustiere (1991), foi publicada por Imogen Rüsse e Fred Sinowatz (coautor desta obra). Ilustrações e micrografias excelentes caracterizam essa ampla obra de referência em embriologia dos animais domésticos. Impresso apenas em alemão, a disseminação internacional da obra foi limitada. Em 2006, McGaedy e colaboradores publicaram o livro Veterinary Embryology, uma obra que está voltada para os interesses específicos dos estudantes de veterinária. Nesse mesmo sentido, a publicação de Embriologia veterinária é especialmente oportuna uma vez que constitui uma fonte de consulta até então inexistente para aqueles que desejam compreender os processos fundamentais do desenvolvimento animal, sejam eles estudantes, professores, pesquisadores ou médicos veterinários. Fazendo uma reflexão, o projeto deste livro nasceu após uma conversa que Poul e eu tivemos durante um encontro científico no ano 2000. À medida que compartilhávamos e comparávamos nossas experiências ao ministrar anatomia e embriologia animal para os estudantes de veterinária, houve uma percepção mútua de que uma obra moderna acerca do desenvolvimento dos animais doméstico era extremamente necessária para apoiar a bibliografia fundamental dos cursos de medicina veterinária e áreas afins no século XXI. Para atrair um público mais global, solicitou-se a contribuição de coautores reconhecidos internacionalmente como especialistas em seus campos. Seus capítulos foram ininterruptamente concatenados em uma obra de fácil leitura e muito informativa. Merece destaque a inclusão dos capítulos 1, 2, 20 e 21, cada um dos quais aborda um tópico específico, incluindo uma narrativa histórica do estudo da embriologia animal, uma discussão atual dos mecanismos celulares e moleculares que governam os processos relacionados ao desenvolvimento, a embriologia comparada de camundongos e galinhas, e um resumo sucinto do aparecimento, desenvolvimento e aplicação em larga escala das tecnologias de reprodução assistida para aumentar a produção dos animais domésticos, respectivamente. Autor principal, o professor Poul Hyttel é reconhecido internacionalmente como um pesquisador distinto e um educador apaixonado nas áreas de reprodução animal e biologia celular na Royal Veterinary and Agricultural University, e mais recentemente, na Universidade de Copenhagen. Ele coordenou os cursos de anatomia e histologia veterinária e de biologia celular por muitos anos em Copenhagen, e recebeu reconhecimento e prêmios formais, bem como constantes elogios de seus estudantes, pelo seu compromisso dedicado e apaixonado pelo ensino. Nesse sentido, Poul reuniu um distinto grupo de colaboradores internacionais como coautores, incluindo o professor Fred Sinowatz (Munique) e o Dr. Morten Vejlsted (Copenhagen), entre outros. Keith Betteridge, professor eminente de reprodução animal na Universidade de Guelph, realizou completa revisão editorial do texto. A primeira edição apresenta uma visão lógica, contemporânea e abrangente do conhecimento atual sobre o tema. O formato propicia informações textuais sucintas muito bem apoiadas por ilustrações, fotografias e micrografias de qualidade. Acredito que tanto os estudantes, os professores e os veterinários irão adotar esta obra uma vez que ela se mostrará uma fonte de consulta inestimável para o aprendizado e para o conhecimento no campo da embriologia dos animais domésticos. Maio 2009 Worcester, Massachusetts, EUA Eric W. Overström, Ph.D Professor e Chefe do Departamento de Biologia e Biotecnologia Diretor do Centro de Ciências da Vida & Bioengenharia Instituto Politécnico de Worcester Worcester, Massachusetts Prefácio Para mim, um dos mais excitantes e gloriosos momentos ensinando anatomia macroscópica dos animais domésticos aconteceu durante os dias compartilhados com os estudantes e rodeados por mesas de aço repletas de úteros gravídicos e fetos na sala de dissecção. Examinar aqueles espécimes fetais é como abrir um livro de anatomia; um livro no qual cada órgão e cada estrutura estão perfeitamente definidos e seu histórico de desenvolvimento está perfeitamente preservado – verdadeiramente uma situação ideal para uma memorável experiência anatômica tanto para alunos quanto para professores! A embriologia sempre foi um pré-requisito para o real entendimento da anatomia macroscópica e da teratologia resultante do desenvolvimento incorreto. Atualmente, entretanto, é isso e muito mais além; as pesquisas biomédicas contemporâneas requerem conhecimentos de embriologia (ou, preferencialmente, de biologia do desenvolvimento) para desempenhar um papel importante neste progresso – um papel com implicações importantes para a sociedade. As tecnologias de reprodução assistida, por exemplo, são tão utilizadas em animais domésticos como em humanos nos quais a fertilização in vitro tornou-se uma etapa ex soma comum na ligação de uma geração com a seguinte. Nos animais domésticos, técnicas como a clonagem por transferência nuclear de células somáticas tornaram possíveis modificações genéticas que abriram a possibilidade de modificar animais geneticamente de modo que eles produzam proteínas de interesse, sirvam como modelo de estudo de doenças humanas, ou, no futuro, forneçam órgãos para xenotransplantes. Todas essas possibilidades dependem de um conhecimento profundo de embriologia, muitos dos quais são controversos. A disciplina de embriologia é trazida à luz da ética, o que, na minha opinião, obriga os embriologistas contemporâneos a participar de debates de cunho científico com a sociedade. Por algum tempo, tecnologias de reprodução assistida cada vez mais sofisticadas transportaram a pesquisa embriológica “de ponta” para fora do corpo e para dentro do ambiente in vitro. No entanto, a expansão do campo da embriologia de modo a abranger as células-tronco embrionárias nos redirecionou para o embrião per se; o controle da diferenciação das células- -tronco in vitro depende absolutamente do entendimento dos processos moleculares que regulam o desenvolvimento in vivo. O próprio embrião tornou-se a chave para o sucesso – o círculo está fechado! A investigação “de ponta” é atualmente formada por uma conjunção de embriologia convencional, genômica, transcriptômica e epigenômica aplicada à investigação dos mecanismos moleculares da biologia do desenvolvimento. A informação está aumentando exponencialmente, e combinar o conhecimento molecular avançado com a embriologia como um todo é um desafio – um desafio que se tornou claro ao escrever um livro sobre os fundamentos da embriologia dos animais domésticos! Durante anos, o ensino de embriologia veterinária era dificultado pela falta de livros sobre o tema, e livros sobre embriologia médica eram utilizados com baixo aproveitamento. Em 2006, quando McGaedy et al. publicaram seu bem-vindo livro sobre embriologia veterinária, nós já havíamos iniciado o projeto deste livro com o objetivo de transformar nosso próprio material de pesquisas, coletado ao longo de várias décadas, em algo palatável e estimulante para os estudantes. Trabalhar com esse intuito foi uma grande experiência para nós, e esperamos que você, leitor, considere que tenhamos realizado, ao menos em parte, aquilo que pretendíamos. As melhorias futuras, é claro, dependerão muito do retorno e opiniões recebidas, e serei grato em receber críticas construtivas. Enquanto isso, é meu desejo sincero que a leitura deste livro possa levá-lo a pelo menos um “Aha-Erlebnis” no maravilhoso mundo da embriologia! Poul Hyttel Vidiekjaer Valby, Dinamarca 3 de junho de 2009 Minha pintura (2003) do horizonte de Skagen, Dinamarca, onde cresci e fui “imprinted”. Vejo a embriologia do mesmo prisma: uma vista com potenciais infinitos que estão apenas aguardando para serem realizados. Capítulo 1 História da embriologia Poul Hytell, Gábor Vajta Embriologia, o estudo do desenvolvimento da fertilização até o nascimento sempre intrigou filósofos e cientistas. Ao longo dos anos o fascínio universal, entre os embriologistas, pela maneira pela qual a “vida” se desenvolve deu origem a diversas discussões acerca da complexidade deste processo. Em 1899, Ernst Haeckel (1834- 1919) considerou que “a ontogenia é uma recapitulação da filogenia”. Em outras palavras, ontogenia (o desenvolvimento de um organismo do ovo fertilizado até sua forma madura) reflete, em questão de dias ou meses, a origem e evolução das espécies (filogenia), um processo contínuo que pode ser medido em milhões de anos. Esta afirmação não pode ser considerada totalmente verdadeira, pois, basta analisar um embrião ovino de 19 dias de idade para entender a perspectiva de Haeckel; como, por exemplo, os arcos faríngeos similares a guelras e os somitos (Fig. 1-1) são comuns aos embriões de todos os cordados. Embora formado como um médico, Haeckel abandonou a profissão após ler A origem das espécies de Charles Robert Darwin (1809-1882) publicado em 1859 (e disponível à época por quinze xelins!). Sempre desconfiado das explicações teológicas e místicas da vida, Haeckel utilizou a teoria de Darwin como munição para atacar dogmas religiosos arraigados bem como para elaborar seus próprios entendimentos. No entanto, ao projetar a filogenia na ontogenia, Haeckel cometeu um erro: o mecanismo de mudança requer que a formação de novos caracteres e diagnósticos de novas espécies ocorra da sua origem até o esquema básico de desenvolvimento. Por exemplo, devido à maioria dos metazoários passarem por um estágio de desenvolvimento chamado gástrula (um aglomerado de células com desdobramentos que, em seguida, formará o intestino) Haeckel considerou que em um determinado momento um organismo chamado “gastraea” tivesse existido, assemelhando-se com o estágio de gástrula da ontogenia. Nesta hipótese, o ancestral metazoário, pensou ele, deu origem a todos os animais multicelulares. A concepção de um “único segmento” da filogenia, ou seja, todos os seres antecedem uma única linhagem, foi abandonada; a filogenia divide-se em uma infinidade de linhas. Fig. 1-1 Embrião de ovelha no dia 19 do desenvolvimento. A maioria dos antigos filósofos gregos se interessavam pela embriologia. De acordo com Demócrito (455–370 a.C.) o sexo de um indivíduo era determinado pela origem do espermatozoide: os machos proviam do testículo direito (Claro!) e as fêmeas do testículo esquerdo. Esta hipótese foi modificada por Pitágoras, Hipócrates e Galeno. No entanto, para a ciência, a definição do sexo sempre foi privilégio do homem; a maioria dos filósofos colocavam as fêmeas entre os homens e os animais, portanto, os machos eram originados de um forte espermatozoide do testículo direito. O primeiro embriologista conhecido foi o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.). Na obra A geração dos Animais (350 a.C.) ele descreveu as diferentes formas que os animais nasciam: dos ovos (oviparidade, como os pássaros, sapos e maioria dos invertebrados), pelo nascimento (vivíparos, como em animais placentários e alguns peixes) ou por produção de ovos que eclodiam dentro do corpo (ovoviparidade, como ocorre em certos répteis e cobras). Foi também Aristóteles que observou os dois principais padrões de divisão celular do desenvolvimento: clivagem holoblástica na qual o ovo é dividido progressivamente em células menores (como em sapos e mamíferos) e o padrão meroblástico no qual a parte do ovo destinado à formação do embrião se divide, e o restante tem a função de nutrição (como nas aves). Aristóteles descobriu que as membranas fetais e o cordão umbilical em bovinos possuíam funções importantes para a nutrição fetal. Ainda, fez a mais importante descoberta de estudos sequenciais de ovos fertilizados de galinhas. O embrião desenvolve seus sistemas de órgãos gradualmente – eles não estão pré-formados. Este conceito de nova (de novo) formação de estruturas embrionárias, o qual é denominado epigênese, permanece controverso por mais de 2.000 mil anos, antes de ser completamente aceito; Aristóteles estava muito a frente do seu tempo. O enigma da reprodução sexuada também o intrigava. Ele notou que ambos os sexos eram necessários para a concepção e percebeu que o sêmen do macho não contribuía fisicamente para a concepção, mas promovia uma desconhecida interação com o sangue menstrual no útero da fêmea e, desse modo, a materialização de um embrião. Neste caso, Aristóteles estava errado. Ironicamente, ao contrário de seu ponto de vista não aceito sobre a epigênese, seu erro acerca da concepção prevaleceu por 2.000 anos, e levou quase cem anos para ser corrigido! Durante esses 2.000 anos, a ciência da embriologia desenvolveu-se muito lentamente paralela à anatomia descritiva. Uma das primeiras descrições anatômicas de útero prenhe de porcas foi feita por Kopho (ano de nascimento e morte desconhecidos) no início do século XIII em seu trabalho Anatomio Porci. Kopho trabalhou em uma famosa escola de medicina de Salerno usando porcos como modelos, pois cadáveres humanos não poderiam ser dissecados por questões religiosas. No início do renascimento, os famosos e incomparáveis estudos artísticos e anatômicos de Leonardo da Vinci (1452–1519) incluíram investigações de úteros prenhes de uma vaca. Seus desenhos de um útero bicórneo prenhe e de fetos e membranas fetais liberados do útero estão reproduzidos na Figura 1-2. Em um de seus desenhos, Leonardo evidencia um útero humano aberto e “revela” não uma placenta humana, mas uma placenta de ruminante multivilosa e vilosa (Cap. 9)! Certamente, para Leonardo, não foi possível estudar a gestação humana. As estruturas são descritas baseadas nas anotações de Leonardo, que trabalhou principalmente em Florença. Fig. 1-2 Desenhos de Leonardo da Vinci. A: Em cima: Um corno uterino gestante de vaca. Embaixo: Feto e membranas fetais mostrando os cotilédones da placenta (Cap. 9). B: Útero simples aberto de ser humano mostrando o feto e o cordão umbilical. Observe que a placenta é de um ruminante, do tipo multivilosa com vários placentônios desenhados no corte da parede do útero e, em cima do lado direito, um cotilédone simples desenhado em alta resolução mostrando as superfícies dos vilos. Desde o século XIII ao XV, o Renascimento foi um grande momento para estudos anatômicos e, felizmente, coincidiu com a invenção da impressão de livros por Johann Gutenberg. Assim, a principal publicação importante em embriologia comparada foi De Formato Foetu em 1600 pelo o anatomista italiano Hieronymus Fabricius de Acquapendente (1533-1619). Fabricius descreveu e ilustrou a anatomia macroscópica de embriões e suas membranas nesse livro, mas não foi o primeiro a fazer isso; outro anatomista italiano, Bartolomeu Eustáquio (1514- 1574), tinha previamente publicado ilustrações de embriões de cães e ovelhas em 1552. Portanto, podemos reconhecer o nome de Fabricius, no termo bursa Fabricii (porção imunologicamente competente do intestino de aves), e de Eustáquio na trompa de Eustáquio. Os trabalhos de Eustáquio e Fabricius e outros autores forneceram uma ideia de como os órgãos desenvolvem a sua forma imatura para a maturidade, mas deixa sem resposta o enigma básico de como e onde os embriões mamíferos se originam. No entanto, o desenvolvimento do microscópio por Zacarias Janssen, fabricante de óculos holandês, em 1590, deu início a uma nova era da ciência embriológica para lidar com essa questão de 2.000 anos. O domínio holandês no campo óptico não foi apenas uma coincidência; as ambições navais de seu império necessitavam de excelentes telescópios e sistemas de lentes. O microscópio de Janssen em sua forma original, na verdade, não era apropriado para pesquisas com células e tecidos. O microscópio media 2 metros de comprimento, tinha uma resolução de apenas 10 a 20 vezes, e seu principal uso era atrair atenções em feiras de exposição! Em 1672, o médico italiano Doutor Marcelo Malpighi (1628-1694) publicou os primeiros relatos microscópicos do desenvolvimento de galinhas, identificando o sulco neural, os somitos e a circulação de sangue nas artérias e veias do vitelo. Malpighi observou ovos de galinhas não incubados consideravelmente estruturados, levando-o a acreditar que uma versão pré-formada residia no ovo. Mais tarde (1722), o oftalmologista francês Antoine Maître-Jan (1650-1730) demonstrou que embora o ovo examinado por Malpighi fosse tecnicamente “não incubado”, este foi deixado exposto ao sol de agosto da cidade de Bologna e, portanto, foi previamente “aquecido”. Consequentemente, as noções de Malpighi sobre o embrião pré-formado deram início a grandes debates em embriologia ao longo dos séculos XVII e XVIII. A questão era: os órgãos de embriões eram formados de novo (epigênese), ou eles já estavam presentes em formato de miniatura no ovo (ou no espermatozoide quando estas células foram descobertas), um conceito referido como pré-formação. Iremos retornar a este debate em outro momento. A nova técnica de microscopia também propôs uma vigorosa pesquisa para os gametas de mamíferos. O ovo de galinha e suas transformações iniciais em pintos eram óbvias, como tinha descrito Aristóteles, mas o que intermediava a formação de embriões em mamíferos? Onde era encontrado o ovo nos mamíferos? Um dos maiores precursores e influentes nomes da fascinante história da descoberta do ovo de mamíferos foi William Harvey (1578-1657), médico particular dos reis ingleses James I e Charles I, e famoso por suas descrições da circulação sanguínea. Em 1651, Harvey publicou De Generatione Animalium (Discussões abordando a Geração de Animais) exibindo, na capa, Zeus libertando todas as criaturas de um ovo que trazia a inscrição Ex ovo omnia (Todas as coisas vem do ovo). Entretanto, deve-se, de fato, considerar que as observações de Harvey em alguns pontos impediram o progresso dos conhecimentos de reprodução e embriologia até o século XVII. Depois de ter estudado com Fabricius, Harvey foi imbuído com a visão de Aristóteles de que o sêmen provinha de forças que interagiam com o sangue menstrual para materializar-se como um embrião. Harvey também tentou entender estes processos analisando os materiais no início da concepção em fêmeas de cervos sacrificadas durante a estação de caça do rei Charles I em sua floresta e parques Reais por um período de mais de 12 anos. Nos veados e gamos estudados, verificou-se que a atividade sexual dos machos começava na metade de setembro, então, Harvey dissecou os úteros ao longo dos meses de setembro a dezembro. Acreditando, erroneamente, que a cópula coincidia com o início do cio, Harvey ficou confuso e nada encontrou ao que ele reconhecia como um embrião até metade de novembro, uns dois meses depois. Isso o induziu ao erro, exceto a conclusão absolutamente lógica que “nada após o coito foi encontrado no útero por muitos dias”. Quando ele encontrou o concepto, no qual, para Harvey, era o ovo: “A definição de Aristóteles para um ovo se aplica a ele, isto é, o ovo é aquilo que está fora da parte a qual animal é gerado e o restante é o alimento para que ele seja gerado.” Três fatores de interesse veterinário conduziram este brilhante homem para caminhos desnorteantes. Primeiro, ele não compreendeu que as fêmeas não entravam no cio até o início de outubro e então suas estimativas sobre os dados reprodutivos estavam erradas. Segundo, ele descartou os ovários (“testículo da fêmea”) como parte da concepção, pois eles não cresciam como os testículos dos machos durante a cópula. Terceiro, esperando encontrar um ovo com forma de concepto, ele confundiu a “substância purulenta… friável… e amarelada”, observada logo após o acasalamento, nitidamente descrita como o filamento de blastocisto característico dos ruminantes. Se Harvey tivesse utilizado o microscópio para realizar suas pesquisas em diferentes conceptos (como, coelho ou cavalo) a descoberta do verdadeiro embrião teria avançado consideravelmente! Certamente, é fácil criticar retrospectivamente os fatos, porém, é importante ressaltar que Harvey fez importantes contribuições para a Embriologia. Suas descrições do desenvolvimento inicial foram impecáveis: ele foi o primeiro a observar o blastoderma de embriões de galinhas (a pequena região do ovo continha gema livre de citoplasma que origina o próprio embrião), e a indicar que as ilhas de sangue formam-se antes do coração; ele descreveu o desenvolvimento gradual do embrião, subscrevendo a escola da epigênese como fez Aristóteles. As observações de Harvey e suas pesquisas sobre o ovo dos mamíferos continuaram com Regnier de Graaf (1641-1673) o qual promoveu estudos detalhados dos órgãos reprodutivos femininos, especialmente o ovário. De Graaf, como seu amigo Leeuwenhoek, trabalhou em Delft. Comparando os ovários de mamíferos com os de galinhas, De Graaf considerou o folículo ovariano antral de mamíferos como sendo os ovos. A suposição foi confirmada por degustação! Sua contribuição para a ciência foi reconhecida posteriormente pelo médico alemão doutor Theodor Ludwing Wilhelm Bischoff (1807–1882) que introduziu a nomenclatura “folículo de Graaf”. De Graaf também notou algumas conexões entre a maturação folicular e o desenvolvimento de ovócitos, mas sem um microscópio apropriado, não foi possível afirmar tais fatos e suas observações foram por um bom tempo esquecidas. Provavelmente, se ele tivesse vivido um pouco mais (morreu tragicamente cedo, aos 32 anos de idade), a descoberta do ovo dos mamíferos poderia ter evitado um atraso de cerca de 150 anos! Na verdade, o primeiro cientista a ver o ovo do mamífero (o qual todos acreditavam existir, mas ninguém tinha visto) foi o médico estoniano doutor Karl Ernst von Baer (1792-1876). Ao abrir o “Ovo de Graaf”, como o folículo era conhecido naquele tempo, encontrou um pequeno ponto amarelo e o examinou sob um microscópio (Baer, 1827). A primeira vista, Baer ficou supresso e mal podia acreditar que tinha encontrado o que muitos cientistas famosos como Harvey, De Graaf, Purkinje e outros não conseguiram encontrar. Ele ficou tão entusiasmado que retornou ao microscópico uma segunda vez. O ovo dos mamíferos tinha sido identificado. E quanto ao espermatozoide? Anton van Leeuwenhoek (1632-1723), um comerciante holandês e cientista de Delft, foi o primeiro a relatar o espermatozoide em movimento. Ele construiu um microscópio de lente simples que tinha capacidade de aumentar 300 vezes. Tecnicamente, este microscópio foi uma conquista espantosa – era menor que um selo de correio e semelhante a um micromanipulador primitivo. Era usado perto dos olhos como uma lupa. Com esta inovação, Leeuwenhoek desenhou espermatozoides de diferentes espécies. Inicialmente, o interesse de Leeuwenhoek não era estudar os espermatozoides, mas sim escrever sobre sêmen e coito. Ao analisar, pela primeira vez, sob o microscópio, o sêmen, observou que estava tomado de glóbulos. Entretanto, não era de seu agrado discutir seus achados e rapidamente retomou a outros assuntos. Três ou quatro anos depois, em 1677, um estudante da escola de medicina em Leiden lhe trouxe uma amostra de sêmen na qual tinha encontrado pequenos animais com caudas, os quais Leeuwenhoek podia observar bem. Consequentemente, Leeuwenhoek retomou suas observações e, em seu próprio sêmen (adquirido não por profanação, mas como uma consequência natural do coito conjugal, salientou), observou uma grande quantidade, porém menor que um milhão, de “animalcules” do tamanho de um grão grosso de areia e com uma cauda fina, ondulante e transparente. Um mês depois, Leeuwenhoek descreveu estas observações em uma carta ao Lord Brouncker, presidente da Sociedade Real em Londres. Ainda preocupado sobre o assunto, ele pediu a Brouncker que não a publicasse, caso a considerasse uma ofensa. As observações de Leeuwenhoek promoveram fervorosos debates e controvérsias sobre o que significavam aqueles vivos objetos. Primeiro, pensava-se que as criaturas semelhantes a girinos eram parasitas. Leewennhoek pode ter sido tendencioso, uma vez que já estava engajado em estudos paralelos de parasitas, ele foi o primeiro a ver a giárdia, um parasita protozoário que infecta o trato gastrointestinal. Giárdias são flagelados e podem, em baixa resolução microscópica, ter a aparência de espermatozoides. Outros cientistas consideravam as ações giratórias dos objetos como uma forma do sêmen não sofrer solidificação. Na escola da pré-formação, entretanto, as observações de Leewennhoek incentivaram a ideia que a cabeça dos espermatozoides tivesse miniaturas de bebês, como potros, bezerros etc. Estes cientistas tornaram-se conhecidos como espermitas. Os dois gametas de mamíferos tinham sido identificados. No entanto, em vez de criar uma plataforma comum de novas ideias, este novo conhecimento provocou um delicado conflito, se o embrião originava do ovo ou do espermatozoide! Em paralelo com as pesquisas dos gametas dos mamíferos, as disputas entre a escola da epigênese e da pré-formação tornaram-se cada vez mais intensas. A última tinha o respaldo de 18 séculos de ciência, religião e filosofia por várias razões. Primeiro, se o corpo é pré-formado e apenas necessita desenvolver-se, nenhum mistério seria necessário para iniciar o desenvolvimento embrionário. Este foi um conveniente ponto de vista religioso e de respeito à criação da humanidade por Deus. Segundo, se o corpo era pré-definido nas células germinativas, as gerações seguintes já seriam pré-definidas nas células germinativas, semelhante a bonecas russas Matrioshcas. Este conceito também era conveniente, e assegurava que a forma das espécies seria permanentemente constante. O fato de que em certo ponto as bonecas Matrioshcas não poderiam ficar menores seria uma objeção óbvia do conceito hoje em dia. Entretanto, não havia uma escala de tamanho biológico no momento daquelas argumentações, pois, a teoria celular de Theodor Schwann (1810-1882) apenas teria sido proposta em 1847. Assim, os preformistas poderiam alegar, como definido em 1764 pelo naturalista, filósofo e escritor suíço Charles Bonnet (1720– 1793), que “A natureza trabalha o menor que deseja”. Basicamente, o preformismo foi uma teoria conservacionista, e foi incapaz de responder algumas questões suscitadas pelo limitado conhecimento da variação genética daquela época. Era sabido, por exemplo, que o cruzamento entre brancos e negros resultaria em bebês com cor de pele intermediária, um resultado incompatível com a pré-formação dos gametas. No final do século XVIII, Caspar Friedrich Wolff (1734-1794), um embriologista alemão que trabalhou em São Petersburgo, realizou observações detalhadas em embriões de galinhas que resultou no primeiro argumento forte para a epigênese. Ele demonstrou como o intestino originava-se de dobras de um tecido simples indiferenciado e interpretou seus achados como evidência da epigênese quando, em 1767, escreveu que “A formação do intestino foi devidamente ponderada, desta forma, não tenho qualquer dúvida da verdade da epigênese”. O termo “Ducto de Wolff” para os ductos mesonéfricos vem do nome de Caspar Friedrich Wolff. Apesar das contribuições de Wolff, a teoria do preformismo persistiu até 1820 quando novas técnicas de colorações de tecidos e microscopia permitiram um avanço na ciência da Embriologia. Três amigos, Christian Pander (1794-1865), Karl Ernst von Baer e Martin Heinrich Rathke (1793-1860), vindos da região Báltica, estudaram na Alemanha e formularam conceitos de grande importância para a embriologia contemporânea. Pander expandiu as observações de Wolff e também, apesar de estudar embriões de galinhas por apenas 15 meses antes de se tornar paleontologista, descobriu as camadas germinativas (Pander, 1817). A denominação geral “camada germinativa” foi derivada do latim germen (“brotar” ou “germinar”) onde as três camadas individuais são de origem grega: ectoderma do ectos (“fora”) e derma (‘pele”), mesoderma do mesos (“meio”) e endoderma do endon (“dentro”). Pander também notou que os órgãos não eram formados de uma única camada germinativa. Uma notável característica do livro de Pander de 1817 é a qualidade das ilustrações do anatomista e artista alemão Eduard Joseph d’Alton (1772–1840); ele retratou magnificamente detalhes que ainda não tinham sido definidos (Fig. 1-3). Este trabalho clássico realça as observações precisas e a habilidades em Embriologia. Fig. 1-3 Desenho de um embrião de galinha de dois dias de Eduard Joseph d’Alton mostrado em Pander (1817). Rathke estudou comparativamente a embriologia de sapos, salamandras, peixes, aves e mamíferos e demonstrou similaridades no desenvolvimento entre todos estes grupos de vertebrados. Ele descreveu pela primeira vez os arcos faríngeos comuns no desenvolvimento destes animais. A “bolsa de Rathke” – a contribuição ectodermal da glândula pituitária – o recorda. Além de identificar o óvulo de mamífero, von Baer ampliou as observações de Pander em embriões de galinhas e descreveu a notocorda pela primeira vez. Entretanto, von Baer novamente apreciou os princípios comuns que norteiam o desenvolvimento embrionário inicial independente da espécie. Em 1828, ele escreveu: “Tenho dois embriões pequenos conservados em álcool que me esqueci de marcar. No momento, sou incapaz de determinar o gênero ao qual eles pertencem. Eles podem ser lagartos, pequenas aves ou até mamíferos.” Técnicas de colorações e microscopias continuaram melhorando durante o século XIX, o que permitiu observações mais detalhadas nos estágios de clivagem pelo biólogo alemão Theodor Ludwig Wilhelm von Bischoff (1807–1882) em coelhos, e pelo anatomista e fisiologista suíço Rudolph Albert von Kölliker (1817–1905) no homem e vários animais domésticos. Kölliker também publicou o primeiro livro-texto de embriologia do homem e animais superiores em 1861. Graças as contribuições de Pander, von Baer e Rathke, a escola preformista radical cessou suas atividades em 1820. Entretanto, o conceito desta escola persistiu por mais 80 anos devido a um grupo de cientistas o qual consideraram as células do estágio de clivagem de embriões como representantes das metades direita e esquerda do corpo quando formado. Isso significava que a construção do corpo tem origem na segregação do ovo. Em 1893, August Weismann (1834-1914) propôs a teoria celular germinativa como uma extensão dessa ideia. Baseado no escasso conhecimento de fertilização disponível naquela época, ele teve uma grande visão e propôs que o ovo e o espermatozoide contribuíam igualitariamente em termos cromossômicos, tanto qualitativa como quantitativamente, ao novo organismo. Ele afirmou que os cromossomos transportavam os potenciais herdados deste novo organismo, e foi considerado naquele momento que os cromossomos ainda não tinham sido identificados como transportadores de material genético. Entretanto, Weismann acreditava que nem todas as informações cromossômicas eram passadas para cada célula do embrião, mas que diferentes informações iam para diferentes células, explicando sua diferenciação. Weismann claramente entendeu os princípios de como as características eram herdadas através da fertilização, mas ele estava errado sobre os mecanismos da diferenciação. A teoria de diferenciação de Weismann foi posta à prova praticamente pelo embriologista alemão Wilhelm Roux (1850-1924), que já havia publicado os resultados de seu experimento em 1888, no qual as células individuais de embriões de sapos com 2 a 4 células foram destruídas com uma agulha quente. Como previsto pela teoria de Weismann, Roux observou a formação de embriões nos quais somente um lado desenvolveu normalmente. Estes resultados inspiraram outro embriologista alemão Hans Adolf Eduard Driesch (1867-1941) a realizar experimentos usando células separadas em vez da técnica de destruição de Roux. Para sua enorme surpresa, Driesch obteve resultados que foram bastante diferentes daqueles de Roux. Usando células separadas de diferentes estágios de clivagem de ouriço-do-mar ele demonstrou que cada uma das células era capaz de desenvolver pequenos embriões e larvas (Driesch, 1892). Ele repetiu o mesmo experimento com embriões de 4 células e obteve resultados similares; as larvas eram menores mas em compensação pareciam completamente normais. A evidência final contra a teoria de Roux-Weismann foi realizada pelos elegantes experimentos publicados por outro embriologista alemão, Hans Spemann (1869- 1941). Originalmente, como Driesch, sua teoria experimental foi estabelecida em salamandras. Portanto, separando as células nos estágios de clivagem por meio de uma ligadura (um fio de cabelo retirado de seu filho recém-nascido), ele demonstrou que as células separadas eram capazes de formar pequenos embriões – e eram totipotentes. Em 1928, Spemann conduziu o primeiro experimento com transferência nuclear: transferiu o núcleo de células de embrião de salamandra para uma célula sem núcleo. Usando um fio de cabelo, como tinha feito em 1902 ao separar embriões de salamandra, Spemann dividiu a célula ovo fertilizada, forçando o núcleo para um lado e o citoplasma para o outro. Ele esperou o núcleo dividir e crescer até a um embrião de 16 células. Em seguida, desamarrou o fio de cabelo e possibilitou que o núcleo do embrião se dividisse no citoplasma. Spemann apertou completamente o laço, separando fisicamente a esfera citoplasmática e seus novos núcleos permaneceram longe do resto do embrião de 16 células. Desta célula simples cresceu um embrião de salamandra normal, provando que o núcleo de células embrionárias seria capaz de conduzir o desenvolvimento completo da salamandra. Spemann criou o primeiro clone por transferência nuclear. Ainda, publicou seus resultados em 1938, no seu livro Embryonic Development and Induction, o qual ele chamou de “fantástico experimento” de clonagem das células diferenciadas ou adultas e teoricamente preparou o caminho para os conhecimentos de hoje. Infelizmente, Spemann não via nenhuma saída prática para realizar tais experimentos na época. O pesquisador foi vencedor do prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1935 devido a sua descoberta, agora conhecida como indução embrionária – influência exercida por várias partes do embrião conduzindo ao desenvolvimento de grupos de células em determinados tecidos e órgãos. Os trabalhos de Driesch e Spemann finalmente puseram fim ao conceito de que informações hereditárias eram divididas entre as células durante o desenvolvimento embrionário. A localização do material genético não tinha sido determinada entre o final do século XIX e inicio do século XX quando um grupo de embriologistas americanos descobriu que a hereditariedade residia no citoplasma ou no núcleo do ovo fertilizado. Edmund Beecher Wilson (1856–1939) acreditava que o material genético estava no núcleo; enquanto, Thomas Hunt Morgan (1866–1945) acreditava que o citoplasma era o responsável por abrigá-lo. Wilson e o biólogo alemão Theodor Heinrich Boveri (1862-1915) trabalharam na Estação Zoológica de Nápoles. Boveri contribuiu para a hipótese cromossômica da hereditariedade dos ovos fecundados do ouriço-do-mar com dois espermatozoides. Na primeira clivagem, os ovos produziram quatros polos mitóticos e dividiram-se em quatro células em vez de duas. Posteriormente, Boveri separou as células e demonstrou que elas desenvolviam anormalidades, de uma maneira particular, devido ao fato de carregarem diferentes cromossomos. Assim, Boveri afirmou que cada cromossomo era diferente e controlava diferentes processos vitais. Wilson e Nettie Maria Stevens (1861–1912), uma das primeiras mulheres americanas a ser reconhecida por suas contribuições à ciência, continuaram os trabalhos de Boveri. Eles demonstraram a relação entre o cromossomo e o sexo: o desenvolvimento de embriões XO ou XY em machos e embriões XX em fêmeas (Wilson, 1905; Stevens, 1905a, b). Pela primeira vez, uma característica fenotípica particular tinha sido correlacionada como uma propriedade dos núcleos. Por fim, Morgan encontrou mutações correlacionadas com o sexo e com o cromossomo X. Isto o convenceu que suas observações sobre a hereditariedade no citoplasma estavam erradas e que os genes estavam ligados uns aos outros no cromossomo. Sendo assim, um grupo de embriologistas realizou um grande marco ao descobrir que os cromossomos alojados nos núcleos de células eram os responsáveis pelo desenvolvimento e características hereditárias. No início do século XX, a Embriologia e a Genética não eram consideradas ciências separadas. Elas divergiram no final dos anos 1920 quando Morgan redefiniu Genética como a ciência que estuda a transmissão de características hereditárias, enquanto que a Embriologia estuda a ciência da expressão destas características. Esta divisão não ocorreu sem hostilidade; geneticistas consideravam os embriologistas antiquados, enquanto embriologistas olhavam os geneticistas como desinformados sobre como o organismo na verdade se desenvolve! Felizmente, hoje em dia, observa- se uma reaproximação de geneticistas e embriologistas em várias situações profícuas de simbiose. Dois cientistas defenderam o sinergismo entre embriologistas e geneticistas na atualidade: Salome Gluecksohn-Schoenheimer (agora Gluecksohn- Waelsch; 1907-2007) e Conrad Hal Waddington (1905-1975). Gluecksohn- Schoenheimer recebeu seu doutorado no laboratório de Spemann, no entanto, fugiu da Alemanha de Hitler para os Estados Unidos. Sua pesquisa corajosa demonstrou que as mutações no gene Brachury de camundongos causava desenvolvimento anormal na porção posterior do embrião, ela localizou o defeito na notocorda (Gluecksohn-Schoenheimer, 1938, 1940), promovendo exemplos da proximidade entre a Embriologia e a Genética. O interessante é que passaram-se 50 anos para seus resultados serem confirmados pelo método de hibridização do DNA após a clonagem do gene Brachyury (Wilkinson et al., 1990). Wadington, por sua vez, abordou a conexão casual entre a Embriologia e a Genética pelo isolamento de genes que causavam malformação em moscas da fruta. Além do mais, suas interpretações e conceitos visuais sobre o “cenário epigenético” afetaram a diferenciação celular no embrião ainda presentes nas conferências contemporâneas de células-tronco embrionárias e suas diferenciações (Waddington, 1957, Fig. 1-4). Fig. 1-4 Em cima: Descrições do cenário epigenético feita por C. H. Waddington com uma esfera representando a célula e os vales representando as diferentes vias de diferenciação. Embaixo: Descrição pouco comum do cenário epigenético ilustrando como a tensão de diferentes genes controlam o destino da bola. De Waddington (1957). A questão da totipotência, inicialmente abordada por Driesch e Spemann, foi posteriormente revista em níveis mais detalhados. Embora, Driesch e Spemann tivessem demonstrado a totipotência das células nos estágios embrionários iniciais de clivagem, experimentos realizados nos anos de 1950 por Robert Briggs (1911-1983) e Thomas King (1921-2000) testaram a totipotencialidade do núcleo, ou melhor, do genoma. Seu modelo de transferência nuclear foi exatamente a realização exata do “fantástico experimento” proposto por Hans Spemann, embora nunca tivessem ouvido falar sobre as suas ideias. Para atingir seus objetivos eles tinham desenvolvido métodos pelos quais removeriam o genoma de um ovo sem destruí-lo (enucleação), retiravam um núcleo doador de uma outra célula, e transferiam este núcleo para o ovo enucleado. Como suas abordagens eram extremamente não ortodoxas, os primeiros projetos submetidos ao Instituto Nacional de Câncer foram recusados com uma ideia “tresloucada”. Entretanto, eles por fim obtiveram algum apoio, e após meses de experimentos eles produziram o primeiro blastocisto por transferência nuclear. O sucesso inicial foi temporário. No entusiasmo, eles se reuniram aos funcionários do instituto para lhes mostrar os blastocistos. Após várias observações no microscópio, seguidas de aplausos e parabéns, eles reavaliaram as placas e encontraram somente embriões destruídos. Felizmente, embora os primeiros embriões estivessem mortos, o sistema de transferência nuclear funcionou; em 1952, Briggs e King demonstraram com sucesso que o núcleo doador no estágio de blástula de sapos poderia direcionar o desenvolvimento de girinos completos quando transferidos em ovos enucleados. Esta pesquisa prepara o caminho para transferência nuclear de células somáticas que hoje são usadas para a clonagem de mamíferos. Briggs e King também descobriram que quando as células de estágios mais avançados (girinos com caudas, por exemplo) eram usadas como núcleos doadores, o desenvolvimento normal não ocorria a menos que o núcleo viesse de células germinativas. Assim, as células somáticas pareciam perder sua habilidade para conduzir o desenvolvimento com o seu grau de diferenciação aumentado. Este ponto mais tarde foi seguido por John B. Gurdon que trabalhou com outras espécies de sapos, Xenopus, em vez de Rana de Briggs e King. Gurdon et al. (1975) observaram que quando núcleos de células cultivadas de pele de sapos adultos foram transferidos para ovos enucleados, o desenvolvimento de clones nunca progredia além da formação do tubo neural. Entretanto, quando eram realizadas transferências nucleares seriadas dos embriões clonados para outros ovos enucleados, era possível gerar numerosos girinos; a totipotência genômica das células somáticas estava então comprovada. Convém, contudo, salientar que o experimento com sapos nunca conseguiu fechar o ciclo do desenvolvimento pela produção de um organismo adulto por transferência de células somáticas de outros organismos adultos. O fechamento do ciclo não aconteceu até a transposição da técnica de transferência nuclear aos mamíferos, pelo veterinário dinamarquês Steen Malte Willadsen, em Cambridge, durante os anos 1980. Willadsen (1986) conseguiu transferir não apenas o núcleo, mas a célula inteira de um embrião ovino no estágio de mórula para ovos enucleados por fusão celular elétrica. Seu trabalho resultou no primeiro mamífero clonado nascido após clonagem por transferência nuclear. Em 1996, esta tecnologia foi um passo importante para Keith H. Campbell trabalhar no Instituto Roslin na Escócia no grupo de pesquisa liderado por Ian Wilmut. Campbell et al. (1996) conseguiram produzir ovelhas após a transferência de núcleos de células cultivadas, e coletadas da massa celular interna, para ovos enucleados. O segredo para esse sucesso foi a meticulosidade de Campbell na experimentação do ciclo celular que demonstrou a necessidade de certo grau de sincronismo do ciclo celular entre o núcleo doador e o citoplasma receptor. A capacidade das células cultivadas dos clones mamíferos representou um grande avanço em ciências biomédicas, facilidade na manipulação de células antes da transferência nuclear e abriu um caminho para a produção de animais transgênicos (animais nos quais um gene diferente, o transgênico, foi adicionado). Assim, Angelika Schnieke, que trabalhou no mesmo grupo de pesquisadores, foi capaz de anunciar o nascimento da ovelha transgênica Polly, uma ovelha clonada de cultivos de fibroblasto fetais de ovelhas na qual o gene humano para o fator de coagulação IX foi inserido como um promotor que possibilitou a expressão da transgênese na glândula mamária (Schnieke et al., 1997). Com este evento surgiu o conceito de “biofármacos” (produção de proteínas valiosas na transgênese animal). O relato de Polly foi precedido por outro do grupo de Rolin; uma publicação que surpreendeu não somente a comunidade científica, mas todas as leis da sociedade mundial: a notícia do nascimento da ovelha clonada Dolly (Wilmut et al. 1997). Dolly foi criada por Wilmut e seu grupo por transferência de células cultivadas da glândula mamária de uma ovelha de 6 anos de idade em óvulos enucleados. Novamente, o sucesso dependeu do controle do ciclo celular; as células doadoras nucleares da glândula mamária foram mantidas em cultivo, o que suprimiu sua atividade mitótica, provocando um estado de senescência celular, bloqueando até o estágio G1 do ciclo celular ou G0. Pesquisas, desde então, resultaram na clonagem de muitos animais (incluindo bovinos, camundongos, caprinos, suínos, gatos, coelhos, equinos, cães e ratos) e, também, foi demonstrado que “silenciar” o núcleo das células doadoras não é necessário. Em associação da genética, a embriologia é uma ciência em desenvolvimento exponencial. A forma como continuará a se desenvolver somente o tempo poderá dizer. A embriologia fez seu caminho no currículo de Medicina Veterinária na metade do século XIX quando se tornou incorporada ao ensino da Anatomia. Em 1924, o primeiro livro-texto de Embriologia publicado por Zeitzschmann e outros (embora poucos) surgiu. A obra Embryology of the Pig de Bradley M. Patten merece especial atenção, pois é uma fonte admirável de inspiração para os autores deste livro. Do mesmo modo, “a bíblia” da Embriologia Comparada Biologia do Desenvolvimento de Scott F. Gilbert é admirável por sua representatividade e pelo seu estilo imitável. Como a Embriologia foi originalmente baseada na tradição da Anatomia Descritiva e nos currículos de Medicina e Veterinária, a nomenclatura é baseada no latim e no grego. Para facilitar a leitura, “anglicamos” alguns termos mais usados na forma latina ou grega. Leituras adicionais Aristotle (ca. 350 BC): The generation of animals. A.L. Peck (trans.). eBooks@Adelaide, 2004 (see http://etext.library.adelaide.edu.au/a/aristotle/generation/). Baer K.E.V. De ovi mammalium et hominis genesi. Leipzig: Voss; 1827. Bonnet C. Contemplation de la Nature. Amsterdam: Marc-Michel Ray; 1764. Briggs R., King T.J. Transplantation of living nuclei from blastula cells into enucleated frogs’ eggs. Proc. Natl. Acad. Sci. USA. 1952;38:455–464. Campbell K.H., McWhir J., Ritchie W.A., Wilmut I. Sheep cloned by nuclear transfer from a cultured cell line. Nature. 1996;380:64–66. Darwin C. On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life. London: John Murray; 1859. Fabricius, H. of Aquapendente (1600): De formato foetu. Pasquala, Padova. Gilbert S.F. Developmental biology, 7th edn. Sinauer Associates: Sunderland, Massachusetts, 2003. Gluecksohn-Schoenheimer S. The development of two tailless mutants in the house mouse. Genetics. 1938;23:573–584. Gluecksohn-Schoenheimer S. 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Capítulo 2 Mecanismos celulares e moleculares do desenvolvimento embrionário Morten Vejilsted Desenvolvimento embrionário inicial e períodos gestacionais O desenvolvimento embrionário abrange todos os processos nos quais uma única célula – o óvulo fertilizado ou zigoto – origina primeiro um embrião e, posteriormente, um feto que ao nascimento é capaz de adaptar-se à vida pós-natal. Esses processos ocorrem de maneira contínua, mas, por conveniência, podem ser arbitrariamente divididos em períodos sucessivos. Dessa forma, o desenvolvimento intrauterino é comumente dividido em período embrionário, quando a maioria dos sistemas é formada, e período fetal, que consiste majoritariamente no crescimento e maturação dos órgãos (Cap. 18). No entanto, o desenvolvimento do organismo não para ao nascimento; os órgãos continuam a crescer e maturar ao menos até a puberdade e muitos tecidos necessitam de reposição contínua ao longo da vida. Portanto, o envelhecimento e a morte podem também ser incluídos no processo natural de desenvolvimento do organismo. O período embrionário é iniciado pela fertilização quando o ovócito, recoberto pela zona pelúcida, é fecundado pelo espermatozoide resultando no desenvolvimento do pronúcleo feminino (derivado do ovócito) e do pronúcleo masculino (derivado do espermatozoide) e na formação do embrião de uma célula chamado zigoto (Fig. 2- 1; Cap. 5). Na primeira mitose após a fertilização o zigoto transforma-se em um embrião de duas células. Essas duas, e as subsequentes células embrionárias iniciais, são denominadas blastômeros. Durante as divisões mitóticas iniciais dos blastômeros, o aumento no número de células não é acompanhado de aumento de volume celular, de tal modo que o volume total do embrião permanece constante à medida que o tamanho dos blastômeros vai sendo reduzido à metade após cada divisão. Este modo de divisão celular, que ocorre exclusivamente neste período, é conhecido como clivagem (Cap. 6). Em seguida, simultaneamente à fase em que as células atingem um determinado tamanho mínimo decorrente das clivagens sucessivas, inicia-se uma fase de crescimento celular durante os ciclos celulares, com as células-filhas crescendo até atingirem o tamanho aproximado das células-mães. A manutenção do tamanho celular relativamente constante, juntamente com a intensa proliferação celular e deposição de material extracelular, leva ao aumento do tamanho do embrião como um todo. Tanto a proliferação celular como o crescimento celular são fundamentos de biologia celular geral que não serão abordados em profundidade neste livro. Fig. 2-1 Desenvolvimento inicial do embrião mamífero. A: Zigoto; B: embrião de 2 células; C: embrião de 4 células; D: mórula inicial; E: mórula compacta; F: Blastocisto; G: Blastocisto expandido; H: Blastocisto eclodindo da zona pelúcida; I: Blastocisto ovoide com disco embrionário; J: Blastocisto elongado; K: Disco embrionário no processo de gastrulação. 1: Massa celular interna; 2: Trofectoderma; 3: Epiblasto; 4: Hipoblasto; 5: Disco embrionário; 6: Pregas amnióticas; 7: Ectoderma; 8: Mesoderma; 9: Endoderma. Por fim os blastômeros formam um pequeno agregado celular, similar a uma amora arredondada, chamado de mórula (Fig. 2-1; Cap. 6). Inicialmente, a mórula é caracterizada por blastômeros protuberantes individualizados; posteriormente, estas células aderem-se firmemente umas às outras e formam a mórula compacta, com superfície mais uniforme. Este processo é conhecido como compactação. As células da camada externa originam o trofectoderma. Subsequentemente, durante o processo de blastulação, forma-se no interior do trofectoderma uma cavidade preenchida por líquido, denominada blastocele, bem como um conjunto de células internas, denominado massa celular interna (MCI), reunidas em um dos polos do embrião, que neste momento é denominado blastocisto. O trofectoderma participará da formação da placenta (Cap. 9) enquanto que a MCI originará o embrião propriamente dito. O blastocisto expande-se, eclode da zona pelúcida e, posteriormente, ao final da blastulação, a MCI forma duas camadas celulares, uma interna e outra externa, denominadas hipoblasto e epiblasto, respectivamente, estabelecendo o disco embrionário bilaminar. Nos animais domésticos, a formação do disco embrionário bilaminar está associada ao desaparecimento da camada de trofectoderma que recobre o epiblasto (Cap. 6). Concomitantemente, o formato do embrião muda de esférico para ovoide e posteriormente para tubular e filamentoso, exceto nos equinos. O período compreendido entre a fertilização e a blastulação completa dura cerca de 10 a 12 dias em suínos, caprinos, ovinos e felinos, 14 dias em bovinos e equinos e 16 dias nos cães. Durante a fase subsequente do período embrionário, o disco embrionário bilaminar é transformado em um disco embrionário trilaminar pelo processo de gastrulação (Fig. 2-1; Cap. 7). A gastrulação leva à formação das três folhetos germinativos, ectoderme, mesoderme e endoderme, e à formação das células germinativas primordiais, as progenitoras das células da linhagem germinativa. No início do processo de gastrulação, a porção do trofectoderma localizada ao redor do disco embrionário, juntamente com o mesoderma extraembrionário subjacente, dá origem às pregas amnióticas que se fundem dorsalmente e encerram o disco embrionário na cavidade amniótica. Após a gastrulação, os três folhetos germinativos diferenciam-se em diversos tipos celulares e determinam a formação do arcabouço da maioria dos sistemas orgânicos, definindo o final do período embrionário (Fig. 2-2). O elevado número de tipos celulares derivados dos folhetos germinativos formados na gastrulação requer, obviamente, um intrincado sistema de organização e diferenciação celular para criar um organismo completo, com seus diferentes, mas interdependentes, tecidos e órgãos. Os diferentes mecanismos que regulam o desenvolvimento embrionário não devem ser vistos como eventos isolados, mas novamente, por conveniência, os processos de diferenciação, modelagem e morfogênese serão descritos separadamente a seguir. Fig. 2-2 Diferenciação de zigoto até a formação dos tecidos corpóreos. O período embrionário é seguido pelo período fetal, o qual se estende até o nascimento, e inclui o crescimento, maturação e remodelagem dos sistemas corpóreos. O desenvolvimento de cada um dos sistemas corpóreos, coletivamente referenciado como “embriologia especial”, será discutido nos capítulos subsequentes. De modo geral, a maioria das perdas embrionárias ocorre no período embrionário inicial. Esta é também a fase em que os embriões estão mais suscetíveis aos agentes teratogênicos (Cap. 19). Diferenciação O corpo de um mamífero adulto é composto por mais de 230 tipos celulares distintos, todos originados de uma única célula, o óvulo fertilizado ou zigoto. O processo pelo qual tipos celulares especializados desenvolvem-se de células menos especializadas é conhecido como diferenciação celular. Em geral, um evento que precede a diferenciação celular é o comprometimento celular, o qual, por sua vez, pode ser dividido em uma fase lábil e reversível denominada especificação celular seguida de uma fase irreversível denominada determinação celular. Uma vez que a célula tenha passado pelo processo de “determinação” o seu destino está fixado e, irrevogavelmente, sofrerá diferenciação. A diferenciação celular é essencialmente regulada mediante diferenças na expressão gênica. A diferenciação das células embrionárias de uma origem comum para gradualmente formar tipos celulares distintos ocorre similarmente a um curso de água que desce a encosta de uma montanha e ramifica-se diversas vezes até atingir a base (Figs. 1-4 e 2-2). E da mesma forma que uma folha que cai na correnteza desce a encosta por um único trajeto, também o faz uma célula particular, que segue um único trajeto durante a diferenciação. Entretanto, tanto para a folha como para a célula, numerosas decisões são tomadas ao longo do caminho até atingir o destino final. Assim, a diferenciação celular durante o desenvolvimento embrionário envolve diversos pontos de ramificação nas quais linhagens celulares dividem-se e as decisões sequenciais tomadas ao longo deste trajeto são determinantes da diferenciação. Como descrito, estas decisões são, em um primeiro momento, reversíveis (especificação celular), mas depois tornam-se irreversíveis (determinação celular). Indução Em um embrião, as células são frequentemente induzidas a diferenciar-se por uma sinalização célula a célula. A interação entre duas ou mais células vizinhas é denominada interação proximal ou indução. Durante o desenvolvimento, a indução entre células e tecidos, ou entre diferentes tecidos, é crucial para a organização e diferenciação das células em seus respectivos órgãos e tecidos. Para que a indução ocorra, entretanto, é necessário que as células induzidas (células potencialmente responsivas) sejam competentes ou receptivas ao sinal indutor. A competência, representada pela expressão de receptores de superfície, por exemplo, está frequentemente presente durante apenas um intervalo de tempo determinado. Se não for induzida durante este período crítico, a célula competente pode iniciar o processo de morte celular programada ou apoptose, em vez de sofrer diferenciação. A apoptose deve ser entendida como um mecanismo normal durante o desenvolvimento embrionário. O primeiro embriologista a investigar os processos de indução foi Hans Spemann (Cap. 1). Em embriões anfíbios, ele notou que a formação do cristalino no ectoderma superficial era somente atingida quando existia interação próxima da vesícula óptica do cérebro em desenvolvimento com o ectoderma superficial (Fig. 2-3, Cap. 11). Spemann removeu a vesícula óptica antes que a interação com o ectoderma ocorresse e como consequência observou que não havia formação do cristalino no ectoderma. Interessantemente, se a vesícula óptica fosse posicionada abaixo do ectoderma superficial do tronco, não era possível induzir a formação do cristalino no ectoderma sobrejacente. Em outras palavras, o ectoderma superficial do tronco não é competente para formar o cristalino. Fig. 2-3 Indução da formação do cristalino estudada por Hans Spemann. Em circunstâncias normais, a ectoderme neural da vesícula óptica induz a formação do cristalino no ectoderma superficial competente da cabeça (1). Uma vesícula óptica ectopicamente posicionada não é capaz de induzir a formação do cristalino no ectoderma superficial não competente do tronco (2). Se a vesícula óptica é removida, não há indução da formação do cristalino (3). Outros tecidos transplantados abaixo do ectoderma superficial competente da cabeça não induzem a formação do cristalino (4). Outro exemplo de indução é a geração do sistema nervoso pela indução do neuroectoderma (Fig. 2-4, Cap. 8). Células iniciais do ectoderma podem tanto diferenciar-se em ectoderma superficial (e deste em epiderme) como em neuroectoderma (e deste formar o sistema nervoso). A princípio, as células iniciais do ectoderma são não comprometidas (ou neutras) e capazes de diferenciar-se em qualquer direção. Entretanto, sinais oriundos da notocorda (uma estrutura mediana das espécies vertebradas que aparece durante a gastrulação, Cap. 7) induzem células ectodérmicas sobrejacentes a diferenciar-se no neuroectoderma. Particularmente, a molécula sinalizadora conhecida como Sonic hedgehog (Shh) desempenha papel crucial neste processo. Células ectodérmicas que não estão na posição mediana do embrião normalmente não recebem sinais indutores e formam o ectoderma superficial. Experimentalmente demonstrou-se que: a remoção da notocorda leva à formação exclusiva do ectoderma superficial.; já o posicionamento da notocorda em uma posição que não a mediana induz à formação de neuroectoderma ao invés de ectoderma superficial; e finalmente o ectoderma mediano removido da influência da notocorda subjacente forma ectoderma superficial. Esses exemplos ilustram que durante a especificação celular o destino da diferenciação celular pode ser alterado pela modificação da posição da célula dentro do embrião. Todavia, uma vez ocorrido a determinação celular, a plasticidade é perdida. Fig. 2-4 O desenvolvimento inicial do sistema nervoso como um modelo de diferenciação, modelagem e morfogênese. Diferenciação: Sonic hedgehog (Shh) secretado da notocorda induz a formação do neuroectoderma sobrejacente. Ainda durante a indução, um gradiente desta molécula está envolvido na determinação da estrutura do tubo neural por uma modelagem em zonas dorsoventrais pela expressão dos fatores de transcrição Pax 6 (ventralmente) e Pax 3 e 7 (dorsalmente). Modelagem: Shh derivado da notocorda (conforme já mencionado) e TGF-β do ectoderma superficial estão envolvidos na modelagem dorsoventral do tubo neural resultando na geração subsequente de fatores de transcrição que controlam a modelagem fina das diferentes camadas aferentes (dorsais) e eferentes (ventrais) de neurônios. Morfogênese: a alteração no formato de uma placa neural achatada para um tubo neural é causada pela formação de pontos de dobramento nos quais as células tornam-se constritas na porção apical e a proliferação celular do ectoderma superficial nas margens da placa neural empurram as laterais uma contra a outra. Células da crista neural deixam o tubo neural nos pontos de dobramento para formar outras estruturas. Modificado de Strachan e Read (2004). Moléculas sinalizadoras, como a molécula Sonic hedgehog, que atuam entre células com pequena distância são conhecidas como fatores parácrinos ou morfógenos. Muitos desses, envolvidos na indução, estão também envolvidos na criação de padrões morfológicos nas células embrionárias (veja a seguir). Quatro famílias principais destas moléculas sinalizadoras são particularmente importantes: A família dos fatores de crescimento derivados dos fibroblastos (fibroblast growth factor – FGF), que inclui mais de 20 proteínas. A família Hedgehog, incluindo as proteínas codificadas pelos genes Sonic hedgehog (Shh), Desert hedgehog (Dhh) e Indian hedgehog (Ihh).1 A família Wingless (Wnt), que contém ao menos 15 proteínas, as quais interagem com receptores transmembrana conhecidos como proteínas Frizzled. A superfamília do fator de crescimento transformador-β (transforming growth factor – TGF-β), que inclui ao menos 30 moléculas, tais como as famílias do TGF- β, da ativina e das proteínas ósseas morfogenéticas (bone morphogenetic protein – BMP), bem como as proteínas nodal, fator neurotrófico derivado da glia (GDNF), inibina e substância inibitória mülleriana (MIS). Potencial celular e genômico O zigoto e as primeiras gerações de blastômeros possuem potencial de desenvolvimento, ou potência, equivalentes. Na realidade, cada uma destas células é capaz, independentemente das demais, de dar origem a todos os tipos celulares que compõem o embrião propriamente dito, bem como às células que formam as membranas extraembrionárias e a porção embrionária da placenta. Esta característica celular é conhecida como totipotência celular. Nos animais domésticos, totipotência celular foi demonstrada pela primeira vez em ovelhas pelo cientista dinamaquês Steen Willadsen. Ele isolou blastômeros de embriões ovinos após as primeiras clivagens e deles produziu gêmeos e quadrigêmeos após transferências para ovelhas receptoras. De modo figurativo, totipotência celular corresponde ao início da correnteza na Figura 1-4. Em pouco tempo, entretanto, iniciam-se as ramificações e as células embrionárias tornam-se mais e mais restritas no seu potencial de desenvolvimento (ou seja, elas perdem potência). Como descrito anteriormente neste capítulo, subpopulações de células embrionárias, como a MCI e o epiblasto, mantém a capacidade de formar todos os tecidos do embrião propriamente dito, mas perdem a capacidade de formar tecidos extraembrionários. Essa característica é conhecida como pluripotência. No entanto, experimentos com células-tronco embrionárias (CTEs) tem desafiado este conceito demonstrando que CTEs, que são derivadas in vitro da MCI, podem originar trofectoderma. A geração da ovelha clonada Dolly, em 1996, por Wilmut e colegas, pela introdução de uma célula diferenciada da glândula mamária dentro de um ovócito cujo genoma havia sido removido, demonstrou que até mesmo uma célula diferenciada possui algum tipo de totipotência (Cap. 21). Neste contexto é importante diferenciar totipotência celular de totipotência genômica. Assim, o zigoto e os primeiros blastômeros possuem totipotência celular, uma vez que são por si só capazes de originar tanto o embrião por completo como todos os tecidos extraembrionários. A célula da glândula mamária, por sua vez, possui totipotência genômica; a célula pode formar todos os tecidos, mas apenas com o auxílio do aparato citoplasmático e reprogramação genômica provida pelo citoplasma do ovócito. Após a gastrulação (Cap. 7), a pluripotência permanece apenas nas células da linhagem germinativa, uma vez que as demais células embrionárias diferenciam-se em um dos três folhetos germinativos: o ectoderma, o mesoderma e o endoderma. Células em cada um desses folhetos germinativos somáticos são consideradas multipotentes e, em geral, possuem distintos potenciais de desenvolvimento. Ao final, células em cada um dos folhetos germinativos dão origem a células progenitoras unipotentes tecido-específicas ou células precursoras (classicamente designadas em histologia pelo sufixo: -blastos) capazes de produzir apenas tipos específicos de célula diferenciada. A linhagem germinativa masculina, ao menos em camundongos, pode, entretanto, albergar células-tronco pluripotentes uma vez que a espermatogênese é contínua. No entanto, na maioria das vezes as células de uma determinada linhagem atingem um estágio final de diferenciação no qual elas se tornam completamente maduras e não mais se dividem; neste momento elas estão terminantemente diferenciadas. Para manter a capacidade regenerativa de órgãos e tecidos, entretanto, algumas células mantêm-se plásticas, formando um conjunto de células-tronco somáticas unipotentes (ou mesmo multipotentes) que podem ser recrutadas. As células-tronco hematopoiéticas e as células-tronco mesenquimais da medula óssea adulta são exemplos de células-tronco somáticas. Controle molecular da diferenciação No nível molecular, diversas vias complexas estão envolvidas nas decisões tomadas ao longo dos processos de diferenciação celular. Dois dos fatores-chaves que participam desse processo são: Alterações epigenéticas (cromatina). Alterações epigenéticas resultam em padrões estáveis (ou seja, herdáveis) de expressão gênica nas células descendentes de qualquer linhagem celular. Conforme mencionado anteriormente, a constituição genética (ou seja, a combinação das sequências de DNA) não é alterada durante a diferenciação; todas as células descendentes do zigoto originam-se de divisões mitóticas e, portanto, devem possuir a mesma informação genética. Uma exceção ocorre no desenvolvimento dos linfócitos nos quais ocorrem rearranjos genéticos. Porém, diversos mecanismos epigenéticos, de um modo rígido e bem orquestrado, controlam como os genes são sequencialmente expressos durante o desenvolvimento embrionário de modo a governar os mecanismos de diferenciação. Os três mecanismos epigenéticos mais importantes são: metilação do DNA, pelo qual a cromatina de algumas regiões do genoma torna-se altamente condensada e transcricionalmente inativa (veja a seguir); modificações nas proteínas histonas incluindo a acetilação das histonas, que comumente leva a uma conformação mais relaxada da cromatina permitindo a transcrição; e regulação gênica por polycomb-trithorax (operando, p. ex., nos genes Hox descritos adiante), que modificam a estrutura da cromatina em conformações transcricionalmente reprimidas (Polycomb) ou ativas (trithorax). Sabe-se que pelo menos os processos de metilação do DNA e modificação das proteínas histonas estão associados, gerando um poderoso mecanismo de silenciamento gênico de longo prazo. Fatores de transcrição. A presença de fatores de transcrição estáveis ativa a expressão de genes importantes para o desenvolvimento. Ao longo de quase a totalidade deste livro, alguns dos principais fatores de transcrição atuantes nos mais diferentes aspectos moleculares do desenvolvimento embrionário são apresentados em quadros. Incluindo os principais genes Hox, descritos adiante. Modelagem Modelagem é o processo pelo qual células embrionárias organizam-se em tecidos ou órgãos. Embora a diferenciação dê origem a células com estrutura e função especializada, esse processo isoladamente não forma um organismo; as células diferenciadas necessitam ser organizadas espacialmente em três dimensões com uma relação muito bem definida entre elas. Todos os embriões mamíferos tendem a seguir eixos básicos de planos corpóreos gerando os eixos craniocaudal, dorsoventral e proximodistal. O eixo dorsoventral já está presente no blastocisto, com a MCI posicionada em um polo (Cap. 6). A formação do eixo craniocaudal ocorre na gastrulação (Cap. 7), enquanto que a formação do eixo proximodistal é adiada até a formação dos membros (Cap. 16). Modelagem é a consequência da expressão regional de genes que podem ser determinados pela ação de gradientes de moléculas sinalizadoras. Células-alvo próximas da fonte geradora de moléculas sinalizadoras estão expostas a maior concentração de sinalizadores que aquelas mais distantemente localizadas. Moléculas sinalizadoras que atuam desta maneira são conhecidas como morfógenos. Os eixos embrionários craniocaudal e proximodistal são modelados pelos gradientes morfogenéticos conhecidos em maior ou menor extensão. Um exemplo de modelagem pela expressão gênica regional controlada por gradientes de moléculas sinalizadoras é a formação do tubo neural (Fig. 2-4). Nesse contexto, a expressão dos genes Sonic hedgehog originada da notocorda (que é também ativo durante a indução do neuroectoderma) e TGF-β originada do ectoderma superficial está envolvida na determinação inicial da modelagem dorsoventral do tubo neural que resulta na geração sequencial de fatores de transcrição os quais controlam de modo fino a modelagem das diferentes camadas aferentes (dorsais) ou eferentes (ventrais) de neurônios. Genes homeóticos Outro bom exemplo de expressão gênica regional resultando em modelagem é representado pelos genes homeóticos da mosca das frutas, conhecidos como genes Homeobox (ou Hox) nos mamíferos. Na mosca das frutas, Drosophila melanogaster, esses genes são originalmente associados à geração da identidade posicional das células ao longo do eixo craniocaudal. A manipulação artificial desses resulta em alteração no desenvolvimento de todos os segmentos corpóreos. No mutante Antennapedia, por exemplo, observou-se o crescimento de pernas em vez de antenas na cabeça. Portanto, os genes homeóticos atuam governando a diferenciação celular em segmentos ou regiões inteiras do corpo. Os estudos com drosófilas mutantes revelaram dois agrupamentos de genes homeóticos localizados em um único cromossomo e que codificam fatores de transcrição com homeodomínios (que se refere ao sítio de ligação ao DNA). Esses genes são expressos ao longo do eixo craniocaudal, dividindo o corpo em zonas discretas (Fig. 2-5). Genes similares são encontrados nos mamíferos. Nos camundongos e nos humanos, os genes Hox estão reunidos em quatro agrupamentos denominados Hox-A, Hox-B, Hox-C e Hox-D, cada um deles localizado em um cromossomo particular. Verificou-se, em camundongos ao menos, que os genes Hox localizados na extremidade 3’ de cada um dos agrupamentos são expressos nas fases mais iniciais do desenvolvimento e controlam a modelagem das porções anteriores dos corpos, enquanto que os genes localizados nas porções mais próximas da extremidade 5’ são expressos mais tardiamente e controlam a formação das porções mais posteriores do corpo. Nos mamíferos, a expressão dos genes Hox ocorre inicialmente durante a gastrulação, começando pelos genes da posição 3’. Portanto, temporal e espacialmente, os genes Hox controlam o desenvolvimento dos segmentos corpóreos da porção anterior para a posterior. Em contraste ao que ocorre nas drosófilas, há sobreposição na expressão dos genes Hox nos mamíferos. Assim, de uma combinação particular da expressão de genes Hox oriundos dos quatro agrupamentos em cada região ao longo do eixo do corpo as células obtêm a sua identidade posicional específica. Esse padrão de identidade é conhecido como o “código Hox”. Fig. 2-5 Disposição dos genes homeóticos na Drosophila e dos genes Hox no camundongo. A homologia entre os genes da Drosophila e aqueles do camundongo em cada agrupamento é indicada pelo código de cores. Um gradiente de ácido retinoico (AR) está envolvido na definição do “código Hox”. Modificado de Sadler (2006). O “código Hox” parece ser induzido pela exposição de células pluripotentes ou multipotentes a um gradiente de moléculas sinalizadoras. Um gradiente de ácido retinoico, e alguns dos seus derivados imediatos, está provavelmente envolvido neste processo. Durante a gastrulação, a involução2 das células que formam o mesoderma e o endoderma ocorre pelas regiões organizadoras no sulco primitivo estendendo-se em direção à extremidade posterior do epiblasto (Cap. 7). Cada região organizadora impõe um “código Hox” às células sofrendo involução. No camundongo, três regiões organizadoras foram identificadas: a região organizadora inicial da gástrula, a região organizadora intermédia da gástrula e a região organizadora tardia da gástrula. A região organizadora tardia é também conhecida como nodo primitivo. Em associação do centro sinalizador anterior e o endoderma visceral anterior (EVA), os centros organizadores da gástrula formam gradientes anteroposteriores de moléculas sinalizadoras. Esses gradientes induzem a expressão de determinados genes Hox, determinando o previamente mencionado “código Hox”. Morfogênese Morfogênese é o mecanismo pelo qual tecidos e órgãos ganham forma. Assim, enquanto modelagem consiste na reunião de células em regiões que formarão os órgãos, a morfogênese consiste na aquisição da forma interna e completa pelos órgãos. Portanto, durante a morfogênese estruturas como tubos, folhetos e agregados densos de células são formados em resposta a diferentes taxas de proliferação celular, alterações no tamanho e/ou formato das células, fusão celular e/ou alterações nas propriedades de adesão celular, por exemplo. A formação do tubo neural durante a neurulação é um exemplo no qual alterações locais no formato celular e na proliferação celular aproximam grupos celulares distantes para formar uma nova estrutura (Fig. 2-4, Cap. 8). A transformação de uma placa neural achatada em um tubo neural fechado é causada tanto pela formação de pontos de dobramento, nos quais as células sofrem constrição apical devido a alterações no formato celular, bem como pela proliferação celular nas margens empurrando os dois lados um contra o outro. Outro exemplo de morfogênese é encontrado no epiblasto durante o processo de gastrulação: uma única camada de cé