Licenciatura em Psicologia - Perceção, Atenção e Memória PDF

Summary

These lecture notes cover basic concepts in visual perception and perceptual organization for the Psychology undergraduate program's first semester. The notes detail the distinction between sensation and perception and discuss factors such as stimulus processing levels, sensory systems (vision), and the process of object recognition. The document includes relevant readings from an introductory cognitive psychology textbook.

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10/11/2023 Licenciatura em Psicologia Perceção, Atenção, e Memória (1º Ano | 1º semestre) o Processos Básicos na Perceção Visual e Organização Percetiva Sugestão de Leitura: Eysenck, M. W. & Keane, M. T. (2020). Cognitive Psychology. A student’s...

10/11/2023 Licenciatura em Psicologia Perceção, Atenção, e Memória (1º Ano | 1º semestre) o Processos Básicos na Perceção Visual e Organização Percetiva Sugestão de Leitura: Eysenck, M. W. & Keane, M. T. (2020). Cognitive Psychology. A student’s handbook (8th ed.). East Sussex: Psychology Press. Capítulos 2 e 3 Susana Araújo | [email protected] 1 1. Sensação / Percepção / Cognição A perceção do estímulo é em geral mais rica do que aquilo que o olho regista. 2 1 10/11/2023 Fenómenos ambientais Estímulos sensoriais Transdução (conversão da energia Níveis de Excitação dos do estímulo em processamento nervos sensoriais impulsos nervosos) bioquímico Ativação do SNC sensorial Sensação Indivíduo dotado de capacidades de Níveis de processamento da Perceção processamento informação e de psicológico experiência Cognição rosa 3 Sensação versus Percepção: Distinção pouco clara (introduzida por Thomas Reid, 1785). Sensação: repercussão ao nível da consciência de uma qualidade primária do estímulo (luminosidade, cor, …). Percepção: processo pelo qual o cérebro seleciona, organiza e dá sentido à informação recebida pelos órgãos dos sentidos (sensações). Transformação das sensações provocadas pelo estímulo na representação mental de um objeto com significado. Dificilmente existem sensações “puras”, pelo que é difícil separar a representação do estímulo (percepção) das sensações por ele provocadas. Cognição: processo que envolve a manipulação das percepções. 4 2 10/11/2023 2. Caraterísticas dos Sistemas Sensoriais a) Os sistemas sensoriais são especializados ─ Órgãos sensoriais específicos, receptores sensoriais específicos, córtex sensorial específico. b) Os sistemas sensoriais funcionam com limiares de ativação/resposta ─ Limiar absoluto (intensidade mínima de estimulação necessária para que haja sensação) e Limiar de discriminação (diferença mínima na intensidade de dois estímulos necessária para que o sujeito os perceba como diferentes, como duas sensações). c) O input dos órgãos sensoriais é a energia ambiental e o seu output são impulsos nervosos ─ Transdução. d) Quando estimulados continuamente, os recetores sensoriais deixam de reagir a essa estimulação ─ Habituação. e) Os sistemas sensoriais variam entre espécies. 5 3. Modalidade Sensorial: a Visão Estímulo: radiações eletromagnéticas (ondas de luz) Parâmetros físicos Experiências subjetivas Intensidade  Brilho, luminosidade Comprimento de onda  Cor 6 3 10/11/2023 Do mundo visual até ao cérebro Orgão sensorial: Olho A quantidade de luz que entra no olho é regulada pela pupila através da abertura da íris. As ondas de luz atravessam o cristalino que tem por função focar os raios de luz na retina. Excetuando a retina, nenhuma das restantes estruturas do olho está implicada na transdução da energia física do estímulo em impulsos nervosos. A função destas estruturas é a de projetar na retina uma imagem nítida a partir da luz exterior. 7 Do mundo visual até ao cérebro Tecido sensorial: retina Receptores sensoriais (convertem a energia da luz em impulsos nervosos): ─ Cones: sensíveis a diferenças no comprimento de onda; detectam as formas e as cores; funcionam apenas em condições de luminosidade intensa; concentram-se na fóvea. ─ Bastonetes: funcionam melhor com pouca intensidade luminosa; especialmente sensíveis na detecção de movimentos na visão periférica. 8 4 10/11/2023 Do mundo visual até ao cérebro Projeção do campo visual na retina Campo visual– Toda a área abrangida pela nossa visão quando fixamos um ponto no horizonte A retina inverte a imagem que recebe, tanto no plano vertical como no plano horizontal. O hemicampo visual direito projeta-se na parte externa (temporal) da retina esquerda e na parte interna (nasal) da retina direita; O hemicampo visual esquerdo projeta-se na hemirretina nasal esquerda e na hemirretina temporal direita. 9 Do mundo visual até ao cérebro Mecanismos corticais da visão Córtex visual primário (V1): primeiro nível de processamento no córtex; área responsável por receber informação quanto ao tamanho, cor, luminosidade, movimento, dimensões, etc. Córtex visual secundário (V2): área que trabalha e interpreta a informação proveniente das áreas primárias. Transforma o estímulo em perceptos com significado e transmite a informação para áreas terciárias para que possa ser integrada com informação de outras modalidades. [tópico retomado mais à frente] 10 5 10/11/2023 4. Perceção Visual Para termos consciência de um objeto, o cérebro necessita de transformar o conjunto de sensações provocadas pelo estímulo no córtex sensorial na representação mental de um objeto com significado. Este nível de processamento designa-se perceção. 11 Estímulo Distal vs. Proximal vs. Percebido Estímulo distal (3D) Estímulo proximal (2D) Estímulo objeto real do ambiente percebido informação registada pelo exterior que vai estimular o sistema sensorial sobre o (representação sistema sensorial. objeto exterior (estímulo 3D) distal). A perceção incide sobre o Em termos de informação, é mais estímulo distal pobre do que o estímulo distal 12 6 10/11/2023 Alguns problemas que o sistema visual tem de resolver O estímulo proximal é “ambíguo”. O sistema visual tem de resolver o “problema de projecção inversa”: que objecto externo (estímulo distal) poderá ter gerado determinada imagem retiniana (estímulo proximal)? Variabilidade de estímulos proximais  mesmo estímulo distal A árvore mais próxima vai ter uma imagem retiniana maior (estímulo proximal) apesar da árvore ser a mesma (estímulo distal) 13 Alguns problemas que o sistema visual tem de resolver O estímulo proximal é “ambíguo”. Variabilidade de estímulos distais  mesmo estímulo proximal Por outro lado, existe uma infinidade de estímulos diferentes e numa infinidade de posições distintas que projetam a mesma imagem na retina, produzindo assim o mesmo estímulo proximal. 14 7 10/11/2023 Alguns problemas que o sistema visual tem de resolver Nem sempre vemos a totalidade dos objetos (e.g., sobreposições); por vezes estão desfocados ou degradados, ou apresentam-se sob diferentes condições de luminosidade, orientação, etc; podem ainda confundir-se facilmente com outros objetos ou com o fundo. Todavia, estes objetos são percebidos como completos e reconhecíveis sem esforço para a maior parte das pessoas. 15 Problemas que o sistema visual tem de resolver A informação chega muitas vezes desorganizada ao nosso sistema visual. Não obstante, há uma riqueza da representação mental do objeto face ao estímulo proximal. Para produzir uma imagem fiável do mundo exterior, o sistema visual tem que resolver diferentes tarefas:  Decidir que partes pertencem a cada objeto;  Transformar o estímulo proximal 2D numa representação 3D do objeto;  Perceber o objeto como constante, apesar das diferentes luminosidades, formas, tamanhos, orientações e sobreposições em que ele se apresenta.  Finalmente, identificar o objeto (reconhecimento). 16 8 10/11/2023 Tipicamente assume-se uma perspetiva hierárquica do processamento visual, compreendendo uma série de níveis de processamento discretos que produzem sucessivamente representações cada vez mais abstratas. Reconhecimento de objectos Reconhecimento de faces Extrair objectos do fundo Avaliar profundidade Determinar características dos objectos Detectar cor, luminosidade, contraste Detectar arestas [Adapted from http://dx.doi.org/10.1098/rstb.2016.0102] 17 Nível intermédio (mid-level) de processamento da informação visual O sistema visual ajuda-nos a descobrir a realidade do mundo exterior (por exemplo, a distinguir aspetos que pertencem a um mesmo objeto). Como fazê-lo de forma rápida e eficaz? 18 9 10/11/2023 5. Organização Percetiva: Teoria Gestaltista da Perceção Visual Gestaltismo Max Wertheimer (1880-1943); Kurt Koffka (1886-1941); Wolfgang Köhler (1887-1967); Kurt Lewin (1890-1947) "A perceção humana não é a soma dos dados sensoriais, pois passa por um processo de reestruturação que configura, a partir dessa informação, uma forma, uma gestalt, que se destrói quando se tenta analisar". Max Wertheimer 19 5. Organização Percetiva: Teoria Gestaltista da Perceção Visual As experiências vividas pela consciência têm uma natureza global, são gestalts, e não resultam da justaposição de elementos básicos. 20 10 10/11/2023 5. Organização Percetiva: Teoria Gestaltista da Perceção Visual A perceção é sempre a de um todo organizado. O efeito percetivo de um estímulo depende sempre do contexto em que está inserido. As propriedades emergentes do todo resultam de princípios/leis de organização dos elementos – princípios da organização percetiva. 21 Teoria Gestaltista da Perceção Visual Lei da pregnância (Kurt Koffka, 1935): Integra os diferentes princípios de organização percetiva que nos permitem perceber os objetos como um todo. “De todas as imagens possíveis, o sistema visual tende espontaneamente a perceber a estrutura mais simples, equilibrada, mais homogénea, mais regular, mais simétrica.” 22 11 10/11/2023 Teoria Gestaltista da Perceção Visual Princípios da organização percetiva a) Lei da proximidade: elementos próximos uns dos outros tendem a ser percepcionados como pertencendo ao mesmo objecto. b) Lei da semelhança: elementos semelhantes entre si tendem a ser agrupados. c) Lei da boa continuidade: os elementos. que produzem poucas interrupções tendem a ser 1 3 percepcionados como pertencendo ao mesmo objecto. 4 2 23 Teoria Gestaltista da Perceção Visual Princípios da organização percetiva d) Lei do fechamento: as partes em falta de uma figura tendem a ser preenchidas, de forma a completá-la. e) lei da pequenez: áreas mais pequenas tendem a ser percepcionadas como figuras que se destacam de um fundo mais amplo. f) Lei da simetria: formas simétricas relativamente. a um eixo tendem a ser f) percecionadas como agrupadas. 24 12 10/11/2023 Teoria Gestaltista da Perceção Visual g) Lei do destino comum: elementos visuais que aparentemente se movimentam juntos são também agrupados juntos. 25 26 13 10/11/2023 Teoria Gestaltista da Perceção Visual A ação conjunta destes princípios conduzem a uma das características fundamentais da organização perceptiva: somos capazes de determinar que partes da informação visual fazem parte do mesmo objeto ou de objetos separados - Segregação perceptiva Segregação figura-fundo O nosso sistema percetivo consegue evidenciar um ou mais objetos principais – a figura – de tudo o resto - o fundo. 27 Teoria Gestaltista da Perceção Visual Segregação figura-fundo: A figura tem uma forma, o fundo não. O contorno que separa a figura do fundo pertence à figura. A figura é vista como se estivesse à frente do fundo. Neste caso (“Vaso de Rubin”, 1915), cria- se uma ambiguidade percetiva 28 14 10/11/2023 Teoria Gestaltista da Perceção Visual "O todo é mais do que a soma das partes“ O todo inclui a organização das partes, imposta aos estímulos pelo sistema percetivo. O todo percecionado possui propriedades ditas emergentes ou qualidades globais que não fazem parte das características dos elementos. Pinturas de Giuseppe Arcimboldo (1527-1593) 29 Exemplo de “letra de Navon” H – o todo (a floresta) S – as partes (as árvores) Os sujeitos demoram mais tempo a decidir se a letra S está presente do que a decidir se a letra H está presente, pois o reconhecimento do todo (o H global) está disponível antes do reconhecimento das partes (o S local), produzindo interferência. 30 15 10/11/2023 Teoria Gestaltista da Perceção Visual Algumas ideias da Gestalt têm sido sujeitas a avaliação empírica:  o agrupamento dos elementos do campo percetivo ocorre numa fase inicial do processamento visual  as leis do agrupamento operam no sentido ascendente (bottom-up; guiada pelos dados) de modo a produzir a organização percetiva. No entanto, existe evidência empírica que refutam esta ideia, sugerindo a influência de processos descendentes (top-down) no agrupamento percetivo. Vecerera, SP & Farah, MJ (1997). Is visual image segmentation a bottom-up or an interactive process? Perception & Psychophysics, 59 (8), 1280-1296. Tarefa: decidir rapidamente se os dois “x” estão na mesma forma. Resultado: 1 mais rápido do que 2 1 2 31 6. Será a Perceção Visual Direta ou Construída? Perspetiva Construtivista (indirecta, interacionista): As percepções são construídas. Enfatiza a importância do conhecimento prévio e das expectativas na perceção. As diferenças individuais e a experiência passada importam para a perceção. Perspetiva Direta: A perceção é um processo direto, sem inferências. Enfatiza a riqueza da informação presente no estímulo. 32 16 10/11/2023 6.1. Perspetiva Construtivista da Perceção Visual Axiomas ─ A perceção é um processo ativo e construtivo; ─ Perceção = processamento ascendente bottom-up + descendente top- down. Bottom-up: Processamento diretamente afetado pelo estímulo (stimulus- driven) Top-Down: Processamento afetado por aquilo que o indivíduo traz para a situação de estimulação (e.g., conhecimentos e expectativas determinadas pelo contexto, por experiências passadas, crenças) ─ A perceção é conduzida por hipóteses e expectativas suscetíveis de erro (componente top-down da perceção). 33 Perspetiva Construtivista da Perceção Visual Hermann von Helmholtz (1821-1894) A perceção é um processo INFERENCIAL (indireto e inconsciente) Argumento: A informação retiniana (contida no estímulo proximal) é ambígua e incompleta.  a informação sensorial = conjunto de índices que servem de base para gerar hipóteses/interpretações. A perceção visual é um processo de inferência inconsciente (deriva de conhecimentos implícitos sobre o meio): trata-se de derivar uma interpretação provável a partir de dados incompletos. Exemplo: Projeção de luz na retina é bidimensional mas a perceção é tridimensional 34 17 10/11/2023 Perspetiva Construtivista da Perceção Visual Richard Gregory (1923-2010) As perceções são construções feitas a partir de fragmentos de dados provenientes dos sentidos e de hipóteses formuladas pelo sujeito (i.e., baseadas em processamento top-down). (Paradoxo: para percebemos o que vemos temos de saber o que estamos a ver) R. C. James 35 Perspetiva Construtivista da Perceção Visual Para Relembrar: o nosso conhecimento visual sobre um objeto (estímulo distal) depende da estimulação retiniana provocada pelo padrão de luz que ele reflete (estímulo proximal). Variabilidade do estímulo proximal:  intensidade da luz;  composição espectral;  tamanho;  forma;  movimento. Todavia, continuamos a ter uma perceção estável desse objeto. Como é possível? 36 18 10/11/2023 Perspetiva Construtivista da Perceção Visual Como pode a mente, a partir de uma imagem retiniana bidimensional e instável (estímulo proximal 2D que varia constantemente), formar uma representação estável e tridimensional do mundo? ─ Percepção 3D  Percepção da profundidade / distância ─ Percepção estável  Mecanismos de constância percetiva (e.g., constância do tamanho) 37 Perceção da Profundidade / Distância [tópico também abordado em aula TP] Os “índices de profundidade” permitem ao sistema perceptivo produzir uma representação 3D do ambiente. Índices visuais – informação proveniente da imagem 2D projectada na retina (também denominados índices secundários; e.g., altura no plano). Índices oculomotores – informação proveniente dos receptores nervosos situados nos músculos oculares (índices primários, pois relacionam-se com a fisiologia do sistema visual e.g., Convergência). Índices cognitivos – conhecimento prévio sobre os objectos percepcionados. (informação top-down). 38 19 10/11/2023 Perceção da Profundidade / Distância [tópico também abordado em aula TP] Índices de Distância Visuais Oculomotores Cognitivos (Secundários) (Primários) Monoculares Binoculares Dinâmicos Estáticos 39 39 Perceção da Profundidade / Distância Índices Visuais (secundários) Índices Visuais, Monoculares, Dinâmicos Paralaxe de movimento – movimento da imagem do objeto projetada na retina devido ao movimento da cabeça do observador. A velocidade dos objetos é inversamente proporcional à distância a que estão do observador. O sistema cognitivo interpreta as diferenças de velocidade em termos de diferenças de profundidade em que se situam os respetivos objetos no campo visual. Pode ocorrer em duas situações: - Quando o objeto se move e o observador está parado. - Quando o observador se move e o objeto está parado. 40 20 10/11/2023 Perceção da Profundidade / Distância Índices Visuais (secundários) Índices Visuais, Monoculares, Estáticos a) Sobreposição / Interposição / Oclusão O objeto que sobrepõe o outro é percebido como estando mais próximo do observador Ilusão de Kanizsa (1955) Este índice de profundidade parece basear-se também no princípio gestaltista da boa-forma: os objetos cobertos, apesar de não se verem inteiros, são percecionados como sendo completos. 41 Perceção da Profundidade / Distância Índices Visuais (secundários) Índices Visuais, Monoculares, Estáticos b) Tamanho da imagem retiniana Um objeto distante projeta na retina uma imagem mais pequena que um objeto próximo. A imagem retiniana de um objeto diminui à medida que o objeto se afasta (e vice-versa). Qual destes balões parece mais perto? 42 21 10/11/2023 Perceção da Profundidade / Distância Índices Visuais (secundários) Índices Visuais, Monoculares, Estáticos c) Perspetiva Linear As linhas paralelas parecem progressivamente convergir à medida que a distância aumenta.. "Città ideale" (Piero della Francesca?) d) Gradiente de textura A maioria dos objetos possui textura. Essa textura aparenta ser mais densa em objetos mais afastados. 43 Perceção da Profundidade / Distância Índices Visuais (secundários) Índices Visuais, Monoculares, Estáticos e) Altura no plano Objetos situados mais altos no plano aparentam estar mais longe A profundidade numa pintura chinesa é representada às custas da altura no plano 44 22 10/11/2023 Perceção da Profundidade / Distância Índices Visuais (secundários) Índices Visuais, Monoculares, Estáticos g) Perspetiva aérea f) Sombreado h) Desfocagem 45 Perceção da Profundidade / Distância Índices Visuais (secundários) Índices Visuais, Binoculares, Estáticos Disparidade Binocular ou Retiniana (stereopsis) Pelo facto de termos dois olhos ligeiramente afastados um do outro, o mesmo objeto projeta nas duas retinas imagens ligeiramente diferentes. O sistema cognitivo utiliza essa diferença entre as duas imagens para produzir a sensação de profundidade. Quanto mais próximo estiver o objeto do observador, mais díspares serão essas duas imagens. 46 23 10/11/2023 Perceção da Profundidade / Distância Índices Oculomotores (primários) Resultam da ação dos músculos ciliares - que controlam a contração do cristalino durante a focagem (acomodação) - e dos músculos oculares – que controlam os movimentos dos olhos de forma a projetar a imagem na fóvea (convergência). O cérebro processa a informação sobre o grau de contração destes músculos para avaliar a distância a que se encontra o objeto para o qual estamos a olhar. e.g., Convergência 47 Perceção da Profundidade / Distância Índices Cognitivos Referem-se às expectativas que o observador possui acerca do tamanho do objeto observado, quanto à sua posição, velocidades habituais, quanto à sua cor e à sua textura, etc (componente top-down da perceção da distância). Funcionam sempre em conjunto com os restantes índices. 48 24 10/11/2023 Mecanismos de Constância Percetiva A perceção permite-nos extrair as características invariantes de um estímulo distal a partir de um conjunto de estímulos proximais (imagens retinianas) que estão constantemente a mudar. Isso é conseguido com o auxílio dos mecanismos de constância percetiva. Permitem-nos perceber um objeto como tendo sempre o mesmo tamanho, forma, ou a mesma cor, independentemente da distância a que ele se encontra, da sua orientação, da velocidade a que se movimenta ou da iluminação que recebe. São exemplos da natureza construtiva da perceção, refletindo aspetos top-down do nosso sistema cognitivo.  Dois exemplos: Constância do Tamanho e Constância da Forma 49 Mecanismos de Constância Percetiva Constância do Tamanho Objetos idênticos (A e B) mas situados a distâncias diferentes resultam em imagens retinianas de tamanho diferente. No entanto, são percebidos como tendo o mesmo tamanho. Como é possível ter esta perceção constante? Estímulos distais (realidade) Estímulos proximais (imagem retiniana) 50 25 10/11/2023 Constância do Tamanho O mecanismo de constância do tamanho utiliza a informação sobre a distância para A) compensar a perceção das dimensões do objeto (i.e., compensar a diferença de tamanhos do estímulo proximal e produzir uma perceção constante). B) A) Duas pessoas sentadas no corredor são percebidas como tendo tamanho semelhante, estando uma mais distante que a outra. B) Eliminar a informação sobre a distância da segunda pessoa impede uma perceção de duas pessoas de tamanho normal. 51 Mecanismos de Constância Percetiva Constância da Forma O mecanismo de constância da forma utiliza a informação sobre a orientação do objeto para compensar as alterações de forma que a sua imagem retiniana sofre devidas à perspetiva do observador. Uma porta olhada de frente projeta na retina uma imagem retangular, mas se estiver meia fechada, a imagem projetada terá a forma de um trapézio. 52 52 26 10/11/2023 As Ilusões Percetivas como argumento para defender a natureza inferencial da perceção Existe discrepância entre a realidade física e a nossa perceção dessa realidade. Quando as distorções introduzidas pelo sistema perceptivo são particularmente marcadas denominamo-las ilusões (são situações em que o processo de inferência falha; falsas inferências). Classificação das ilusões visuais (segundo Richard Gregory):  Ilusões de distorção  Ilusões de ambiguidade  Ilusões paradoxais  Ilusões de ficção 53 Ilusões Visuais a) Ilusões de distorção A ilusão consiste numa perceção distorcida de determinado aspeto do estímulo (a forma, a cor, o tamanho) Ilusão de Müller-Lyer A ilusão (distorção do tamanho do segmento de reta) resulta do nosso sistema visual fazer uma aplicação indevida dos mecanismos de constância percetiva. (A experiência quotidiana dos estímulos de Müller-Lyer) 54 27 10/11/2023 Ilusões Visuais a) Ilusões de distorção Ilusão de Ponzo A presença de índices de distância/profundidade (pista monocular para a profundidade – Perspetiva Linear) ativa automaticamente o mecanismo de constância de tamanho. A aplicação indevida deste mecanismo leva à distorção do tamanho do segmento de reta. 55 Ilusões Visuais a) Ilusões de distorção 56 56 28 10/11/2023 Ilusões Visuais a) Ilusões de distorção Sala de Ames Ilusão baseada na (aplicação indevida da) Constância de Tamanho (planeada pelo oftalmologista Adalbert Ames, em 1946) 57 Ilusões Visuais a) Ilusões de distorção Sala de Ames A sala é construída de forma a que sejam iludidas as pistas de distância. O observador não se dá conta de que a pessoa de azul está muito mais distante do que a pessoa de vermelho. Sem informação sobre a distância, a perceção do tamanho fica totalmente dependente do tamanho da imagem retiniana, criando a ilusão. 58 29 10/11/2023 Ilusões Visuais b) Ilusões de ambiguidade A ilusão resulta neste caso da ambiguidade da informação transmitida pelo estímulo (bottom up), a qual é compatível com duas interpretações distintas. O sistema percetivo oscila entre estas duas perceções distintas. Estes estímulos ambíguos ilustram bem a importância dos processos top-down na perceção. Vaso de Rubin (Edgar Rubin, 1915) (Desenho do cartonista W. E. Hill, 1915) 59 Ilusões Visuais c) Ilusões Paradoxais Neste tipo de ilusões, o nosso sistema percetivo constrói um objeto 3D a partir do desenho 2D, no entanto, o objeto percebido é paradoxal (impossível de existir). Devil’s fork (Schuster, 1964) 60 30 10/11/2023 Ilusões Visuais c) Ilusões Paradoxais Triângulo impossível Embora possa existir como objeto 2D (desenho), este triângulo é paradoxal enquanto objeto real 3D. A sua estrutura não permite que seja um objeto fechado (dar atenção às esquinas). 61 61 M. C. Escher “Côncavo e convexo” (1955) 62 31 10/11/2023 M. C. Escher “Queda de água” (1961) 63 Ilusões Visuais d) Ilusões de Ficção (outros exemplos serão abordados em aula TP) Neste tipo de ilusões, o sistema cognitivo cria um percepto com pormenores que não existem no estímulo. Triângulos de Kanizsa O sistema percetivo, baseando-se em índices de sobreposição e no princípio da boa forma, “cria” um triângulo branco a flutuar sobre o outro triângulo. Devido à abertura do círculos negros, o triângulo fictício aparenta não ter os lados retilíneos. 64 32 10/11/2023 Ilusões Visuais d) Ilusões de Ficção (Akiyoshi Kitaoka, 2003) 65 Outros exemplos que põem em evidência o processo de interpretação/inferencial dos dados sensoriais Degradação do dado sensorial (redução de índices visuais) Segregação ou agrupamento percetivo 66 33 10/11/2023 Outros exemplos que põem em evidência o processo de interpretação/inferencial dos dados sensoriais Organização de figuras sem significado (V. Vasarely) 67 Outros exemplos que põem em evidência o processo de interpretação/inferencial dos dados sensoriais Importância do contexto para a integração das informações numa interpretação consistente 68 34 10/11/2023 6.2. Perspetiva Direta da Perceção Visual Gibson (1966; 1979) perceção direta, ecológica, Information Pickup Theory Perceção: processo direto sem inferência. Refuta os argumentos da insuficiência de informação na estimulação retiniana.  Existe muita informação disponível do estímulo (e.g., gradiente de textura; paralaxe do movimento [ver slides sobre os índices visuais]) que permite uma perceção direta do mesmo, baseada em processamento bottom-up.  Estimulações retinianas têm lugar no tempo (paralaxe de movimento) e no espaço (gradiente de textura) 69 Perspetiva Direta da Perceção Visual “The central postulates of Gibson's approach are that (1) visual space is defined by information (such as texture gradients) contained on environmental surfaces, (2) the crucial information for perception is information that remains invariant as an observer moves through the environment, and (3) this invariant information is picked up directly, so that no intervening mental processes are necessary for visual perception.” Goldstein (1981) 70 35 10/11/2023 Perspetiva Direta da Perceção Visual Os organismos percecionam:  Características do meio (disposição dos objetos e das superfícies)  Situação do organismo em relação ao meio  Acontecimentos (movimentos e mudanças)  Affordances (possibilidades em relação à ação) O organismo extrai diretamente a informação do meio (objetos distais) a partir dos estímulos proximais. Mudanças constantes que apresentam uma certa regularidade, obedecem a regras chamadas invariantes. O sistema visual tem mecanismos (extração de invariantes) para a apreensão direta das propriedades dos objetos e dos seus usos potenciais (affordances). 71 72 36 10/11/2023 7. Dois Sistemas Visuais Via “What” e “Where” "A visão é o processo de descoberta, a partir de imagens formadas sobre a retina, do que está presente no mundo e onde está." (Marr, 1982) Duas funções: o que é? onde está? 73 6. Dois Sistemas Visuais Via “What” e “Where” Via ventral (“WHAT”) “O que é?” Reconhecimento de objetos; cor, forma, orientação; inf. lenta Via dorsal (“WHERE”) “Onde está?” Localização de objetos no espaço; direção do movimento; inf. rápida 74 37 10/11/2023 Dois Sistemas Visuais Visão para a perceção e Visão para a ação Milner & Goodale (1993; 1995; 2008) Modelo de perceção e ação Sistema visual para a perceção Identificação/Reconhecimento de objetos Sistema visual para a ação Ação guiada visualmente; Atingir/alcançar/agarrar/prender Visão para a acção Visão para a percepção 75 Evidências empíricas para a proposta de dois sistemas visuais separados (1) Estudos com pacientes com lesão cerebral Ataxia ótica: Dificuldade em realizar movimentos guiados visualmente apesar de uma perceção visual relativamente intacta. Lesões na via dorsal – e.g., Jakobson et al. (1991): paciente VK Agnosia visual: Dificuldade em reconhecer objetos apresentados visualmente apesar da informação visual chegar ao córtex visual Lesões na via ventral – e.g., Milner et al. (1991; 1992): paciente DF 76 38 10/11/2023 Evidências empíricas para a proposta de dois sistemas visuais separados (2) Estudos com ilusões visuais Haart, Carey & Milne (1999): com versão 3D da ilusão de Müller-Lyer: 2 tarefas: emparelhar: envolve sist. ventral para a perceção  sensível à ilusão agarrar: envolve sist. dorsal para a ação,  não sensível à ilusão 77 Evidências empíricas para a proposta de dois sistemas visuais separados Mas os dois sistemas não estão completamente separados Pacientes com lesão na via dorsal não conseguem atingir alvos através de movimentos rápidos. No entanto, melhoram o seu desempenho quando incentivados a abrandar o movimento e a efetuá-lo de maneira deliberada, isto é, usando mecanismos da via ventral. A maior parte das ações ocorrem rapidamente e sem planeamento consciente; outras não tanto (comer com pauzinhos)  As nossas ações podem envolver o sist. ventral (visão para perceção) além do sist. dorsal (visão para ação). 78 39

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