Globalização, Financeirização e Digitalização

Globalização, Financeirização e Digitalização

• O texto trata dos impactos da globalização, financeirização e digitalização no mundo do trabalho.

Globalização

• A globalização tem uma dimensão econômica, que integra as economias nacionais mundialmente, diminui barreiras comerciais e incentiva a livre circulação de pessoas, bens e capitais.
• A dimensão sociocultural da globalização envolve a difusão global de produtos midiáticos e a integração das comunicações, criando um sentimento de pertencimento a uma comunidade global.

Globalização Econômica

• Aumento do comércio internacional desde o fim da 2ª Guerra Mundial devido a políticas governamentais.
• A Europa viu a redução de barreiras comerciais através da EFTA e CEE, integrando economias na UE com o Euro.
• Na América do Norte, o NAFTA eliminou tarifas e barreiras comerciais.
• No mundo, o GATT evoluiu para a OMC, estabelecendo regras para o comércio global e resolução de disputas.

Perspectiva Liberal da Globalização

• A globalização leva ao aumento da produtividade, por meio da divisão do trabalho baseada em vantagens competitivas, resultando em produção mais eficiente.
• Na perspectiva liberal ocorre o aumento do rendimento per capita nos países em desenvolvimento e maior convergência de rendimentos entre países.
• A migração laboral aumenta de países com baixos salários para países com salários mais elevados, tendendo à convergência de rendimentos entre países.
• Empresas multinacionais aumentam o investimento estrangeiro em economias em desenvolvimento.
• Empresas multinacionais preferem economias com regulamentação estável.
• Empresas multinacionais pagam melhores salários do que as empresas locais.
• Códigos de conduta empresariais influenciam e melhoram as normas locais ligadas ao trabalho.
• Há uma proliferação de standards internacionais que regulam as relações laborais, favorecendo os trabalhadores.

Perspectiva Crítica da Globalização

• A deslocalização da produção para países com mão de obra mais barata leva à perda de empregos e pressão para reduzir salários em países com custos laborais mais altos.
• A concentração de empregos qualificados e bem remunerados nos países desenvolvidos resulta da transferência de empregos menos qualificados para economias emergentes.
• A competição global entre países leva a uma "corrida para o fundo", onde as nações reduzem salários e flexibilizam a regulamentação laboral para atrair investimento.
• Em setores trabalho-intensivos, a competição para cortar custos pode levar à queda de salários e normas laborais.
• Empresas multinacionais aumentam a mobilidade internacional dos trabalhadores qualificados, adotam padrões internacionais associados ao trabalho e pressionam os estados para obter regulamentação favorável.

Impactos da Globalização no Trabalho

• A globalização intensifica a competição em preço e qualidade para as empresas.
• A globalização pressiona as remunerações e qualificações dos trabalhadores.
• Estados competem através de regimes fiscais.
• A deslocalização empresarial e de postos de trabalho causa desequilíbrio nas relações entre empresas e estados, e entre empresas e trabalhadores.
• A globalização modifica os padrões da divisão internacional do trabalho através das cadeias de valor globais.

Características do Trabalho nos Serviços

• O trabalho nos serviços é diversificado, incluindo restaurantes, táxis e saúde.
• Um empregado de limpeza numa empresa de indústria exemplifica o trabalho nos serviços.
• Serviços são intangíveis, ou seja, não podem ser embalados e enviados por transporte.
• A produção e o consumo de serviços são simultâneos, com consumidores envolvidos no processo (ex: encontro social).
• O trabalho em serviços envolve a mediação de expectativas entre empregadores (eficiência) e clientes (satisfação).
• O trabalho emocional, conforme Hochschild (1983), envolve o alinhamento das emoções privadas com as expectativas normativas, através do "deep acting" (emoções genuínas) ou "surface acting" (conformidade superficial).
• Expectativas de Género: Incorporação nas expectativas profissionais, predominância de mulheres em ocupações que requerem deferência e atenção ao cliente e predominância de homens em ocupações que requerem performances de autoridade e competitividade.
• Dissonância emotiva: alguns trabalhos e em certas condições tendem a ter consequências negativas.
• "Linha da frente": há dinâmicas de poder, conflito, controlo e resistência num triângulo entre trabalhadores, empregadores e clientes.
• Alguns aspetos da interação entre empregados da restauração e clientes escapam ao controlo dos empregadores.
• Emprego em fast food é uma forma de controlo da relação empregado-cliente.
• Vendedores de seguros porta a porta formam uma identidade através da socialização intensiva.

Neoliberalismo

• O neoliberalismo é um movimento intelectual com ideias difundidas por intelectuais austríacos e alemães nos anos 20 e 30, influente nos EUA.
• Governamentalidade (Foucault): Concepção neoliberal do papel do Estado e da relação entre indivíduos e sociedade, influenciando tanto a vida doméstica quanto a ação governativa.
• O liberalismo clássico, com pensadores como Adam Smith, John Locke e John Stuart Mill, defende direitos individuais, liberdade individual, propriedade e o bem comum.
• Economia política no liberalismo clássico: visão dos mercados como ordens espontâneas que tendem a gerar ganhos positivos para a sociedade, mesmo que baseadas na busca do lucro individual e mínima intervenção do Estado na economia ("laissez faire").
• Neoliberalismo (Hayek, Becker, Friedman): revivalismo e crítica ao liberalismo clássico.
• O neoliberalismo defende que os mercados permitem solucionar a maioria dos problemas sociais, funcionando como agregadores de informação dispersa.
• O neoliberalismo implica a utilização de instrumentos do Estado para a criação de novos mercados e manutenção do seu funcionamento.
• Neoliberalismo Político: Intervenção do Estado para promover e criar mercados e incentivar a lógica da ação individual em detrimento da ação coletiva.
• Neoliberalismo como Mentalidade: Indivíduo visto como empresário de si próprio, a fazer investimentos com vista à geração de rentabilidades (Capital Humano) e com Motivação egoísta e maximizadora (custo-benefício).
• Neoliberalismo causa Impactes no Trabalho, como alterações às leis laborais vistas como obstáculos, declínio da proteção social e da mobilização sindical, e legitimação das desigualdades.

Financeirização

• Financeirização: crescente papel dos motivos financeiros, mercados financeiros, atores financeiros e instituições financeiras na economia doméstica e internacional. (Epstein 2005)
• Financeirização envolve a crescente dominância de atores financeiros, mercados, práticas, medidas e narrativas que resulta numa transformação estrutural de economias, empresas (incluindo instituições financeiras), estados e famílias (Aalbers, 2019)
• Perspetiva marxista: Processo de transformação sistémico das economias capitalistas no qual, devido à queda na taxa de lucro, os empresários canalizam o capital para atividades financeiras.
• Perspectiva pós-keynesiana: Crescimento das atividades financeiras em relação ao resto da economia em resultado de políticas neoliberais, como a liberalização dos movimentos de capital e políticas desinflacionárias.
• Perspetiva da sociologia económica: Transformação do modelo de negócio das empresas, atribuição de maior importância à maximização do valor acionista.
• Aumento da proporção das atividades financeiras nas empresas não financeiras
• Financeirização da vida individual, que abrange as práticas de gestão doméstica e a perceção do sujeito como investidor.

Empresas e Valor Acionista

• Existe baixa rentabilidade das empresas
• A teoria da agência explica o problema entre a relação dos gestores com os acionistas - não há alinhamento entre os interesses.
• Há uma coligação política entre grandes investidores e acionistas nas empresas
• Há uma alteração da estrutura de governação das empresas no sentido do alinhamento das práticas de gestão com o objetivo de valorizar as ações das empresas

Estratégias de promoção da rentabilidade (valor acionista):

• Foco num core business e venda de negócios não essenciais ou não lucrativos
• Fusão com empresas no mesmo setor
• Aumento da proporção de ativos financeiros no balanço das empresas
• Corte nos custos com o trabalho

Impactes da Financeirização e Neoliberalismo no Trabalho

• Impacto na Identidade e valores dos trabalhadores
• Impacto no Papel das organizações
• Impacto na Legislação laboral
• Impacto na Concorrência
• Impacto no Movimento sindical
• Impacto nas Qualificações
• Impacto nas Carreiras

Digitalização

• Internet e redes de alta velocidade
• Big Data, a fusão de massas colossais de dados comerciais, pessoais e geográficos pelas plataformas da Internet, exploráveis diretamente
• Explosão de novos dispositivos móveis (telemóveis, tablets, wearables, etc.), que dão acesso móvel à internet em todos os momentos e lugares
• Criação de machine learning com aplicações na produção e análise de media e IA.
• A "Nova Economia" digital inclui a economia de partilha (sharing economy) e a economia colaborativa (collaborative economy).
• É possível clarificar a economia de partilha e colaborativa através de critérios como a monetização (serviços pagos ou gratuitos), o investimento necessário para participar como prestador e a localização (se os serviços podem ser deslocalizados).
• Os impactos da digitalização no emprego e trabalho incluem a criação de emprego em novos setores, produtos e serviços, mudança de emprego com a digitalização e automação, a destruição de postos de trabalho pela automatização e robotização, e a transferência de emprego para plataformas digitais e crowd sourcing, formando uma economia de "partilha".
• A digitalização cria novos empregos no "top of the scale", como analistas de dados, desenvolvedores de software, especialistas em IA e designers de robôs e impressoras 3D, bem como especialistas em marketing digital e e-commerce.
• A digitalização cria novos empregos no "bottom of the scale", como "galley slaves" digitais (inserção de dados) e motoristas de Uber, além de trabalhadores em serviços ocasionais na economia "colaborativa".
• A crítica dos cenários da digitalização e prospetiva foca em como os cenários são desenhados e quais são os critérios utilizados.
• Quanto maior a posição de um país no IDES (desenvolvimento de infraestruturas de banda larga, cibercompetências dos trabalhadores, utilização da Internet), menos os seus postos são ameaçados pela digitalização.
• A crítica dos cenários da digitalização e prospetiva incerteza face à dificuldade de antever os desenvolvimentos tecnológicos e os seus impactos
• Multiplicação de cenários e estimativas sobre os impactos da digitalização no trabalho
• Grandes disparidades nas estimativas nos impactos numéricos nos trabalhos perdidos ou criados, bem como nos impactos em diferentes ocupações e na conciliação entre trabalho e vida privada
• A análise da digitalização envolve a distinção entre trabalho e vida privada, a desigualdade e estagnação salarial, a saúde e segurança, a formação, a discriminação, a organização do trabalho, novas formas de emprego e novas formas de gestão, incluindo a economia de plataforma.

Distinção Trabalho-Vida Privada na Era Digital

• Extensão do horário de trabalho em casa, com resposta a emails e disponibilidade permanente.
• Extensão da vida privada ao espaço de trabalho, com atenção às redes sociais e resposta a mensagens.
• Há um aumento do controlo à distância e medição do tempo de trabalho
• A digitalização causa a polarização dos empregos com a redução dos empregos de qualificações médias
• A polarização tende a diminuir a estagnação salarial
• Há sempre dificuldade em destrinçar os efeitos da digitalização dos efeitos causados por outras tendências como uma financeirização ou um declínio sindical

Formação e Emprego na Era Digital

• Entre 2012 e 2022, o emprego para profissionais de TIC aumentou 90%
• Entre 2019 e 2020 foram criados quase 300 mil novos postos de trabalho profissionais nas TIC.

Saúde e Segurança

• Há empregos flexíveis e horários de trabalho desestandardizados - turnos não diurnos e rotatividade
• Disponibilidade permanente
• Intensificação do trabalho
• Desresponsabilização das organizações no caso de novas formas de emprego como nas plataformas
• Aumento do absentismo
• Dificuldade de adaptação de trabalhadores mais velhos

Discriminação

• Perfis pessoais e fotografias são indicadores de discriminação - diferentes níveis de preços são cobrados, probabilidade de encontrar alojamento, etc.
• Inteligência artificial e enviesamentos podem gerar discriminação Exs:Seleção de candidatos, probabilidade de deixarem a empresa e conformidade de comportamentos
• Há vários riscos se a inteligência artificial for usada para discriminar:
  • Enviesamentos de treino
  • Falta de transparência
  • Dificuldade de equilíbrio
  • Aparência de neutralidade

Formas de Emprego Digitais

• Partilha de trabalhadores
• Partilha de postos de trabalho
• Gestão interina
• Trabalho remoto
• Trabalho por voucher
• Crowdwork
• Emprego colaborativo

Economia de Plataforma

• A economia de plataforma abrange empresas de plataforma, criação de conteúdo para plataforma e mercados mediados por plataforma (de bens e de trabalho).
• Na economia de plataforma - tipos de trabalho nos mercados de trabalho mediados por plataforma incluem serviços presenciais (Uber, Deliveroo) e serviços remotos (Mturk, Upwork).
• Há mercados mediados (de bens) mediados por plataforma -Amazon, eBay, Alibaba
• A economia de plataforma inclui a venda a indivíduos mas também a negócios.
• Concentração de poder e riqueza ao longo da cadeia de valor na plataforma do mercado digital ou no proprietário da plataforma de comunicação
• A relação de trabalho é complexa na economia de plataforma . Os trabalhadores são colocados numa concorrência mundial em termos de preços
• A economia de plataforma abre novas possibilidades de controlo sobre os trabalhadores, mas também de cooperação entre eles

Serviços Presenciais e Gestão na Economia de Plataforma

• Invisibilidade da gestão e ilusão de independência - os trabalhadores associam a experiencia ao emprego na economia de plataforma
• As mensagens dos proprietários de plataformas enfatizam os aspetos de liberdade, diversão e emancipação de se ser o seu próprio chefe
• Esta mensagem é reforçada pela ausência de supervisão presencial
• Muitos trabalhadores das plataformas, especialmente aqueles que não dependem do trabalho como sua principal fonte de rendimento, gostam da independência associada ao trabalho

Serviços presenciais: controlo do trabalho

• Preços definidos pelas plataformas
• Vigilância dos tempos de trabalho, travagem e aceleração (Uber), aceitação e recusa de trabalhos, reviews, etc
• Incentivo por meio de gorjetas e "gamificação" de recompensas para tornar o trabalho mais positivo e divertido para os funcionários
• Opacidade dos mecanismos de controlo
• Há diferenças entre trabalho por plataforma e trabalho por conta própria

CrowdSourcing

• Um cliente (um indivíduo ou uma empresa) contrata trabalhadores em bloco para executar uma tarefa ou concluir um projeto. O crowdsourcing é uma forma de outsourcing
• Há acesso fácil a uma força de trabalho global numerosa, disponível 24 horas por dia, que pode executar tarefas de forma rápida e barata
• Há supervisão de todos os aspetos do processo de trabalho: organização e atribuição de tarefas, bem como a supervisão dos trabalhadores
• Microtarefas: altamente padronizadas e simples (taylorismo) e exigem julgamento humano (testar aplicações ou responder a inquéritos)
• Macrotarefas: mais abertas e complexas e que muitas vezes exigem experiência profissional (desenvolvimento de software, web design ou conhecimento médico) e são melhor remuneradas
• Os crowdworkers competem pela atribuição de tarefas com microtarefas
• Os mecanismos de avaliação e controlo são desconhecidos dos crowdworkers (opacidade) e o controlo de qualidade tende a ser feito por humanos
• Macrotarefas - Importância da visibilidade dos perfis individuais e Avaliação feita por clientes mas também por outros crowdworkers (votação)
• Na economia de plataforma já não existem nem contratos de trabalho, nem normas salariais, nem regulamentação do tempo de trabalho ou normas relativas ao horário de trabalho, local de trabalho, formação, acesso a sindicatos ou ação coletiva.
• Ao trabalhador, ou melhor, ao «parceiro» – pertencente a esta comunidade virtual, cabe gerir a sua própria proteção social (desemprego, pensão de reforma, doença profissional), a proteção da saúde e da segurança no trabalho

Formas de Gestão e Tecnologia

• As possibilidades de controlo oferecidas pela "gestão digital" representam um desafio e uma ameaça potencial para o mundo do trabalho e, em particular, para os sindicatos
• O controlo digital se faz por gamificação e/ou controlo algorítmico
• Há experiências que utilizam a tecnologia para gerir o trabalho de acordo com as necessidade dos trabalhadores

Gamificação

• Making-out: Para os os jogos dos trabalhadores e os jogos da gerência (Burawoy, 1979) é algo que para dar Sentido ao trabalho repetitivo e diminuir o tédio, bem como Incentivo de alguns jogos
• A permissão de outros dentro das margens aceitáveis de lucro são uma forma de obter a cooperação dos trabalhadores
• Gamificação digital: Badges, Levels, Leaderboards, Achievements, and Points (BLAP)
• A gamificação é uma forma de se fazer mais para garantir a precarização e a subjetificação do trabalho
• Há quem diga que "Gamification is bullshit" para conseguir uma Gestão invisível Estratégia de subjectificação do trabalho e para Gerir o conhecimento informal, Substituição do controlo humano do trabalho

Controlo Algorítmico

• Vigilância do trabalho - Produção de dados sobre os trabalhadores (surveillance capitalism, Zuboff,2018) e Utilização de dados para recrutamento, avaliação de personalidade e competências Medição e quantificação da performance com a Monitorização da performance em tempo-real pelo trabalhador/gerência, produção de relatórios automáticos de desempenho